Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/98.5IDCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
SEGURANÇA SOCIAL
"RETENÇÃO” DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 10/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS27º-B DO RJIFNA E ACTUALMENTE NO ART.º 107º DO RGIT
Sumário: No que respeita ao modo de “retenção” das prestações não se exige que as mesmas sejam efectivas no sentido de as separar física ou materialmente do erário líquido do devedor tributário no momento em que são calculadas as deduções. Basta que tal operação seja contabilisticamente efectuada aquando do pagamento efectivo das remunerações.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal de Coimbra –
I
1- No processo comum n.º16/98 do tribunal de Soure, A... foi, por sentença de 29/4/2009, condenado na pena de 230 dias de multa à taxa diária de €12 pela prática, na forma continuada, do crime de abuso de confiança contra a segurança social [previsto no art.º 27º-B do RJIFNA e actualmente no art.º 107º do RGIT], bem como no pagamento de € 74.489,78 e respectivos juros de mora ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2- O arguido recorre, concluindo –
1) O recorrente não se conforma com a sentença que o condenou pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
2) O tribunal julgou incorrectamente que o arguido, no interesse da sociedade, procedeu mensalmente ao desconto das contribuições devidas à segurança Social, que deduziu nas remunerações pagas aos trabalhadores e aos gerentes, retendo tais quantias e não as entregando nos prazos estipulados (ponto 2).
3) O arguido reteve para a firma e não entregou as referidas quantias aproveitando a não reacção da Segurança Social e sabia que a sua conduta era proibida por lei e que daí resultava prejuízo para A segurança Social (ponto 5).
4) Actuou de forma livre e consciente, no interesse da sociedade arguida (ponto 6).
5) O arguido admitiu a dedução nas remunerações pagas das contribuições sociais e a sua não entrega à segurança social nos prazos legalmente estipulados (ponto 18).
6) A sociedade pagou as remunerações aos trabalhadores e gerentes com retenção das contribuições descontadas aos mesmos (ponto 26).
7) A sociedade não tinha dinheiro para pagar as remunerações aos empregados (art.º 3º da contestação do pedido cível).
8) Fazia-lhes pagamentos fraccionados e por conta das suas remunerações (art.º 4 da contestação ao pedido civil). De qualquer modo, eram processados os recibos de pagamento integral das mesmas (art.º 5 da contestação ao pedido cível).
9) Assim, os descontos e retenções alegados não existiam em concreto.
10) A sua existência era apenas formal nos recibos (art.º 7 da dita contestação).
11) Da conjugação da prova, nomeadamente das declarações do arguido e das testemunhas indicadas por este, conclui-se que os recibos das remunerações eram processados nos primeiros anos por um gabinete de contabilidade designado por “M...” que também tratava do envio das respectivas declarações à Segurança Social; e já na fase final da vida da empresa [ tal serviço era] feito nos serviços administrativos da empresa. Neles eram mencionados os descontos para a Segurança Social.
Não havia correspondência monetária entre os valores indicados nos recibos e o dinheiro disponível. A empresa começou a ter prejuízos nas obras que adjudicava. Os trabalhadores assinavam aqueles recibos e, com excepção dos empregados administrativos, recebiam as remunerações por dois ou três cheques pós-datados que por vezes não eram pagos nas datas neles inscritas por falta de provisão.
Não havia dinheiro para pagar integralmente as remunerações aos trabalhadores nem à Segurança Social, chegando alguns encarregados de obras a adiantar dinheiro do seu bolso na compra de pequenos materiais a fim de evitar a paralisação das obras.
O arguido nada podia fazer para evitar a situação; e nele ele nem a empresa retiveram ou se apropriaram das quantias descontadas.
Era um funcionário administrativo que cuidava de processar os pagamentos e atendia as reclamações dos credores, dando disso conhecimento ao arguido.
12) Da prova produzida não pode concluir-se que o arguido agiu no interesse da sociedade, muito menos dolosamente, sabendo-se que o crime exige uma conduta dolosa.
13) O arguido não admitiu a dedução real nas remunerações porque ela somente existiu formalmente.
14) A apropriação é um elemento constitutivo do crime; mas o arguido não se apropriou de qualquer quantia porque ela não existia.
15) A dedução não foi efectiva por não lhe corresponder o correspondente quantitativo que era inexistente. A não entrega não foi voluntária por não haver dinheiro, embora tendo sido pagas as contribuições de alguns meses.
16) O envio das declarações não demonstra que os arguidos receberam as quantias equivalentes aos descontos efectuados nos recibos das remunerações.
17) Assim, da decisão de facto deve ser retirada as expressões «no interesse da sociedade» (ponto 2), «reteve para a firma» e «aproveitando-se do facto da segurança social não reagir ou sancionar, por qualquer forma, as omissões de entrega das verbas retidas que se iam sucedendo mensalmente, não desconhecendo que tal conduta lhe era proibida por lei e que dessa forma prejudicava o Estado/Instituto de Segurança Social no valor exacto dos montantes não entregues (ponto 5).
18) Não se deve ter por provado que o arguido «Actuou de forma livre e consciente, no interesse da sociedade arguida (ponto 6).
19) Ao ponto 18) deve ser acrescentado «porquanto não havia dinheiro em caixa sequer para pagar integralmente as retribuições líquidas dos trabalhadores, cujo pagamento era feito por duas ou três cheques pós-datados, nem sempre tempestivamente pagos».
20) Não deve ser dado provado o ponto 26) uma vez que não houve retenção.
21) O ponto 27) deve ser alterado para «Primeiro o Gabinete de Contabilidade M… e posteriormente os serviços administrativos da empresa arguida emitiam os recibos das remunerações a pagar aos trabalhadores nos quais mencionavam os descontos legais para efeitos de declaração à Segurança Social».
22) Devem ser julgados provados os indicados artigos da contestação do pedido de indemnização civil.
23) Na previsão do art.º 27-B do RJIFNA era previsto o elemento «apropriação» que o art.º 107º do RGIT eliminou, pelo que o regime mais favorável ao arguido é o do RJIFNA.
24) O tribunal interpretou o art.º 27-B do RJIFNA no sentido de que basta que a dedução do montante das contribuições devidas pelos trabalhadores seja uma operação abstracta, sem qualquer correspondência monetária; e que a “apropriação” se verifica pela mera possibilidade de haver em abstracto uma inversão do título da posse.
25) Quando deve haver uma correspondência monetária efectiva.
26) Provado que a sociedade, face às suas dificuldades financeiras, nunca deteve tais quantias nunca as reteve ou delas se apropriou, sendo a sua dedução feita apenas no papel sem qualquer correspondência no correspectivo numerário.
27) Assim, o arguido não pode ser condenado. Por via disto [ deve ] também ter-se por improcedente o pedido de indemnização civil.

