Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2522/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PROVAS
PROVA DOCUMENTAL
PROVA PERICIAL
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 01/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 117, N.º 2, 120º, N.º 2, AL. D), 129º, N.º 1, 165º, N.º 1, 340º E 374º, N.º 2, DO C. P. PENAL
Sumário: I- Não são de deferir provas que, requeridas na contestação, se limitam a pretender “acautelar entusiasmos judicantes que siga as pisadas da acusação”;
II- Não é de deferir um requerimento, na contestação, para realização de perícia psiquiátrica ao seu actual estado de saúde, quando o que se pretende é provar os efeitos psicológicos que a acusação teve sobre o arguido;

III- A prova documental, em regra, deve ser junta no inquérito ou na instrução. Se decorre da própria junção que o documento esteve “guardado” só a prova da impossibilidade atempada da sua junção ou ao abrigo do disposto noa art.º 340º, do CPP, se justifica a sua admissão.

IV- Cumpre-se o disposto no art.º 374º, n.º 2, do C. P. Penal quando a decisão evidencia perfeitamente, embora em síntese, o percurso lógico em que assenta, permitindo sindicar os respectivos fundamentos

V- O testemunho de ouvi dizer não se confunde com o depoimento indirecto. Quando uma testemunha refere o que ouviu dizer ao arguido, que está presente, não se pode qualificar tal como testemunho de ouvi dizer só porque o arguido optou pelo direito ao silêncio.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I. Após realização da audiência de discussão e julgamento o Tribunal Colectivo do 2º Juízo do TJ de Anadia decidiu:
1 - Julgar a acusação improcedente quanto ao crime de usurpação de funções que era imputado à arguida A..., dele a absolvendo;
2 - Julgar a acusação procedente na parte restante, condenando as arguidas:
a) A..., pela prática, em concurso efectivo real, de um crime de falsificação de documento, como funcionária (do art. 256/4 do CP), na pena de 2 anos de prisão, e de um crime de subtracção de documento (do art. 259/3 do CP), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo destas duas penas, condená-la na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um período de 2 anos, suspensão que fica condicionada ao pagamento, no prazo de 6 meses, da indemnização fixada infra.
b) B..., pela prática de um crime de falsificação de documento [do art. 256/1c) do C.P.], na pena de 150 dias de multa, a 6,00€ diários, num total de 900,00€, com 100 dias de prisão subsidiária.
3 - Julgar procedente o pedido cível, condenando-se as arguidas a pagar à C..., solidariamente, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida dos juros vencidos desde 24/06/2003 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal anual de 4%.
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II. Recorrem as arguidas de tal decisão, com as seguintes CONCLUSÕES
1. As recorrentes desde já manifestam o interesse na apreciação e julgamento dos seus recursos intercalares, motivados a fls.341ª e sgts. e 451ª e sgts. dos autos;
2. A decisão aclaratória de fls.533ª dos autos que versa sobre o acº. ora recorrido, nos termos dos Arts.669ºnº.1 e 670ºnº.2 do CP Civil aplicável “ex vi” Art.4º do CP Penal, faz parte integrante da mesma decisão aclarada, motivada pelo requerimento das arguidas de fls.520ª e sgts.
3. Considerando a fundamentação e motivação da decisão recorrida quanto toca aos factos dados como assentes sob os nº.4, 5, 6 e 7 importava saber em que condições e circunstâncias de tempo, modo e lugar é que as referidas testemunhas ouviram a arguida A... “assumir” perante estas esses factos e já pela razão de tais depoimentos terem sido relevantes para o referido efeito.
4. Da decisão aclaratória de fls.533ª dos autos nada se aclara quanto a este conspecto, perdendo-se a resposta na imensidão do silêncio oferecido às questões menores. Os factos em causa prendem-se apenas com a prática e autoria dos factos que se discutem nestes autos….
5. A esse tempo, também, solicitaram as recorrentes aclaração quanto ao facto dado como provado sob o nº.22-A e se este facto tinha ou não sido ponderado para o julgamento do pedido cível e respectivo “quantum indemnizatório”. Respondeu o tribunal “a quo” no sentido de que este facto não tinha tido nenhuma influência na decisão tomada sobre o pedido cível. Ora, e a ser assim,
6. Afigura-se às recorrentes que pela elementar e evidente importância que possuem os factos relevância provados sob os nº.s4, 5,6 e 7 da decisão recorrida, ao omitir pronuncia sobre esta questão na decisão de fls.533ª o tribunal “a quo”, prejudicou os direitos de defesa das arguidas e já, violando e inconstitucionalizando o disposto no Art.379ºnº.1, al.c) do CP Penal, por errada interpretação e aplicação do Art.32ºnº.1 da CR Portuguesa; havendo de lhe ser assacada a subsequente inconstitucionalidade e nulidade que, assim, e de forma expressa se deixam arguidas.
7. Mas, por outro lado, e não obstante ter aclarado sobre a relevância do facto provado sob o nº.22-A para a condenação civil, fica ainda por esclarecer qual é a relevância desse mesmo facto para o objecto dos autos e atentas, quer a sua evidente ligação com o facto provado sob o nº.22 (22-A, naturalmente estará ligado com o 22) quer a sua pertinência à leitura do facto provado sob o nº.23 que remete o leitor para os factos numerados anteriormente (22-A, incluivé) fica a certeza de que o Tribunal “a quo” conheceu de factos que não poderia conhecer, por estarem fora do âmbito e objecto do processo, pelo que haverá ainda de assacar-se à decisão recorrida o vício de nulidade previsto no Art.379ºnº.1, al.c) do CP Penal.
8. Mas, e continuando a ressalvar o muito respeito que é efectivo e merecido, o acº. recorrido é nulo de nenhum efeito, por manifesta falta de fundamentação quer ao nível fáctico quer ao nível do jurídico.
9. É certo que o tribunal “a quo”, à frente de cada facto refere ligeiros apontamentos de onde retirou e fundamentou a sua convicção.
10. Mas, em relação à esmagadora maioria dos factos dados como provados, limita-se simplesmente a apontar, indicando, essa prova. Não os analisa criticamente. Não os correlaciona. Nem diz porquê – de acordo com a intencionalidade ínsita ao Art.374ºnº.2 do CP Penal.
11. O tribunal “a quo” refugiou-se em meras e enxutas expressões tabelares, despidas da necessária concretude, esvaziando inexorávelmente o fim do citado preceito legal.
12. Em relação às testemunhas apenas identifica os seus nomes à frente de cada facto, não analisa os depoimentos de forma crítica e o mesmo se diga em relação aos documentos e, v.g., quanto aos factos provados sob os nºs.15 e 16 apenas remete para as regras da experiência conjugados com os factos nº.s1 a 14 (todos os anteriores e sem dizer porquê, em que medida, etc) e ainda para a presunção de que as arguidas são mentalmente sãs…
13. Paradigmática a este respeito é a fundamentação oferecida aos factos dados como provados sob os nºs.17 a 22: apenas ficamos a saber que foram relevantes os depoimentos das testemunhas ouvidas ao pedido cível…,sem mais…!
14. A serem as coisas da forma que se vem de expor dúvidas não poderão restar da necessidade de, nesta sede, fazer a apologia da nulidade da sentença por violação do Art.374ºnº.2 e de acordo com o disposto no Art.379ºnº.1, al.a) do CP Penal.
15. O mesmo vale por dizer da fundamentação quanto ao processo de determinação da(s) medida(s) da(s) pena(s) parcelar(es) e do cúmulo operado na decisão recorrida.
16. Salvo o devido respeito, jamais se poderá defender que a decisão recorrida reflecte sobre estes aspectos nos termos do disposto nos Art.70º, 71º e 77º do CP Penal e já que o acº. em análise “resolve” todo este problema em pouco mais de meia página “A4”, para ambas as arguidas; continuando a utilizar expressões “correntes” de imensa vaguidão e abstracidade, absolutamente esvaziadas de referenciais concretos e relativos à concreta pessoa das arguidas.
17. Com efeito, decorre dos Arts.97ºnº.4, 374ºnº.2 e 375ºnº.1 do CP Penal, conjugados com o especial regime dos Arts.70º, 71º e 77º do C. Penal que o legislador constitucional impões ao tribunal que explicite (exteriorize) de forma detalhada e expressa o porquê da opção tomada – o que se alcança mediante a indicação e o exame crítico dos factos e da personalidade do agente que serviram de base à formação da convicção.
18. Também por aqui o acº. recorrido incorre no vício de falta de fundamentação ao não cumprir as exigências previstas nos Arts.70º, 71º, 77º, 97ºnº.4 bem como os Arts.369ºnº.1, 374ºnº.2 e 375ºnº.1 do CP Penal, que viola e inconstitucionaliza por errada interpretação dos Arts.20ºnº.4, 32ºnº.1 e 205ºnº.1 da CR Portuguesa que vão postergados nessa medida, caindo pois na estatuíção do Art.379ºnº.1, al.a) do CP Penal.
