Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
469/06.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
VIOLAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 59º, Nº1, AL.A), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; 22º,Nº1, 23º, Nº 1, E 263º CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Há muito que a jurisprudência do STJ vem defendendo que em situações em que se imponha reconhecer a violação (ou não) do princípio “para trabalho igual, salário igual” é necessário provar que essa diferenciação é injustificada em virtude de o trabalho dos trabalhadores discriminados ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza (perigosidade, penosidade ou dificuldade), quantidade (logo, as suas intensidade e duração) e qualidade (logo, com respeito pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige).

II – Esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao mesmo trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito.

III – A questão do ónus dessa prova é complexa e requer alguma ponderação tendo em conta as dificuldades de obtenção pelo trabalhador dos elementos completos que estarão por detrás de uma distinção remuneratória, pelo empregador, em relação a distintos trabalhadores.

IV – O referido princípio do “salário igual para trabalho igual” proíbe as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.

V – Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.

Decisão Texto Integral: Autora: A...

Ré: B...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo a sua condenação: a) a pagar-lhe a quantia de € 8.016,21 a título de diferenças de retribuição praticadas desde Outubro de 2006 até à presente data; b) a pagar-lhe a quantia de € 900,71, a título de juros de mora já vencidos; c) a igualá-lo ao trabalhador C..., pagando-lhe a mesma retribuição, actualmente no valor de € 725.00; d) pagar as diferenças de retribuição que se vencerem até essa igualação e respectivos juros de mora; e) pagar os juros de mora vincendos sobre o total das retribuições; f) pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais que não deverá ser inferior a € 1.000,00.

Alegou para tanto, em síntese, ser trabalhador da ré, sendo que, desde o ano de 1996, esta tem vindo, sem qualquer fundamento, a retribui-lo com salário inferior a um outro trabalhador, numa situação de discriminação.

A ré contestou, aduzindo argumentos de facto e de direito que em seu entender deveriam conduzir à improcedência da acção. Negou existir qualquer situação de discriminação, devendo-se o salário mais elevado do outro trabalhador por ter um nível de produtividade superior ao do autor, maior grau de disponibilidade e celeridade.


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Prosseguindo o processo, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré: “a) a pagar ao autor o montante correspondente ao diferencial entre o que lhe pagou e o que pagou ao trabalhador C... – a título de vencimento base, subsídio de férias e subsídio de Natal - desde Outubro de 2006 até à presente data, nos termos supra indicados nos factos dados como provados, deduzida a parte relativa a descontos obrigatórios para a Segurança Social e em sede de IRS (que a Ré deverá encaminhar para os serviços respectivos) e deduzido ainda o quantitativo de mensal de € 50,00 que o A. já recebeu no período compreendido entre Abril de 2002 e Setembro de 2003 – art.º 661º, nº 2 do C.P.C.; b) a pagar ao A. os juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, que incidem sobre o diferencial de cada uma dessas prestações (salários e subsídios de Natal e de férias) vencidas a partir de 4 de Maio de 2001 e a partir do vencimento respectivo (data em que ocorreram os pagamentos), até efectivo e integral pagamento; c) condena-se a Ré a, partir da presente data, relativamente ao salário base, subsídios de Natal e de férias, igualar o A. relativamente ao trabalhador C..., enquanto os mesmos continuarem a prestar trabalho igual, a que, em caso de incumprimento, acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações, até integral e efectivo pagamento e d) condena-se a Ré a pagar ao A. a quantia de setecentos e cinquenta euros (€ 750) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos”.

Entretanto, após sentença, o autor veio pedir a rectificação de erro material na sentença, de modo onde na sua parte condenatória, sob a alínea a), constava “desde Outubro de 2006”, passasse a constar “desde Outubro de 1996”. Sem oposição a tal requerimento, foi proferido despacho, a fls. 230, deferindo a rectificação peticionada.

Inconformada com a sentença, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

(……………………………………………………………………………………….)

O autor apresentou contra alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.


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II- OS FACTOS:

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

(…………………………………………………………………………………..)


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III. As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se pode equacionar basicamente em torno de saber se foi adequadamente decidida a pretensão do autor, quanto ao reclamado crédito por diferenças salariais, à luz do princípio, constitucional e legal, “a trabalho igual salário igual”.

Vejamos:

Na sentença sob recurso, a Srª juiz deu procedência à pretensão do autor, considerando ter ocorrido discriminação remuneratória à luz do princípio do artigo 59º, n.º 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa – “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual”.

Também o artigo 263º do Código do Trabalho, que concretiza esse princípio constitucional, estabelece que “na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual”. Já antes se retirava o mesmo do artigo 9º nº 1 do DL nº 392/79, de 20/10 (que veio na esteira da convenção da OIT nº 100).