3- O arguido também interpôs recurso do despacho proferido na sessão de julgamento de 16//4/2009 pelo qual lhe foi indeferida a pretensão de inquirição através de Consulado Português no Brasil da testemunha E..., requerimento que continha a indicação de que o depoimento deveria incidir «sobre a matéria fáctica constante na acusação, na contestação e na contestação do pedido civil formulado pela Segurança Social (…) também esclarecendo aspectos sobre o carácter, a personalidade e a conduta do arguido (…)”.
3.1- O despacho recorrido é do seguinte teor –
«No momento em que a testemunha E…foi indicada pela defesa no seu requerimento probatório, admitida como testemunha e notificada para a audiência de discussão e julgamento por este tribunal residia em Portugal.
A comunicação que fez chegar aos autos a fls. 1034 foi no sentido de que se encontrava transitoriamente impedida de prestar o seu depoimento porquanto se encontrava transitoriamente no Brasil por razões profissionais , nas suas palavras “não lhe tendo sido possível até àquele momento tratar de todos os assuntos”.
A testemunha tinha portanto, conhecimento quando se deslocou para o Brasil das duas datas designadas para realização da presente Audiência de Discussão e Julgamento, sendo certo que, motivos de trabalho, quando não são temporalmente delimitados (sendo que a testemunha quando comunicou a sua impossibilidade de estar presente na primeira sessão de julgamento fez crer ao tribunal que a sua estada no Brasil estaria a terminar), são susceptíveis de pôr em causa os deveres de colaboração com a justiça que a qualidade de testemunha implica, os quais estão em primeiro lugar.
Na fase processual em que nos situamos - Audiência de Julgamento -, em que impera o principio da continuidade da audiência e da imediação da prova, a abertura concedida pelo disposto no art.º 328/3 do C.P.P. não se compatibiliza com a audição da testemunha através do Consulado de Portugal no Brasil.
Em primeiro lugar, não se trata de um meio de prova superveniente, porquanto o arguido ao indicar a testemunha na sua contestação e esta ao ser admitida e notificada pelo tribunal das datas de julgamento, ficou a constar do rol de produção de prova admitida pelo tribunal.
Em segundo lugar, tendo sido dito nesta audiência, por uma testemunha que o gabinete técnico de contabilidade, era uma sociedade de nome " M...", sito em Montemor-o-Velho, sempre a defesa poderia ter requerido a substituição da referida testemunha, na altura funcionária de tal sociedade, por outro TOC da mesma, se tal se lhe afigurasse indispensável para a descoberta da verdade. Ora, nada foi requerido nesse sentido, sendo que atenta a produção da prova realizada até ao momento, os argumentos aduzidos pela defesa não nos parecem configurar a "indispensabilidade" prevista na alínea a) do nº3 do art. 328º do CPP, atenta a prova documental junta aos autos sobre a dívida à Segurança Social, consubstanciada em documento autêntico que faz prova plena, apenas podendo ser impugnada com base na sua falsidade, o que não se verificou.
Em último lugar, mas com importância essencial, constituindo, de facto, "barreira" que consideramos intransponível na admissão/valoração dos meios de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, não pode o tribunal fazer uso dos meios de investigação próprios da fase de Inquérito e designadamente os previstos no art.º 270/2 alínea a) do CPP. Com efeito, na fase de julgamento, o juramento da testemunha teria sempre que ser prestado perante um tribunal de forma presencial, sendo certo que o requerido (audição da testemunha no Consulado) não se subsume a qualquer excepção prevista pelo art.º 318.º do citado diploma legal.
De facto quer a residência fornecida numa fase inicial pela testemunha, quer a eventual residência da mesma no Brasil agora indicada, e atento o teor do requerimento da defesa, a inquirição da testemunha não permitem que a sua audição através do Consulado, dê cabal cumprimento às exigências legais de inquirição e valoração do depoimento da testemunha, designadamente, por estar, desde logo, inquinada pelo vicio formal da ausência de juramento perante um tribunal.
Assim e mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, tal inquirição através do Consulado/Carta Rogatória, o valor das suas declarações seriam similares ao valor das declarações que a testemunha prestasse em fase de inquérito - cfr. art.ºs 355º e 356º do CPP.
Face ao exposto e sobretudo tendo por base os princípios que regem a nossa lei adjectiva penal, como os principias supra referidos da continuidade da audiência e da imediação, não tem cabimento legal o requerido pela defesa, pelo que se indefere. Notifique».
3.2- E as conclusões deste recurso são as seguintes –
1) O recurso é interposto do despacho que indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido na audiência de julgamento a requerer a audição da testemunha E… através do Consulado Português no Brasil [onde a mesma se encontra a residir por tempo indeterminado por motivos profissionais conforme comunicação que fez aos autos aquando da 1ª sessão, cuja falta lhe foi justificada, não estando presente na 2ª sessão porquanto não foi notificada porque a notificação remetida para a sua residência em Portugal foi devolvida] na medida em que a mesma tem conhecimento directo dos factos por ter prestado serviço de contabilidade à arguida «S…» através do Gabinete de Contabilidade «M...», como foi referido por uma testemunha.
2) O tribunal fundamentou o indeferimento em suma por aquando da sua indicação na contestação a testemunha residir em Portugal e conforme comunicação da mesma aos autos estar temporariamente no Brasil por motivos profissionais, mas sabia das datas do julgamento; motivos de trabalho temporariamente delimitados são susceptíveis de pôr em causa o dever de colaboração com a justiça que a qualidade de testemunha implica os quais estão em 1º lugar ; de acordo com o art.º 328º/º3 do CPP impera o princípio da continuidade da audiência e da imediação da prova, o que não se compatibiliza com a audição da testemunha através do Consulado de Portugal no Brasil e não se trata dum meio de prova superveniente; o arguido poderia tê-la substituído por outra do Gabinete que fazia a contabilidade à arguida e não o fez; os argumentos da defesa não parecem considerar a indispensabilidade prevista na alínea. a) do n.º 3 do artigo 328º do CPP atenta a prova documental autêntica junta e de força probatória plena. O tribunal em sede de audiência de discussão e julgamento não pode fazer uso dos meios de investigação próprios da fase do inquérito, designadamente os previstos no art. 270/ 2 alínea a) do CPP pois a audição da testemunha deve decorrer presencialmente e a sua audição no Consulado não se subsume a qualquer excepção prevista pelo artigo 318.° do citado diploma e ficaria inquinada pelo vício formal da ausência de julgamento perante tribunal; mesmo admitindo academicamente essa audição o seu valor seria similar ao das declarações que a testemunha prestasse em fase de inquérito (cfr. art° 355.° e 356.° do CPP).
3) Os fundamentos do indeferimento falecem desde logo porque aquela testemunha sempre prestou a sua colaboração à justiça tendo estado presente nas várias datas anteriores marcadas para a audiência de julgamento, sempre adiadas no próprio dia marcado por iniciativa e impedimento do tribunal, tendo-se aquela deslocado propositadamente do Brasil a Portugal para esse efeito, com os prejuízos daí resultantes.
