Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
264/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: TRABALHO OCASIONAL
TRABALHO EVENTUAL
EXCLUSÃO DA PREVISÃO DA LAT
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 8º, Nº 1, AL. A), DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 .
Sumário: I – São excluídos do âmbito da LAT (artº 8º, nº 1, al. a), da Lei nº 100/97, de 13/09) os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa .
II – Da hermenêutica do contexto de significação da apontada norma (suas alíneas a) e b) ) pode adiantar-se que o elemento comum é a curta duração dos trabalhos executados ou em execução, sendo, no primeiro caso, os serviços prestados eventuais ou ocasionais (e prestados a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa), e no segundo conjunto de situações (onde se admite implicitamente que se trate de actividade ou exploração lucrativa) é condição da exclusão que a empresa/entidade a quem seja prestado o serviço seja de reduzida expressão e tenha chamado para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores .

III – Uma situação constituída por uma tarefa de poda de árvores, arbustos e outros arranjos, como a limpeza de um jardim, em períodos anuais diferenciados para cada uma dessas actividades, não durando cada uma delas mais do que 2 ou 3 horas, num único dia, cabe no contexto das hipóteses pensadas como enquadráveis nas exclusões da cobertura da LAT , por esse tipo de serviços dever ser considerado como eventual, nos termos da al. a) do nº 1, da LAT .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – Tendo terminado sem êxito a fase conciliatória do processo, veio A..., devidamente identificado e com o patrocínio do MºPº, demandar no Tribunal do Trabalho de Tomar a R. B..., residente na Av. Norton de Matos, na cidade de Tomar, pedindo a final a condenação desta no pagamento da indemnização de € 1.610,59 relativa aos períodos de incapacidade temporária sofridos, com os juros de mora legais devidos até integral embolso.
Pretextou para o efeito, em breve síntese, que foi admitido ao serviço da R. no dia 20.1.2004 para trabalhar sob as suas ordens e direcção, em tarefas de poda de árvores, arbustos e outros arranjos, sendo que no dia 20.1. 2004 cerca das 10:30 horas, caiu de um escadote que utilizava por se ter soltado da parede um ferro de suporte em que se segurava, embatendo no pavimento com o ombro e face do lado direito.
Sofreu em consequência disso as lesões descritas nos Autos, com os períodos de incapacidade temporária absoluta e ITP discriminadas, com alta conferida a 21.4.2004.
A Entidade Patronal não tinha qualquer seguro de acidentes de trabalho.
Nada lhe pagou.

2 – Citada, a R. veio contestar, pugnando no sentido da sua absolvição da Instância (…) e caso assim se não entenda, ser a acção julgada improcedente.

3 – Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente improcedente, porque não provada, absolvendo a R. do pedido.

4 – Irresignado, o A. veio apelar, alegando e concluindo assim:
· Tal como consta da matéria de facto dada como provada, no dia 20.1.2004, cerca das 10:30 horas, na R. Voluntários da República, Tomar, o A., por se desligar da parede um ferro de suporte onde se segurava, caiu do escadote que utilizava para alcançar as roseiras a podar e embateu no pavimento com o ombro, braço e face do lado direito;

· Sofreu, como consequência directa e necessária, contusão do ombro direito, além de escoriações a nível da face, com os seguintes períodos de incapacidade temporária para o trabalho: ITA desde 21.1.2004 até 20.2.2004 e ITP de 30% desde 21.2.2004 até 21.4.2004;

· Data em que foi considerado curado sem qualquer desvalorização;

· A R. não tinha qualquer contrato de seguro de acidentes de trabalho;

· Ainda que o A. utilizasse alguma ferramenta sua, (v.g. tesoura da poda), podava e procedia a outros arranjos do jardim, como qualquer jornaleiro a trabalhar sob as ordens e direcção da R., contra o pagamento de dinheiro, tendo como referência, à data do acidente de trabalho a que os Autos se reportam, um salário/hora de € 5,00;

· O art. 8.º, n.º1, a), da LAT, ao falar em serviços eventuais ou ocasionais, apenas se reporta àqueles ‘cuja necessidade surge imprevista e excepcionalmente em qualquer ocasião, não devendo ser considerados como tais aqueles que periódica ou sazonalmente tenham de realizar-se, como por exemplo na agricultura os trabalhos das vindimas ou da apanha da azeitona’, conforme enuncia José de Castro Santos em ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, Nova Legislação Anotada, pg. 21, Sociedade Editora ‘Quid Juris’, 2000;

· Assim, a contratação do A. …’duas a três vezes por ano para a realização de tarefas de poda de árvores, arbustos e outros arranjos como a limpeza do jardim, não cabe no conceito de serviço eventual ou ocasional;

· Na verdade, tais actividades, como a poda, indispensável a uma boa floração e ou frutificação das plantas, constituem um trabalho sazonal que a R. adoptava no seu inteiro proveito;

· A contraprestação (pagamento) corresponderá pois ao significado económico e quantificação do lucro resultante do trabalho desenvolvido pelo A. e de que beneficiou a R., com o arranjo que quis dar ao seu jardim;

· Ao não entender assim, violou a Mm.ª Juíza, por erro de interpretação, o disposto no art. 8.º/1, a), da LAT.