19. O acº. recorrido padece ainda do vício previsto no Art.410ºnº.2, al.b) do CP Penal.
20. É que, se por um lado e como se escreve a fls.533ª dos autos o facto dado como provado sob o nº.22-A não teve qualquer relevância para a decisão e sentença dos autos é incompreensível (e inadmissível por estranho ao objecto do processo) que o mesmo facto apareça relacionado com a prova dos sentimentos de afectação psicológica sentidos pela ofendida Martinho.
21. Está relacionado sob o nº.22-A, sugerindo íntima ligação com o relacionado sob o nº.22; por sua vez o facto dado como provado sob o nº.23 escreve que as situações anteriores (e ainda o 22-A, por anterior) causaram abalo a esta ofendida…! Por sua vez, o facto vertido sob o nº.25, como remete para os anteriores vamos cair exactamente na mesma situação…! Salvo o devido respeito, não se entende, por manifestamente contraditório e,
22. Como a fundamentação oferecida ao julgamento do pedido cível se resume a 8 (oito) singelas linhas de texto “escorrido”, reflexão e exame crítico do julgamento destes factos é coisa que continua a não existir, pelo que o mesmo e já referido vício de falta de fundamentação e subsequente nulidade haverá agora de arguir-se nesta sede, nos termos já anteriormente suscitados.
23. A fundamentação oferecida pelo acº. recorrido aos factos dados como provados sob os nºs.4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 14 – a fls.446ª dos autos – baseia-se em alegada confissão, “assunção” desses factos pela arguida A.... perante os terceiros que aí vão referidos e, acrescenta-se na mesma decisão, antes da instauração de qualquer processo. Relevante para a decisão desta questão mostra-se ainda o facto de qualquer das arguidas ter negado a prática dos factos em sede contestatória e não ter estado presente no julgamento, não tendo prestado quaisquer declarações em juízo.
24. A valoração dessa eventual confissão, no entanto, não é permitida pela lei processual penal onde vigora o princípio da legalidade da prova – cfr. Art.125º do CP Penal.
25. Da limitação estatuída pelo Art.128ºnº.1 do CP Penal, resulta que as testemunhas apenas são inquiridas sobre factos de que tenham conhecimento pessoal e directo não valendo as provas que não tenham sido produzidas em audiência – cfr. Art.355ºnº.1 do CP Penal.
26. Desde logo, desconhece-se as condições, as motivações, todo o circunstancialismo que envolveu essa eventual “assunção” dos factos, é dizer essas “conversas informais” que, certamente, ocorreram sem a garantia dos direitos de defesa legal e constitucionalmente consagrados pelo que jamais poderiam ser trazidas aos autos sem que estivessem redigidas a auto – e jamais, nas circunstâncias concretas do processo, o poderiam estar – nunca podendo servir para formar convicção do tribunal e sustentar a condenação das arguidas.
27. O tribunal “a quo” ao valorar e considerar os depoimentos das referidas testemunhas para efeitos de prova e fundamentação da sua convicção quanto aos factos provados sob os nºs.4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 14, violou o princípio da legalidade na sua matriz geral do Art.2º do CP Penal e ainda os Arts.125º, 126º, 128º, 129º e 355 do CP Penal, preceitos cuja interpretação e aplicação o ac. recorrido inconstitucionalizou face ao disposto nos Arts.29º, 32ºnºs.1, 5 e 8 da Lei Fundamental que, assim, também, se vêm postergados.
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III. Haviam ainda interposto dois recursos interlocutórios, em cuja apreciação manifestaram interesse no recurso da decisão final.
III.1. Recorreram (minuta a fls. 341-349) do despacho que indeferiu a produção de meios de prova requeridos na contestação (despacho exarado a fls.262) CONCLUINDO:
1. As arguidas, na sua contestação, alegaram factos sobre os aspectos pessoais, sociais e profissionais da sua pessoa e contendentes com o objecto do processo (em sentido amplo); factos esses que, a verificarem-se como provados, haverão de influênciar e determinar a douta sentença a proferir a final, nos termos dos Art.70º, 71º, 72º e 73º do CP Penal.
2. Por essas razões, para prova do ai “articulado” de 2º a 8º, incluivé, e de 9º a 20º, inclusivé, e no âmbito da verdadeira cooperação e colaboração para a descoberta da verdade material, requereram prova pericial, relatório social e prova documental — todas não acessíveis a simples pedido de qualquer das arguidas.
3. Solicitada a produção dessa prova, o Mmo. Juiz “a quo”, por douto despacho de fls.262 e 262 vso. dos autos, decidiu liminarmente pelo indeferimento e sem que perante a factualidade que as arguidas apresentaram, para o referido efeito, se possa efectuar qualquer outra diligência probatória com o valor tarifado e vinculado daquelas requeridas;
4. Sendo certo que a prova testemunhal avançada pelo douto despacho recorrido como sendo idónea para tal fim, e necessariamente fragilíssima e manifestamente insuficiente quanto a eventual prova que assim se pudesse efectuar sobre tais factos e, como sempre, encontrar-se-á dependente dos “humores” do próprio dia que essas mesmas testemunhas possam sentir (incertus modo, incertus quando...! - e, ainda assim, não faltem ao julgamento).
5. O estatuto processual das recorrentes, que intervém na qualidade de arguidas, é constituído por um conjunto de direitos e deveres regulados nos Arts. 60º e 61º do CP Penal que, na prática, são normas concretizadores do comando constitucional ínsito ao Art.32º da CR Portuguesa, nomeadamente o do n.º 1 deste preceito.
6. Às arguidas, recorrentes, assiste o direito de efectuar a prova requerida, antes de contra si ser proferida, a final, sentença, e porque o conhecimento destes elementos é absolutamente necessário para o seu julgamento — direito estribado no referido comando constitucional, nos critérios estabelecidos pelos Arts.70º, 71º, 72º e 73 do Código Penal e nos Arts. 1º, als. g) e h), 2º, 60º e 61º nº 1, al. f), 124, 125º, 127º, 163º, 164º 169º e 315º do CP Penal — preceitos que desta forma se mostram violados Na verdade.
7. Conforme é unânime na doutrina e na jurisprudência “(…) O processo criminal há-se ser a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o M.P.”, requerendo as mais variadas provas que se não mostrem dilatórias seguindo letra a letra e a jurisprudência do T.C (em Ac. já referênciado e id. em sede de motivação).
8. O “edifício” processual penal é constituído por um conjunto de normas garantísticas que devem ser respeitadas, precisamente porque se entende que, vinculdamente ao principio do Estado de Direito Democrático, conforme á Constituição, só através do respeito dessas normas processuais é possível uma eficaz protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
9. A douta decisão recorrida, ao decidir dessa forma, sem antes proceder á produção de prova requerida pelas arguidas (desconsiderando ainda o valor tarifado e vinculado que assim possuem), eminente e necessária para a formação da decisão que pessoalmente as irá afectar (a final), violou claramente as suas garantias e direitos de defesa.
10. A douta decisão recorrida, por estas razões, exibe uma errada interpretação dos normativos especificados na conclusão sexta deste recurso, violando o princípio da legalidade do processo e caindo na previsão dos Arts. 118º nº 1, com as consequências estatuídas no Art. 120º nºs. 1 e 2, a1.d), todos do CP Penal -, manifestando, dos mesmo preceitos, um entendimento claramente inconstitucional, por violação dos Arts.27º n.ºs. 1, 2 e 3, Al.b) e 32º nº 1 da Lei Fundamental; inconstitucionalidade que desde já se invoca e se requer o seu conhecimento de forma expressa.
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III.2. Recorrem ainda (minuta a fls. 476-500) “dos despachos de fls…e de fls… que indeferiu a justificação da falta da arguida B... à audiência de discussão e julgamento e que indeferiu a ambas a junção de documentos para prova da matéria alegada em sede de contestação bem como dos relatórios médicos apresentados”. CONCLUINDO:
1. A arguida B... adoeceu no dia 12.01.2004. Em face desse facto que o signatário só conheceu na audiência, o defensor protestou nesse momento apresentar documento que tal comprovasse. No dia seguinte juntou o doc. de fls.426. Essa justificação foi indeferida.
2. Salvo o devido respeito de forma errada e considerando o disposto no Art.117º n.º2 do CPP (de acordo com a imprevisibilidade) e no nº.3 do mesmo preceito (quanto ao prazo).
3. Na verdade, a arguida desconhecia que iria ficar doente e o defensor assim conheceu do facto de imediato colocou--o à consideração do tribunal. Apresentou comprovativo no prazo legal.
4. O argumento referido no douto despacho recorrido sobre a impossibilidade de confirmação dos factos haverá de improceder e já que ao abrigo do art. 117º nºs. 4 e 6 do CP Penal nada obstaria a que o tribunal procedesse às diligências necessárias ao efeito. Razão pela qual o douto despacho recorrido violou o predito preceito legal, nestes aspectos, e haverá de ser substituído por outro que admita a justificação da falta da arguida B....
5. Os documentos requeridos juntar e de fls.397 a 417 são pertinentes à defesa da arguida A.... e no que concerne à matéria por si alegada nos Art.8, 9, 12, 13 e 14 da sua contestação — documentos esses que sempre poderiam ser Livremente valorados pelo tribunal em sede de motivação probatória.
