Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5360/21.7T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
PLANO DE PAGAMENTOS
SÓCIO-GERENTE
SUSPENSÃO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
PLURALIDADE DE PROCESSOS
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 249.º, 255.º, N.º 1, 263.º DO C.I.R.E.
Sumário: I) Para efeitos do previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 249.º do CIRE, a qualidade de sócio e gerente de uma sociedade não equivale à titularidade de exploração de empresa.
II) A apresentação do plano de pagamentos determina a suspensão do processo de insolvência em que tal plano foi apresentado e de outro processo de insolvência que esteja pendente contra os mesmos devedores.
Decisão Texto Integral:

 

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“A..., Lda, requereu, em 23 de Janeiro de 2021, a insolvência de AA e mulher BB, já todos identificados nos autos, correndo para tal no Juízo de Comércio ..., os autos com o n.º 362/21.....

Os requeridos foram citados em 02 de Fevereiro de 2021, tendo deduzido oposição.

Os ali requeridos, AA e mulher BB, em 23 de Fevereiro de 2021, intentaram PEAP, no Tribunal recorrido, que foi distribuído com o n.º 737/21...., na sequência do que foi nomeado AJP, publicitada em 26 de Fevereiro de 2021.

Após o que no processo de insolvência acima identificado, foi proferido despacho a suspender a respectiva instância, nos termos do disposto no artigo 222.º-E, n.º 1, do CIRE.

Por sentença proferida em 20 de Agosto de 2021, já transitada, no âmbito do PEAP, foi recusada a homologação do acordo de pagamento apresentado, na sequência do que o AJP, em 08 de Setembro de 2021, juntou aos autos o Parecer a que se alude no artigo 222.º-G, n.º 4, do CIRE.

Os requerentes do PEAP, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-G, n.º 5, do CIRE, juntaram um plano de pagamentos, o que deu origem a que os autos de PEAP tenham sido remetidos à distribuição, como Processo de Insolvência Singular, com o n.º 5360/21.... (de onde provém o presente Apenso), solicitando a admissão do plano de pagamentos, ficando, ao abrigo do disposto no artigo 255.º do CIRE suspensa a declaração de insolvência, até que seja decidido o incidente de apresentação do plano de pagamentos ou, não sendo aprovado, sejam os mesmos declarados insolventes.

A credora A..., L.da., veio requerer seja decretada a suspensão dos autos de insolvência instaurados em segundo lugar (os presentes) até que sejam decididos os autos de insolvência que intentou, por anteriores aos presentes, cf. artigo 8.º, n.º 2, do CIRE.

Respondendo, os requerentes vieram defender que os autos de insolvência têm de continuar suspensos até que se decida a admissão do acordo de pagamentos, que tem de ser apreciada nestes autos.

Conforme requerimento de fl.s 15 a 19, a credora A..., L.da., veio reiterar seja decretada a suspensão da instância nos presentes autos, por ser posterior ao por si instaurado.

Ao mesmo tempo, pugna pela inadmissibilidade do acordo de pagamentos, com o fundamento em que não se verificam os requisitos para tal, como previsto no artigo 249.º, do CIRE, porquanto o devedor AA é sócio-gerente da sociedade “C..., Lda.” e porque o passivo apresentado ascende a quase meio milhão de euros, pelo que não se verificam os requisitos previstos no n.º 1, alínea a) e 2, alínea b), iii), do ora citado artigo 249.º

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, a mesma, cf. despacho de fl.s 98 a 102 v.º, (aqui recorrido) não admitiu a apresentação do plano de pagamentos, por não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos na al. a), do n.º 1 e al. b), iii, do artigo 249.º do CIRE e porque a presente instância foi instaurada em data posterior à dos autos que correm termos no Tribunal recorrido, sob o n.º 362/21...., ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do CIRE, determinou a suspensão da instância nos presentes autos, até ao indeferimento daquela ou até ao trânsito em julgado da sentença de insolvência que viesse a ser decretada, cf. artigo 8.º, n.os 2 a 4, do CIRE.