O autor invocou a situação remuneratória mais favorável de um seu colega de trabalho, com as mesmas funções, trabalho e horário de trabalho para fundamentar uma situação de discriminação e pedir a condenação da ré no mesmo tratamento remuneratório daquele.

A ré defende essencialmente que competia ao autor o ónus da prova (nos termos do artigo 342 nº 1 do Código Civil) de que a diferenciação salarial praticada pela ré era injustificada, em virtude do trabalho realizado pelo autor ser igual ao do seu colega quanto à natureza, qualidade e quantidade. E sustenta que ele não logrou prová-lo.

Será assim?

Há muito que a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que em situações como a dos autos para reconhecer a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual” é necessário provar que essa diferenciação é injustificada em virtude de o trabalho dos trabalhadores discriminados ser igual aos dos demais trabalhadores quanto a natureza (perigosidade, penosidade ou dificuldade), quantidade (logo, as suas intensidade e duração) e qualidade (logo, com respeito pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige). E que esses factos são constitutivos do direito subjectivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao mesmo trabalhador cumprirá prová-los quando pretende fazer valer esse direito (cfr. Acs. do STJ de 5 de Maio de 1988, in BMJ. 377-368, de 27-01-2005, in www.dgsi.pt, proc. 04S3426, de 23-11-2005, in www.dgsi.pt, proc. 05S2262, de 14-05-2008, in www.dgsi.pt, proc. 07S3519, entre outros).

A questão do ónus da prova é complexa e requer alguma ponderação tendo em conta as dificuldades de obtenção pelo trabalhador dos elementos completos que estarão por detrás de uma distinção remuneratória, pelo empregador, em relação a distintos trabalhadores (v. sobre esta temática, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag. 789 e segs.).

Mas, como veremos adiante - e justamente por isso -, o ónus da prova no caso presente pode, claramente, sofrer inversão logo nos casos previstos no artigo 23º nº 1 do Código do Trabalho (de acordo com o seu nº 3 e o artº 344º nº 1 do Código Civil).

Percorrendo caminho, podemos concluir, citando Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pag, 445 e ss.), que o princípio de equidade retributiva “que se traduz na fórmula para trabalho igual salário igual assume projecção normativa directa e efectiva no plano das relações de trabalho o que significa que não pode, por nenhuma das vias possíveis (contrato individual, convenção colectiva, regulamentação administrativa, legislação ordinária) atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser paga retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de trabalho igual. Trata-se, pois, de uma directriz imediatamente operatória, não apenas enquanto critério de validade da regulamentação legal e convencional, mas, sobretudo, como critério de licitude da prática contratual concreta”.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9.3.89, proferido no processo n.º 265/88, da 2.ª Secção (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, tomo II, páginas 917 e seguintes), aquele princípio proíbe as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.

Ou seja, o facto de dois trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria auferirem diferentes retribuições não permite concluir, inevitavelmente, pela violação do princípio da igualdade, já que, como é comummente reconhecido, vários factores objectivos permitem ao empregador lançar mão da diferenciação salarial entre trabalhadores da mesma categoria: as habilitações, a experiência, o rendimento do trabalho, a antiguidade na empresa, etc.

No caso dos autos, o autor logrou provar factos-índice de discriminação que a sentença do tribunal a quo bem recortou.

Assim, provou-se que:

- O autor desempenha ao serviço da ré todo um conjunto de actos e operações mediante as quais cumpre integralmente as suas obrigações decorrentes do contrato de trabalho (facto 4.);

- a diferença remuneratória entre o autor e o trabalhador C... (factos 9. a 11.);

- o trabalho prestado pelo autor é igual ao prestado pelo colega C..., em termos qualitativos e da sua natureza (facto 15.);

- o autor e C... têm a mesma categoria profissional - pintor de veículos, máquinas ou móveis de 1ª, tendo o A. atingido tal categoria no ano de 1986, e o Sr. C... atingiu a mesma no ano de 1993 (facto 16.);

- o autor e C... desempenham exactamente as mesmas funções (subordinados e em iguais condições aos mesmos superiores hierárquicos), executando exactamente as mesmas tarefas, nas mesmas instalações da Ré, cumprindo idêntico horário de trabalho (facto 17.);

- o autor possui um elevado nível de conhecimentos e prática (facto 18.);

- não raras vezes, sucede ser o próprio C... quem solicita ajuda ao autor para a execução de algumas das suas tarefas, como acontece, por exemplo, com a afinação das cores e com a escolha da cor a aplicar (facto 19.);

- quando são agendadas acções de formação é sempre o autor o primeiro a frequentar as mesmas e por vezes é mesmo o único que as frequenta (facto 20.);

- o autor é funcionário da Ré desde 1974, desempenhando nas instalações desta última funções a que corresponde a categoria de pintor de veículos, máquinas ou móveis de 1ª (facto 22.);

- tais funções são igualmente desempenhadas pelos Srs. C... e D... (facto 23.).