6. O tribunal indeferiu a junção desses documentos escorando-se no Art. 165º n.º2 do CP Penal.
7. Ora considerando que a arguida no seu requerimento de junção destes documentos (cfr. acta de audiência e julgamento) alegou impossibilidade de os ter junto em momento anterior, por só os ter encontrado em altura posterior ao prazo ai estabelecido (encerramento do inquérito — e, in casu, instrução inexistente.
8. Assim, e de acordo com o estabelecido no Art.165º nº.1, parte final, a junção desses mesmos documentos sempre seria e será de admitir, considerando que a sua relevância para tal matéria é, efectivamente, e salvo o devido respeito, incontestável por evidente;
9. Podendo sempre tais papéis ser analisados e contraditados nos termos dos Arts.165º nº1, parte final, 345º n.º3, 346ºnº.2 e 347º n.º 2, podendo ainda pelas restantes “partes” em juízo, ser utilizada a faculdade prevista no Art.360º nº1 para os mesmos e ditos efeitos de contraditório e exposição de razões próprias à posição processual que assumem.
10. Razão pela qual a arguida pugna pela substituição do douto despacho recorrido por outro que defira tal pretensão de junção de documentos e que os leve em consideração para efeitos de produção (indiciação) de prova, de acordo com a livre convicção do tribunal, vinculada ás regras dos Arts.1270 e sgts. do CP Penal.
11. A arguida A.... requereu ainda a junção aos autos dos docs. de fls.427 a 428 e 429 a 432 Essa pretensão de prova foi-lhe indeferida.
12. De forma errada, salvo o devido respeito. É que, tais documentos haveriam de ser considerados (e pelo menos) como parecer técnico. Assim sendo, ao abrigo do Art.165º n.º3 do CP Penal, estes pareceres técnicos podem sempre ser juntos até ao final da audiência de julgamento e sem qualquer excepção.
13. Por outro Lado, considerando a relevantíssima importância desta matéria, porque contendente com a saúde mental da arguida à data dos factos e no momento presente, sempre seria a prova possível, no momento, e face ao indeferimento da prova pericial que requereu (com o mesmo objecto) na sua contestação.
14. Assim sendo, o douto despacho recorrido violou desde logo o estatuído no Art.165ºn.º.3, parte final, do CP Penal e deverá ser substituído por outro que permita à arguida a junção de tais documentos, ao abrigo da mesma disposição legal.
15. O estatuto processual das recorrentes, que intervém na qualidade de arguidas, é constituído por um conjunto de direitos e deveres regulados nos Arts.60º e 61º do CP Penal que, na prática, são normas concretizadores do comando constitucional ínsito ao Art. 32º da CR Portuguesa, nomeadamente o do nº.1 deste preceito.
16. As arguidas, recorrentes, assiste o direito de efectuar a prova requerida, antes de contra si ser proferida, a final, sentença, e porque o conhecimento destes elementos é absolutamente necessário para o seu julgamento — direito estribado no referido comando constitucional, nos critérios estabelecidos pelos Arts70º, 71º, 72º e 73º do Código Penal e nos Arts.1º, als. g) e h), 2º, 60º e 61º nº1, al.f), 117º nºs.2, 4 e 6, 124, 125º, 127º, 165º nº.1 e 3, 169º e 315º do CP Penal - preceitos que desta forma se mostram violados. Na verdade,
17. Conforme é unânime na doutrina e na jurisprudência “(...) O processo criminal há-se ser a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o ML”, requerendo as mais variadas provas que se não mostrem dilatórias seguindo letra a letra e a jurisprudência do T.C. (em Acº. já referênciado e id. em sede de motivação).
18. O “edifício” processual penal é constituído por um conjunto de normas garantísticas que devem ser respeitadas, precisamente porque se entende que, vinculadamente ao principio do Estado de Direito Democrático, conforme à Constituição, só através do respeito dessas normas processuais é possível uma eficaz protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
19. As doutas decisões recorridas, ao decidir da forma que se vem de analisar, ao indeferir a pretensão de prova requerida das arguidas, eminente e necessária para a formação da decisão que pessoalmente as irá afectar (a final — e já proferida), violou claramente as suas garantias e direitos de defesa.
20. A douta decisão recorrida, por estas razões, exibe uma errada interpretação dos normativos especificados na conclusão sexta deste recurso, violando o princípio da legalidade do processo e caindo na previsão dos Arts. 118º nº. 1, com as consequências estatuídas no Art. 120º nºs. 1 e 2, al. d) - todos do CP Penal -, manifestando, dos mesmo preceitos, um entendimento claramente inconstitucional, por violação dos Arls.27º nºs.1, 2 e 3, Al.b) e 32º nº.1 da Lei Fundamental, inconstitucionalidade que desde já se invoca e se requer o seu conhecimento de forma expressa.
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IV. Respondeu o digno magistrado do MºPº pronunciando-se no sentido de que nenhum dos recursos merece provimento.
Respondeu a autora do pedido de indemnização civil, pugnado pela improcedência do recurso da decisão final.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer inteiramente concordante com a resposta do MºPº apresentada em 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento em audiência, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.
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V. Apreciação dos recursos intercalares
V.I. Recurso do despacho que indeferiu a produção de elementos de prova requeridas na contestação
A este respeito requereram as arguidas na contestação, sob a epígrafe Prova Pericial (cfr. fls. 260):
“- Ambas as arguidas requerem seja efectuado relatório social, a levar a cabo pela equipa do IRS, a fim de se apurar as condições de vida das arguidas, o seu passado, o presente e projectos futuros e se são credoras de um juízo de prognose (social) favorável;
- Requerem, ambas, se proceda também a perícia sobre a sua personalidade para se avaliar o grau de socialização das arguidas, nos termos do art. 160º n.º1 do CPP, primeira frase, in fine do PPP e n.º2 in fine (obviamente, sem prescindir do supra alegado e apenas acautelando qualquer “entusiasmo” judicante que siga as pisadas da douta acusação);
- Apenas a arguida Maria de Lurdes requer que lhe seja efectuada perícia psiquiátrica ao seu actual estado de saúde psicológico (foi diagnosticado à arguida estado de depressão profunda e esgotamento mental e nervoso, situação em que se encontra actualmente) e quais as suas causas e efeitos, para efeitos de prova da matéria supra e expressamente alegada que contende com a matéria do presente processo.”
Requerimento aquele sobre o qual incidiu o seguinte despacho (cfr. fls. 262):
“Quando à elaboração de relatório social, perícias sobre a personalidade e perícia psiquiátrica, entendemos que as condições pessoais, sociais e profissionais das arguidas podem ser aferidas e apreciadas em sede de audiência, ao que acresce a circunstância de o juízo de prognose social e sobre a socialização das arguidas pode ser aquilatado também em audiência, pois em julgamento interessam não só as questões de culpabilidade como também as atinentes, sendo esse o caso, consoante o que se provar, à determinação da medida das sanções que porventura venham a ser aplicadas. Pelo menos nesta fase, não se afiguram relevantes nem o relatório social nem as perícias requeridas. Como tal indefiro a realização das diligências requeridas sob a epígrafe prova pericial a fls. 260”
Constitui nulidade prevista no art. 120º, n.º2, al. d) do CPP “a omissão de diligência que pudesse reputar-se essencial para a descoberta da verdade”.
A realização de relatório social, nos termos do requerimento, tinha em vista “a fim de se apurar as condições de vida das arguidas, o seu passado, o presente e projectos futuros e se são credoras de um juízo de prognose (social) favorável”.
E a perícia sobre a sua personalidade “para se avaliar o grau de socialização das arguidas”.
Deve dizer-se liminarmente que a produção dos meios de prova cuja produção foi indeferida não ficou de todo impossibilitada pelo despacho recorrido. Apenas tendo decidido, no contexto em que foi requerida, que “na fase” em que o despacho foi proferido tal não se justificava. Isto é, indeferiu sem prejuízo de tais meios de prova poderem ser produzidas caso durante a discussão se apresentassem como relevantes para a descoberta da matéria da acusação ou determinação da medida concreta da pena.
Aliás ao encontro do regime do CPP vigente que autonomizou, ainda que de forma mitigada, a fase de autonomização da medida da pena – cfr. art. 369º n.º1 e 2 do CPP.
Postulando tal dispositivo que “1. Se das deliberações e votação realizadas nos termos do artigo anterior, resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativamente aos antecedentes do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e relatório social. 2. Em seguida o presidente pergunta ao tribunal se considera necessária produção de prova suplementar para determinação e espécie da medida da sanção a aplicar (…)”.
Ora, tendo-se procedido à audiência, o Tribunal Colectivo não viu necessidade ou conveniência na produção de tais provas, sem que, por outro lado as recorrentes tenham tomado qualquer posição a esse respeito.
Sendo certo que na contestação haviam sido arroladas provas documentais (termos do processo de concurso a que foram juntos os documentos referenciados na acusação) e várias testemunhas, cuja produção foi deferida.