4) O tribunal ao " acusar" a testemunha de falta de cooperação com a justiça por se ter ausentado por motivos profissionais para o Brasil quando já sabia da data de audiência de julgamento, violou as disposições dos artigos 18.°, 44°, 47°, 53.°, 580 e 202º da CRP, pois considera que tal dever de colaboração limita o direito que a testemunha tem de livremente emigrar ou de sair do território nacional e de regressar, bem como o de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho e de garantir a segurança no emprego e o seu direito ao trabalho, olvidando que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas conforme o artigo 18.° daquele diploma.
5) O tribunal devia ter interpretado e aplicado os artigos 18°, 44,°, 47,°, 53.°, 58,° e 202° da CRP no sentido de que tais preceitos visam garantir o livre direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar, bem como o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho e o de garantir a segurança no emprego e o direito ao trabalho e, porque respeitam aos direitos liberdades e garantias, têm aplicação directa e vinculam o tribunal.
6) Compete à defesa e ao arguido escolher e indicar livremente os meios probatórios, designadamente testemunhais, por, em princípio, serem quem melhor sabe quem tem conhecimento directo dos factos e por isso se encontra melhor posicionado para contribuir para o esclarecimento da verdade e descoberta da verdade.
7) O princípio da continuidade da audiência e da imediação da prova não são postos em causa com a interrupção da mesma para que seja ouvida uma testemunha através do Consulado Português no Brasil pelos meio legais admitidos, onde reside por tempo indeterminado por motivos profissionais.
8) O tribunal confunde o adiamento da audiência com a sua interrupção porque aquele significa que a mesma não chega a iniciar-se e o seu começo e transferido para outro dia, enquanto esta só pode operar depois de ela se ter iniciado e traduz a paragem na mesma. Por isso violou o art.º 328 do CPP e interpretou e aplicou erradamente o n.º 3 do artigo.
9) O tribunal devia ter interpretado e aplicado conjugadamente as disposições do artigo 328º do CPP no sentido de que o requerido configurava a interrupção estritamente necessária da audiência de julgamento porque dava guarida ás garantias de defesa do mesmo e como tal permitida pelo n.º2 daquele artigo como excepção ao principio da continuidade da audiência, retomando-se esta a partir da última testemunha ouvida,
10) Documento particular é apenas o exarado pelo notário nos respectivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos, pelo que ao considerar como documento autêntico e com força probatório plena a relação da dívida junta aos autos pela segurança social, esta apenas impugnável por via do incidente da falsidade, errou ao atribuir força probatória plena em processo penal àquele documento e aos documentos autênticos e violou o disposto no art." 35/2 do Código do Notariado, o artigo 169 do CPP e o n.º 1 do art.º 371 do Código Civil.
11) O tribunal devia ter interpretado o artigo 35/2 do Código do Notariado no sentido de que documentos autênticas são apenas os exarados pelo notário nos respectivos livros, instrumentos avulsos e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos; o artigo 169.° do Código de Processo Penal no sentido de que os factos materiais constantes de documento autêntico enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa, o que afasta a necessidade da sua impugnação através do incidente da falsidade, podendo o documento e o seu teor serem postos em causa por qualquer meio probatório incluindo a prova testemunhal, este último artigo delimitando a força probatória dos documentos autênticos sem necessidade de recorrer a qualquer outro dispositivo legal como o n° 1 do artigo 371 ° do Código Civil.
12) O tribunal errou ao dar preferência à declaração de divida da Segurança Social qualificando-o de documento autêntico comparativamente com a prova testemunhal porquanto são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, pelo que violou as disposições dos artigos 125° e 340° do Código de Processo Penal e 515° do Código de Processo Civil ex vi artigos 125.° e 4° do Código de Processo Penal, quando devia tê-las interpretado no sentido de que todas as provas são atendíveis em processo penal independentemente da sua proveniência e da existência de documentos autênticos com vista à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
13) O tribunal errou ao dizer que o tribunal não podia ordenar a audição da testemunha faltosa através do Consulado Português no Brasil por não poder fazer uso dos meios de investigação próprios da fase do inquérito e os previstos no art.º 270/ 2 alínea a) do CPP porque teria de prestar juramento perante o tribunal de forma presencial e a sua audição através do Consulado não se subsumia a qualquer excepção prevista pelo artigo 318 do CPP nem dava cabal cumprimento às exigências legais de inquirição e valoração do depoimento da testemunha.
14) Não se confundem as declarações duma testemunha ouvida em sede de inquérito e as prestadas na audiência de julgamento, pois as primeiras visam tão somente contribuir parar a recolha de elementos indiciadores suficientes com vista a ser deduzida uma acusação, enquanto que no segundo caso têm por escopo contribuir fundadamente, sem descurar o principio da imediação e livre apreciação da prova pelo julgador para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa a fim ser proferida uma sentença absolutória ou condenatória do crime de que o arguido vem acusado, pelo que não estando expressamente prevista a possibilidade da audição de testemunhas através do Consulado Português no Brasil ou noutro país, tal questão terá de ser resolvida pelo recurso á integração das lacunas em conformidade com o estipulado pelo artigo 4.° do Código de Processo Penal.
15) O art.º4º do Código de Processo Penal determina que nos casos omissos, quando as suas disposições não puderam aplicar-se por analogia se observem as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, se aplicam os principias gerais do processo penal, pelo que o Tribunal recorrido errou ao dizer que não podia ordenar a audição da testemunha a residir por tempo indeterminado no Brasil.
16) O artigo 318 do CPP reporta-se à audição de testemunhas residentes fora da comarca do tribunal em casos excepcionais que deve processar-se com observância das formalidades legais estabelecidas para a audiência e realizar-se em simultâneo com recurso a meios de telecomunicação em tempo real; mas não existe qualquer norma naquele diploma para as testemunhas residentes no estrangeiro, pelo que a solução há-de ser encontrada à luz do artigo 4 daquele Código, o que o tribunal recorrido não fez e assim violou esta disposição, pelo que devia ter interpretado e aplicado esta norma no sentido de que para resolver a questão teria de lançar mão analogicamente do disposto naquele artigo 318, ° e ainda de recorrer às disposições dos artigos 621,° do Código Civil ex vi art.' 4,° do CPP que permitiria a inquirição da testemunha por teleconferência, que o n° 5 do art." 318° privilegia, ou expedindo carta rogatória ou uma carta precatória para o Consulado Português no Brasil caso este não dispusesse de meios técnicos para a inquirição por teleconferência.
17) Caso o requerimento pecasse por deficiente formulação técnica em matéria de direito por ser inadmissível a audição da testemunha através do Consulado Português, o tribunal recorrido tinha o dever de deferir o requerido conquanto aplicando normas jurídicas diferentes porquanto o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art." 664° do CPC ex vi art.º 4ºdo CPP).