Deve a sentença (diz-se ‘despacho’ por evidente equívoco…) ser revogada, considerando-se a existência de um contrato de trabalho entre A. e R. e caracterizando o acidente como de trabalho, com o pagamento ao A. da importância reclamada.

5 – Respondeu a R., concluindo que o recurso deve ser indeferido e mantida a sentença impugnada.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II –
1 – DE FACTO
Vem seleccionada a seguinte factualidade:
- O A. nasceu no dia 19.12.1932 – cfr. doc. de fls. 27, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
- A R. não tinha celebrado qualquer contrato de seguro de acidentes de trabalho;
- No dia 20.1.2004, cerca das 10:30 horas, na R. Voluntários da República, Tomar, o A., por se desligar da parede um ferro de suporte onde se segurava, caiu do escadote que utilizava para alcançar as roseiras a podar e embateu no pavimento com o ombro, braço e face do lado direito;
- No exame Médico realizado no Tribunal foi-lhe atribuído um período de ITA desde 21.1.2004 até 20.2.2004 e de ITP de 30% desde 21.2.2004 até 21.4.2004, tendo sofrido contusão do ombro direito além de escoriações a nível da face;
- No referido exame Médico o A. foi considerado curado sem desvalorização desde o dia seguinte ao da alta, concedida esta no dia 21.4.2004;
- No Auto de tentativa de conciliação a R. não aceitou conciliar-se com o A. por não aceitar a existência de um contrato de trabalho entre esta e o A. Daí não aceitar o pagamento;
- O A. era contactado pela R., duas a três vezes por ano, para realização de tarefas de poda de árvores, arbustos e outros arranjos, como a limpeza do jardim;
- O A., à data do acidente, cobrava pela realização dos serviços referidos atrás a que quantia de € 5,00/hora;
- A R. conhecia o A. em virtude de este lhe ter efectuado a poda das árvores em anos anteriores;
- A R. contactou telefonicamente o A. no dia 19.1.2004 para que este procedesse à realização de tais trabalhos, tendo este comparecido no dia seguinte, cerca das 8:00 horas, iniciando o serviço;
- Não tendo sido acordada qualquer retribuição;
- O A. limitava-se a fazer o seu trabalho e quando terminava quantificava as horas e apresentava a conta perante a R.;
- O A. levava as suas próprias ferramentas de trabalho;
Trabalhando livremente, sem qualquer fiscalização ou direcção por parte da R.;
- O A. sempre efectuou estes serviços para outras pessoas;
- As tarefas de poda que o A. se encontrava a realizar ao serviço da R. no dia 20.1.2004 terminavam no mesmo dia, despendendo o A. na execução de tais tarefas cerca de 2 ou 3 horas.
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2 – O DIREITO
Ante o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito da impugnação – é apenas uma a questão proposta, que se analisa sinteticamente em saber afinal se o acidente a que respeitam os Autos está ou não excluído da cobertura infortunística da LAT.

São excluídos do âmbito da presente Lei, (art. 8.º, n.º1, a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - única previsão que ao caso importa), os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa.

Considerados os factos fixados – e não havendo discrepância relativamente à previsão normativa de subsunção – entendeu-se na decisão 'sub judicio' que o acidente sujeito está excluído da protecção legal infortunística, porquanto ocorreu na prestação de serviços ocasionais (não obstante admitida a sua periodicidade), de curta duração (duas a três horas), a pessoa singular, em actividade (poda de árvores) não relacionada com uma exploração lucrativa.

Discordando do assim ajuizado, o recorrente contrapõe sumariamente que – embora não se tenha concretizado e sempre fosse de alguma dificuldade, mas não impossível, apontar o lucro resultante da actividade desenvolvida pelo sinistrado – não é sustentável considerar-se que o acidente ocorreu na prestação de serviços ocasionais, em actividade não relacionada com exploração lucrativa
Isto porque a poda de árvores (mesmo que apenas ornamentais) deve ser tida como actividade sazonal, (cuidado que a R. adoptava, duas a três vezes por ano, no seu inteiro proveito), correspondendo-lhe, de algum modo, um significado económico/’lucro, resultante do trabalho desenvolvido pelo A.

Tudo visto e ponderado:
É interessante recordar o elemento histórico do preceito – sempre adjuvante, como factor hermenêutico, na delicada tarefa da interpretação.
A então Câmara Corporativa, no ponto 16 do seu Parecer relativamente ao projecto da proposta de Lei que viria a constituir a LAT, (aprovada pela Lei n.º 2127, de 3.8.65), assumindo que se visava contemplar, com a previsão da exclusão em causa, os acidentes ocorridos na pequena empresa agrícola, entendeu que o fundamento de exclusão era demasiado estreito e que a mesma regalia devia ser extensível, por igualdade de razão, ‘…às pequenas indústrias dependentes da lavoura, v.g., o tanoeiro, o latoeiro e outros artesãos que normalmente trabalham sós ou com membros da sua família’… (cfr. Feliciano Tomás de Resende, ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 1971, Anotação à Base VII, pgs. 25-26 e Cruz de Carvalho, ‘Acidentes de Trabalho’, 1980, pg. 58-59).