Não desenvolvendo as recorrente qualquer argumento no sentido de demonstrar, em concreto, a falta de fundamento do despacho de que recorrem. Nomeadamente quando refere que “as condições pessoais, sociais e profissionais das arguidas podem ser aferidas e apreciadas em sede de audiência, ao que acresce a circunstância de o juízo de prognose social e sobre a socialização das arguidas pode ser aquilatado também em audiência (…) consoante o que se provar, à determinação da medida das sanções que porventura venham a ser aplicadas”.
Não fechando assim o despacho em crie a possibilidade de produção dos mencionados meios de prova, antes a deixando em aberto, para o acto solene da produção e apreciação da prova “consoante o que se provar” sobre a matéria da acusação e o que resultar dos restantes elementos de prova admitidos.
Não especificando as recorrentes factos concretos que pretendem ver esclarecidos e que não o tenham sido, na incidência específica sobre o apuramento dos pressupostos da responsabilidade criminal e elementos relevantes para a medida da pena.
São aliás as recorrentes que invocam o interesse das diligências para o “objecto do processo em sentido amplo” – cfr. conclusão 1ª
Repare-se, aliás na forma como se referem, de forma clara, à finalidade dos ditos exames: “apenas acautelando qualquer “entusiasmo” judicante que siga as pisadas da douta acusação”.
De onde resulta que afinal não pretendem esclarecer seja o que for, em concreto, sobre os factos submetidos a julgamento, nem sequer para a determinação da medida da pena. Mas antes “acautelar” não se sabe bem o quê, por deixado no patamar da abstracta suspeição.
A arguida Maria de Lurdes requereu ainda perícia psiquiátrica ao seu actual estado de saúde psicológico
Não portanto para a apreciação da personalidade revelada no facto, ou com incidência na imputabilidade para a prática do facto.
E nunca a recorrente invocou – nem sobre tal se suscitou qualquer dúvida - a sua eventual inimputabilidade, tanto que se afirma como funcionária pública exemplar e imprescindível na Escola onde trabalha.
Tendo a perícia em questão em vista esclarecer que as arguidas – cfr. artigo 16 da contestação – “ficaram perfeitamente arrasadas, debilitadas e emocionalmente prostradas depois de terem conhecido a acusação dos autos” .
O que assenta numa perspectiva subliminar que subverte os termos daquilo que está em apreciação: a prova que pretende ver produzida tem em vista a imputação dos invocados traumas psicológicos “à acusação”, quando o que está em causa, nos autos, não são os “efeitos dessa acusação”, mas antes a prova dos factos ali relatados.
Acresce que tendo o despacho relegado para a audiência de discussão e julgamento a apreciação da essencialidade das provas em questão, as recorrentes – por isso no recurso da decisão final tinham que indicar, como indicaram o interesse na apreciação dos recursos anteriores – deveriam esclarecer “porquê” tais diligências se revelaram efectivamente essenciais para a determinação da pena que foi aplicada em concreto.
De qualquer forma, ainda que as recorrentes não demonstrem, minimamente, a essencialidade ou mesmo a relevância, em concreto, de tais meios de prova, verifica-se que os factos alegados na perspectiva da definição da personalidade das arguidas relevantes para a determinação da medida da pena, encontram-se descritos na matéria provada – designadamente parte final do n.º2 (chefe de serviços desde 1993), factos n.º 28, 31 e 34.
Sendo certo ainda que nas penas aplicadas em concreto se aceita a socialização das arguidas, tanto que o “juízo de prognose” foi favorável às arguidas, como evidencia a suspensão da pena de prisão aplicada a uma delas e a aplicação da pena de multa á outra, em detrimento da prisão.
Assim, por um lado as diligências não têm a ver com a prova da matéria da acusação ou medida da pena, mas antes sobre eventuais consequências da acusação que não constituem objecto do processo, não tendo assim sido postos em causa os direitos das arguidas, que viram produzida a prova relevante para a decisão. E por outro lado não resulta minimamente demonstrado que tais provas, no contexto em que o despacho foi proferido, sem prejuízo do que viesse a resultar da audiência, fossem relevantes para os factos a apreciar pelo Tribunal Colectivo. Muito manos em função das penas concretas aplicadas.
Não merecendo assim qualquer censura a decisão recorrida
*

V.II. Segundo recurso

Justificação da falta da arguida B... à audiência
A audiência a que a requerente faltou teve lugar no dia 13.01.2994, tendo-se iniciado às 10h.15m. – cfr. acta de fls. 428.
Por outro lado o atestado veio a ser junto apenas na sessão de 14.01.2004 – cfr. acta de fls. 433.
Resultando desse atestado que tinha sido emitido em 12.01.2004, conforme resulta do respectivo enunciado - cfr. fls. 426.
Nele se atestando que a arguida está doente desde o dia 12.01.2004, ou seja, desde o dia anterior aquele em que decorreu o acto a que se reporta a falta injustificada.
O que evidencia que, na dada da audiência a que a arguida faltou a doença já era certa (logo não imprevista) pelo menos desde o dia anterior, em que já havia sido atestada por médico.
Preceitua o nº 2 do artigo 117º do CPP que “a impossibilidade de comparência deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e, no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento”.
O preceito enunciado contempla duas situações distintas: a impossibilidade previsível de um lado e de outro a impossibilidade imprevisível. Sendo que, para ambas as situações, como decorre do preceito, da comunicação, tem de constar a indicação do respectivo motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração previsível do impedimento.
Ora, como resulta evidenciado, a recorrente estava “doente desde 12 de Janeiro de 2004 por um período previsível de mais ou menos 3 dias”.
Tendo o atestado a data de 12 de Janeiro de 2004.
O requerimento ditado para a acta apenas refere (cfr. acta de fls. 418) quem comunicou a falta em nome da arguida “acaba de ter conhecimento de que arguida está doente sem possibilidade de se deslocar à audiência”. Não indicando nem o tempo provável do impedimento, nem o local onde a arguida podia ser encontrada.
Ora do despacho recorrido (posterior à junção do atestado) verifica-se que a falta não foi justificada por entender que a comunicação deveria ter ocorrido no próprio dia, uma vez que a doença era anterior à data do julgamento. E tal corresponde à verdade, uma vez que a doença foi atestada em 12.01 e a diligência teve lugar em 13.01.
Acrescentando o despacho recorrido que a comunicação não obedeceu aos requisitos legais, por isso permitindo, nomeadamente, ao Tribunal que pudesse fazer as diligências necessárias a comprovar a veracidade do motivo, fazendo comparecer ou ouvir logo o médico que assinou o atestado. O que também está em conformidade com o critério legal que manda indicar o local onde se encontra o doente, o que também não foi feito
A situação em apreço não se enquadra, estritamente, na impossibilidade previsível, pois que a lei, em tal caso exige que o motivo seja comunicado com 5 dias de antecedência, tendo portanto que ser anterior e no caso a doença foi atestada apenas no dia anterior.
O que decorre do nº 2 do artigo 117º do CPP é que se a doença ocorrer nos 5 dias anteriores ao acto deveria ter sido comunicada no acto.
Se é posterior, mas anterior à data da audiência, pode ser comunicado na data desta.
A letra da lei não consente assim interpretação de logo deva ser indeferida a justificação. Uma coisa é a comunicação, outra a justificação em si, permitindo a junção do documento comprovativo, desde que “comunicado no dia e hora do acto”.
Sobre a justificação em si (de falta comunicada no dia e hora do acto) estabelece o referido n.º3 que, tratando-se de impedimento imprevisível, por motivo justificado, poderá ser junto até ao 3º dia posterior”.
Ora no caso a recorrente, no acto da comunicação – apesar de o motivo da falta ser do dia anterior e a justificação ter já então sido emitida (como o atestado comprova) - não invocou qualquer motivo que justificasse a não apresentação imediata do meio de prova.
Sabendo-se, pelo contrário, quando o despacho de indeferimento foi proferido, com base no teor do próprio atestado, que não havia motivo justificado para não ter logo sido apresentado, tanto que a justificação já tinha sido emitida e nada prova, nem vem alegado que, com um mínimo de diligência, não tivesse sido possível fazê-lo chegar ao tribunal do dia marcado para a audiência.
Acresce que da comunicação devia constar - sob pena de não justificação da falta, como resulta do teor do preceito - a indicação do local onde o faltoso podia ser encontrado e duração previsível do impedimento. E da comunicação efectuada apenas consta que a recorrente se encontra doente e sem possibilidade de se deslocar à audiência, sendo assim omissa quer quanto ao local onde a faltosa podia ser encontrada, quer quanto à duração previsível do impedimento. O que inviabilizava que o tribunal pudesse mandar verificar a veracidade da informação e constitui motivo de não justificação, como se referiu.
Pelo que, tendo o despacho recorrido o apoio da lei, pelas duas referidas ordens de razões, não merece censura.