18) A testemunha, como o tribunal recorrido reconhece no despacho ainda que implicitamente, tinha conhecimento directo dos factos em discussão enquanto ao serviço do gabinete de contabilidade M..., firma que executava serviços de contabilidade para a arguida «Silo», pelo que o tribunal errou ao indeferir o requerimento para audição daquela sem que houvesse algum dos fundamentos do disposto no artigo 340.
19) Pelo exposto, o despacho deve ser anulado e substituído por outro que ordene a audição da testemunha ausente no Brasil, sem que com isso se lese o princípio da continuidade da audiência nem se belisque o principio da celeridade processual, decretando-se a correspondente interrupção da audiência de julgamento e anulando-se todo o processado posteriormente ao despacho recorrido.
4- Respondeu o Ministério Público pelo infundado dos recursos, no que foi secundado em parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
Decisão de facto inserta na sentença –
1) Factos provados -
1. O arguido A..., no período abaixo indicado, exercia a gerência da sociedade primeira arguida, sedeada em Granja do Ulmeiro, Soure, tendo por objecto social inicial "a compra e venda de electrodomésticos, mercearias e ferramentas", e a partir de 24 de Junho de 1992, de "montagens eléctricas instrumentação industrial, canalizações e redes de gás' constituída por escritura pública celebrada em 06-09-1989, e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Soure sob o n0231/890421
2 No período compreendido entre Julho de 1995 e Dezembro de 1999, o arguido A… no interesse da sociedade também arguida e no âmbito dos poderes de gerência que detinha, procedeu mensalmente ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social, que deduziu nas remunerações pagas quer aos trabalhadores. quer aos próprios gerentes, retendo tais quantias, que não entregaram à Segurança Social nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, ou, nos noventa dias seguintes após o termo do prazo legal de pagamento, nem até ," presente data.
3. Com efeito, no referido período, deduziu aos valores das remunerações pagas aos trabalhadores. a quantia de 11% no montante total de 13992.186$00 (€69.792,73), e, aos montantes das remunerações pagas aos gerentes, a quantia de 10%, no montante global de 941.670$00 (€4.697,03), totalizando o montante global de 14.933.856$00 (€74.489,78) que não entregou ao Centro Regional de Segurança Social do Centro.
4. Assim,
Mês-------------1995--------1996-----------1997--------1998------------1999l
Janeiro………………………………………….…€1.956,01……€568
Fevereiro………………………………………….€1.983,33.……€464,11
Março…………………………………………......€2.377,73….....€386,32
Abril……………………..€1.118,39……………...€2.620,28….....€360,35
Maio……………………..€1.328,37……………...€2.617,82….....€318,85
Junho ………………… €1.717,68…. €2.633,51. €2.630,52……€245,75
Julho………€2391,51…………………€2688,91 €3057,08…......€100,14
Agosto…….€1027,30……€2101,07.….€3008,54…€2580,20
Setembro…..€1087,11……€2379,55….€3068,28…€59,86………€100,14
Outubro……€1115,81…...€1855,58….€2898,51….€1301,83
Novembro…€1030,80……€3041,49…€3871,36....€2239,52…….€200,28
Dezembro….€1792,47……€3098,21…€4138,26…€869,09……..€59,86
Total - €74489,78
5. O arguido enquanto sócio-gerente da 18 arguida reteve para a firma. e não entregou todas as quantias em causa aproveitando o facto de a Segurança Social não reagir ou sancionar, por qualquer forma, as omissões de; entrega das verbas retidas que se iam sucedendo mensalmente, não desconhecendo, porém que tal conduta lhe: era proibida por lei e que, dessa forma prejudicava o Estado" Instituto da Solidariedade e Segurança Social, no valor exacto dos montantes não entregues.
6 Actuou de forma livre e consciente, no interesse da sociedade arguida.
7/8 Foi oficiado ao Serviço de Fiscalização do Centro do Instituto da Segurança Social, que procedesse à notificação dos arguidos singularmente e em representação da sociedade arguida para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento dos valores em dívida à Fazenda Nacional e ainda da coima mínima prevista no art. 114°/1 do RGIT, devendo juntar aos autos a pertinente prova documental.
9. A fls. 939, 955 e 959 o Serviço de Fiscalização do Centro do Instituto da Segurança Social informou que procedeu à notificação dos arguidos mas que estes não procederam a quaisquer pagamentos no prazo de 30 dias (nem, aliás, até ao momento presente).
10. Desde 1993/94 que a sociedade arguida vinha demonstrando dificuldades financeiras, devidas sobretudo a forte concorrência, que originou prejuízos.
11. A sociedade arguida em relação a alguns trabalhadores de sector do produção fazia pagamentos fraccionados das suas remunerações
12 No entanto quantos aos funcionários administrativos pagava os vencimentos atempadamente
13. Os empregados tinham necessidade de receber as suas remunerações mesmo que por vezes em dois ou mais cheques para garantirem a sua subsistência e a dos seus agregados familiares.
14. Tal situação culminou com o encerramento da actividade da empresa no final do ano de 1999 (Dezembro).
15. E com a declaração da sua falência, por sentença proferida no processo 40/04.0TBSRE deste tribunal devidamente transitada em julgado em 6 de Fevereiro de 2004 (cfr. ap. 07/040920 da certidão do registo comercial).
16. No apenso de Liquidação do Activo, por despacho de 9 de Janeiro de 2007, transitado em julgado, foi a sociedade arguida declarada encerrada.
17. Por despacho judicial, proferido nestes autos em 13 de Setembro de 2006, a fls. 858, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o arguido H…, com o consequente arquivamento dos autos.
18. O arguido A... admitiu a dedução nas remunerações pagas das contribuições sociais e a sua não entrega à Segurança Social nos prazos legalmente estipulados.
19. Nada consta no CRC do arguido A....
20. Actualmente o arguido A… exerce a profissão de medidor/orçamentista, trabalhando por conta própria.
21. É casado e tem duas filhas já independentes.
22. A esposa trabalha na sociedade comercial "Q…, L.da" como escriturária, auferindo cerca de €900.
23. Já o arguido aufere da sua actividade profissional cerca de 1.000€ em média.
24. O arguido e a esposa são donos dum jipe marca Hyundai, do ano de 2002.
25. O arguido como habilitações literárias tem o 5° ano do Curso Geral de Comércio
26 A sociedade procedeu ao pagamento das remunerações dos seus trabalhadores e gerentes, com retenção das contribuições descontadas aos mesmos.
27. O arguido A..., na qualidade de representante legal da sociedade arguida, sempre efectuou sobre as renumerações efectivamente pagas aos trabalhadores e gerentes daquela sociedade os descontos mensais legalmente estipulados (11 % .regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e 10%­ gerentes).
28. Nem dentro dos prazos legalmente estipulados nem até ao momento fizeram qualquer pagamento à Segurança Social das contribuições retidas.