Inconformados com a mesma, dela interpuseram recurso os aqui requerentes AA e mulher BB e, subordinadamente, a credora A..., L.da., recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 124), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verificam ou não, os requisitos previstos no artigo 249.º, do CIRE, para que seja ou não, admitido o plano de pagamentos apresentado pelos devedores recorrentes.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:

1. A..., Lda em 23/01/2021, requereu a declaração de insolvência de AA e BB;

2. Aqueles foram citados em 02/02/2021, tendo apresentado oposição;

3. Os devedores, em 23/02/2021, deram entrada a Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), processo que foi distribuído com o n.º 737/21.... e em que a nomeação do AJP ocorreu no dia 25/02/2021, tendo a publicação do anúncio da sua nomeação sido efetuada no dia 26/02/2021, e que agora constituem Apenso A dos presentes;

4. Em 01/03/2021, foi nos autos proferido o seguinte despacho:

“Atendendo a que foi proferida e já publicitada a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C em Processo Especial para Acordo de Pagamento (CIRE) em que são requerentes os aqui requeridos, suspende-se a presente instância até que seja proferida decisão sobre o acordo de pagamento-artº 222º-E, nº 1, do CIRE.”

5. Por sentença proferida em 20/08/2021 foi recusada a homologação do Acordo de Pagamento apresentado no âmbito do PEAP (identificado no ponto 3) já transitada em julgado.

6. Em 08/09/2021, o AJP juntou ao PEAP referido o Parecer a que alude o art. 222.º-G/4 do CIRE.

7. Os insolventes notificados vieram ao abrigo do disposto no artigo 222º G nº 5 do CIRE, além do mais, juntar plano de pagamentos nos referidos autos.

8. Por despacho proferido a 04/12/2021 foi, tendo em conta o aludido parecer e a apresentação de plano de pagamentos remetido à distribuição como Processo de Insolvência Singular (Requerida).

9. Conforme consta do requerimento inicial do PEAP, agora apenso, o devedor marido é sócio-gerente da sociedade “C..., Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua..., ... ... e a mulher é trabalhadora na mesma sociedade.

10. Igualmente, conforme consta do requerimento inicial do PEAP, agora apenso, tal sociedade foi declarada insolvente em processo que correu termos no Juiz ... do Juízo do Comércio ... sob o nº 18678/19...., no âmbito da qual logrou aprovar e homologar judicial a proposta de plano de recuperação que apresentou aos seus credores.

11. Os devedores apresentam como credores os constantes da lista de créditos apresentada no PEAP, no valor total de €445.636,71.

Se se verificam ou não, os requisitos previstos no artigo 249.º, do CIRE, para que seja ou não, admitido o plano de pagamentos apresentado pelos devedores recorrentes.

Como resulta do relatório que antecede, ao passo que a M.ma Juiz a quo considerou que os devedores não cumprem os requisitos para a apresentação de plano de pagamento, com o fundamento em o devedor marido ser sócio gerente de uma sociedade e o passivo exceder  trezentos mil euros, os devedores defendem que o plano tem condições para ser recebido, porque se trata de insolvência de pessoas singulares, a que se aplica apenas o previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 249.º do CIRE, dado que a qualidade de sócio de uma sociedade não equivale à titularidade da exploração da empresa.

Na decisão recorrida, refere-se a seguinte fundamentação:

 “(…)

E, sendo assim, com a distribuição em juízo do Parecer do AJP, temos pendentes dois processos de insolvência, ou seja, o novo processo de insolvência que resultou da remessa à distribuição do parece do AJP e o anterior processo de insolvência, suspenso nos termos do art. 222.ºE, nº 6 do CIRE – e a verificar-se a situação de prejudicialidade prevista no art. 8.º do CIRE [Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 431 e 432], segundo o qual “(…) o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo” (art. 8.º, nº 2 do CIRE).

Efetivamente, havendo dois processos de insolvência contra o mesmo devedor, manda o CIRE que se proceda à suspensão da instância aberta em último lugar [atendendo que certos preceitos do CIRE dão à data de início do processo, como é o caso, v. g., dos art. 120.º e 186.º do CIRE.], instância esta que ficará a aguardar o desfecho da primeiro aberta e que apenas prosseguirá se na instância primeiro aberta não for declarada a insolvência (uma vez que, se o for, fica prejudicado o seu conhecimento).