*

Indeferimento à arguida Maria de Lurdes da junção dos documentos (juntos de fls. 397 a 417 dos autos)
Trata-se de despacho exarado na acta da sessão de 13.01.2004 em que teve início a audiência de discussão. Tendo a junção sido requerida nessa mesma data, por requerimento exarado na respectiva acta (cfr. fls. 420-421)
A regra é de que os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, devem sê-lo até ao encerramento da audiência — artigo 165º nº 1 do CPP.
Cabendo assim ao apresentante de documento, em fase posterior ao inquérito ou à instrução o ónus não só de alegar que não foi possível apresentá-lo na fase de inquérito ou instrução, fazendo prova dessa mesma impossibilidade.
Porém a recorrente não só não alga que não pudessem ter sido juntos atempadamente, como pelo contrário resulta da própria fundamentação que “os documentos estavam guardados” e “só agora logrou saber” o seu paradeiro.
De onde resulta, na sua própria alegação, que se estavam “guardados” podia tê-los junto antes.
Assim, não tendo a apresentante feito a prova dessa impossibilidade, o despacho recorrido não merece censura.
Aliás também este despacho deixou aberta a perspectiva de, se no decurso da audiência os documentos viessem a revelar-se necessários, vir a ser ordenada a junção oficiosamente ou a requerimento (cfr. fls. 421 teor do despacho exarado em acta), vincando-se contudo que o disposto no artigo 340º do CPP não é uma alternativa para a junção aos autos de documentos nos termos cominados pelo artigo 165º do CPP.
E nem a recorrente esclarece que a discussão da causa exigisse a análise de tais documentos – o que, do confronto com o despacho que lhe abria essa perspectiva evidencia que não sentiu essa necessidade. Como que “guardando” tal invocação para o presente recurso.
Mas também aqui a recorrente não demonstra a essencialidade de tais documentos para a prova de factos relevantes para a matéria da acusação, da contestação ou para a determinação da medida concreta da pena.
Sempre se dirá contudo que os documentos em questão fls. 399 a 408 constituem “notações periódicas de pessoal administrativo” de vária Escolas.
Matéria sobre a qual nem a recorrente esclarece qual o interesse para a decisão.
Acresce que resulta do teor dos ditos papéis que estão datados de 2002, sendo por isso possível de ter sido junta na altura própria.
Sendo certo ainda que no elenco da matéria provada – cfr. facto n.º 28 – constam as suas classificações de serviço desde 1992 a 2002, sendo inútil a junção de outros meios de prova para o efeito.
O despropósito da junção requerida atinge o absurdo no que toca à cópia da “Acta n.º4” (documento pretendido juntar, incorporado de fls. 409 a 412 dos autos). Isto porque tal documento já se encontrava junta a fls. 289- 292 dos autos, a requerimento da ora recorrente!!!
Por fim o papel (fls. 413-416) dirigido ao “presidente do concurso”, para além de não assinado nem faz qualquer referência ao respectivo emitente. E o papel de fls. 417 constitui uma mera notificação para comparecer na escola, cujo interesse não revela nem se vislumbra.
O que evidencia a total falta de fundamento da pretensão da recorrente, que apenas pretende juntar papéis para engrossar os autos, que não para esclarecer seja o que for de relevante.
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Indeferimento á arguida Maria de Lurdes da junção dos documentos (incorporados de fls. 427 a 428 e fls. 429 a 432) – despacho exarado em acta a fls. 435
Sobre este ponto refere o despacho recorrido “que o texto agora junto não pode servir como relatório médico resultado de uma perícia, que não é, porque as perícias são ordenadas pelo Tribunal e têm termos para o efeito – nem como documento porque nada mais é do que um testemunho prestado por escrito, sem observação dos formalismos previstos para os depoimentos” (texto do despacho recorrido, a fls. 435.
Fundamentação que a recorrente não rebate, perdendo-se antes em lucubrações teóricas sem incidência no caso.
Aliás da fundamentação então apresentada (e era com base nela que o tribunal tinha que decidir e agora o tribunal de recurso apurar da validade da respectiva apreciação) a recorrente nada diz sobre a impossibilidade de ter junto na devida altura.
E no que toca à finalidade da junção refere genericamente “como forma de prova da matéria que tem vindo a ser discutida neste julgamento, nomeadamente quanto ao estado clínico psicológico e emocional da arguida, junção que se mostra necessária em virtude das declarações prestadas em audiência pelas testemunhas até agora ouvidas”.
Mais dizendo “que espera ainda poder apresentar relatório médico circunstanciado (…) que neste momento deve estar a ser elaborado pelos HUC” – cfr. fls. 435. Relatório esse que, apesar de ter decorrido o prazo requerido antes da prolação da decisão, nunca foi junto.
De onde resulta que nem a recorrente indica, ao certo, para que seria relevante a dita junção.
Sendo certo, pelo contrário que se trata de duas declarações médicas que não se referem a factos da acusação mas antes “ao desempenho das suas funções profissionais” (v. fls. 428) e “efeito da medicação e stress … perturbador do seu quotidiano social familiar e profissional” (fls. 432).
Aliás com os documentos em causa tinha-se em vista a já falada perspectiva de responsabilizar a acusação” pelos traumas psicológicos ali referidos, na perspectiva acima referenciada, e não de esclarecer o efeito desses eventuais traumas na conduta em apreciação nos autos
Sem relevo, portanto, para a decisão da causa.
Não foi assim violado o direito da defesa de arrolar meios de prova com relevo para a descoberta da verdade, porque, em concreto, não só as recorrentes não provam o relevo de tais meios de prova, como, pelo contrário ficou evidenciado a total falta de relevo para o efeito pretendido.
Carecendo por isso o recurso, nesta parte, de fundamento.
*
VI. Apreciação do recurso da decisão final
VI.I A decisão da MATÉRIA DE FACTO recorrida à a seguinte
A) factos provados:
1. A arguida A.... é irmã da mãe da arguida B....
2. A arguida A.... exerce, desde 1/9/93, funções na Escola Básica do 2° e 3° Ciclos de Anadia, com a categoria profissional de Chefe de Serviços de Administração Escolar.
3. A arguida B... nunca teve qualquer vínculo ou contrato com aquela escola e nunca aí exerceu quaisquer funções, embora por vezes aí visitasse aquela tia.
4. Em Janeiro de 2002 foi publicado em alguns jornais nacionais o anúncio de um concurso público para preenchimento de uma vaga de assistente administrativo na Escola dos 2° e 3° Ciclos do Ensino Básico de Montemor-o-Velho, do qual ambas as arguidas tiveram conhecimento.
5. Como a arguida B... ficou interessada em ser opositora a tal concurso, informou disso a arguida A...., na sequência do que, esta última, para beneficiar a sobrinha, entre Janeiro e Março de 2002, embora datada de 28/12/99, lavrou e subscreveu pelo seu punho, em papel timbrado da sua Escola, a seguinte
DECLARAÇÃO
A..., Chefe de Serviços de Administração Escolar da Escola Básica do 2º e 3º Ciclos de Anadia, declaro que B... exerceu funções de apoio correspondentes às de Assistente Administrativo, nos períodos compreendidos entre 1994 a 1996 num total de 22 meses, nomeadamente na informatização de turmas e processos individuais de alunos, elaboração de relações de necessidades para efeitos de requisição de material relacionadas coma área de contabilidade, arquivo e classificação de documentos, expediente e atendimento.
6. Apesar de as arguidas saberem que o teor desta declaração não correspondia à realidade dos factos, a arguida A.... entregou-a à co-arguida B..., que a utilizou, como projectado, para instruir o seu processo de candidata ao mencionado concurso público, vaga que a arguida B.... veio efectivamente a preencher, tendo celebrado com a Escola de Montemor, a 30/8/2002, o Contrato Administrativo de Provimento de fls. 139.
7. Ao agirem nos termos descritos, em comunhão de esforços e direcção de vontades e em execução de plano conjunto, as arguidas quiseram obter um benefício para a arguida B... a que sabiam esta não ter direito, à custa de um prejuízo que causariam às restantes opositoras ao concurso e ao Estado, iludindo a fé publica que preside à circulação de tal documento no comércio jurídico.
8. Em 7/3/2002, Rita Machado Rodrigues Melo tendo sido igualmente opositora àquele concurso, inconformada com a lista de classificação final dos candidatos - em cujo primeiro lugar figurava a arguida B... - fez chegar à EB 2-3 de Anadia uma carta, por si subscrita e endereçada à Senhora Presidente do respectivo Conselho Executivo (C...), no qual lhe solicitou esclarecimento sobre a natureza vinculativa e categoria que ligava a arguida B... àquela Escola.
9. Tal pedido de esclarecimento chegou ao poder da arguida A...., sem o conhecimento da sua destinatária, após o que aquela arguida se dirigiu ao gabinete da Presidente do Conselho Executivo, de onde retirou o carimbo de entrada do correio e a chancela da Presidente, na mira de ensaiar a sua assinatura.
10. Então, a arguida A...., sem conhecimento e contra a vontade daquela Presidente, apôs o carimbo no pedido de esclarecimento, após o que nele despachou, pelo seu punho, ordenando que se informasse a interessada, datando o despacho de 7/3/2002 e imitando a assinatura/rubrica da C.... no local próprio do carimbo.
