Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/22.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
PREJUÍZOS
DESCONTO NA RETRIBUIÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA
Data do Acordão: 05/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 330.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO E CLÁUSULA 54.ª, N.º 2, DO CCT CELEBRADO ENTRE A ANTRAM E OUTRA E A FECTRANS E OUTROS, PUBLICADO NO BTE N.º 45 DE 8/12/2019
Sumário: I – Se no âmbito de um processo disciplinar no qual foi aplicado ao trabalhador a sanção de 20 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, não se apurou que a Ré sofreu os prejuízos que imputou ao Autor, no montante de 1.700,00, a mesma não pode proceder ao seu desconto mensal na retribuição do Autor.

II – Aliás, mesmo que se tivessem apurado tais prejuízos, a Ré não podia, sem mais, proceder a tal desconto, como o fez, uma vez que não estamos perante qualquer uma das situações previstas no n.º 2 da cláusula 54.ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e outra e a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019, sendo que, ao fazê-lo, está a impor ao trabalhador mais uma sanção disciplinar (a sanção pecuniária) o que é proibido (artigo 330.º, n.º 1, do CT).


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 64/22.6T8VIS.C1

_________________________________

Acordam[1] na Secção Social (6ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA, residente em ..., ...

  intentou a presente ação declarativa de processo comum contra

  Transportes C..., SA, com sede em ..., ...

  alegando, em síntese, que a Ré lhe aplicou uma sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade pelo período de 20 dias, por alegada desobediência, no entanto, o Autor recusou-se legitimamente a fazer o serviço para Inglaterra e não violou os seus deveres enquanto trabalhador.

Termina, pedindo que:

“Nestes termos,

Deve a presente ação ser julgada procedente, declarando-se nula e ilícita a decisão disciplinar e, consequentemente, a sanção disciplinar concretamente aplicada pela ré ao Autor por ilegal, uma vez que não se provam os factos que ao autor são imputados na nota de culpa, ou pelo menos não se prova a totalidade dos factos que estiveram na base da decisão disciplinar, não se entendendo assim, e sem prescindir, deve, a decisão disciplinar e consequente sanção disciplinar, ser declarada excessiva, abusiva e injusta, revogando-se a decisão e a sanção, condenando-se a ré a reconhecer a ilicitude da sanção e a retirá-la do registo disciplinar do autor. Mais deve a ré ser condenada a devolver ao Autor a quantia de €886,36 que, por força da decisão disciplinar, lhe descontou no mês de maio de 2021, acrescido das quantias que mensalmente lhe vem descontando desde junho de 2021 e que até ao presente mês de Dezembro ascendem à quantia de €1.301,18, acrescido, ainda, dos valores que a ré, futuramente, lhe vier a efetuar referentes à mesma sanção disciplinar.

Tudo com as consequências legais quanto a custas judiciais.”

                                                                       *

Teve lugar a audiência de partes e na qual não foi obtido acordo.  

                                                             *         

A devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando, em síntese, que dos factos que deu como assentes resulta que as condutas do Autor são muito graves e justificam a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade pelo período de 20 dias conforme decidido.

Termina, dizendo que “deve a presente contestação ser atendida em toda a sua extensão e, em consequência, o pedido julgado improcedente e a sanção disciplinar aplicada ao autor mantida, bem como o desconto na sua retribuição da quantia de 1.700,00 euros, tudo com as legais consequências”.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador de fls. 59.                                                                                                                                  *

Procedeu-se a julgamento conforme resulta das respetivas atas.

                                                             *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 107 e segs.) com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto, julga-se a ação improcedente por não provada e, em consequência absolvo a ré dos pedidos formulados.”

                                                             *

O Autor, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“1 - O presente recurso visa impugnar a matéria de facto e a aplicação do direito aos factos provados, não tendo sido houve errada apreciação da matéria de facto.

2 - Os pontos 23, 28, 29, 30, 41, 47, 50, 51, 52 e 53 dos factos dados como provados deviam ter sido dados como não provados.

3 - O último segmento do ponto 23 dos factos provados é conclusivo e não tem suporte em qualquer prova produzida, até porque não foram alegados quais os "transtornos" alegadamente causados no departamento de tráfego da ré, além disso, se o serviço que estava destinado ao autor foi realizado por outro colega o autor podia, perfeitamente, ter efetuado o serviço destinado a este colega, seja como fôr, nada disto foi alegado pela ré, pelo que tal segmento deve ser retirado do ponto 23 dos factos provados.

4 - Os factos dados como provados nos pontos 28 e 29 dos factos provados são falsos, uma vez que é falso que tenha sido pela recusa em fazer, no dia 15 de março, o serviço a Inglaterra que o autor provocou os alegados prejuízos à ré de €1.200,00, como ali referidos, uma vez que o A, nos dias 16 e 17 solicitou serviço à ré e foi esta que, livremente (como consta dos pontos 24, 25 e 26 dos factos provados), entendeu nada lhe atribuir.

5 - É igualmente falso que o camião tivesse estado parado 2 dias e meio, como consta do ponto 28, porque, na realidade, até esteve paralisado 3 dias (nos dias 15, 16 e 17), com o acréscimo de, neste último dia, o A. se ter deslocado um vazio da Maia para a sede da ré, em Viseu, pelo que também aqui aqueles pontos não correspondem à verdade.

6 - Por outro lado, ainda, não se percebe como o Tribunal a quo chegou aos valores de €500,00 diários de prejuízo pela paralisação e €200,00 pela deslocação em vazio suportnado-se unicamente no depoimento de duas testemunhas da ré onde exercem cargos de chefia e são dela dependentes economicamente; chegando àqueles valores sem, pelo menos, ter o suporte de um documento que fosse, uma vez que para aferição desses prejuízos não basta o depoimento de duas testemunhas da ré, pouco isentas, mas carece de suporte documental onde constasse os ganhos perdidos, desconto das despesas e outros elementos para se poder chegar ao valor correto do eventual prejuízo - ao dar como provado os pontos 28 e 29, o Tribunal fez uma débil e errada apreciação da prova.

7 - O segmento final do ponto 30 dos factos provados não devia fazer parte desse ponto, uma vez que não se prova em qualquer meio de prova constante dos autos que a ordem dada ao autor no dia 18 de março tenha sido para descarregar no dia 24.03.2021.

8 - Na verdade, não existe qualquer prova (testemunhal, documental ou outra) de onde possa resultar o conteúdo daquele segmento; das trocas de mensagens entre a ré e o autor apenas a mensagem que lhe foi enviada pela ré no dia 23.03.2021, pelas 15:59h, é que se refere àquele dia 24 e mesmo assim não sendo uma ordem impreterível, mas antes um pedindo para que fizesse os possíveis para descarregar naquele referido dia, não existindo, sequer, qualquer mensagem anterior a dar conta ao autor de que estaria atrasado para a entrega no dia 24.

9 - Pelo contrário, o que há é o depoimento do autor, que o Tribunal a quo não quis considerar, onde afirma claramente que nunca lhe disseram, aquando da ordem no dia 18, que tinha de descarregar em Inglaterra no dia 24, como se pode claramete constatar no seu depoimento prestado no dia 06.05.2022, gravado no sistema em uso no Tribunal a quo (Sistema Habilus Media Studio) das 11:31:41h às 12:15:06h, mais especificamente ao minuto 14:46:

Autor - "Essa ordem foi-me dada, mas nunca me disseram que era para descar-regar nesse dia, atenção, isso nunca me disseram que era para descarregar nesse dia, me mandaram carregar".

e ao minuto 41:09:

Autor - "Porque normalmente a gente nunca sai antes das 6 da manhã e, nesse dia, eu para sair às 4 da manhã tive que me levantar às 2 e meia, três menos pouco, claro, a lei, a lei permite-me que eu faça 3 horas de descanso, se eu fizer 3 horas de descanso seguidas, depois ao fim dia dia não preciso de fazer as tais 11 horas de descanso que são regulares, preciso de fazer 9 horas e as tais, foi por isso que eu fiz três horas, porque ninguém me disse que eu tinha de descarregar lá na quarta feira, ninguém me informou".

Ao dar-se como provado o último segmento do ponto 30, fez-se uma errada apreciação da prova.

10 - Dá-se, também, erradamente, como provado, no ponto 41 dos factos provados, que no dia 22.03.2021, o autor efetuou uma condução de 9h45m, suportando-se para tal, o Tribunal a quo, no documento de fls. 22 dos autos, contudo, se atentarmos do dito documento, o que dele consta é que o A. fez 9h51m de condução, o que é bem diferente, existindo, assim, uma clara e evidente má apreciação da prova, pelo que deve tal ponto ser alterado, passando a constar 9h51m de condução ao invés de 9h15m.