29. Nos períodos de Junho a Dezembro de 1995, de Abril a Junho e de Agosto a Dezembro de 1996, de Junho a Dezembro de: 1997, de Janeiro a Dezembro de 1998 e de Janeiro a Julho Setembro, Novembro e Dezembro de 1999 não foram entregues o montante de €74.489,78 de contribuições sociais.
30 Em Junho de 2002 os juros sobre tais quantias ascendiam a €48.310,71
2) Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa
3) Motivação – Quanto aos factos provados que constavam da acusação, o tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido que admitiu, logo no inicio da audiência, ter conhecimento que os valores retidos não eram entregues à Segurança Social porquanto., alegando dificuldades financeiras, a ordem de prioridade cingia-se ao pagamento de vencimentos (embora nestes fazendo uso da emissão de cheques pré-datados) e fornecedores, decisão tomada por si enquanto gerente e ao qual estavam confiadas as funções de direcção e de gestão financeira É certo que o arguido posteriormente tentou “recuar”, invocando (…) que quem processava os salários(…) era o funcionário J.... Todavia conjugando a globalidade das suas declarações, certo é também que admitiu que de facto na "grande parte das situações era ele que decidia", nomeadamente o facto dos vencimentos das funcionárias administrativos serem pagos atempadamente e duma só vez por estarem mais próximas de si, apenas se verificando por vezes o pagamento fraccionado aos restantes funcionários das obras. Aliás, as próprias funcionárias H... e B... confirmaram isso mesmo. Por outro lado, embora estas testemunhas tenham em traços gerais feito referência que tal funcionário (a quem tratavam por "Zeca") fosse o seu chefe administrativo porque coordenava o seu trabalho e para o qual canalizavam algumas reclamações de fornecedores por falta de pagamento de materiais, certo é que a testemunha B...também admitiu que alguns ­clientes queriam falar directamente com o arguido e que as folhas de remuneração entregues na Segurança Social eram assinadas por um dos sócios que obrigava a sociedade porquanto era uma das assinaturas que constavam nos cheques de pagamento dos vencimentos, pelo que as funções de "coordenação administrativa” do dito funcionário não poderão ter o significado que a defesa pretendeu dar-lhe. Note-se que tendo a testemunha B...iniciado funções em Janeiro de 1998 e tendo o sócio gerente H... renunciado à gerência cerca dum mês depois (em 13/2/2008) de acordo com juízos de normalidade e razoabilidade tal assinatura não poderia deixar de ser do sócio gerente arguido A… .
Esta conclusão está ainda em plena consonância com o teor das folhas de remuneração apresentadas à segurança social, designadamente de fls. 277, 289 299, 303, 307, 310, 313, 317, 322, 326, 343 nas quais é possível verificar que no local "assinatura e carimbo” está aposta a assinatura “A…” e o carimbo da sociedade arguida, sendo que nas restantes a rubrica que é aposta não poderá pertencer ao outro sócio porquanto o mesmo renunciou ás funções de gerente em Fevereiro de 1998 e a folha de remuneração de Maio de 1998 tem aposta uma rubrica igual à aposta nas folhas de remuneração apresentadas em meses/anos anteriores.
Com efeito, da análise da certidão comercial da sociedade« arguida de fls. 194/198 (repetida a fls. 867 e 873), bem como da escritura de constituição da sociedade comercial ( de fls. 199/207 ) e do documento intitulado de "Texto actualizado do Pacto Social da Sociedade" (de fls. 875/876) constatamos que a sociedade arguida foi constituída em 1989, sendo seus sócios António Nora e António Silva, cada um com uma quota de 500.000$00; em 24 de Junho de 1992, verificou-se uma ampliação do objecto social para "montagens eléctricas instrumentação industrial, canalizações e redes de gás"; em 6 de Junho de 1995 procedeu-se a um novo aumento de capital entre os sócios originários de 20.000.000$00, realizado com a conversão de parte dos suprimentos efectuados pelos dois sócios; em 13-2-1998 verificou-se a cessação de funções do gerente H… por renúncia, sendo na mesma data nomeado o arguido como único gerente.
Foram ainda valorados os seguintes documentos: modelos 22 e 10 do ano de 1995 (fls. 228/235, nos termos do qual existiu um resultado liquido de exercício no valor de 720.434$ e um total de capital de 25.353.280$ em virtude do aumento de capital social em 20.000.000$; existindo uma média anual de 50 trabalhadores); do ano de 1996 (fls. 236/245, nos termos do qual existiu um resultado liquido de exercício no valor de 1.200.470$ e um total de capital de 26.553.750$ e constando um valor de 109.193.413$ com custos de pessoal, certo é que na rubrica "custos com a acção social" consta "zero", empregando a sociedade arguida uma média de 85 trabalhadores); do ano de 1997 (fls. 246/257 - nos termos do qual existiu um resultado liquido de exercício no valor de 367.551$ e um total de capital de 25.921.301$ e constando um valor de 183.220.753$ com custos de pessoal, certo é que na rubrica “custos com a acção ­social" consta 'zero' empregando a sociedade arguida uma média de 125 trabalhadores); do ano de 1998 (fls. 258/268, nos termos do qual existiu um resultado liquido de exercício no valor de 48.194.677$ e um total de capital próprio de 22 273 376$ e constando um valor de 13.7452.159$ com custos de pessoal, certo é que na rubrica custos com a acção social consta "zero” empregando a sociedade uma média de 94 trabalhadores); do ano de 1999 (fls. 266/268 nos termos do qual foram apurados €9.808.522 de prejuízos para efeitos fiscais)
É de sublinhar que em todos os modelos 22 no local da assinatura do legal representante consta o nome de A... sendo ainda de constatar que embora nos anos de 1996, 1997, no local da assinatura do técnico oficial de contas conste "E…, TOC n.º 21 071", já não consta tal nas declarações fiscais dos anos de 1995, 1998, e 1999, assinadas pelo "TOC n.º 21072", o que permite concluir que a responsabilidade pela contabilidade não era exclusiva de um TOC (v.g E...). Neste sentido, a própria circunstância de tal TOC prestarem serviços numa sociedade comercial (M... Lda).
Foi ainda valorada a seguinte prova documental: recibos de vencimentos de fls. 451/465, extracto de conta de fls. 467 a 529, análise da dívida de fls. 557/566, bem como o relatório do Núcleo de Averiguação de ilícitos criminais de fls. 530/533 e de fls. 567 e ss. Aliás a análise destes documentos está em sintonia com a admissão pelo arguido de ter exercido de facto as funções de gerente da sociedade durante o período contributivo em análise, tendo conhecimento da existência da divida contributiva, ter partilhado as funções de gerente com o outro gerente H… até Janeiro de 1998, desempenhando funções não só na área produtiva mas também de gestão, nomeadamente pagamento de salários e emissão de recibos, tendo portanto conhecimento da existência da dívida contributiva da arguida à Segurança Social; confirmando que os salários cujas retenções são objecto destes autos se encontram integralmente pagos, bem como a operação de retenção da taxa social única (pagamento aos trabalhadores dos valores líquidos) que atentas as dificuldades económicas da empresa o dinheiro era canalizado para o pagamento dos salários e das despesas correntes de laboração de forma a possibilitar o funcionamento da empresa, tendo expectativas do cenário económico melhorar; e finalmente que embora a não entrega das importâncias retidas à Segurança Social se devesse a dificuldades económicas que a arguida começou a atravessar em 1993/94, apenas no final do ano de 1999 encerrou portas tendo apenas em 2004 sido decretada a falência.