11. Seguidamente e nesse mesmo dia 7/3/2002, a arguida A...., agindo sempre à revelia e contra a vontade daquela Presidente e na mira de ocultar a declaração com que a agraciara a sobrinha, chamou a si a resposta a dar ao pedido de esclarecimento, fazendo-se passar, mais uma vez, pela C.....
12. Para tanto, exarou oficio, com o n° 296 de 7/3/2002, da EB 2.3. Ciclos de Anadia, o qual assinou pelo seu punho, imitando, de novo, a assinatura de C..., de onde fez constar que
Relativamente ao seu pedido de esclarecimento informo que B... exerceu nos serviços administrativos desta Escola um contrato de substituição temporária em regime de prestação de serviços, renovável durante mais de dois anos.
O serviço prestado foi considerado equiparado ao de Assistente Administrativo por se tratar de trabalhos executados na área administrativa que muito contribuíram para a reorganização destes serviços.
Outros assuntos de índole administrativa estão a cargo da Chefe de Serviços de Administração Escolar....
Com os melhores cumprimentos.
A Presidente do Conselho Executivo
13. Após o que o enviou, via postal, à Rita Maria, para Montemor-o-Velho, que o recepcionou, vindo esta a desconfiar da sua falsidade, quer substancial quer da assinatura, quando recebeu, com data de 7/3/02, outro oficio, com o n° 312, assinado por C..., a informar:
que a arguida B... nunca tinha exercido na EB 2.3. de Anadia funções de assistente administrativo em regime de contrato administrativo de provimento ou contratado a prazo.
14. A arguida A... subtraiu e fez desaparecer da Escola a declaração referida em 5 e o pedido de esclarecimento referido em 8, 9 e 10. Quando foi confrontada pela Srª Presidente do Conselho Executivo da EB 2.3 de Anadia com toda a sua actuação vinda de referir, exigindo-lhe os documentos em causa, não os devolveu.
15. Ao agir como descrito de 10 a 14, a arguida A.... queria evitar que viesse a ser descoberto que tinha elaborado a declaração referida, sabendo o que fazia e querendo-o fazer, apesar de saber que não podia dispor daqueles documentos.
16. Ambas as arguidas agiram de modo livre e consciente, sabendo vedadas as suas condutas e que incorriam em responsabilidade criminal.
17. Em face da falsificação dos documentos, o nome da C... foi referenciado em vários locais associado a esquemas de ilegalidades, falsificações, etc..
18. Tal situação foi objecto de investigação por parte dos órgãos competentes (DREC).
19. Os colegas sabiam das convocatórias e viam-na a prestar declarações perante os órgãos de auditoria.
20. Dando tal situação deu origem a comentários desabonatórios à pessoa da C....
21. A C... é professora há já vários anos, sendo pessoa conhecida no meio escolar, desempenhando cargos de direcção.
22. Com os factos acima relatados a C... sentiu-se afectada, triste, humilhada e viu a sua dignidade quer pessoal, quer profissional posta em causa.
22-A. Na Escola Básica 2º e 3° Ciclos de Anadia, surgiu uma carta anónima, dirigida Presidente do Conselho Executivo, na qual se dizia que o seu autor se admirava
...”como até então ainda não tinham sido descobertas n + n tra-paças levadas a cabo pela Profª C... enquanto esteve na presidên-cia!”
E continuava:
“Andará tudo cego? Será propositado?
A própria chefe que saberá de algumas coisas (ou tudo) estar-se-à a guardar para depois “negociar” com a retirada de cena de algum processo mais melindroso?
Consta nos mentideros que assim é!!
Mas meu caro, que tu és um banana todos nós sabemos, mas se vais dentro por aquilo que outros fizeram, passas a ser “banana split”.
Prof. SN
Ps - cópia enviada à DREC”
23. Tais situações, causaram tormento e abalo na C....
24. A C... reside em Vale da Mó, lugar que dista cerca de 4 km de Anadia, sendo por todos conhecida.
25. Tal situação veio à praça publica e foi comentada não só no meio escolar como também na vila de Anadia.
26. A C... é pessoa digna, idónea e impoluta, de boa condição social e de elevada formação moral.
27. A arguida B... está a trabalhar como assistente administrativa e em 20/12/20002 exercia funções na Escola 2º e 3º ciclos Jorge de Montemor, desde 30/8/2002, com o vencimento pelo escalão I, índice 192, cujo valor correspondia a 595,83€.
28. A arguida A.... tem mais de 16 anos de carreira e teve a classificação de muito bom de 1993 a 2002.
29. O resultado da avaliação integrada da Escola, no ano lectivo de 2001/2002, foi que os serviços administrativos apresentavam desempenho de qualidade e apesar de cada assistente administrativo ter áreas de responsabilidade, havia a preocupação da chefe de serviços de administração escolar que todos sejam polivalentes.
30. É uma trabalhadora de competência reconhecida pelos seus colegas e profissional dedicada.
31. Depois de participado o caso ao MºPº, a arguida, que meteu baixa médica e estava em casa, foi solicitada a deslocar-se à Escola para alguns trabalhos, a pedido dos seus colegas ao corpo directivo, o que satisfez.
32. A arguida A... permanecia, por vezes, no local de trabalho depois das 17h e até às 24h.
33. Por vezes, a arguida B... foi vista na secretaria da Escola, com a tia, a partir das 17h, até por volta das 24h, algumas delas a tirar fotocópias.
34. Depois do caso ter sido despoletado - por volta de 7/3/2002 - foi notada perturbação no normal desenvolver do trabalho da arguida A....
35. Após a entrevista dos candidatos ao concurso referido em 4 foram publicadas as classificações e posições finais dos candidatos tendo a arguida B... sido classificada em 1° lugar e a Rita Melo sido classificada em 5° lugar.
36. Após a divulgação de tais classificações a Rita Melo deduziu reclamação perante o júri do concurso.
37. Depois de deduzida tal reclamação o júri notificou a arguida B... de que pretendia exclui-la do concurso, dando-lhe dez dias para que se pronunciasse.
38. A arguida B... pronunciou-se, em sua defesa, tendo o júri decidido não proceder à sua exclusão mas não lhe levando em conta a declaração datada de 28/12/99.
39. Tendo mantido a anterior posição do 1º lugar à arguida B... e procedido à rectificação da sua classificação descendo de 16,22 para 15,39 valores.
40. A Rita Melo manteve a sua anterior posição do 5° lugar e a sua anterior classificação de 12,21 valores.
41. Após notificação de tal decisão à Rita Melo e à arguida B..., aquela interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Educação.
42. Na respectiva tramitação processual, o processo foi à DREC para que este organismo elaborasse parecer, tendo-se este pronunciado no sentido da manutenção da decisão tomada pelo júri.
43. O processo foi depois enviado para o Ministério da Educação, para tendo o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa decidido, por delegação de competências, concordar com o anterior parecer/informa-ção prestada pela DREC.
44. O carimbo referido em 10 costuma encontrar-se, quase sem excepção, em cima da secretária da sala do Conselho Executivo,
45. Sala essa que é acessível aos funcionários da secretaria e membros do Conselho Executivo, sendo a respectiva porta apenas fechada ao final do dia no horário de encerramento da escola.
46. A chancela da C... encontra-se aposta em dezenas de documentos arquivados.
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B) Factos Não provados:
I. Tenha sido por via da declaração referido em 5 que a arguida B... tenha preenchido a vaga na Escola de Montemor.
II. A arguida B... tenha tido qualquer participação nos factos descritos de 8 a 14 e que tenha sido depois do confronto referido em 14 que a arguida A... tenha feito o que consta do início desse ponto.
III. A arguida A... se tenha arrogado possuir a qualidade profissional de Presidente do Conselho Executivo, apesar de bem saber que a não possuía.
IV. Muitas tenham sido as noites que a C.... passou em claro e as que dormia só tinha pesadelos relacionados com os factos ora em causa que a atormentavam e não a deixavam descansar, mostrando-se abatida, com grandes olheiras, com elevado cansaço, quer físico quer anímico, perdendo inclusive a alegria que lhe era peculiar.
V. As arguidas sejam pessoas de boa condição económica.
VI. Ambas as arguidas sejam pessoas de modesta condição económica.
VII. Sejam pessoas respeitadas e respeitadoras, no meio onde vivem e ordeiras e educadas.
VIII. Sejam trabalhadoras exemplares no seu ofício e benquistas por todos os seus companheiros de profissão.
IX. Amigas de ajudar a comunidade onde habitam e onde estão, ambas, perfeitamente integradas.
X. A arguida A...., ao longo da sua vida, tenha construído uma carreira exemplar, tendo sido sempre merecedora dos maiores elogios e louvores pelo seu desempenho profissional.
XI. Seja uma trabalhadora de competência reconhecidíssima por todos os seus colegas de profissão e corpo docente da Escola EB 2.3 de Anadia e por todas as outras por onde, antes dessa, trabalhou - que a reconheçam, todos, como uma profissional brilhante, e que efectivamente o seja.