11 - O ponto 47 dos factos provados é, por sua vez, abstrato e incompreensível, porque dá como provado que, após ter conduzido cerca de duas horas e quarenta minutos, o autor fez uma pausa de 1h45m, contudo não concretiza em que dia tal pausa ocorreu; foi no dia 23? Foi no dia 24? Analisando o teor dos arts. 37.º e 38.º da contestação parece deles resultar que a pausa terá ocorrido no dia 23 de março, contudo, analisando-se o registo de tacógrafo desse dia, junto com a Resposta à Nota de Culpa, não se vê qualquer pausa de, aproximadamente, 1h45m. Ao dar-se como provado aquele facto, fez-se errada apreciação da prova.

12 - Os pontos 50, 51 e 52 dos factos provados consubstanciam meras conclusões, além de partirem de um pressuposto errado - o de que o autor sabia que tinha de descarregar no dia 24 de março, o que não é verdade, como já se disse; por outro lado, não tem em conta as contingências ou vicissitudes que uma viagem daquele cariz tem, como o trânsito, as horas de ferry no Canal da Mancha, as paragens legalmente obrigatórias de repouso e os descansos obrigatórios, pelo que tais pontos foram erradamente dados como provados.

13 - O ponto 53 dos factos provados não tem suporte em qualquer documento, baseia-se unicamente no depoimento de duas testemunhas da ré, dela dependentes economicamente, sem ter feito qualquer exame crítico desses depoimentos, até porque não é credível que tendo havido um alegado prejuízo de €500,00 (é curioso que são sempre de €500,00 os prejuízos alegados pela ré) não existido qualquer reclamação escrita por parte da entidade prejudicada (a empresa onde o autor descarregou); também não é plausível, como consta da fundamentação de facto, que a ré tenha efetuado um serviço gratuito em Inglaterra à sua cliente com vista a pagar-lhe o alegado prejuízo, e se foi verdade que o fez porque não o cobrou ao autor, à semelhança do que lhe fez pela paralisação do camião? Fez-se, pois, errada apreciação da matéria de facto, pelo que tal ponto deve ser dado como não provado.

14 - O Tribunal a quo fez errada apreciação da matéria de facto ao ter dado como não provado o que consta do art. 26.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, onde o autor afirmou que se recusou apenas a fazer um serviço - o que lhe foi determinado no dia 15 para ir a Inglaterra -, não se tendo recusado fazer mais nenhum serviço, até porque, em boa verdade, até ao dia 18, a ré não lhe deu mais nenhuma ordem de serviço, pelo que a matéria vertida neste artigo, tendo em conta o teor dos pontos 24, 25 e 26 dos factos provados, devia ter sido dada como provada, ao não o ser fez-de errada apreciação da prova.

15 - O Tribunal a quo deu como não provado o alegado pelo A. no art. 30.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, fê-lo, porém, erradamente por ter feito errada apreciação da prova, uma vez que se provou, no ponto 24, que, por o autor não ter cumprido com a ordem no dia 15, a ré não lhe transmitiu mais nenhuma ordem de serviço, apesar de o autor lho ter solicitado nos dia 16 e 17, como consta dos pontos 25 e 26 dos factos provados. Assim, o constante do art. 30.º da P.I. deverá dar-se como provado.

16 - Por erro da apreciação da prova, o Tribunal a quo não deu, também, como provados os factos alegados pelo A. no art. 57.º da sua petição inicial, ou seja, a justificação que o autor deu para a sua pausa de 1:45h que, ao contrário do que parece resultar dos arts. 37.º a 41.º da contestação, só pode ter ocorrido no dia 24 de março de 2021 (uma vez que no registo de tacógrafo do dia 23 não consta nenhuma pausa aproximada desse período temporal); ali referiu, o autor, que após uma condução de 4 horas e meia teria de fazer, por lei, uma pausa de 45 minutos, o que o levou a parar para a cumprir, porém, já no parque, teve conhecimento de que havia um acidente mais adiante, na estrada por onde tinha de seguir e para evitar uma situação de pára-arranca, com tempos perdidos, aguardou mais uma hora para poder prosseguir o trajeto sem percalços - é o que claramente consta ao minuto 17:45 do seu depoimento, pelo que tal facto devia ter sido dado como provado - ao não o ter sido o tribunal fez errada apreciação da matéria de facto.

17 - Por errada apreciação da matéria de facto e aplicação do direito, a M.ª Juíza a quo não deu como provado o alegado pelo autor no art. 60.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, onde o autor justificou que não efetuou a descarga da mercadoria no dia 24 pelo simples facto de já não ter horário para o fazer; na verdade, ao ter iniciado o serviço, no dia 24, pelas 3:52h, como consta do registo de tacógrafo desse dia, e ao ter chegado à cliente da ré para descarregar pelas 18:12h, ao autor apenas lhe restavam 40 minutos para fazer a descarga pois que, por imposição legal, ainda tinha de fazer o seu descanso diário obrigatório (no caso concreto de um mínimo de 9h dentro das 24 horas contadas a partir do início do serviço), o que só seria possível se parasse o serviço às 18:52h, é o que resulta claramente do disposto no art. 8.º, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006.

18 – Das duas ordens de serviço objeto da nota de culpa, o arguido apenas se recusou a fazer um serviço - o que lhe foi determinado no dia 15 de março de 2021 -, contudo, apenas se recusou a fazer esse serviço, mais nenhum; por isso, se a ré teve o seu camião parado dois dias e meio, como alega, não foi por culpa do autor, mas antes da ré que não lhe quis atribuir, até ao dia 18, mais nenhum serviço, razão pela qual, não podia, o tribunal a quo, no que diz respeito aos alegados prejuízos, ter mantido a decisão disciplinar, ao fazê-lo fez errada apreciação da matéria de facto e errada aplicação do direito.

19 – O tribunal a quo, espantosamente, nem cuidou de saber se os alegados prejuízos de €500,00 diários e €200,00 pela paralisação do camião e regresso em vazio à sede da empresa, respetivamente, eram valores líquidos ou brutos, não se percebendo porque motivo se aceita a decisão disciplinar nos precisos termos em que a ré penalizou o autor, uma vez que se o caimão esteve parado também não teve os inerentes custos com combustível e desgaste da viatura, por isso, não se percebe como se pode chegar àqueles valores sem se fazer qualquer exame critico da prova, sem se analisar as perdas de ganho e as despesas que sofreria não estando paralisada, pelo que não se provam aqueles alegados prejuízos.

20 – Relativamente à segunda ordem de serviços proferida no dia 18.3.2021, objetivamente temos nos autos a seguinte ordem proferida por SMS: “engate o seu reboque assim que chegar ao parque. Saída segunda feira 22/3 às 4h da manhã. Fazer um horário de 10 horas de condução para ficar nas retas de Bordeaux”, veja-se que nesta mensagem não consta a data de descarga, sendo certo que tal data só foi transmitida ao autor pelas 15:58h do dia 23.03.2021, tendo este cumprido integralmente com aquela ordem de serviço.

21 – Contudo, a ré e o tribunal a quo, entendem que pelo facto de o Autor ter efetuado uma paragem de 3 horas e 10 minutos no dia 22 (após ter conduzido 2 horas e 10 minutos) e 1 hora e 45 minutos (julga-se que no dia 23 de março), o autor tudo fez para, propositadamente, não efetuar a descarga no cliente em Inglaterra no dia 24 de março.

22 – Relativamente à primeira pausa (de 3 horas e 10 minutos) o autor justificou-a com algum cansaço, pois havia-se levantado às 2 horas da manhã e ninguém o tinha avisado que teria de descarregar no cliente no dia 24, relativamente à segunda pausa, justificou-a com o facto de ter de parar obrigatoriamente, por imposição legal, 45 minutos por cada período de 4h30m de condução e que a fez após ter conduzido apenas 2h40m porque, do ponto onde parou até ao porto de Calais, levaria cerca de 4h30m de condução, o que o obrigaria a fazer uma pausa de permeio e a ficar muito próximo do porto correndo riscos de intrusão de clandestinos no veículo, contudo, quando parou no parque de descanso foi informado da existência de um acidente no percurso por onde teria de prosseguir a viagem, tendo optado por ficar parado mais 1 hora para evitar o pára-arranca e, consequentes, perdas de tempo nas filas, sendo certo que a ré nunca lhe disse que estava a atrasar a viagem.

23 – O curioso da situação é que a ré lhe imputa esta última paragem no dia 23 de março, paragem que não consta do registo de tacógrafo porque, efetivamente, não ocorreu, ou seja, segundo a nota de culpa a dita paragem teria ocorrido no dia 23, mas nesse dia o autor não teve nenhuma paragem desse período temporal.

24 – Não obstante, o tribunal a quo manteve a decisão disciplinar que aplicou ao autor uma sanção disciplinar de 20 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, acrescido do desconto de €1.700,00 na retribuição, fê-lo, porém, ao arrepio das regras da apreciação da prova e em violação do direito aplicável.