Pode pois concluir-se, como concluiu a 1ª instância, que “estamos em presença de trabalhadores com idêntica categoria, sendo que o autor tem até uma maior antiguidade na categoria. Desempenham exactamente as mesmas funções (subordinados e em iguais condições aos mesmos superiores hierárquicos), executando as mesmas tarefas, nas mesmas instalações da ré, cumprindo idêntico horário de trabalho”.

Ou seja, em termos da sua qualidade e natureza o trabalho é igual, quer pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige (o autor terá até maior experiência, pela significativa maior antiguidade que possui), quer pela penosidade ou dificuldade que exige.

E também é igual pela quantidade se aferirmos esta pelo horário de trabalho que ambos os trabalhadores cumprem, considerando a perspectiva da remuneração como contrapartida do tempo dispendido ou da disponibilidade do trabalhador para com o empregador.

Poderá, todavia, não sê-lo se o aferirmos pelo critério da “retribuição pelo resultado” (sobre este tema, v. Júlio Gomes, ob. cit. pag. 764 e segs.).

E é aqui que as dificuldades se poderiam levantar no processo, para as pretensões do autor. A partir dos dados introduzidos pelos factos 25. a 36., alegados pela ré na sua contestação.

Sobre eles, foi a seguinte a apreciação da 1ª instância:

“É certo que se demonstrou que o A. aparenta ter uma “personalidade” que, sem qualquer desrespeito para com as partes ou terceiros, se poderá classificar como mais “incómoda” ou menos “subserviente”, uma vez que enquanto o funcionário C... aceita sem questionar as mudanças organizacionais na empresa, já o A. evidencia outro tipo de postura, do que é elucidativo o ocorrido aquando da introdução do novo sistema de controlo de tintas, ter questionado se os procedimentos exigidos integravam as suas funções.

Contudo, posto que não traduzidos em qualquer violação dos seus deveres enquanto trabalhador, estes “traços de personalidade” não podem traduzir-se numa penalização em termos de salário, sob pena de cairmos num regime retributivo totalmente arbitrário e ligado à maior ou menor simpatia que a entidade patronal tivesse para com os seus funcionários, dependente de um juízo meramente subjectivo da entidade patronal.

É ainda certo que nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 o A. registou menos horas vendidas do que o seu colega C....

Essa circunstância, em si mesma, não ajuda ao dirimir da questão, na medida em que não se apuraram as causas dessa diferença, podendo a mesma dever-se a razões organizativas do trabalho (ser entregue menos trabalho nesse campo ao A.) ou à circunstância de o colega do A. ter efectuado o trabalho “a mais” a título de trabalho suplementar.

Ou seja, desse facto não é possível concluir-se que o A. tenha, em termos de produtividade, um menor desempenho.

Ainda assim, poder-se-á argumentar, o A. revela um menor grau de disponibilidade para concluir tarefas do que o seu colega C... e este também se mostra mais disponível do que o A. para prestar trabalho extraordinário.

Merecerá esta maior disponibilidade, fundamento para destrinça?

Acredita-se que essa diferente disponibilidade não pode afectar ou reflectir-se no direito à igualdade de salários dos trabalhadores envolvidos, tanto mais que uma das causa para essa menor disponibilidade do A. decorre da circunstância de o A. estar menos horas na empresa em virtude das suas funções sindicais.

A relevar-se essa “disponibilidade” como fundamento de diferenciação, iríamos colidir severamente com um outro princípio constitucional ligado ao direito ao livre exercício de actividade sindical (art.º 55º da C.R.P.), sendo certo que a empresa pode, dentro do regime legal respectivo, impor ao A. a realização do trabalho suplementar (art.º 198º do Cód. do Trabalho).

Se entendeu não o determinar, não lhe assiste razão para o diferenciar em termos de remuneração”.

Esta apreciação mostra-se adequada quanto às questões suscitadas pela “diferente disponibilidade” do autor ou pela sua atitude de questionar alguns aspectos organizatórios.

Distinguir pela remuneração trabalhadores por tais circunstâncias, não se afigura razoável ou proporcional e obriga a uma subjectividade não consentida, como vimos, pelo princípio “para trabalho igual, salário igual”.