XII. Seja considerada uma “peça” chave e quase imprescindível (ou pelo menos fundamental) na organização e processamento administrativo dessa escola.
XIII. Seja habitual esta arguida permanecer na seu local de trabalho mesmo depois de terminar o seu horário regular de serviço e fazer horas extraordinárias e que o faça sempre com o fito de apresentar o “serviço em dia”.
XIV. A arguida A..., por mérito próprio, é detentora de um comportamento ético e profissional imaculado e exemplar ao longo de mais de 20 anos de carreira, sempre a exercer a profissão que ainda possui actualmente.
XV. Ao longo destes 20 anos de carreira tem sido “exemplo de escola” para várias gerações de funcionários que ao seu lado iniciaram a sua carreira e com quem “aprenderam a ser bons funcionários públicos”.
XVI. As arguidas sejam pessoas de elevada sensibilidade e tenham ficado perfeitamente arrasadas, debilitadas e emocionalmente prostradas, depois de terem conhecido a acusação dos autos.
XVII. Em particular, a arguida A.... andou profundamente deprimida, perdeu a vontade de viver e começou a necessitar de tratamentos psiquiátricos frequentes que ainda hoje efectua, tal era a tristeza que sentia e sente, por ser pessoa de elevados padrões morais e ainda porque todo o circunstancialismo inerente ao presente processo lhe comportou angustia, tristeza e frustração.
XVIII. Tendo sido notada, por todas as pessoas que consigo trabalham, uma acentuada quebra de rendimento no normal desenvolver do seu trabalho.
XIX. Quebra essa que, no entanto, não a impediu de cumprir com zelo as suas obrigações profissionais, acrescido com o brio e empenho que por todos lhe é reconhecido.
XX. Entre os anos 1994 e 1996 e de forma regular, a arguida B... auxiliou a arguida A... nas suas tarefas profissionais, no seu local de trabalho e após o horário normal de expediente, muitas vezes até às 23h ou 24h e outras até à 1h ou 2h.
XXI. Auxiliando a arguida A...., nomeadamente, na criação de ficheiros informáticos com os quais a Escola EB 2.3 de Anadia ainda hoje trabalha.
XXII. Tendo-a coadjuvado, ao longo desse período, em funções em tudo idênticas às dos designados assistentes administrativos, com a excepção de não ser remunerada e desempenhar esses serviços apenas imbuída do necessário, a qualquer funcionário público, espírito altruísta.
XXIII. Esta ajuda que a B... prestou à A...., bem como a sua presença na dita escola e no desempenho dessas funções, desde sempre foi do conhecimento de vários funcionários e dos responsáveis máximos pela gestão desse estabelecimento de ensino e, por estes, para além de permitida, louvada, incentivada e acarinhada.
XXIV. O carimbo referido em 10 esteja numa sala que é perfeitamente acessível a qualquer pessoa.
XXV. A chancela da C... se encontre profusamente divulgada em dezenas de papeis afixados em toda a escola.
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C) Motivação da decisão da matéria de facto
O tribunal formou a sua convicção - para dar como provados e não provados os factos - com base no seguinte:
Quanto aos sob 1: assentos de nascimento de fls. 135 e 137.
Quanto aos sob 2: ofício de fls. 177.
Quanto aos sob 3: ofícios de fls. 10 e de fls. 77 e depoimentos de Paulo Miguel Conde Rodrigues Lapa (funcionário da Secretaria há mais de 16 anos) e José Neves da Costa, presidente do Conselho Executivo no período de 1992 a 1996.
Quanto aos sob 4 (à excepção da parte final, a partir “do qual”): documento de fls. 268 a 270.
Quanto aos sob 4 (parte final), 5, 6 e 7: para além do documento de fls. 12, que é a declaração em causa, e do expediente que instruiu a candidatura da arguida B... a fls. 31 a 57, os depoimentos de C... (a Presidente do Conselho Executivo à data dos factos), Elvira da Conceição Cabral Jaqueta Ferreira, membro do Conselho Executivo à data dos factos e Paulo Miguel Conde Rodrigues Lapa (funcionário da Secretaria à data dos factos), terceiros perante quem a arguida A... assumiu os factos, com pormenores e explicações, antes da instauração de qualquer processo. Isto é, a ponderação do conjunto destes meios de prova, com base nas regras da experiência comum das coisas - quem, nas circunstâncias apuradas, apresenta uma declaração falsa, respeitante a factos pessoais, passada por uma tia com quem tem uma relação muito próxima, para um processo de candidatura próprio, está obviamente conivente na falsificação em causa - não deixou margem para dúvidas quanto à autoria dos factos e comparticipação de ambas as arguidas nos mesmos.
Quanto aos sob 8: depoimento da Rita Maria Machado Rodrigues Melo, a opositora em causa, e carta de fls. 9 e registo e a/r de fls. 11.
Quanto aos sob 9, 10, 11, 12 e 14: documentos de fls. 9, 8 e 70, e depoimentos de C..., Elvira da Conceição Cabral Jaqueta Ferreira e Paulo Miguel Conde Rodrigues Lapa, terceiros perante quem a arguida A... assumiu, de forma perfeitamente consciente, os factos, com pormenores e explicações, antes da instauração de qualquer processo.
Quanto aos sob 13: depoimentos da Rita Maria e da C... e documento de fls. 8.
Quanto aos sob 15 e 16: regras da experiência comum das coisas, conjugadas com os restantes factos provados de 1 a 14 e com o facto de não ter ficado minimamente indiciado que as arguidas sofram de qualquer tipo de deficiência na capacidade de entendimento das coisas e avaliação da ilicitude dos factos ou na capacidade de se determinarem de acordo com aqueles entendimento e avaliação.
Quanto aos sob 17 a 22, 23 a 26: depoimento das pessoas ouvidas ao pedido cível que sabem dos factos dadas as relações que têm com a C.....
Quanto aos sob 22-A: carta de fls. 224.
Quanto aos sob 27: resulta dos factos já consignados e de fls. 138.
Quanto ao sob 28, 1ª parte: depoimentos das testemunhas ouvidas.
Quanto aos sob 28, 2ª parte, e 29: informação de fls. 177/178.
Quanto aos 30 a 34: depoimento das testemunhas de defesa e também das testemunhas já referidas José Neves e de Paulo.
Quanto aos 35 a 43: recurso hierárquico de fls. 58 a 64 e documentos de fls. 274 a 339
Quanto aos sob 45 e 46: depoimento do funcionário da Secretaria, Paulo.
Os factos provados demonstram que não corresponde à realidade o que consta de I.
Ninguém disse nada que permitisse concluir o que consta de II, III e V e VI.
Ninguém disse o suficiente para convencer que tenha sido como consta de IV.
As testemunhas de defesa são: um professor de ginástica, um operador de repografia e um guarda nocturno da Escola de Anadia e duas senhoras que trabalharam na secretaria da Escola uns poucos de meses depois da prática dos factos (uma delas também trabalhou como auxiliar de acção educativa em 1997 ou 1998, mas desse período nada de especial disse). Os dois primeiros apenas revelaram saber sobre a arguida A... o pouco que resultou do contacto com ela na secretaria da Escola. O guarda nocturno apenas pode dizer que a viu na Escola, dentro da Secretaria, no período entre as 17 e as 24h, algumas vezes, algumas delas com a sobrinha. As duas últimas falaram do que viram no pouco tempo que trabalharam na secretaria com a arguida, naquele curto período que trabalharam com a mesma. Nenhuma destas testemunhas revelou ter qualquer contacto social real com as arguidas, muito menos com a B..., que lhes permitisse responder de forma positiva e com convicção sobre o muito que se alegou a partir de VI (até XXIV). Muito menos as duas últimas testemunhas, que nem sequer podiam saber - por impossibilidade material - nada do que as duas arguidas teriam feito no período de 1994 a 1996.
Ninguém disse o que consta de XXV e XXVI nesses termos; por isso, ficou apenas provado o que consta de 44 a 46.
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VII. Apreciação
VII.I. Violação dos direitos de defesa – conclusões 1 a 7
Como resulta claro da fundamentação da decisão e da circunstância de se tratar da falsificação de documentos supostamente emitidos pela Escola onde desempenhava funções de chefe se Serviço de Administração a arguida A... e de onde saiu o documento para um concurso a que era oponente a co-arguida B..., sobrinha daquela, ao qual os documentos foram efectivamente juntos, sem que alguém sustente da sua veracidade, os meios de prova essenciais são os documentos em si e a sua junção ao processo de concurso á vaga existente.
Sendo certo que nem as recorrentes, apesar batalharem com tal ímpeto, como se tal fosse verdade, ninguém questiona que o que consta dos documentos não correspondia efectivamente à verdade.
A violação do direito de defesa radica na impossibilidade de produção de provas a que já se fez referência. Não se vendo assim como tenham sido postos em causa os direitos das arguidas, pelas razões já aduzidas na apreciação dos recursos sobre tal matéria, por se tratar, em concreto, de provas relativas a factos relativos às “consequências da acusação”, que não constituem objecto do processo, ou irrelevantes para os pressupostos dos crimes ou da medida da pena, o que nem as recorrentes alegam, materialmente, em bom rigor.