25 – No dia 23 de março, pelas 15:58h, a ré dá ao autor a seguinte ordem:

hoje esgote o seu horário, e faça o descanso virado para baixo, de modo a evitar os intrusos, Após o descanso de 9 horas, arranque para apanhar o barco em Calais. Por favor, fazer os possíveis para descarregar amanhã” – cfr. ponto 42 dos factos provados -, ou seja, só no dia anterior é que a ré dá a conhecer ao autor que pretende que se descarregue a mercadoria no dia 24. E o que é que o autor fez? Cumpriu com as ordens que lhe foram dadas – esgotou o horário de condução, fazendo quase 10 horas de condução, fez o descanso virado para baixo por causa dos intrusos, após 9 horas de descanso arrancou para apanhar o barco em Calais e fez os possíveis para descarregar no dia 24 de março, só o não tendo feito porque não conseguiu pois tinha ainda de fazer um descanso diário obrigatório de 9 horas a realizar no período de 24 horas após o início do seu serviço.

26 – Em primeiro lugar, o autor quando recebeu a mensagem alertou a empresa de que não lhe seria possível fazer a descarga no dia 24, pois já previa o que veio a suceder, em segundo lugar o autor não tinha amplitude horária para descarregar nesse dia 24 uma vez que havia iniciado o serviço, nesse dia, pelas 3:52h e chegado ao cliente pelas 18:12h, restando-lhe apenas 40 minutos para descarregar e levar o camião para um parque de descanso, afastado da cliente, para poder efetuar o descanso diário de, pelo menos, 9 horas que deveria ser realizado dentro do período das 24 horas após o inicio do seu serviço de acordo com o art.º 8.º, n.º 2 do Regulamento (CE) 561/2006, ao ter decidido confirmar a decisão disciplinar da ré aplicada ao autor, a M.ª Juiz a quo fez errada apreciação da matéria de facto e errada interpretação do direito.

Termos em que deve proceder o presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida que deve ser substituída por douto acórdão que dê provimento à ação, declarando a ilicitude da sanção disciplinar, por excessiva e abusiva, e condene a ré no pedido da ação, assim se fazendo JUSTIÇA.”

                                                             *

A contra-alegou concluindo que:

(…).       

                                                             *                                            

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 148, no sentido de que “o recurso interposto deverá ser julgado improcedente.”

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do CPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.

Assim sendo, cumpre conhecer as seguintes questões:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se a sanção disciplinar aplicada ao Autor não devia ter sido mantida.

                                                             *

III – Fundamentação

a-) Factos Provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1- A ré é uma sociedade anónima que tem por objeto a indústria de transportes de mercadorias a nível nacional e internacional (artigo 1º da petição inicial).

2- Por contrato de trabalho celebrado em 23/10/2015, a ré admitiu o autor ao seu serviço para desempenhar as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias, tendo sido afeto ao serviço de transporte internacional rodoviário (artigo 2º da petição inicial e 1º da contestação).

3- Desde então, e sob as ordens, instruções e fiscalização da ré, o autor tem vindo a exercer essa função, conduzindo viaturas propriedade da ré e efetuando as viagens com vista a carga e descarga das mercadorias que a ré lhe determina, com descanso obrigatório ao domingo e complementar ao sábado (artigo 3º da petição inicial).

4- O seu local de trabalho é nas instalações da ré, sitas no na Estrada Nacional ...29, ..., ... (artigo 4º da petição inicial).

5- Mediante a retribuição base mensal de € 733,07, acrescida de duas diuturnidades no montante mensal de € 17,80 cada, de um complemento salarial no montante mensal de € 36,65, de uma Ajuda de custo TIR, no montante mensal de € 135, da retribuição especifica denominada por cl.ª 61ª no montante mensal de € 385,55, de uma prestação mensal de € 73,31 a titulo de remuneração do trabalho noturno, e de uma ajuda de custo mensal em valor variável, como resulta do documento de fls. 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 5º da petição inicial).

6- O autor encontra-se sindicalizado no SRUP – Sindicato dos trabalhadores de transportes rodoviários e urbanos de Portugal, como resulta do documento de fls. 14 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por sua vez, filiado na FECRANS, publicada no BE n º 47 de 22/12/2007 (artigo 6º da petição inicial).

7- Por carta registada, datada de 09/04/2021, recebida pelo autor em 19/04/2021, a ré enviou ao autor uma nota de culpa referente a um processo disciplinar que lhe instaurou, na qual lhe imputava os factos nela constantes, cuja cópia consta de fls. 15 a 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigos 7º e 8º ambos da petição inicial).

8- O autor respondeu à Nota de Culpa aludida em 7), por carta registada com A/R, datada de 21/04/2021, na qual impugnava os factos descritos na nota de culpa, conforme resulta do documento de fls. 19 a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 9º e 10º ambos da petição inicial).

9- Por carta datada de 10/05/2021, a ré enviou ao autor o relatório final, no qual é dada como provada toda a factualidade constante da nota de culpa e condenava o autor numa sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade pelo período de 20 dias, cujo efeitos se produziram de 10/05/2021 a 29/05/2021, incluídos, e descontar na sua retribuição o montante de € 1.700, como consta do documento de fls. 22 verso a 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 11º da petição inicial).

10- No dia 15/03/2021, pelas 10h48m, a ré deu ao autor, que então se encontrava na Zona da Maia a seguinte ordem de serviço, por mensagem que o autor recebeu: “Bom dia. Carga em BB, Estrada ..., Alpendurada e Matos/ “Carga completo para ..., Unit 19, ..., ..., Southampton, ...” (parte do artigo 13º, 14º e 21º ambos da petição inicial e artigo 2º da contestação).

11- Southampton situa-se na Inglaterra (restante matéria do artigo 14º da petição inicial).

12- A ré pretendia que o autor fizesse um serviço de transporte internacional rodoviário de Portugal para Inglaterra, como tantas outras vezes ordenou ao autor (artigo 15º da petição inicial e 3º da contestação).

13- Em Inglaterra os locais de pernoita não têm grandes condições de higiene e segurança (parte do artigo 16º da petição inicial).

14- Na passagem de França para Inglaterra, por vezes, ocorrem problemas com refugiados e imigrantes que tentam entrar em Inglaterra introduzindo-se nas galeras dos camiões, sendo que, ao ex-trabalhador da ré, CC, em sede de fiscalização, foram encontrados clandestinos no seu camião, tendo sido aplicada uma multa ao mesmo que a ré pagou e posteriormente descontou (parte do artigo 17º da petição inicial).

15- O autor, por força da gestão de tráfego realizada pela ré, chegou a estar alguns meses, que em concreto não foi possível apurar, sem efetuar serviço de transporte a Inglaterra (parte do artigo 20º da petição inicial).

16- Em resposta ao aludido em 10) o autor transmitiu à ré, o seguinte: “Desculpe mas não vou para Inglaterra. Só volto lá com uma declaração da empresa em como se responsabiliza pelos clandestinos e paga os parques para aparcar. Carregado ou vazio” (parte do artigo 4º da contestação e parte do artigo 22º da petição inicial).

17- A ré respondeu à mensagem aludida em 16), dizendo-lhe “As ordens são para carregar e seguir viagem” (artigo 23º da petição inicial e artigo 5º da contestação).

18- Tendo o autor reagido nos seguintes termos “Já lhe disse a condição. Até ter a declaração não volto lá” (artigo 24º da petição inicial e artigo 6º da contestação).

19- Após o aludido em 18) a ré enviou ao autor as seguintes comunicações: “Ficámos em ir carregar a carga, você não tem motivos legais para se recusar. Em caso de haver reclamações ou penalização poderão lhe ser imputadas responsabilidades” e “O senhor não recebe mais nenhuma ordem de carga, o camião fica a partir de agora por sua conta, à razão de 500 euros por dia” (artigo 25º da petição inicial e artigo 7º da contestação).

20- O autor continuou a impor como condição, para respeitar a ordem de serviço dada pela ré, a emissão da declaração aludida em 16) (parte do artigo 8º da contestação).

21- Declaração que a ré se recusou a emitir (parte do artigo 9º da contestação).

22- O autor não cumpriu a ordem aludida em 10) e 17) (artigo 10º da contestação).

23- O que obrigou a ré, para cumpriu com a sua cliente, a dar tal ordem a outro trabalhador seu, o que causou transtornos no departamento de trafego (parte do artigo 26º da petição inicial e artigo 11º da contestação).

24- Como o autor não cumpriu a ordem dada a ré, em consonância com o que lhe transmitiu não lhe deu mais nenhuma, pelo que, o autor não executou quaisquer funções a partir das 10h48m do dia 15/03/2021 (artigos 12º e 13º ambos da contestação e parte do artigo 28º, parte do artigo 30º e 1ª parte do artigo 32º todos da petição inicial).

25- No dia 16 de março de 2021, o autor enviou mensagem à ré a solicitar ordens de serviço, tendo a ré enviado em resposta a seguinte mensagem “Bom dia, tal como ontem lhe dissemos, não lhe vamos dar qualquer outra ordem de carga, estando o camião por sua conta. Por causa do seu comportamento, e em ordem a cumprirmos com o cliente, fomos forçados a mandar seguir outro camião para o lugar de carga, o que nos causou sérios transtornos. Todos os prejuízos que nos está a causar ser-lhe-ão imputados, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar a que haja lugar”, conforme documento de fls. 30 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 32º da petição inicial).

