Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2347/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 10/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 128º, NºS 1 E 2, E 188º, NºS 1, 3 E 4, DO CPEREF .
Sumário: I – Os credores, uma vez decretada a falência, devem reclamar os seus créditos com vista à sua posterior verificação e graduação .
II – Mesmo aqueles credores que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença estão também obrigados a reclamá-lo no processo de falência e no prazo fixado na sentença para esse efeito .

III – Os créditos sobre o falido têm sempre que ser reclamados pelos seus respectivos credores, para que sobre eles incida o contraditório e a prova da sua existência .

IV- Só assim não acontece nos casos em que haja uma precedente aplicação de medida de recuperação decretada em processo de recuperação de empresa, já que nesses casos se consideram devidamente reclamados os créditos do requerente da falência e os créditos reclamados no processo de recuperação que tenha antecedido o processo de falência, sem prejuízo de os credores apresentarem nova reclamação, em substituição da anterior .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- Por apenso ao processo de falência nº 716/2002 que corre seus termos no Tribunal Judicial de Porto de Mós e em que foi decretada a falência da sociedade A..., com sede na Quinta de S.Sebastião, Batalha, vieram vários credores reclamar os seus créditos.
Após aberto o concurso de credores, veio a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
1-2- Notificados desta decisão, vieram B..., requerer a aclaração da sentença já que nesta não foram consideradas credoras, sendo que apresentaram tempestivamente os respectivos requerimentos de reclamação de créditos, os quais deveriam ter sido tomados em consideração, não obstante a fixação de um prazo posterior para a reclamação, o que não invalida os actos antes praticados.
1-3- Ouvido o liquidatário este considerou que as reclamações foram intempestivamente apresentadas, pois as ora requerentes apresentaram o requerimento de reclamação de créditos, respectivamente, em 26/7/2002 e 12/8/2002, sendo que a falência só veio a ser decretada em 9/9/2002, considerando, em consonância com os entendimentos de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, que decretada a falência o credor terá de reclamar o seu crédito no prazo que for fixado na respectiva sentença declaratória para poder obter pagamento nesse processo, o que não fizeram.
1-4- O Mº Juiz pronunciando-se sobre o requerimento de aclaração, decidiu nos seguintes termos:
A sentença proferida considerou - e bem - que os créditos em causa não foram tempestiva e legalmente reclamados. Em face do exposto, nada mais há e esclarecer”.
1-5- Não se conformando com a sentença proferida, dela vieram recorrer os reclamantes, B..., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-6- As recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Devem ser consideradas tempestivas em homenagem ao princípio da verdade material, as reclamações de créditos juntas ao processo em momento prévio à publicação declaratória de falência desde que os mesmos já tenham sido reconhecidos no requerimento inicial do pedido de falência pela própria requerente.
2ª- Deve assim ser rectificada a sentença recorrida em termos de ver reconhecidos e graduados os créditos das recorrentes, créditos esses reconhecidos no requerimento inicial pela falida e objecto de uma posterior reclamação, a qual, em termos processuais, se situa aquém do momento formalmente azado para o efeito.
1-4- O M.P. respondeu a estas alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II.- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Com vista à decisão, encontram-se provadas as seguintes circunstâncias:
a) As ora recorrentes B..., por requerimentos efectuados nos autos ( principais ) de falência em 26-7-2002 e em 12-8-2002, reclamaram créditos seus.
b) A falência da requerida, veio a ser decretada por sentença de 9-9-2002.
c) Nesta decisão foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos, tendo a mesma sido publicada no D.R. - III Série -, em 3-10-2002.
d) As ora recorrentes, não reclamaram então os seus créditos.---------
2-3- A ( única ) questão que se levanta será a de saber se a reclamação apresentada nos autos principais, ainda antes de ser declarada a falência da requerida, é relevante como reclamação de créditos e, como tal, deve ser atendida.
Como se viu, o Mº Juiz entendeu, no despacho acima transcrito, que a sentença considerou, de forma correcta, que os créditos em causa não foram tempestiva e legalmente reclamados. Diga-se desde já que, nesta asserção, existe um patente lapso, visto que a sentença, na realidade, não se referiu a tais créditos, por não terem sido reclamados nos presentes autos de reclamação de créditos, apensos ao processo de falência. O aresto só aludiu aos créditos reclamados após a declaração da falência da requerida e que constam destes autos de reclamação. De qualquer forma, esta imprecisão não modifica substancialmente o assunto, visto que o que importa para aqui é a circunstância de os créditos em causa não terem sido, efectivamente, considerados na sentença de graduação de créditos, tendo sido entendido, no despacho acima exarado, que foram intempestivamente reclamados.
As ora recorrentes entendem que devem ser consideradas tempestivas, em homenagem ao princípio da verdade material, as reclamações de créditos juntas ao processo em momento prévio à publicação declaratória de falência desde que esses créditos tenham sido já reconhecidos no requerimento inicial do pedido de falência pela própria requerente. Nas suas alegações, dizem ainda as recorrentes, que a própria sentença reconheceu, como tempestivamente apresentadas, as reclamações da Assicurazioni Generali S.A e do I.G.F.S.S., Delegação de Leiria que foram juntas aos autos antes da publicação da sentença falência, tendo-se usado o sensato argumento de que “extemporâneo é o acto praticado além do termo de um prazo peremptório. Não aquele acto que é praticado aquém, digamos assim, do termo do prazo. Nestas hipóteses a prática do acto processual pode reputar-se de prematura - o que não tem qualquer relevância processual, ao menos para efeitos de preclusão - mas nunca extemporâneo. Assim sendo devem considerar-se tempestivas as aludidas reclamações de créditos”. Nesta conformidade, por uniformidade de critérios, no entender das recorrentes, deveria o Tribunal aceitar as reclamações em causa.