Ou seja, numa hipótese como a dos autos – em que existe um anterior processo de insolvência e em que no PEAP não foi aprovado e/ou homologado acordo de pagamento e em que, a seguir, o AJP entende que o devedor se encontra em situação de insolvência – a apreciação da situação de insolvência do devedor tem que começar por ser efetuada no processo de insolvência instaurado em primeiro lugar, por ser o entrado em primeiro lugar (cfr. art. 8.º, nº 2 do CIRE), e, neste caso o processo nº 362/21.....

Contudo, nos autos, e de acordo com o legalmente determinado foram os devedores notificados, e vieram os mesmos apresentar plano de pagamentos, o que, a preencherem os requisitos deveria ser autuado por apenso respectivo incidente e, não se podendo coartar essa possibilidade, a suspensão dos autos de insolvência que ocorre no caso de apresentação a PEAP, teria que aplicar-se no caso de apresentação de Plano de pagamentos, ficando o processo de insolvência a aguardar o desfecho de tal incidente e que apenas prosseguiria no caso de não aprovação e homologação de tal plano. Ou seja, a não ser aprovado e homologado o plano apresentado, os autos de insolvência instaurados em primeiro lugar teriam que prosseguir os seus termos, ficando agora suspensa o segundo processo de insolvência.

No entanto, conforme já invocado pela credora, cumpre, desde já, verificar o preenchimento dos requisitos dessa apresentação a plano de pagamentos mesmo antes da sua autuação como incidente e da análise se é altamente improvável que o plano de pagamentos venha a merecer aprovação, uma vez que, em caso de não preenchimento, tal acto seria completamente inútil.

Em matéria de preenchimento dos requisitos para apresentação de Plano de pagamentos, estabelece o artigo 249.º, do CIRE que:

(…)

Com efeito, e de acordo com o referido em sede de PEAP, o devedor marido é sócio-gerente da sociedade “C..., Lda.”, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua..., ... ... e a mulher é trabalhadora na mesma sociedade.

Os devedores apresentam como credores os constantes da lista de créditos apresentada no PEAP, no valor total de €445.636,71, o que leva à conclusão que os devedores não cumprem qualquer dos dois requisitos legais alternativos para requererem o plano de pagamentos nos termos do disposto no art. 249.º do CIRE.

Desde logo, não cumprem o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 249.º do CIRE (“Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”, uma vez que, pelo menos o Devedor marido, AA, é sócio e gerente da empresa “C..., Lda.”

E, dispondo o n.º 2 do referido artigo 249.º do CIRE que: “Apresentando-se ambos os cônjuges à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges”.

E, de facto, são os próprios Devedores, ambos, que afirmaram no PEAP apresentado ser o Devedor marido, AA, é sócio e gerente da empresa “C..., Lda.”

E, bem assim, não cumprem o requisito da al. b):

“b) À data do início do processo:

i) Não tiver dívidas laborais;

ii) O número dos seus credores não for superior a 20;

iii) O seu passivo global não exceder (euro) 300000”.

Desde logo, não cumprindo, pelo menos, o requisito da al. b), ponto iii), na medida em que o passivo apurado nos presentes autos ascende a €445.636,71.

Ou seja, os devedores não cumprem os requisitos para apresentação de plano de pagamento, pelo que não se pode admitir o mesmo.

**

Nestes termos, indeferindo-se a pretensão dos devedores,

a) - Por não preencher os requisitos previstos previsto na al. a) do n.º 1 e al. b), ponto iii), do art. 249.º do CIRE, não se admite a apresentação do plano de pagamentos;

b) - Uma vez que a presente instância foi instaurada em data posterior à dos autos a correr termos, por este Juízo, como insolvência singular (requerida) sob o nº 362/21...., determino, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do CIRE, a suspensão da presente instância até ao indeferimento daquela ou até ao trânsito em julgado de sentença declaratória de insolvência que seja decretada (cf. n.ºs 3 e 4 do citado preceito legal do CIRE).”.