26- No dia 17 de março de 2021 o autor enviou à ré a seguinte mensagem “Informando uma vez mais que só me deslocarei a Inglaterra se a empresa assegurar o parqueamento quer em vazio, quer carregado, uma vez que não tenho obrigação nenhuma de pagar o parqueamento do meu bolso, aguardo instruções até às 17h, após o que pedirei a intervenção do AC, sem prejuízo de me deslocar com a viatura para as instalações da empresa”, como resulta dos documentos de fls. 32 verso a 34 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 33º da petição inicial).

27- No final da tarde do dia 17 de março de 2021, o autor decidiu sair do local em que se encontrava desde o dia aludido em 24) para o parque da ré sito em ..., com o camião vazio (artigo 14º da contestação e parte do artigo 36º da petição inicial).

28- Em virtude do aludido em 24) o camião da ré esteve paralisado dois dias e meio, o que causou à ré um prejuízo de cerca de € 1.000 (mil euros) (artigo 15º da contestação).

29- Ao aludido em 28) acresce o valor com a deslocação em vazio do camião da ré da Maia para ..., que se estima em cerca de € 200 (duzentos euros) (artigo 16º da contestação).

30- No dia 18/03/2021, por volta das 10h, no seu parque de ..., a ré ordenou ao autor que fosse carregar diversas mercadorias a ... para serem entregues em Inglaterra na quarta-feira seguinte, 24/03/2021 (artigo 17º da contestação e parte do artigo 38º da petição inicial).

31- O autor transmitiu à ré que só cumpriria a ordem aludida em 30) se a ré emitisse a declaração aludida em 16), o que a ré se recusou a fazer (artigos 18º e 19º ambos da contestação e 1ª parte do artigo 39º da petição inicial).

32- Após o aludido em 31) a ré disse ao autor que não lhe daria qualquer outra ordem de serviço, ficando o camião por sua conta a partir de então (artigo 20º da contestação e 2ª parte do artigo 39º da petição inicial).

33- De seguida, o autor, após ter feito um contacto telefónico com o sindicado de que é associado, transmitiu à ré que ia cumprir a ordem de serviço dada, o que fez (artigos 21º e 22º ambos da contestação e 40º da petição inicial).

34- Tendo feito a carga de mercadorias e, em cumprimento do que a ré também lhe ordenou, desengatado e aparcado o semi reboque com que a fez no referido parque de ... (artigo 23º da contestação).

35- No dia 19/03/2021, o autor foi fazer uma nova carga de mercadorias com outro semi reboque a Leça do Balio (artigo 24º da contestação e 1ª parte do artigo 41º da petição inicial).

36- Pelas 16h18m do dia 19/03/2021 a ré deu ao autor a seguinte ordem de serviço “Engate o reboque assim que chegar ao parque. Saída segunda feira 22/3 às 4h da manhã. Fazer um horário de 10h de condução para ficar nas retas de Bordeux” (artigo 25º da contestação e 2ª parte do artigo 41º da contestação).

37- O autor respondeu ao aludido em 36), nos seguintes termos “Boa tarde. Para sair a essa hora tem que me garantir transporte. Não tenho transporte a essa hora” (artigo 26º da contestação e artigo 42º da petição inicial).

38- Face ao aludido em 37), a ré enviou ao autor a seguinte comunicação “O senhor sempre se deslocou de e para a empresa no seu veiculo próprio à hora que fosse sem qualquer objeção. Assim, a sua atitude é retaliatória, abusiva e de má fé, pelo que, não a aceitamos. Mantém-se, assim, a hora de saída” (artigo 27º da contestação e artigo 43º da petição inicial).

39- Não obstante a posição do autor, e após outras comunicações trocadas entre autor e a ré, o certo é que o autor no dia 22/03/2021, saiu de viagem por volta das 4h (artigo 28º da contestação e 44º da petição inicial).

40- Sucede que, após conduzir somente duas horas e dez minutos, o autor efetuou uma pausa de três horas e dez minutos, na zona de ..., Espanha (artigo 29º da contestação e parte do artigo 45º da petição inicial).

41- O autor no dia 22/03/2021, efetuou 9h15m de condução, como resulta do documento de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 49º da petição inicial).

42- No dia 23 de março de 2021, pelas 15h58m, a ré enviou ao autor a seguinte comunicação “Boa tarde. Hoje esgote o seu horário, e faça o descanso virado para baixo, de modo a evitar intrusos. Após o descanso de 9h arranque para apanhar o barco em Calais. Por favor fazer os possíveis para descarregar amanhã” (artigo 33º da contestação e 51º da petição inicial).

43- Tendo o autor respondido, nos seguintes termos “Boa tarde. O descanso são 11horas. E amanhã será impossível descarregar” e “Digão vocês onde faço o descanso virado para baixo e a esgotar o horário! É que eu não sei” (artigo 34º da contestação e artigo 52º da petição inicial).

44- O que levou a ré a dizer-lhe o seguinte “Área de Serviço na A28, Shell, FR 76680, é uma opção. E deve fazer um descanso de 9h esta noite. Continuação de boa viagem” (artigo 35º da contestação e artigo 53º da petição inicial).

45- Em resposta o autor transmitiu o seguinte à ré, “Já lhe disse que o descanso é de 11 horas. E é preciso que tenha horas para chegar a casa a essa área. Volto a dizer que a empresa não se responsabiliza pelos clandestinos, eu vou parar onde acho que tenho condições de segurança” (artigo 36º da contestação e 54º da petição inicial).

46- Do dia 23/03/2021 para o dia 24/03/2021 o autor, em cumprimento do que a ré lhe havia ordenado fez um descanso diário de nove horas (artigo 37º da contestação e 55º da petição inicial).

47- Contudo, após ter conduzido cerca de duas horas e quarenta minutos, fez uma pausa de aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos (artigo 38º da contestação e parte do artigo 56º e 1ª parte do artigo 57º ambos da petição inicial).

48- No dia 24/03/2021, o autor chegou à zona do local de entrega das mercadorias transportadas por volta das 18h e, não obstante apenas ter feito oito horas e sete minutos de condução, não se apresentou nesse dia à descarga (artigo 42º da contestação e 59º da petição inicial).

49- Tendo o autor optado por fazer a descarga no dia seguinte (artigo 61º da petição inicial).

50- Caso o autor não tivesse adotado os comportamentos descritos em 40) e 47) teriam conseguido chegar à zona de descarga ao início da tarde do dia 24/03/2021 e procedido à entrega das mercadorias na data aprazada (artigo 44º da contestação).

51- Em consequência a ré incumpriu o serviço de transporte que lhe foi solicitado, uma vez que, não respeitou a data da entrega das mercadorias transportadas (artigo 45º da contestação).

52- O que sucedeu por motivos imputáveis ao autor, que bem sabia que a entrega das mercadorias tinha que ocorrer no dia 24/03/2021 e que os tempos de trânsito que a ré lhe fixou lho permitiam fazer (artigo 46º da contestação).

53- Em virtude disso, a cliente da ré apresentou-lhe uma reclamação de serviço e imputou-lhe uma indemnização de € 500 (quinhentos euros).

Factos não provados:

Não se provaram os demais factos alegados nos articulados, designadamente, a matéria vertida nos artigos 16º (restante matéria), 18º, 19º, 20º (restante matéria), 22º (restante matéria que não foi dada como provada), 26º (restante matéria que não foi dada como provada), 30º (restante matéria que não foi dada como provada), 31º, 34º, 47º, 57º (restante matéria que não foi dada como provada), 60º, 62º, 70º todos da petição inicial.

Motivação:

(…).

*

                                                             *

b) - Discussão

Apreciando as questões suscitadas pelo Autor recorrente:

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

O Autor recorrente interpôs o presente recurso visando a reapreciação da prova gravada.

Conforme o disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do N.C.P.C..

Lidas as alegações, constatamos que o recorrente indicou os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa, ou seja, as suas declarações e os depoimentos das testemunhas que identifica, com indicação das passagens da gravação em que se funda e, ainda, a decisão que, no seu entender devia ter sido proferida.

Assim sendo, o recorrente cumpriu o ónus que sobre si impedia e este Tribunal pode proceder à reapreciação da prova.

Ouvimos as declarações e todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento e analisámos os documentos juntos aos autos.

Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente seguindo as suas alegações.

Alega o recorrente que:

- O último segmento do ponto 23 dos factos provados é conclusivo e não tem suporte em qualquer prova produzida, até porque não foram alegados quais os "transtornos" alegadamente causados no departamento de tráfego da ré, além disso, se o serviço que estava destinado ao autor foi realizado por outro colega o autor podia, perfeitamente, ter efetuado o serviço destinado a este colega, seja como for, nada disto foi alegado pela ré, pelo que tal segmento deve ser retirado do ponto 23 dos factos provados.

Resulta do ponto 23 da matéria de facto provada o seguinte:

23 - O que obrigou a ré, para cumprir com a sua cliente, a dar tal ordem a outro trabalhador seu, o que causou transtornos no departamento de tráfego (parte do artigo 26º da petição inicial e artigo 11º da contestação).