Finalmente, o tribunal valorou os depoimentos das três testemunhas da acusação, funcionários da Segurança Social, que demonstraram conhecimento directo dos factos, não dizendo saber aquilo em que tinham dúvidas ou já não recordavam. Assim, o depoimento das testemunhas F... e V... autor/inspector e testemunha que lavraram o auto de noticia 2/2001, a fls. 108, cujo conteúdo confirmaram; e da testemunha G..., chefe de equipa da secção de cobranças e contribuições, cujas funções também integram a análise da conta corrente adveniente das folhas de remuneração que o contribuinte elabora e que confirmou o período contributivo, bem como o valor em débito (só em capital €74.489,71) que as cotizações respeitavam quer às deduções de trabalho dependente quer dos vencimentos da gerência, que a sociedade arguida chegou a aderir ao Plano Mateus embora não sabendo dizer quantas prestações foram pagas e que confirmou que até ao dia anterior à audiência não tinha sido feito qualquer pagamento.
Note-se que o arguido auferia, enquanto gerente dei sociedade, uma remuneração sobre cujo montante também incidiam descontos a título de contribuições para a Segurança Social. Não podia por isso ignorar que a sociedade devia entregar à Segurança Social tais quantias. E como, por outro lado, sem a sua assinatura as contas bancárias da sociedade não podiam ser ­movimentadas a débito, ele tão pouco podia desconhecer que pelo menos entre Março de 1998 e Dezembro de 1999 nenhum cheque foi sacado pela sociedade «S…» a favor da Segurança Social para pagamento de contribuições correspondentes a descontos feitos nas remunerações pagas aos trabalhadores e gerentes. Por outro lado, dados os montantes envolvidos era altamente improvável que a sociedade entregasse à Segurança Social em numerário as quantias descontadas aos vencimentos pagos aos trabalhadores e gerentes, pelo que se o não fazia por cheque ou transferência bancária, era decerto porque omitia tal entrega e o arguido não podia ignorá-lo, como aliás o próprio logo numa fase inicial da audiência o admitiu.
Ademais, analisada a prova à luz das regras da experiência comum, conclui-se que também no plano subjectivo existe factualidade provada que permite concluir que o arguido tenha plena intervenção/conhecimento das decisões societárias incluindo as referentes à não entrega de prestações tributárias à Segurança Social, continuando a participar das decisões relativas a cobranças e/ou pagamentos da empresa
Como reforço de argumentação está o facto de tal gerente, apesar de também participar nas obras em curso, se deslocar com muita regularidade (segundo as duas últimas testemunhas ouvidas, 2 a 3 vezes por semana) às instalações administrativas (sede) da empresa onde desempenhava funções relacionadas com o controle e gestão da empresa e com os aspectos financeiros da sociedade (v.g. o pagamento dos salários ao pessoal) e de intervir pessoalmente com a sua assinatura na movimentação a débito das contas bancárias da empresa -, o que por si só lhe possibilitava o conhecimento dos pagamentos efectuados, bem como a identificação dos débitos não satisfeitos, nomeadamente as contribuições devidas à Segurança Social.
Assim, entrecruzando toda a prova documental, declarações do arguido e a prova testemunhal, afigura-se-nos que embora fossem nítidas as dificuldades económicas da sociedade, o arguido enquanto gerente ao tomar a decisão principal da empresa continuar em laboração durante o longo período de falta de entrega das retenções de taxa social única (1995 a 1999), implicitamente aceitou estabelecer preferências nos pagamentos das dividas e a continuidade das situação de incumprimento do pagamentos das taxas sociais. Aliás, é de salientar que apesar das dificuldades financeiras cujos motivos são compatíveis com os adiantados pelas testemunhas/trabalhadores (razões conjunturais de forte concorrência e orçamentos mal elaborados…) se verificou um reforço de capital de 20.000.000$ durante em 2005 e até um aumento do número médio de trabalhadores nos anos seguintes a 1995, tendo a empresa permanecido em funcionamento durante praticamente cinco anos (finais de 1999) e apenas depois do ano 2000 foi requerida e decretada a sua falência (2004).
Aliás, cotejando a prova documental, maxime as folhas de remuneração apresentadas junto da Segurança Social, constatamos que foi sobretudo a partir do mês de Outubro de 1998 que o número de funcionários começou a decair (enquanto em Junho de 1997 tivesse cerca de 65 empregados neste mês já tinha apenas 30 funcionários e um ano depois apenas um funcionário) embora já há muito o pagamento dos vencimentos dos trabalhadores da produção fosse fraccionado por dois ou três cheques.
No que concerne. especificamente às dificuldades financeiras da empresa mas também ao facto de à sociedade serem adjudicadas grandes obras (v.g. Ponte Vasco da Gama, Centro Comercial Colombo, Europarque, Continente, Barragem, etc.) as quais por serem mal dimensionadas em termos financeiros (orçamentadas) redundavam em prejuízos, o tribunal atendeu ao depoimento das testemunhas que se apresentaram como ex/funcionários da sociedade, que confirmaram em geral que os valores que recebiam eram os 'líquidos", embora por vezes com atrasos (entrega no final/inicio do mês de dois ou três cheques), mais especificamente: AA… (que trabalhou para a sociedade arguida entre 1993 e 1997), FA… (funcionário entre 1991 até 1998). LN… (funcionário durante cerca de um ano-1997), AF… (funcionário entre 1994/95 e 1997), DB… (funcionário entre 1991 até ao seu encerramento, que identificou como sendo no ano de 1998) e ainda X… (escriturária entre Maio de 1997 e Dezembro de 1998).
A convicção do tribunal sobre a situação financeira da sociedade/arguida -, dinâmica empresarial, encerramento, falência e encerramento da liquidação do activo -, teve por base a certidão emitida por este tribunal em 28/4/2009 que atesta a data em que foi decretada a falência (cfr. também certidão do registo comercial)a data em que foi proferido despacho de encerramento da liquidação do activo (em 2007)
A convicção do tribunal no que respeita ao pedido de indemnização adveio para além de toda a prova já valorada nos itens anteriores na prova documental consubstanciada na certidão de divida emitida pela Segurança Social (cfr. fls. 616 a 619) a qual constitui documento autêntico, fazendo prova plena dos factos nela atestados, pelo que apenas pelo invocação da sua falsidade poderia ser impugnada, o que não ocorreu.