Dispõe o artigo 249.º, do CIRE que:

1 - O disposto neste capítulo é aplicável se o devedor for uma pessoa singular, e, em alternativa:

a) Não tiver sido titular da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;

b) À data do início do processo:

i) Não tiver dívidas laborais;

ii) O número dos seus credores não for superior a 20;

iii) O seu passivo global não exceder (euro) 300000.

2 - Apresentando-se ambos os cônjuges à insolvência, ou sendo o processo instaurado contra ambos, nos termos do artigo 264.º, os requisitos previstos no número anterior devem verificar-se relativamente a cada um dos cônjuges.

O ora citado artigo está inserido no Capítulo II, do Título XII do CIRE, regulando a insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas.

Prevendo/definindo o citado artigo 249.º, respectivamente, nas alíneas a) e b), do seu n.º 1, o que deve entender-se por não empresário e titular de pequena empresa.

Assim, o seu regime é aplicável a devedor pessoa singular, que não tenha sido titular de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ou que, nesse período, tenha sido titular de uma pequena empresa e, neste caso, desde que verificados os requisitos previstos na sua alínea b).

In casu, os devedores são pessoas singulares, pelo que nada obsta à aplicação do regime previsto no artigo em referência.

E nem a tal obsta o facto de o devedor marido ser sócio gerente de uma sociedade.

Efectivamente, para efeitos do CIRE, a definição/noção de empresa é a constante do seu artigo 5.º, de acordo com o qual: “… considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica”.

Como refere Coutinho de Abreu, in Da Empresarialidade As Empresas No Direito, Almedina, 1996, a pág. 304, “… empresa em sentido objectivo é a unidade jurídica fundamentada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para a troca”.

Ora, o facto de o devedor marido ser sócio-gerente de uma empresa não acarreta que o mesmo seja titular da exploração da dita empresa.

Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 13/10/2015, Processo n.º 996/15.8T8LRA-E.C1, disponível no respectivo sítio do itij, em que figura como Relatora a ora 2.ª Adjunta “… a sociedade é pessoa diversa dos respectivos sócios, gerentes e administradores, a empresa (organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer actividade económica – cfr.art. 5.º) que se encontre na esfera jurídica da sociedade é da titularidade da sociedade e não dos respectivos sócios, gerentes ou administradores. A qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale, portanto, à titularidade de qualquer empresa”.

Ora, o artigo 249.º, n.º 1, al. a), do CIRE apenas exclui da possibilidade de apresentação de plano de pagamentos a quem tenha sido titular, individualmente, de uma empresa ou tendo-o sido, se cumpram os requisitos enumerados na sua alínea b).

Uma vez que in casu nenhum dos devedores é empresário em nome individual e nessa qualidade tenha sido titular da exploração de qualquer empresa no período nele fixado, é-lhes lícito apresentar plano de pagamentos, pelo que não pode subsistir, nesta vertente, a decisão recorrida.

Relativamente ao recurso interposto pela credora A..., L.da., apenas cumpre referir que, contrariamente ao que alega, não se decretou a suspensão dos autos que instaurou (antes dos presentes, por isso, mais antigo), mas sim dos presentes autos, precisamente porque instaurados em data posterior àqueles.

É o que, cristalinamente, resulta da parte decisória da decisão recorrida, em b).

Assim, a pretensão da identificada credora, relativamente a decretar-se a suspensão dos presentes autos, prosseguindo os que, em primeiro lugar, instaurou, com o n.º 362/21...., já foi deferida na decisão recorrida.

No entanto, mercê da revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos presentes autos para apreciação do plano de pagamentos apresentado, passa a decidir-se a questão de saber se tal plano de pagamentos não deveria ser apreciado, prevalecendo o prosseguimento dos autos intentados pela credora, ora recorrente e decretando-se a suspensão dos presentes, sem esquecer que, relativamente ao pedido de que seja declarada a cessação da suspensão dos autos primeiramente instaurados, terá o mesmo de ser formulado nos mesmos e não aqui.