Na verdade, a expressão causou transtornos é conclusiva. A Ré devia ter alegado o que resultou em concreto de tal ordem para o departamento de tráfego.

Assim sendo, tal segmento deve ser eliminado do elenco da matéria de facto provada, na medida em que, de tal matéria devem constar factos e não conclusões (artigo 607.º, n.º 4 do CPC).

O artigo 23.º da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

23 -  O que obrigou a ré, para cumprir com a sua cliente, a dar tal ordem a outro trabalhador seu.

                                                             *

- Os factos dados como provados nos pontos 28 e 29 dos factos provados são falsos, uma vez que é falso que tenha sido pela recusa em fazer, no dia 15 de março, o serviço a Inglaterra que o autor provocou os alegados prejuízos à ré de €1.200,00, como ali referidos, uma vez que o A, nos dias 16 e 17 solicitou serviço à ré e foi esta que, livremente (como consta dos pontos 24, 25 e 26 dos factos provados), entendeu nada lhe atribuir.

- É igualmente falso que o camião tivesse estado parado 2 dias e meio, como consta do ponto 28, porque, na realidade, até esteve paralisado 3 dias (nos dias 15, 16 e 17), com o acréscimo de, neste último dia, o A. se ter deslocado um vazio da Maia para a sede da ré, em ..., pelo que também aqui aqueles pontos não correspondem à verdade.

 - Por outro lado, ainda, não se percebe como o Tribunal a quo chegou aos valores de €500,00 diários de prejuízo pela paralisação e €200,00 pela deslocação em vazio suportando-se unicamente no depoimento de duas testemunhas da ré onde exercem cargos de chefia e são dela dependentes economicamente; chegando àqueles valores sem, pelo menos, ter o suporte de um documento que fosse, uma vez que para aferição desses prejuízos não basta o depoimento de duas testemunhas da ré, pouco isentas, mas carece de suporte documental onde constasse os ganhos perdidos, desconto das despesas e outros elementos para se poder chegar ao valor correto do eventual prejuízo - ao dar como provado os pontos 28 e 29, o Tribunal fez uma débil e errada apreciação da prova.

Consta dos pontos 28 e 29 da matéria de facto provada:

28 - Em virtude do aludido em 24) o camião da ré esteve paralisado dois dias e meio, o que causou à ré um prejuízo de cerca de € 1.000 (mil euros) (artigo 15º da contestação).

29 - Ao aludido em 28) acresce o valor com a deslocação em vazio do camião da ré da Maia para ..., que se estima em cerca de € 200 (duzentos euros) (artigo 16º da contestação).

E do ponto 24 consta o seguinte:

24 - Como o autor não cumpriu a ordem dada a ré, em consonância com o que lhe transmitiu não lhe deu mais nenhuma, pelo que, o autor não executou quaisquer funções a partir das 10h48m do dia 15/03/2021 (artigos 12º e 13º ambos da contestação e parte do artigo 28º, parte do artigo 30º e 1ª parte do artigo 32º todos da petição inicial).

Pois bem, tendo em conta, desde logo, o que resulta deste ponto 24, ou seja, que a Ré não deu mais nenhuma ordem ao A., razão pela qual o A. não executou quaisquer funções a partir das 10 h e 48 m do dia 15/03/2021 e até 17/03/2021, (conforme resulta dos pontos 27 e 30 do elenco dos factos provados), o que consta do ponto 19 dos factos provados (“O senhor não recebe mais nenhuma ordem de carga, o camião fica a partir de agora por sua conta, à razão de 500 euros por dia”) e independentemente da concreta prova produzida, impõe-se concluir, por simples dedução lógica, que o camião esteve parado nos referidos dias porque a Ré não deu serviço ao Autor e não por vontade deste que, como se vê do ponto 25, no dia 16/03/2021 solicitou à Ré ordens de serviço, tendo-lhe esta respondido: “Bom dia, tal como ontem lhe dissemos, não lhe vamos dar qualquer outra ordem de carga, estando o camião por sua conta. Por causa do seu comportamento, e em ordem a cumprirmos com o cliente, fomos forçados a mandar seguir outro camião para o lugar de carga, o que nos causou sérios transtornos. Todos os prejuízos que nos está a causar ser-lhe-ão imputados, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar a que haja lugar”.

Era à Ré que competia dar as ordens de carga ao Autor, não se vislumbrando qualquer fundamento para a decisão/afirmação de que o camião ficaria a partir de agora por conta do Autor e para as consequências que a Ré parece retirar da mesma.

Por outro lado, no que respeita aos prejuízos de € 1.000,00 e € 200,00, a testemunha DD (chefe de escritório da Ré), disse que o camião parado um dia tem um custo de € 500,00, valor de mercado que cobram.

E a testemunha EE, operador de tráfego da Ré, disse que o custo de estar parado é € 500,00, cobram € 500,00 por dia aos clientes quando estão parados e que da viagem em vazio do Porto para ... são uns € 300,00/€ 325,00 do transporte.

Acresce que, a este propósito não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo dos alegados prejuízos.

Assim sendo, o depoimento daquelas testemunhas não se nos afigurou bastante e credível para a prova dos alegados prejuízos de 1.000,00 e € 200,00.

Na verdade, o que as testemunhas referiram foi o custo, o valor de mercado que cobram aos clientes por cada dia do camião parado e não o custo concreto correspondente à paragem do veículo conduzido pelo Autor bem como à deslocação em vazio.

Aliás, a testemunha DD, a propósito dos dias em que o A. esteve parado, referiu que “o camião ficou com o A. dois dias mas não acompanhou” e “se calhar não havia serviço, se calhar só havia para Inglaterra” e a testemunha EE disse que no dia 16 e 17/03/2021 possivelmente não havia outro trabalho e que “não tem de lhe dar mais nenhum pois o serviço dele era aquele”.   

Assim sendo, o ponto 28 do elenco dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:

28 - O camião da Ré esteve paralisado desde as 10h e 48m do dia 15/03/2021 até ao dia 17/03/2021 (inclusive).

E o ponto 29 deve ser eliminado da matéria de facto provada.

                                                             *   

- O segmento final do ponto 30 dos factos provados não devia fazer parte desse ponto, uma vez que não se prova em qualquer meio de prova constante dos autos que a ordem dada ao autor no dia 18 de março tenha sido para descarregar no dia 24.03.2021.

- Na verdade, não existe qualquer prova (testemunhal, documental ou outra) de onde possa resultar o conteúdo daquele segmento; das trocas de mensagens entre a ré e o autor apenas a mensagem que lhe foi enviada pela ré no dia 23.03.2021, pelas 15:59h, é que se refere àquele dia 24 e mesmo assim não sendo uma ordem impreterível, mas antes um pedindo para que fizesse os possíveis para descarregar naquele referido dia, não existindo, sequer, qualquer mensagem anterior a dar conta ao autor de que estaria atrasado para a entrega no dia 24.

- Pelo contrário, o que há é o depoimento do autor, que o Tribunal a quo não quis considerar, onde afirma claramente que nunca lhe disseram, aquando da ordem no dia 18, que tinha de descarregar em Inglaterra no dia 24.

Consta do ponto 30 da matéria de facto provada que:

30 - No dia 18/03/2021, por volta das 10h, no seu parque de ..., a ré ordenou ao autor que fosse carregar diversas mercadorias a ... para serem entregues em Inglaterra na quarta-feira seguinte, 24/03/2021 (artigo 17º da contestação e parte do artigo 38º da petição inicial).

Na verdade, o Autor declarou que ninguém lhe disse que tinha de descarregar no dia 24.

Acontece que, da conjugação dos documentos juntos aos autos (fls. 36 v.º ) e do depoimento das testemunhas DD e EE, é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível da matéria descrita no ponto em análise.

Na verdade, resulta das mensagens trocadas entre o Autor e a testemunha EE que este, no dia 23/03/2021, disse àquele para fazer os possíveis para descarregar amanhã.

Por outro lado, esta testemunha referiu que: o Autor tinha uma descarga marcada para dia 24/03 e que a ordem para tal não consta daquela mensagem porque já lhe tinha sido dito, já sabia; que o A. sabe, pelos tempos de condução, a que horas tem de estar em Inglaterra; o A. sabia as horas para o dia 24/03, por isso é que saiu às 4 h da manhã.

E a testemunha DD disse que o Autor tinha marcação de descarga para 24/03/2021.

Assim sendo, ponderando ainda que não se mostra credível que o A. tenha partido para Inglaterra às 4 h da manhã sem saber a data em que devia proceder à descarga no cliente, a matéria descrita no ponto 30 encontra-se conforme com a prova produzida e, por isso, deve manter-se como provada.