Quanto à personalidade e condições pessoais do arguido, o tribunal baseou-se nas declarações do arguido que se nos afiguraram neste tocante verdadeiras, no documento de pesquisa da base de dados do registo automóvel junto aos autos e ainda, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas B… e H... que neste tocante se nos afiguraram credíveis [para além de terem tido uma relação profissional com o arguido também são suas vizinhas, conhecendo a sua família] atestando a sua boa inserção social e familiar.
Quanto à ausência de antecedentes criminais teve-se por base o CRC junto.

2- Apreciação –
Começaremos pelo recurso intercalar não só porque interposto em 1º lugar mas fundamentalmente porque a sua precedência é lógica relativamente ao recurso interposto da sentença.
Efectivamente, caso se desse razão ao recorrente quanto ao recurso intercalar seria insustentável a sentença recorrida.
2.1- Recurso intercalar –
Quanto a nós é de conhecer do recurso já que admitido conjuntamente com o interposto da decisão final e o arguido refere na motivação deste manter interesse no recurso interposto do referido despacho.
Quanto ao mérito, diremos que não assiste qualquer razão ao recorrente pois não é admissível que uma testemunha possa ser inquirida em audiência de julgamento num consulado português por fenecer aos respectivos funcionários qualquer competência para o efeito.
Por outra via, atento a matéria a que a testemunha foi indicada, ouvidas as declarações do arguido e os depoimentos prestados, revela-se totalmente desnecessária tal inquirição face ao teor dos restantes depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo arguido e pelas suas próprias declarações que no âmbito da matéria indicada foram esclarecedores.
Assim e sem maiores delongas, tem-se o recurso por manifestamente improcedente, devendo ser rejeitado.
2.2- Recurso da sentença -
O arguido discorda da decisão sobre a matéria de facto nos segmentos do provado que se indicarão. Nomeadamente que tenha havido «apropriação» a favor da sociedade/arguida das quantias que não entregues à Segurança Social.
A seu ver não houve «apropriação» das quantias devidas face à permanente falta de liquidez na sociedade, sendo por isso também abusivo falar-se em «retenção» das mesmas em benefício da sociedade.
2.2.1- Na apreciação da decisão de facto diremos que esta só deva ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzam à mesma; mas não quando havendo versões díspares o juiz optou por uma delas fundamentando-a racionalmente.
Não basta ao recorrente dizer que determinados factos foram mal julgados. Será também necessário demonstrá-lo face às regras da experiência comum.
O Código de Processo Penal consagra o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [art.º 127º]. Esta convicção é pessoal e motivada em elementos que a tornem credível [nomeadamente em conformidade com as regras da experiência, da lógica, da racionalidade, da razoabilidade].
A prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos. Como não reside na sua natureza directa ou indirecta.
O tribunal de recurso ao reapreciar a prova por declarações deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido. Refere Paulo Saragoça da Matta que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significa que o julgamento da matéria de facto não merece censura. Se o não for, então a decisão deve ser alterada.
Diga-se também que a prova processual, ao invés do que ocorre com a demonstração no campo da matemática ou com a experimentação no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social.
Note-se que a alínea b) do n.º3 do art.º 412º do CPP fala em provas que imponham decisão diversa. Daqui que deva entender-se o recurso como remédio jurídico a aplicar a pontos manifestamente mal julgados.
Depois há que não desvalorizar a prova indiciária, embora seja de lidar com ela com cautelas. O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária de que se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador –, face à credibilidade que a prova indiciária lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária podendo esta só por si conduzir à sua convicção.
As presunções judiciais não são meios de prova mas são raciocínios lógicos/mentais firmados em regras de experiência de que o julgador se serve para a descoberta da verdade. Apesar de nem sempre resultar explícita a sua intervenção, elas constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a convicção de factos controvertidos. O art.º 127º do CPP não proíbe o uso desses raciocínios lógico/dedutivos, nem a nossa lei processual penal faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária.
2.2.2- Tudo isto vem para se dizer que examinada a prova, nomeadamente ouvida toda a gravação da prova oral, não vemos que haja de alterar-se o decidido.
O recorrente discorda dos pontos 2, 5, 6, 18, 26 e 27 fundamentalmente pelas razões que já deixamos referidas.
Quanto aos pontos 2) e 5) o arguido insurge-se contra a afirmação que o devido foi «retido em benefício da sociedade» na base do raciocínio de que não houve retenção por permanente falta de liquidez. Ora, com a expressão o tribunal apenas quis deixar expresso que o arguido não procedeu às entregas das quantias que deduziu no ordenado dos trabalhadores e gerentes, independentemente de se saber se elas de momento existiam ou não em tesouraria.
Essas quantias foram deduzidas nos vencimentos dos trabalhadores e gerentes pelo que não foram entregues nem a estes nem à Segurança Social. Como eram verbas que integravam os vencimentos, parece-nos apodíctico que quem beneficiou com o seu desconto nos ordenados foi a própria sociedade/arguida que não os entregou a quem quer que fosse [nem aos primitivos titulares -, os trabalhadores em cujo ordenado foram descontadas -, nem à Segurança Social].
Pode, pois dizer-se que com esta actuação se agiu no «interesse da sociedade» «retendo-se tais quantias», expressão esta que mais não significa do que «não entregando as mesmas à Segurança Social».
No que abaixo se dirá quanto ao conceito jurídico da «apropriação» melhor se compreenderá o afirmado.
O arguido discorda que se dê por provado que «Actuou de forma livre, consciente e em benefício da sociedade». Mas para nós é óbvio que assim sucedeu, pois ao preferir fazer outros pagamentos em detrimento das entregas do devido à Segurança Social é apodíctico que o arguido teve de tomar opções quanto às dívidas a saldar.
Nem pode invocar uma inocente actuação da sua parte pois era ele o gerente da sociedade arguida. Ou terá dela [gerência] sido «saneado» pelo pessoal administrativo, nomeadamente pelo chefe do escritório?
Note-se que a falta de entregas se prolongou nada menos que por cinco anos sucessivos e de modo irregular.
Nem se compreende a sua reacção contra o ponto 18), já que é claro para nós que o que com ele se pretende dizer é que «O arguido admitiu em julgamento que nas remunerações dos trabalhadores foi descontado o por estes devido à segurança social, descontos de que nem aqueles nem esta vieram alguma vez a beneficiar ». Ficou claro que o arguido o confirmou em julgamento.
Quanto ao ponto 26) valem aqui as considerações já feitas quanto aos pontos 2) e 5). O que com ele se pretende dizer é que a sociedade procedeu ao pagamento das remunerações dos seus trabalhadores e gerentes, nelas tendo deduzido o que delas pertencia à Segurança Social. Não vemos razão para o recorrente se insurgir contra o uso da expressão «com retenção das contribuições descontadas aos mesmos», com o que se quis dizer que o arguido não procedeu à entrega na segurança social do que descontou para esse fim nas remunerações dos trabalhadores.