Mas já a questão das “horas vendidas” merece melhor ponderação. Na verdade, se se provou que nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 o autor registou menos horas vendidas do que o seu colega C... tais factos poderiam levar a considerar que teriam de ser enfrentados pelo autor – e não pela ré -, alegando e provando circunstancialismo adequado no sentido que os mesmos não têm o significado de que a quantidade do trabalho pelos resultados seria então efectivamente desigual.
A ré, no recurso, diz isso mesmo: sustenta que não é possível tirar relevo - como defendeu o tribunal a quo – do facto de não se terem apurado as causas pelas quais o autor trabalhou menos horas do que o seu colega, já que recaía sobre o autor o ónus da prova de tais causas - uma vez que as mesmas se traduziriam em factos constitutivos do direito por ele invocado -, o que não sucedeu. Concluindo pela violação do disposto no artigo 342º do Código Civil, “uma vez que se estriba na falta de prova negativa por parte da Ré, com respeito a factos cujo ónus da prova competia ao Autor, uma vez que se fundamenta, em última análise, no facto da Ré não ter feito prova de que o motivo do menor número de horas trabalhadas pelo Autor não se deve às ausências deste último relacionadas com as suas funções sindicais (ao invés, o Autor, que não fez qualquer prova do que alega neste âmbito, sai premiado pelo seu comportamento passivo” – v. conclusão 4ª do recurso.
Todavia, não terá a ré razão, em nosso entender.
Pelo seguinte:
Em primeiro lugar, a diferença pelas “horas vendidas” verifica-se de 2001 a 2005, sendo que a situação de desigualdade começa muito antes, em 1996.

Em segundo lugar, porque o autor alegou expressamente (artigo 40º da petição inicial) que a discriminação se deveria ao facto de, desde Maio de 1995, ter sido “eleito dirigente sindical e desde então exercer funções sindicais”. Situação sindical que provou, quer demonstrando que é dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas dos Distritos de Coimbra e Leiria (facto 3.), conforme documento, de resto, junto a fls. 73, quer provando-se que uma das causas apuradas para revelar “um menor grau de disponibilidade para concluir tarefas do que o seu colega C... e este mostrar-se mais disponível do que o autor para prestar trabalho extraordinário”, se deve ao facto de o autor estar menos horas na empresa em virtude das suas funções sindicais (facto 29.).

Ora, com este enfoque a situação configura uma alegação de violação da obrigação de igualdade de tratamento nas condições de trabalho genericamente imposto pelo artigo 22º nº 1 do Código do Trabalho, mas mais impositivamente “ordenado” pelo artigo 23º nº 1 do CT: “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na (…) filiação sindical” – aplicáveis à situação dos autos por força do disposto no artigo 8º nº 1 da Lei 99/2003, de 27/8.

Alegando o autor esta situação, o CT (nº 3 do artigo 23º) estabelece uma inversão do ónus da prova (ou distinta repartição do ónus da prova), preceituando que: “cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no nº 1”.

Assim, cabia à ré o ónus de provar que tinha justificação material para distinguir os dois trabalhadores (ao autor bastar-lhe-ia alegar e provar factos que tornavam plausível a existência de discriminação), procurando estabelecer os factos que demonstrassem que a tal diferença nas “horas vendidas” se devia a menor quantidade (produtividade) do trabalho prestado pelo autor e que, por isso, os distinguia na remuneração, comprovando que esta distinção não assentava na “apreciação subjectiva” da filiação sindical e correlativo exercício dos direitos do autor como filiado sindical (actividade sindical).

Por isso a asserção da 1ª instância, de acordo com a qual a circunstância de tal diferença na “horas vendidas”, “em si mesma, não ajuda ao dirimir da questão, na medida em que não se apuraram as causas dessa diferença, podendo a mesma dever-se a razões organizativas do trabalho (ser entregue menos trabalho nesse campo ao A.) ou à circunstância de o colega do A. ter efectuado o trabalho “a mais” a título de trabalho suplementar; ou seja, desse facto não é possível concluir-se que o A. tenha, em termos de produtividade, um menor desempenho”, deve ter-se por exacta e ser considerada como desfavorável à ré, uma vez que – utilizando as palavras da conclusão 4ª do recurso – “se fundamenta, em última análise, no facto da Ré não ter feito prova de que o motivo do menor número de horas trabalhadas pelo Autor não se deve às ausências deste último relacionadas com as suas funções sindicais”.

Por isso, não julgamos procedentes os argumentos do recurso e que visavam desfocar a questão da prática de critério desigual para o autor, em função das regras do ónus da prova.

A sentença da 1ª instância merece, assim, o nosso acordo, bem como a sua fundamentação. E por essa razão, nada havendo a censurar na sentença da 1ª instância, improcederá na totalidade o recurso.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera confirmar a sentença impugnada, negando provimento ao recurso.

 Custas pela recorrente.