                                                             *

- Dá-se, também, erradamente, como provado, no ponto 41 dos factos provados, que no dia 22.03.2021, o autor efetuou uma condução de 9h45m, suportando-se para tal, o Tribunal a quo, no documento de fls. 22 dos autos, contudo, se atentarmos do dito documento, o que dele consta é que o A. fez 9h51m de condução, o que é bem diferente, existindo, assim, uma clara e evidente má apreciação da prova, pelo que deve tal ponto ser alterado, passando a constar 9h51m de condução ao invés de 9h15m.

Consta do ponto 41 da matéria de facto provada que:

41- O autor no dia 22/03/2021, efetuou 9h15m de condução, como resulta do documento de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 49º da petição inicial).

Consta do documento junto a fls. 22, folha de registo do tacógrafo, que no dia 22/03/2021 o A. conduziu 9 h e 51 m e não 9 h e 15 m.

Assim sendo, o ponto 41 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redação:

41- O autor no dia 22/03/2021, efetuou 9h51m de condução, como resulta do documento de fls. 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (parte do artigo 49º da petição inicial).

                                                             *

- O ponto 47 dos factos provados é, por sua vez, abstrato e incompreensível, porque dá como provado que, após ter conduzido cerca de duas horas e quarenta minutos, o autor fez uma pausa de 1h45m, contudo não concretiza em que dia tal pausa ocorreu; foi no dia 23? Foi no dia 24? Analisando o teor dos arts. 37.º e 38.º da contestação parece deles resultar que a pausa terá ocorrido no dia 23 de março, contudo, analisando-se o registo de tacógrafo desse dia, junto com a Resposta à Nota de Culpa, não se vê qualquer pausa de, aproximadamente, 1h45m. Ao dar-se como provado aquele facto, fez-se errada apreciação da prova.

Conta do ponto 47 da matéria de facto provada que:

47 - Contudo, após ter conduzido cerca de duas horas e quarenta minutos, fez uma pausa de aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos (artigo 38º da contestação e parte do artigo 56º e 1ª parte do artigo 57º ambos da petição inicial).

Esta matéria está diretamente ligada à descrita no ponto 46 do qual consta:

46 - Do dia 23/03/2021 para o dia 24/03/2021 o autor, em cumprimento do que a ré lhe havia ordenado fez um descanso diário de nove horas (artigo 37º da contestação e 55º da petição inicial).

Por outro lado, do documento de fls. 22, registo do tacógrafo resulta que no dia 24/03 o Autor conduziu cerca de 2 horas e 41 m e, após, fez uma pausa de 1 hora e 51 m.

Assim sendo, a matéria descrita no ponto 47 deve passar a ter a seguinte redação:

47 – No dia 24/03/2021, o Autor, após ter conduzido cerca de duas horas e quarenta minutos, fez uma pausa de uma hora e cinquenta e um minutos.

                                                             *

- Os pontos 50, 51 e 52 dos factos provados consubstanciam meras conclusões, além de partirem de um pressuposto errado - o de que o autor sabia que tinha de descarregar no dia 24 de março, o que não é verdade, como já se disse; por outro lado, não tem em conta as contingências ou vicissitudes que uma viagem daquele cariz tem, como o trânsito, as horas de ferry no Canal da Mancha, as paragens legalmente obrigatórias de repouso e os descansos obrigatórios, pelo que tais pontos foram erradamente dados como provados.

Consta dos pontos 50, 51 e 52 da matéria de facto provado que:

50 - Caso o autor não tivesse adotado os comportamentos descritos em 40) e 47) teriam conseguido chegar à zona de descarga ao início da tarde do dia 24/03/2021 e procedido à entrega das mercadorias na data aprazada (artigo 44º da contestação).

51 - Em consequência a ré incumpriu o serviço de transporte que lhe foi solicitado, uma vez que, não respeitou a data da entrega das mercadorias transportadas (artigo 45º da contestação).

52 - O que sucedeu por motivos imputáveis ao autor, que bem sabia que a entrega das mercadorias tinha que ocorrer no dia 24/03/2021 e que os tempos de trânsito que a ré lhe fixou lho permitiam fazer (artigo 46º da contestação).

No que respeita ao conhecimento do Autor de que devia proceder à descarga no dia 24/03, damos aqui por reproduzido o que ficou dito a propósito da apreciação da matéria descrita no ponto 30.

Por outro lado, pese embora a matéria descrita nos citados pontos se revista, em parte, de natureza conclusiva, a mesma também contém factos concretos que consubstanciam o respetivo nexo causal e, assim, porque se encontra conforme com a prova produzida deve manter-se como tal.  

                                                             *

- O ponto 53 dos factos provados não tem suporte em qualquer documento, baseia-se unicamente no depoimento de duas testemunhas da ré, dela dependentes economicamente, sem ter feito qualquer exame crítico desses depoimentos, até porque não é credível que tendo havido um alegado prejuízo de €500,00 (é curioso que são sempre de €500,00 os prejuízos alegados pela ré) não existido qualquer reclamação escrita por parte da entidade prejudicada (a empresa onde o autor descarregou); também não é plausível, como consta da fundamentação de facto, que a ré tenha efetuado um serviço gratuito em Inglaterra à sua cliente com vista a pagar-lhe o alegado prejuízo, e se foi verdade que o fez porque não o cobrou ao autor, à semelhança do que lhe fez pela paralisação do camião? Fez-se, pois, errada apreciação da matéria de facto, pelo que tal ponto deve ser dado como não provado.

Consta do ponto 53 da matéria de facto provada que:

53 - Em virtude disso, a cliente da ré apresentou-lhe uma reclamação de serviço e imputou-lhe uma indemnização de € 500 (quinhentos euros).

A testemunha DD referiu que o cliente teve de ser compensado e fizeram-lhe um transporte gratuito que valia € 500,00 e a testemunha EE disse que o cliente pediu uma reentrega da carga à conta da Ré num custo de € 500,00.

Por outro lado, não se encontra junto aos autos qualquer documento que ateste a reclamação do cliente.

Assim sendo, é nosso entendimento que não foi feita prova bastante e credível da matéria descrita no ponto 53 e que, como tal, deve ser eliminada do elenco dos factos provados.

                                                             *

Mais alega o recorrente que:

 - O Tribunal a quo fez errada apreciação da matéria de facto ao ter dado como não provado o que consta do art. 26.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, onde o autor afirmou que se recusou apenas a fazer um serviço - o que lhe foi determinado no dia 15 para ir a Inglaterra -, não se tendo recusado fazer mais nenhum serviço, até porque, em boa verdade, até ao dia 18, a ré não lhe deu mais nenhuma ordem de serviço, pelo que a matéria vertida neste artigo, tendo em conta o teor dos pontos 24, 25 e 26 dos factos provados, devia ter sido dada como provada, ao não o ser fez-se errada apreciação da prova.

Consta do artigo 26.º da petição inicial:

- Ora, em primeiro lugar, o autor apenas se recusou a ir a Inglaterra fazer um serviço, serviço esse que foi, nesse mesmo dia, efetuado por outro colega (como a própria ré afirma no artigo 11.º da sua nota de culpa), não se tendo recusado a fazer qualquer outro serviço para outro destino.

Pois bem, os factos descritos na primeira parte deste artigo (recusa em fazer o serviço para Inglaterra efetuado por outro trabalhador) já se encontram nos pontos 22 e 23 da matéria de facto provada.

Quanto ao mais: “não se tendo recusado a fazer qualquer outro serviço para outro destino”, trata-se de uma conclusão que há de retirar-se do elenco dos factos provados e que, por isso, não deve constar do mesmo nem dos factos não provados.

                                                             *

 - O Tribunal a quo deu como não provado o alegado pelo A. no art. 30.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, fê-lo, porém, erradamente por ter feito errada apreciação da prova, uma vez que se provou, no ponto 24, que, por o autor não ter cumprido com a ordem no dia 15, a ré não lhe transmitiu mais nenhuma ordem de serviço, apesar de o autor lho ter solicitado nos dias 16 e 17, como consta dos pontos 25 e 26 dos factos provados. Assim, o constante do art. 30.º da P.I. deverá dar-se como provado.

Consta do artigo 30.º da petição inicial:

- Sendo falso o alegado no artigo 13.º da NC, pois, se o autor não executou quaisquer funções a partir das 10:48h do dia 15 de março foi porque a ré, deliberadamente, não lhe quis atribuir serviço, numa espécie de retaliação e se o camião não circulou depois desse incidente foi porque a ré assim o quis.

Os factos descritos neste artigo já constam, em parte, dos pontos 19 e 24 da matéria de facto provada, sendo certo que a intenção da Ré retira-se da mesma matéria e quanto à retaliação não foi feita prova da mesma.

Assim, não deve ser aditada qualquer matéria ao elenco dos factos provados e a matéria julgada não provada do artigo 30.º da p. i. respeita á referida retaliação.