Alegam ainda que viola o seu direito de defesa o facto elencado sob o n.º 22-A da matéria provada.
Ora, compulsando os autos verifica-se que tal facto consta explicitamente do artigo 8º do pedido de indemnização (cfr. fls. 222 dos autos) e documento que acompanha a dita petição, para que remete, também de forma expressa, aquele artigo.
Sendo certo que se trata (o articulado em que tal é alegado) de peça devidamente notificada às arguidas e sobre a qual puderam assim amplamente tomar a posição que entenderam.
Não se descortinando assim, a este respeito, qualquer violação do direito defesa das arguidas, uma vez que se trata de facto devidamente alegado no pedido de indemnização civil, bem conhecido portanto das arguidas, que dele foram notificadas e sobre o qual puderam tomar, amplamente, a posição que entenderam.
No que concerne à relevância de tal facto para o cômputo da indemnização, tal foi objecto de despacho de aclaração no sentido de que não teve qualquer efeito na quantificação da indemnização arbitrada.
Sendo certo ainda que o facto 22, referindo-se aos “factos acima relatados” como ali se refere, não pode reportar-se ao 22-A, por relatado “abaixo” e não “acima” daquele 22.
Não existindo assim a relação de precedência, “construída” pelas recorrentes mas sem o mínimo apoio da decisão.
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VI.II. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação – c. 8 a 18
O art. 374º do CPP, enunciando os requisitos da sentença, estabelece no seu n.º2 (redacção introduzida pela lei 59/98): Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Mas o próprio comando legal do art. 374º, n.º2 do CPP embora obrigue à enumeração dos factos provados e não provados, refere logo a seguir, quanto aos fundamentos que a exposição deve ser “tanto quanto possível completa, ainda que concisa”.
Sendo certo que a fundamentação “há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação cabal e segura do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do Iter que conduziu a considerar os factos provados ou não provados” - extracto do AC. TC 258/2001, DR IIS de 02.11.2001, citando outros arestos anteriores do mesmo tribunal.
E, como tem decidido o STJ em doutrina relativa à elencação dos factos, também aplicável à respectiva fundametação – v. entre outros: Ac. STJ de 15.01.1997, na CJ/STJ, tomo I/97, p. 181; Ac. STJ de 05.02.1998, publicado na CJ/STJ, tomo I/98, p. 189; Ac. STJ de 11.02.1998, BMJ 474º, p. 151; Ac. STJ de 02.12.1998, publicado na CJ/STJ, tomo III/98, p. 229 - tal dever refere-se apenas aos aspectos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos.
Ora a motivação da decisão da matéria de facto, no caso dos autos, encontra-se transcrita supra, sendo estulto repeti-la aqui de novo.
Dela resulta que o Tribunal Colectivo fundamenta a convicção dos julgadores facto por facto, analisando as provas relevantes para cada um, de forma minuciosa, ainda que concisa, por forma a que, quem quer que seja, desde que situadas as questões e o respectivo contexto, desde que o queira – e não se pode convencer quem recusa toda e qualquer explicação que não seja aquela que quer - deixa perfeitamente claro o raciocínio lógico em que assentou e permitindo ao tribunal de recurso a respectiva sindicância.
Não tendo a sentença que constituir um repositório de tudo o que é dito em interrogatório e contra-interrogatórios, instâncias e contra-instâncias, perguntas e esclarecimentos, durante a audiência – para tal existe a respectiva acta, a gravação da prova em suportes magnéticos e a subsequente transcrição. Aliás no caso a prova foi gravada e qualquer dúvida que os recorrentes tivessem, sobre a mesma, poderiam sempre socorrer-se da gravação para a desfazer.
E como se disse, a decisão evidencia perfeitamente os critérios e o percurso lógico em que assenta, permitindo sindicar perfeitamente os respectivos fundamentos.
A síntese constitui aliás uma virtude a que as conclusões dos recursos em apreciação deviam prestar atenção. Os argumentos têm como limite a pequena realidade das coisas, não podendo, em circunstância alguma subvertê-la. Apenas têm efectiva consistência quando quem os invoca pudesse suportar a sua aplicação caso lhe fossem opostos – e no caso, o que não diriam as recorrentes, com a facilidade argumentativa com que discorrem, caso estivessem na posição de opositoras ao concurso prejudicadas com a junção do documento falso?
Queixam-se as recorrentes de que o acórdão recorrido é parco na fundamentação jurídica.
Ora estando os factos descritos no local próprio, seria fastidioso e inútil voltar a eles, de forma mais ou menos repetitiva, em sede da respectiva qualificação/subsunção jurídica, onde basta referir os critérios legais e neles enquadrar a matéria de facto previamente descrita.
A sentença identifica as normas jurídicas que definem o crime, os critérios da medida da pena e a definição da indemnização civil arbitrada, permitindo também nesta âmbito, perfeitamente, a respectiva sindicância. E também aqui as recorrentes não invocam critérios legais, doutrina ou jurisprudência que ponham em causa a subsunção efectuada, a escolha da pena de multa e da suspensão da prisão, ou as medidas concretas definidas.
Pretende-se ver cultivada a retórica pela retórica. Quando a função dos Tribunais consiste em decidir o caso concreto, em conformidade com a lei. No pensamento jurídico a retórica tem como limite os bens jurídicos materiais que procura evidenciar e servir. Como refere Baptista Machado, prefácio à Introdução do Pensamento Jurídico, Karl Enguish, Fundação Kalouste Gulbenkian, 3ª ed., p. XXIII e XXXII: trata-se do “pensamento problemático argumentativo, tópico-retórico, ou simplesmente prático. Não credor de uma “ lógica formal, mas de uma lógica material”.
Pelo que também aqui, tendo a decisão definido os critérios legais em que se fundamenta, deixando claro o respectivo percurso lógico que lhe subjaz, para mais não pondo as recorrentes em causa o seu bom fundamento legal, o recurso tem que improceder.
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VII.III. Insurgem-se por ultimo as recorrentes – conclusões 23 a 27 – contra a fundamentação da decisão, alegando que assenta em testemunhos de “ouvir dizer”.
Postula o art. 129º: 1. Se o depoimento resultar de se ouvir dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
No caso vertente, para além de a matéria questionada (factos 4 a 7, 9, 10,11, 12 e 14) resultar essencialmente da conjugação do teor (não questionado) dos vários documentos a que tais factos se reportam e da constatação de que a arguida B... nunca exerceu as funções a que se reporta a declaração mencionada sob o n.º5, verifica-se que os segmentos dos depoimentos das testemunhas questionados, assentam na sua própria razão de ciência, uma vez que declararam que a arguida Maria de Lurdes assumiu a prática dos factos perante elas próprias – não portanto perante terceiros que lho tivessem transmitido.
Mesmo que se entendesse que constituem, nessa parte, testemunhos de ouvir dizer, a consequência era fazer comparecer a pessoa de quem ouviram dizer. Pessoa essa que, no caso, carecia se ser convocada - porque esteve presente e devidamente patrocinada assistida juridicamente, podendo assim contraditar os ditos testemunhos da forma como entendeu. E se não o fez pessoalmente foi exclusivamente por opção sua, no exercício do direito ao silêncio que lhe assiste, não podendo queixar-se desse não exercício.
A possibilidade do depoimento indirecto corresponde à ideia de «melhor prova», quando é de todo impossível ouvir a pessoa que tinha razão de ciência directa sobre os factos. Aliás subjacente a toda a problemática da proibição das provas em processo penal está subjacente – como aliás em todo o direito - a ponderação e a hierarquização de valores em conflito. Como escreve COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, p. 198, “Apesar das proibições de prova... acaba por prevalecer o entendimento assente na ponderação entre os bens jurídicos tutelados pelas proibições de prova e os valores encabeçados pela perseguição penal”.
Os princípios de imediação, da dignidade da pessoa humana, da igualdade de armas e do contraditório compaginam-se com o testemunho de ouvir dizer, dentro do quadro limitado em que este é admitido pelo nosso sistema processual, como é unanimemente reconhecido. Não violando assim a Constituição da República, nem tão-pouco a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que não impõe ao direito interno um determinado e específico conceito de testemunha de acusação – Cfr. Costa Andrade, ob., cit., p. 165-166.
Pelo que também neste aspecto não assiste razão às recorrentes.
E, não havendo outras questões a apreciar, os recursos devem improceder, na totalidade.
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VIII. Nestes termos, acorda-se em negar provimento aos dois recursos interlocutórios e ao recurso da decisão final. -------
Sem prejuízo da decisão sobre apoio judiciário, as arguidas pagarão de taxa de justiça, individualmente [atento o n.º de recursos, extensão das questões grau de decaimento situação económica – artigos 513º, n.º1 do CPP e 82º, n.º1 e 87º, n.º1, al. b) do CCJ]: A... - 15 (quinze) UC; e B... – 12 (doze) UC. E ambas, solidariamente, as restantes custas.