Da hermenêutica do contexto de significação da norma, (constituído pelas previsões conjugadas das alíneas a) e b) do n.º1), pode pois adiantar-se que o elemento comum é a curta duração dos trabalhos executados ou em execução).
Sendo, no primeiro caso, os serviços prestados eventuais ou ocasionais, há-de tratar-se ainda de serviço prestado a pessoas singulares em actividades que não tenham por objecto exploração lucrativa;
No segundo conjunto de situações, admitido implicitamente que se trate de actividade ou exploração lucrativa, é condição da exclusão que a ‘empresa’/entidade a quem seja prestado seja de reduzida expressão, (que trabalhe habitualmente só ou com membros da sua família…) e tenha chamado para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.

No caso:
À primeira vista, a especificidade da situação delimitada pelos factos fixados parece não ser subsumível, imediatamente, no universo da previsão.
Esse apriorístico juízo não resiste todavia a uma segunda reflexão, como vamos tentar demonstrar.

Não se duvidará que estamos perante uma actividade de curta duração: o A. preparava-se para proceder à poda de umas roseiras, actividade ou tarefa em que não despenderia mais de duas a três horas, nesse dia 20.1.2004.
Este elemento (curta duração) é ora considerado de matricial importância.
O legislador actual, continuando a opor à habitualidade do trabalho do patrão a acidentalidade do auxílio do trabalhador, não se contentou em justificar tal isenção inferindo, como então, uma deficiente situação económica por parte da pessoa servida, quando trabalhando não coadjuvada.
Exige-se ora algo mais para que a exclusão funcione, como anota Cruz de Carvalho, (ob. loc. cit.).

Mas será que a situação aprecianda (constituída por uma tarefa de poda de árvores, arbustos e outros arranjos, como a limpeza de um jardim, em períodos anuais diferenciados para cada uma dessas actividades, não durando a que se encontrava a realizar mais do que 2 a 3 horas, num único dia, sendo que no caso o A. se preparava para proceder à poda de roseiras…), não cabe no conjunto das hipóteses pensadas como enquadráveis nas ‘exclusões’ da cobertura da LAT?
É nossa convicção que se, em bom rigor, não é plausível tratar-se de um serviço ocasional, ‘proprio sensu’, (=imprevisto, acidental, fortuito, na acepção que lhe é conferida pela doutrina e jurisprudência mais qualificadas, podendo ver-se a significação notada por Carlos Alegre, in ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 2.ª Edição, pg.66, citado no Acórdão do S.T.J. de 19.6.2002, in C.J./S.T.J., Ano X, Tomo II, pg. 273), é todavia perfeitamente razoável aceitar-se que o serviço em causa, não sendo necessariamente agrícola e sazonal, (como melhor explicitamos a seguir), era, no mínimo, eventual, na perspectiva de poder ou não ser realizado, porque não essencial à normalidade do ciclo biológico ou produtivo e, nessa medida, contingente ou casual.

Cremos interpretar bem a realidade factualizada ao concluirmos que, pese embora o facto de o A. ser contactado mais que uma vez por ano para a realização de tarefas de poda de árvores, arbustos e outros arranjos, como a limpeza do jardim, (cfr. teor dos items 7 e 16 da decisão de facto), não estamos propriamente, 'in casu', perante uma actividade agrícola, com a sazonalidade típica de tais trabalhos.
(Apesar da proximidade semântica, os conceitos não são sobreponíveis: uma coisa é a periodicidade sazonal, cíclica; outra é a eventualidade ou contingência, do que pode ou não fazer-se, v.g. arranjar o jardim, podar as roseiras e/ou os demais arbustos ou árvores ornamentais (?)...).
A poda de arbustos e de árvores, bem como o arranjo de um jardim, não constituem propriamente – em nosso modesto entendimento e ressalvando sempre o respeito devido por diferente perspectiva – actividades imprescindíveis ao ciclo biológico anual, o que facilmente se compreenderá por contraposição a outras actividades como por exemplo as sementeiras e as colheitas (vindimas e apanha da azeitona…).

Além disso, sendo o trabalho prestado a pessoa singular e – mais – em actividade que não é susceptível de ser tida como exploração lucrativa, no sentido reclamado pela normatividade da previsão, (cfr. art. 4.º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril), não vemos justo fundamento para não considerar o acidente em causa subsumível na previsão da alínea a) do n.º1, quando o podia ser perfeitamente o acidente que, conforme previsão da alínea b), tivesse ocorrido na execução de trabalhos de curta duração e se a entidade servida trabalhasse habitualmente só ou com membros da sua família e tivesse chamado para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores…

Em conclusão:
Sendo acidente que se situa reconhecidamente numa zona de fronteira, afigura-se-nos que bem se ajuizou ao considerar o caso dos Autos excluído da protecção infortunística da LAT.

III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento à Apelação.
Sem custas, por delas estar o A. isento.
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Coimbra,