                                                             *

- Por erro da apreciação da prova, o Tribunal a quo não deu, também, como provados os factos alegados pelo A. no art. 57.º da sua petição inicial, ou seja, a justificação que o autor deu para a sua pausa de 1:45h que, ao contrário do que parece resultar dos arts. 37.º a 41.º da contestação, só pode ter ocorrido no dia 24 de março de 2021 (uma vez que no registo de tacógrafo do dia 23 não consta nenhuma pausa aproximada desse período temporal); ali referiu, o autor, que após uma condução de 4 horas e meia teria de fazer, por lei, uma pausa de 45 minutos, o que o levou a parar para a cumprir, porém, já no parque, teve conhecimento de que havia um acidente mais adiante, na estrada por onde tinha de seguir e para evitar uma situação de pára-arranca, com tempos perdidos, aguardou mais uma hora para poder prosseguir o trajeto sem percalços - é o que claramente consta ao minuto 17:45 do seu depoimento, pelo que tal facto devia ter sido dado como provado - ao não o ter sido o tribunal fez errada apreciação da matéria de facto.

Consta do artigo 57.º da petição inicial:

- O que não é verdade, pois o autor fez uma pausa de 1:45h porque, após uma condução de quatro horas e meia, tinha de fazer uma pausa mínima de 45 minutos como é de lei, que podia ser dividida em duas pausas, uma de duração mínima de 15 minutos para  a primeira e outra de 30 minutos para a segunda, contudo, como teve conhecimento de que havia um acidente mais à frente (conhecimento que lhe foi transmitido no próprio parque de descanso, por intermédio de colegas de profissão), aproveitou para descansar mais uma hora para evitar gastar o horário de condução no pára-arranca junto ao local do acidente (contingências diárias que os trabalhadores não controlam nem com as quais as empresas contam).

Pois bem, certo é que o Autor prestou declarações no sentido de que, após conduzir duas horas, fez a pausa porque do local até Calais demorava mais de 4,5 h e depois já não podia parar no pára-arranca e como foi informado de um acidente esperou lá porque era seguro e se fosse noutro local tinha o problema dos clandestinos.

Acontece que, estas declarações, sem mais, não foram de molde a convencer este tribunal, na medida em que não se nos afiguraram isentas e credíveis.

Desta forma, porque não foi feita prova bastante e credível da matéria descrita no artigo 57.º da p. i. a mesma deve manter-se como não provada, salvo o que consta do ponto 47.º do elenco dos factos provados.

                                                             *

Por fim, alega o recorrente que:

- Por errada apreciação da matéria de facto e aplicação do direito, a M.ª Juíza a quo não deu como provado o alegado pelo autor no art. 60.º da P.I., que aqui se dá por reproduzido, onde o autor justificou que não efetuou a descarga da mercadoria no dia 24 pelo simples facto de já não ter horário para o fazer; na verdade, ao ter iniciado o serviço, no dia 24, pelas 3:52h, como consta do registo de tacógrafo desse dia, e ao ter chegado à cliente da ré para descarregar pelas 18:12h, ao autor apenas lhe restavam 40 minutos para fazer a descarga pois que, por imposição legal, ainda tinha de fazer o seu descanso diário obrigatório (no caso concreto de um mínimo de 9h dentro das 24 horas contadas a partir do início do serviço), o que só seria possível se parasse o serviço às 18:52h, é o que resulta claramente do disposto no art. 8.º, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006.

Consta do artigo 60.º da petição inicial:

- É verdade que se não apresentou, não o fazendo, porque não tinha horário, pois como referiu na sua resposta à NC: havia iniciado o serviço às 3:52h do dia 24.03.2021 e terminado às 18:12h desse mesmo dia – cfr. doc. 1 junto com a resposta à nota de culpa -, como tinha de parar obrigatoriamente às 18:52h para efetuar o descanso obrigatório tal situação apenas lhe dava 40 minutos de amplitude, pelo que, não lhe era possível fazer a descarga, sair da empresa e estacionar a viatura num parque de descanso em apenas 40 minutos, até porque com toda a probabilidade ainda teria de esperar a sua vez para fazer a descarga.

Não foi feita prova bastante e credível de todos os factos descritos neste artigo da p. i. mas tão só da matéria constante dos pontos 47, 48, 49, 50, 51 e 52 do elenco dos factos provados nos termos supra enunciados.

Desta forma, a matéria descrita no artigo 60.º da p.i. deve manter-se como não provada.

Procede, assim, em parte, a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão

Se a sanção disciplinar aplicada ao Autor não devia ter sido mantida.

Alega o recorrente que:

– Das duas ordens de serviço objeto da nota de culpa, o arguido apenas se recusou a fazer um serviço - o que lhe foi determinado no dia 15 de março de 2021 -, contudo, apenas se recusou a fazer esse serviço, mais nenhum; por isso, se a ré teve o seu camião parado dois dias e meio, como alega, não foi por culpa do autor, mas antes da ré que não lhe quis atribuir, até ao dia 18, mais nenhum serviço, razão pela qual, não podia, o tribunal a quo, no que diz respeito aos alegados prejuízos, ter mantido a decisão disciplinar, ao fazê-lo fez errada apreciação da matéria de facto e errada aplicação do direito.

– Relativamente à segunda ordem de serviços proferida no dia 18.3.2021, objetivamente temos nos autos a seguinte ordem proferida por SMS: “engate o seu reboque assim que chegar ao parque. Saída segunda feira 22/3 às 4h da manhã. Fazer um horário de 10 horas de condução para ficar nas retas de Bordeaux”, veja-se que nesta mensagem não consta a data de descarga, sendo certo que tal data só foi transmitida ao autor pelas 15:58h do dia 23.03.2021, tendo este cumprido integralmente com aquela ordem de serviço.

– Contudo, a ré e o tribunal a quo, entendem que pelo facto de o Autor ter efetuado uma paragem de 3 horas e 10 minutos no dia 22 (após ter conduzido 2 horas e 10 minutos) e 1 hora e 45 minutos (julga-se que no dia 23 de março), o autor tudo fez para, propositadamente, não efetuar a descarga no cliente em Inglaterra no dia 24 de março.

– Relativamente à primeira pausa (de 3 horas e 10 minutos) o autor justificou-a com algum cansaço, pois havia-se levantado às 2 horas da manhã e ninguém o tinha avisado que teria de descarregar no cliente no dia 24, relativamente à segunda pausa, justificou-a com o facto de ter de parar obrigatoriamente, por imposição legal, 45 minutos por cada período de 4h30m de condução e que a fez após ter conduzido apenas 2h40m porque, do ponto onde parou até ao porto de Calais, levaria cerca de 4h30m de condução, o que o obrigaria a fazer uma pausa de permeio e a ficar muito próximo do porto correndo riscos de intrusão de clandestinos no veículo, contudo, quando parou no parque de descanso foi informado da existência de um acidente no percurso por onde teria de prosseguir a viagem, tendo optado por ficar parado mais 1 hora para evitar o pára-arranca e, consequentes, perdas de tempo nas filas, sendo certo que a ré nunca lhe disse que estava a atrasar a viagem.

– O curioso da situação é que a ré lhe imputa esta última paragem no dia 23 de março, paragem que não consta do registo de tacógrafo porque, efetivamente, não ocorreu, ou seja, segundo a nota de culpa a dita paragem teria ocorrido no dia 23, mas nesse dia o autor não teve nenhuma paragem desse período temporal.

– Não obstante, o tribunal a quo manteve a decisão disciplinar que aplicou ao autor uma sanção disciplinar de 20 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, acrescido do desconto de €1.700,00 na retribuição, fê-lo, porém, ao arrepio das regras da apreciação da prova e em violação do direito aplicável.

– No dia 23 de março, pelas 15:58h, a ré dá ao autor a seguinte ordem:

hoje esgote o seu horário, e faça o descanso virado para baixo, de modo a evitar os intrusos, Após o descanso de 9 horas, arranque para apanhar o barco em Calais. Por favor, fazer os possíveis para descarregar amanhã” – cfr. ponto 42 dos factos provados -, ou seja, só no dia anterior é que a ré dá a conhecer ao autor que pretende que se descarregue a mercadoria no dia 24. E o que é que o autor fez? Cumpriu com as ordens que lhe foram dadas – esgotou o horário de condução, fazendo quase 10 horas de condução, fez o descanso virado para baixo por causa dos intrusos, após 9 horas de descanso arrancou para apanhar o barco em Calais e fez os possíveis para descarregar no dia 24 de março, só o não tendo feito porque não conseguiu pois tinha ainda de fazer um descanso diário obrigatório de 9 horas a realizar no período de 24 horas após o início do seu serviço.

– Em primeiro lugar, o autor quando recebeu a mensagem alertou a empresa de que não lhe seria possível fazer a descarga no dia 24, pois já previa o que veio a suceder, em segundo lugar o autor não tinha amplitude horária para descarregar nesse dia 24 uma vez que havia iniciado o serviço, nesse dia, pelas 3:52h e chegado ao cliente pelas 18:12h, restando-lhe apenas 40 minutos para descarregar e levar o camião para um parque de descanso, afastado da cliente, para poder efetuar o descanso diário de, pelo menos, 9 horas que deveria ser realizado dentro do período das 24 horas após o inicio do seu serviço de acordo com o art.º 8.º, n.º 2 do Regulamento (CE) 561/2006, ao ter decidido confirmar a decisão disciplinar da ré aplicada ao autor, a M.ª Juiz a quo fez errada apreciação da matéria de facto e errada interpretação do direito.