Haverá logo aqui de separar as águas, visto que, na realidade, as situações relatadas são diversas. É que, em contrário das ora recorrentes, as indicadas entidades reclamaram os créditos já após ter sido proferida a sentença que declarou a falência da requerida. O que sucedeu é que essas reclamações deram entrada em juízo, antes da publicação do anúncio de falência, no D.R. Evidentemente que, tendo esta declaração o objectivo de publicitar e divulgar a falência com vista a propiciar aos credores (principalmente aos desconhecidos ) de reclamarem os seus créditos, nada impede que tendo o interessado conhecimento da sentença de declaração de falência por qualquer outro modo ( designadamente pela notificação da respectiva sentença ), venha reclamar o seus créditos, devendo estes, obviamente, serem considerados tempestivos.
Passemos então ao conhecimento do cerne da questão, isto é, se será de atender às reclamações apresentadas ( nos autos principais ), ainda antes de ser declarada a falência da requerida.
Estabelece o art.128º nº 1 do CEPREF “na sentença que declarar a falência deve o tribunal ... designar o prazo, até 30 dias, para reclamação de créditos” ( alínea e)). A sentença, para efeitos de publicidade deve ainda ser publicada por extracto no Diário da República, num dos jornais mais lidos na comarca e por editais afixados à porta da sede e das sucursais do falido ou do local da sua actividade, consoante os caso e ainda no local do próprio tribunal ( nº 2 da mesma disposição ).
Refere por sua vez o art. 188º nº 1 do mesmo diploma que “dentro do prazo fixado na sentença declaratória da falência, devem os credores do falido, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses que represente, reclamar a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, por meio de requerimento no qual indiquem a sua proveniência, natureza e montante, podendo ainda alegar o que houverem por necessário acerca da falência”.
Daqui resulta que os credores, decretada a falência, devem reclamar os seus créditos, com vista à sua posterior verificação e graduação.
Acrescenta o nº 3 deste art. 188º que “o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de falência, se nele quiser obter pagamento”.
Quer isto dizer que mesmo aqueles credores que já tenham o seu crédito reconhecido por sentença, estão também obrigados a reclamá-lo no processo de falência, isto é, no prazo fixado na sentença para esse efeito.
Daí que numa primeira abordagem à questão, diremos que a lei impõe aos credores do falido que reclamem o seu crédito no prazo concedido na sentença de falência para isso.
Os créditos de credores não reclamantes podem ainda vir a ser contemplados e considerados pelo liquidatário, nos termos do art. 191º do mesmo diploma. Com efeito, esta disposição impõe ao liquidatário que, nos 10 dias seguintes ao terminus do prazo das reclamações, elabore uma relação de todos os credores reclamantes, à qual pode ser acrescentada uma outra, com indicação de créditos não reclamados de existência provável. Porém, não basta, para que a situação dos credores não reclamantes fique salvaguardada, que os seus créditos sejam abrangidos nesta relação de créditos do liquidatário. É ainda preciso que eles, avisados por carta registada, para se pronunciarem sobre a situação no prazo de 5 dias, apresentem reclamação, considerando-se então, esta deduzida em tempo útil ( nº 2 da mesma disposição ). Claro que, se apesar de avisados, não apresentarem reclamação, os seus eventuais créditos não poderão vir a ser verificados e graduados no processo.
Daqui resulta que, mesmo em relação aos credores não reclamantes ( mas introduzidos na respectiva relação pelo liquidatário ), é necessário efectuarem a reclamação dos seus créditos, para que estes possam ser atendidos.
Evidentemente que a elaboração da dita relação ( dos créditos não reclamados ), depende do liquidatário, fugindo, assim, a qualquer actividade por banda do credor não reclamante.
Após a feitura pelo administrador das ditas relações de créditos, segue-se a contestação de créditos, a resposta à contestação, o parecer do liquidatário, o saneamento do processo, as diligências instrutórias, o julgamento e, por fim, a sentença de verificação e graduação deles ( arts. 192º a 200º do mesmo diploma ).
Todos estes procedimentos, levam à conclusão que os créditos têm sempre que ser reclamados, para sobre eles incidir depois, o contraditório e prova da sua existência.
Não seria assim se a falência da empresa, tivesse sido precedida de uma qualquer medida de recuperação ( o que não sucedeu no caso vertente ). Com efeito, refere o nº 4 deste art. 188º ( na redacção introduzida pelo Dec-Lei 315/98 de 20/10 ) que “consideram-se devidamente reclamados o crédito do requerente da falência ... os créditos reclamados no processo de recuperação que tenha antecedido o processo de falência, sem prejuízo de os credores apresentarem nova reclamação, em substituição da anterior, se nisso tiverem interesse”.
Quer isto dizer e para o que aqui interessa que, tendo os credores, no processo de recuperação anterior à declaração de falência, procedido à reclamação de créditos, não necessitam de proceder a nova reclamação ( podendo, porém, fazê-lo se isso lhes interessar ). A reclamação então efectuada será suficiente para que os seus créditos venham, posteriormente, a ser verificados e reconhecidos.
Significa isto que esses créditos devem ser considerados na relação de créditos a que o liquidatário tem que proceder e a que alude o art. 191º nº 1 do mesmo diploma, devendo ser considerados como créditos reclamados.
Porém, não foi isso que se passou aqui, visto que, como já se disse, não existiu qualquer processo de recuperação de empresa.
Em síntese, os credores recorrentes deveriam ter reclamado os seus créditos após a falência da empresa ter sido decretada e no prazo, para o efeito, concedido na respectiva sentença.
O recurso será, pois, improcedente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.