No âmbito deste recurso, apenas incumbe averiguar da admissibilidade do plano de pagamentos apresentado pelos devedores e consequências que de tal advêm, designadamente a suspensão dos autos de insolvência, que tal acarreta.

Ora, nos termos do disposto no artigo 263.º do CIRE, o incidente de aprovação do plano de pagamentos tem de ser processado por apenso ao processo de insolvência em que foi apresentado, precisamente porque é a solução que melhor se coaduna com a suspensão do processo que a apresentação do plano de pagamentos implica, como decorrência do disposto no artigo 255.º, n.º 1, do CIRE; isto é, desde que não se afigure altamente improvável que o plano de pagamentos venha a ser aprovado, a sua apresentação determina a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos – cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, 3.ª Edição, pág. 906.

É óbvio que o artigo 255.º do CIRE está gizado/pensado apenas para a hipótese de existência de um só processo de insolvência, ordenando a suspensão do processo de insolvência em que foi apresentado o plano de pagamentos, mas a razão de ser desta suspensão, em nossa opinião, aplica-se, também, ao caso de existência de um outro (anterior) processo de insolvência.

Efectivamente, a assim não ser e continuando o anterior processo a ser tramitado e na eventualidade de ali vir a ser decretada a insolvência dos requerentes de tal plano, perde qualquer interesse a apresentação do plano neste processo, quando a intenção do legislador é a de que a apresentação do plano, suspenda a tramitação do processo de insolvência até à decisão do respectivo incidente.

De resto, se o legislador quisesse excepcionar tal suspensão em caso de existência de um outro processo, bastava que no artigo 255.º, n.º 1, do CIRE o dissesse.

Reiterando, o que se pretende é que não seja decretada a insolvência do apresentante do plano de pagamentos, antes deste ser apreciado e decidido.

O que mais se reforça, atendendo a que nos termos do disposto no artigo 259.º, n.º 1, do CIRE, a apresentação do plano de pagamentos não impede que haja lugar a declaração de insolvência do devedor, só que a mesma só pode vir a ser declarada após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, o mesmo acontecendo no caso de o plano não ser aprovado, cf. artigo 262.º do CIRE.

E sem esquecer que no caso de aprovação do plano de pagamento, a sentença que declare a insolvência dos devedores, tem um âmbito mais restrito, cf. resulta do disposto na parte final do n. 1, do artigo 259.º do CIRE.

Ou seja, resulta destes preceitos que “a retoma dos termos do processo de insolvência, cessando, pois, a suspensão determinada pela decisão prevista no artigo 255.º, n.º 1” (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., a pag. 905) só opera depois de decidido o incidente de apresentação do plano de pagamentos.

No mesmo sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, a pág. 579.

In casu, não se chegou a aferir da viabilidade/probabilidade da aprovação do plano de pagamentos, apenas se decidindo que o mesmo não estava em condições de ser aprovado, decisão que não se mantém.

Assim, em face do exposto, não podem prosseguir os autos de insolvência, até que seja decidido o incidente do plano de pagamentos e, consequentemente, impõe-se que se mantenha a suspensão em ambos os processos de insolvência em que são requeridos os devedores AA e mulher BB, até que seja decidido o incidente de apresentação do plano de pagamentos.

A que, também, não obsta o facto de os devedores não terem apresentado plano de pagamentos no processo primeiramente instaurado. É um direito que lhes assiste, desde que verificadas as condições para tal, em qualquer processo de insolvência que  contra si seja intentado ou, eles próprios, o façam.

Consequentemente, procede o recurso, interposto pelos devedores, improcedendo o interposto pela credora A..., L.da.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, interposto pelos devedores AA e mulher BB, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que admite o plano de pagamentos apresentado pelos devedores, a tramitar por apenso aos autos de que provêm os presentes e;

Improcedente o recurso interposto pela credora A..., L.da.

Custas, do presente recurso, a fixar a final, cf. artigo 304.º do CIRE.

Coimbra, 08 de Março de 2022.