Antes de mais, cumpre dizer que estas alegações da recorrente assentam na pretendida alteração da matéria de facto, no entanto, esta só foi alterada no que concerne aos alegados prejuízos sofridos pela Ré (pontos 23, 28 e 29).

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“Com a factualidade descrita o autor violou os deveres previstos nas alíneas e) do artigo 128º do Código do Trabalho e na cláusula 13ª, n º1 alínea a) do CCTV aplicável.

Importa apenas apurar se a desobediência do autor às ordens dadas pela ré foi legitima e, a tal propósito, diremos, desde logo, que não resultou provado qualquer facto que legitimasse a conduta do autor.

Assim, não se nos afigura que o mesmo pudesse exigir como condição para a prestação de trabalho a emissão da declaração de exoneração da responsabilidade pelos clandestinos, nem que, a ré custeasse todos e quaisquer parques pagos, como o autor bem entendesse.

Por outro lado, na execução da ordem dada para descarga no dia 24/03/2021, diremos que, o autor ao ter esgotado a amplitude dos dois dias como resulta do documento de fls. 22 e da factualidade provada, obstou a que fosse cumprida a entrega na data aprazada, sendo certo que, o mesmo poderia ter cumprido os tempos de descanso e repouso e de condução, estabelecidos pelos Regulamento (CE) 561/05, e simultaneamente a ordem dada pela ré.

Acresce que, a ré em virtude da desobediência do autor teve os prejuízos que lhe imputou (€ 1.700), pelo que, os mesmos são da responsabilidade do autor.

Ora, a sanção aplicada, é proporcional e adequada à gravidade das infrações, respeitando os limites previstos no artigo 328º, n º3 do CT.

Assim sendo, diremos que, face à factualidade provada o autor violou os seus deveres laborais, sendo tal violação passível de ser sancionada.

Acresce que, a sanção foi devidamente aplicada, tanto mais que em causa estão duas infrações de elevada gravidade, não enfermando de qualquer nulidade, ilegalidade, nem sendo abusiva, pelo que, deve ser mantida, não tendo o autor direito ao recebimento das quantias que lhe foram descontadas em virtude do cumprimento da mesma.

Pelo exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados, absolvendo a ré dos mesmos.”

Pois bem, tendo em conta a matéria de facto provada, facilmente se conclui que o Autor desobedeceu às ordens que lhe foram dadas pela Ré no dia 15/03/2021 –  transporte para Inglaterra – e no dia 18/03 – entrega de mercadorias em Inglaterra no dia 24/03/2021 –, sendo certo que o recorrente não questiona a sua recusa de fazer o serviço que lhe foi determinado no dia 15/03.

E no que concerne ao serviço do dia 24/03, apurou-se que: a Ré ordenou ao Autor, no dia 18/03, que fosse carregar as mercadorias para serem entregues em Inglaterra no dia 24/03; no dia 22/03, após conduzir duas horas e dez minutos, o Autor efetuou uma pausa de 3 h e 10 m; no dia 23/03 foi enviada ao Autor uma mensagem no sentido de esgotar o horário e fazer um descanso de 9 horas e para fazer os possíveis para descarregar amanhã; no dia 24/03, o Autor, após ter conduzido cerca de 2 horas e 40 m, fez uma pausa de 1 h e 51 m; no dia 24/03/2021, o autor chegou à zona do local de entrega das mercadorias transportadas por volta das 18h e, não obstante apenas ter feito oito horas e sete minutos de condução, não se apresentou nesse dia à descarga; tendo o autor optado por fazer a descarga no dia seguinte; caso o autor não tivesse adotado os comportamentos descritos em 40) e 47) teria conseguido chegar à zona de descarga ao início da tarde do dia 24/03/2021 e procedido à entrega das mercadorias na data aprazada; em consequência a ré incumpriu o serviço de transporte que lhe foi solicitado, uma vez que, não respeitou a data da entrega das mercadorias transportadas; o que sucedeu por motivos imputáveis ao autor, que bem sabia que a entrega das mercadorias tinha que ocorrer no dia 24/03/2021 e que os tempos de trânsito que a ré lhe fixou lho permitiam fazer.

Ora, tendo em conta que não se apurou que tal comportamento fosse legítimo, o Autor violou o dever de obediência a que estava sujeito (artigo 128.º, n.º 1 e), do CT).

Na verdade, não se apurou, ao contrário do alegado pelo recorrente, qualquer justificação para as referidas pausas dos dias 22 e 24/03, a falta de “aviso” de que tinha de descarregar no dia 24/03 nem os motivos alegados para aquela segunda pausa.

Ao contrário do alegado pelo recorrente não resulta da matéria de facto provada que o mesmo fez os possíveis para descarregar no dia 24/03, “só não o tendo feito porque não conseguiu pois tinha ainda de fazer um descanso diário obrigatório de 9 horas a realizar no período de 24 horas após o início do seu serviço”.

Aqui chegados, estipula o artigo 328.º do CT que:

<<1. No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:

a) Repreensão;

b) Repreensão registada;

c) Sanção Pecuniária;

d) Perda de dias de férias;

e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade;

f) Despedimento sem indemnização ou compensação. (…)>>, dentro dos limites previstos no n.º 3 do mesmo normativo, sendo que, “c) A suspensão do trabalho não pode exceder 30 dias por cada infração e, em cada ano civil, o total de 90 dias”.

E conforme resulta do artigo 330.º do CT:

<<1. A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração. (…)>>.

Ora, tendo em conta que estamos perante duas infrações de alguma gravidade, pese embora não se tenham apurado os alegados transtornos e prejuízos, afigura-se-nos justa e adequada a sanção disciplinar aplicada de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 20 dias que, ao contrário do alegado pelo recorrente, não é excessiva nem abusiva.

Por fim, resta dizer que não se tendo apurado que a Ré sofreu os invocados prejuízos que imputou ao Autor, no montante de 1.700,00, a mesma não pode proceder ao seu desconto mensal na retribuição do Autor.

Aliás, mesmo que se tivessem apurado tais prejuízos, a Ré não podia, sem mais, proceder a tal desconto, como o fez, uma vez que não estamos perante qualquer uma das situações previstas no n.º 2 da cláusula 54.ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e outra e a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019, sendo que, ao fazê-lo, está a impor ao trabalhador mais uma sanção disciplinar (a sanção pecuniária) o que, como já referimos, não é permitido.

Na verdade, resulta daquela cláusula 54.ª, sob a epígrafe “(Compensações e descontos)” que:

<<1- Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.

2- O disposto no número anterior não se aplica, nas situações previstas no artigo 279.º, número 2 do Código do Trabalho e ainda nas seguintes situações:

a) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de sinistros, coimas e outras com estas relacionadas, quando a responsabilidade seja comprovadamente do trabalhador;

b) As despesas efetuadas pelo empregador decorrentes de perda ou uso indevido dos instrumentos de trabalho da entidade empregadora ou de terceiros e desrespeito de instruções de trabalho relacionadas com o trânsito de viaturas.

3- Nas situações previstas na alínea a) do número anterior, o desconto poderá ser realizado pelo empregador após decisão condenatória proferida em processo disciplinar não impugnada judicialmente no prazo de 30 dias.

4- O empregador que pretenda proceder a desconto, compensação, ou dedução nas situações previstas na alínea b) do número dois da presente norma, deve entregar ao trabalhador, juntamente com o respetivo recibo de vencimento, documento de suporte do valor a descontar, que permita identificar a natureza e responsabilidade da dívida, dispondo o trabalhador de 30 dias para se pronunciar.

5- Após o pagamento das despesas referidas nas alíneas a) e b) por parte do trabalhador, o empregador deverá entregar-lhe um documento comprovativo da despesa que foi efetivamente paga.

6- As compensações previstas na alínea b) do número dois não poderão ultrapassar um décimo da retribuição mensal líquida do trabalhador.>>

Pelo exposto, por um lado, impõe-se a manutenção da sanção disciplinar aplicada pela Ré de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 20 dias e, por outro, a revogação da decisão disciplinar na parte em que determinou o desconto na retribuição do Autor da quantia de € 1.700,00 a título de prejuízos, com a consequente devolução da mesma ao trabalhador.

                                                             *

Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pelo Autor recorrente, impondo-se a revogação e manutenção da sentença recorrida em conformidade.

                                                             *

                                                             *                                                        

IV – Sumário[2]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na parcial procedência do recurso acorda-se:

- em revogar a decisão disciplinar na parte em que determinou o desconto na retribuição do Autor da quantia de 1.700,00 (mil e setecentos euros), com a consequente devolução ao mesmo e, no mais,

- em manter a sentença recorrida.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo do Autor recorrente e da Ré recorrida, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2023/05/12

                                                                                     

Paula Maria Roberto

Mário Rodrigues da Silva

Felizardo Paiva

                                                                                                                                                                                          





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
 Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                – Felizardo Paiva

[2] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.