O mesmo se diga quanto ao ponto 27) do provado já que nunca aos trabalhadores foram entregues os seus vencimentos sem que neles se tivesse procedido às respectivas deduções para a segurança social.
Contudo, para que tudo fique claro, adita-se à decisão de facto um novo número, a que se atribui a numeração de 10-A e que mais não é do que um complemento do afirmado no ponto 10), com a seguinte redacção: «O que levou a que o arguido optasse por proceder a outros pagamentos em detrimento das entregas a efectuar à segurança Social» Não há por isto que aqui e agora dar cumprimento ao art.º 358º/1 do CPP quer porque resulta do alegado pela defesa quer porque inócuo para a decisão de direito..
Reitera-se a fundamentação inserta na sentença, colhendo-se o aditado do conjunto da prova oral integrada pelas declarações do arguido e depoimentos de defesa, donde ressalta que a sociedade/arguida nunca desfrutou de desafogo financeiro pelo menos desde 1993, tanto que acabou por vir a ser declarada falida.
2.2.3- O recorrente questiona o não preenchimento do tipo por falta do elemento «apropriativo» das quantias referidas.
O recorrente não tem razão na sua alegação. O tribunal referiu-se-lhe apropriadamente a partir de fls. 20.
O arguido não entregou à Segurança Social as quantias relativas a contribuições descontadas sobre as remunerações dos trabalhadores no contexto da situação de crise financeira da sociedade/arguida e na medida em que por causa dessa crise não havia dinheiro para cobrir a retenção contabilisticamente efectuada.
Mas tal situação não tem a virtualidade de afastar a tipicidade do facto. Desde logo porque resultou claro que as cotizações descontadas nos vencimentos não foram entregues à segurança social por se privilegiarem outros pagamentos, do que resulta que quantias disponíveis que poderiam ter sido destinadas para cumprir as ditas retenções virtuais foram utilizadas e por isso integradas ou diluídas no património da sociedade para fazer outros pagamentos, nomeadamente a fornecedores.
No que respeita ao modo de “retenção” das prestações é óbvio que não se exige que as mesmas sejam efectivas no sentido de as separar física ou materialmente do erário líquido do devedor tributário no momento em que são calculadas as deduções. Basta que tal operação seja contabilisticamente efectuada – como quase sempre – aquando do pagamento efectivo das remunerações.
Considerando que tais quantias integram o rendimento do trabalhador e se este as não recebeu, significa que a entidade devedora as deduziu e reteve, ainda que por intermédio de operações contabilísticas.
Se no momento da entrega devida à Segurança Social dos montantes correspondentes às deduções efectuadas a entidade devedora dos rendimentos não dispunha de liquidez, significa que deu outro destino ao que deveria estar contabilisticamente reservado para cumprimento de tal dever, pelo que a ela será de imputar a omissão. E nisto consiste o aludido elemento apropriativo pressuposto no crime de abuso de confiança V/ Augusto Silva Dias in “Direito Penal Económico e Europeu/Textos Doutrinários”, Coimbra Editora, vol.II, pág275: o aproveitamento dum determinado poder em que o agente se encontra investido relativamente à coisa e que lhe dá a possibilidade de a desencaminhar ou dissipar afectando-a à satisfação doutros compromissos.
A este propósito veja-se Carlos Rodrigues de Almeida, in Revista do Ministério Público, Ano 18º, nº 72, p. 95 e ss.: “Dai que no contexto do tipo abuso de confiança em relação à segurança social, o conceito apropriação não possa ter o mesmo sentido que tem no tipo comum. Apropriação apenas pode querer significar que o agente não cumpriu a obrigação no prazo que a lei penal lhe fixou. Outro entendimento, nomeadamente o de exigir que o montante necessário para o pagamento em dívida desapareça do património do devedor, restringe demasiadamente o tipo (…)”
Provado que o arguido não entregou à Segurança Social as quantias deduzidas que faziam parte integrante das retribuições devidas aos trabalhadores que reverteram para a sociedade, deste modo invertendo o título de posse, agindo de forma livre e consciente, sabendo da proibição da sua conduta, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime do artigo 27-B do Decreto-Lei n.º20-A/90 de 15 de Janeiro.
O facto da entidade patronal ter problemas de tesouraria e por isso ter optado por um diverso plano de pagamentos destinado à manutenção da sua actividade, não conduz a que se possa considerar que a sua conduta não é ilícita ou que tenha agido sem culpa, até porque não se pode concluir sem mais que não tivesse possibilidades de resolver as dificuldades doutro modo.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto faz no seu parecer uma clarificadora e bem delineada resenha sobre o elemento apropriativo.
A questão já se encontra suficientemente estudada na jurisprudência, tendo-se fixado o entendimento de que no ilícito em causa a “apropriação” traduz-se na não entrega total ou parcial das quantias retidas sendo indiferente o destino dado às mesmas. A apropriação integra-se pela não entrega à Segurança Social das quantias retidas aos trabalhadores, pelo que é indiferente o destino que lhes foi dado não sendo necessária a prova de que as mesmas foram gastas em proveito exclusivo da sociedade ou dos seus sócios. Ou seja, o conceito não é simplesmente integrado pelo engrossar do património mas também pela diminuição do passivo.
Face ao conceito de apropriação acima referido não se vislumbra que assista razão ao arguido. Efectivamente, provou-se que as quantias indicadas não foram entregues na Segurança Social, pelo que os montantes em causa foram despendidos pela sociedade/arguida em seu proveito.
Como noutro recurso já foi dito Processo 167/03.6TAALB, por nós relatado., a apropriação não pressupõe o uso da coisa apropriada no interesse económico directo e imediato do agente. Efectuados os descontos que constam dos mapas enviados à Segurança Social, o arguido apenas ficou depositário dos valores correspondentes que passaram a pertencer à Segurança Social perante quem ele tinha a obrigação de os entregar. A afectação das quantias em causa a fim diferente pressupunha sempre uma prévia apropriação por parte do mero detentor. É por isso que quer o art.º 27º-B do RJIFNA como o art.º 107º do RGIT referem a entrega das contribuições deduzidas e não o pagamento das mesmas contribuições. Por outro lado, o arguido que com os descontos a que procedeu nos salários dos trabalhadores e que não entregou à segurança Social paga outras despesas da empresa, não actua em estado de necessidade desde logo porque o dever de pagar os salários e manter a empresa a funcionar não se sobrepõe ao dever de entregar os descontos à Segurança Social.
III
Decisão –
Termos em que, embora se adite aos factos provados o n.º10-A com a redacção seguinte «O que levou a que o arguido optasse por proceder a outros pagamentos em detrimento das entregas a efectuar à segurança Social», se rejeita o recurso intercalar por manifestamente improcedente e se nega provimento ao recurso da sentença.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Coimbra,