Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
337/08.0TBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: VENDA POR AMOSTRA
PRAZO DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA /ANADIA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.406, 562, 762, 798, 799, 801, 805, 80, 913, 919 CC
Sumário: 1 - Venda sobre amostra é aquela que se realiza em face de uma parcela da mercadoria, ou de um tipo predeterminado desta, parcela ou tipo que devem ser aprovados pelo comprador antes da conclusão do contrato, devendo ser-lhe exactamente igual a mercadoria total, mais tarde entregue pelo vendedor.

2 - Nas obrigações a prazo, o prazo tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação) como subsequente, ou seja, quando as partes depois da constituição da obrigação sem prazo, estipulam posteriormente o prazo em que a prestação do devedor deve ser cumprida, de modo a dar-se o cumprimento da obrigação.

3 - Este termo pode ser essencial ou não essencial; aquele termo essencial pode ser objectivo, se deriva da natureza ou modalidade da prestação, sendo inútil para o credor a sua tardia realização, ou subjectivo se emerge da vontade expressa ou tácita das partes contratantes.

4 - Na essencialidade subjectiva, a vontade das partes pode ser, no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite, improrrogável (termo subjectivo absoluto), para o cumprimento.

5 - No termo essencial objectivo e no subjectivo absoluto, findo o prazo sem a prestação devida há incumprimento definitivo da obrigação.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. N (…) SA, propôs a presente acção de processo ordinário contra A (…) SA, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 94.451,17 €, acrescida de juros vencidos à taxa legal e que, em 24.4.2008, somam 5.445,13 € num total de 99.896,30 €, e vincendos calculados às taxas legais sucessivamente em vigor até integral e efectivo pagamento da quantia em divida.

Alegou, em suma, ser uma sociedade comercial que se dedica à actividade de comercialização de ferro e produtos congéneres, e no decurso da sua actividade, a pedido da ré, ter vendido à mesma o material discriminado nas facturas que junta (a fls.6 a 13), pelos preços aí discriminados, no valor global de 94.451,17 €, sem que até à presente data a Ré liquidasse as ditas facturas.

Citada, a Ré deduziu contestação/reconvenção, por via da qual pretende obter a condenação da A. no pagamento da quantia de 613.707 €, ou caso, assim, não se entenda, deve julgar-se procedente a excepção de compensação, sendo ainda a A. condenada a pagar-lhe a parte correspondente ao que excede o valor das facturas cujo pagamento é por ela reclamado.

Alegou, em suma, ter efectuado uma encomenda de componentes soldados à A., informando-a que estes se destinavam ao fabrico de cerca de 300 contentores a serem fornecidos pela ré a um cliente francês no âmbito de concursos realizados em Câmaras em França, fazendo-lhe notar que era imprescindível o respeito pontual e rigoroso dos prazos acordados. Na sequência dessas informações, a Autora aceitou a encomenda e comprometeu-se a respeitar os prazos de entrega dos componentes. Nesse âmbito, a Autora iniciou a entrega de alguns componentes, em Março de 2007, posteriormente em Abril de 2007 e cerca de 1 mês e meio depois, a A. fez mais algumas entregas de componentes dispersos, as quais não observavam o plano acordado. Mostrando-se a situação incomportável para a ré e a cliente desta, fez a ré chegar à A., por escrito, a sua preocupação comercial, bem como convocou uma reunião onde estiveram presentes representantes da A., da Ré e do cliente francês, na qual a A. se comprometeu, a cumprir os prazos de entrega. Mais uma vez a A. ultrapassou os prazos, pois só em Maio de 2007, e Junho de 2007, a A. fez umas entregas de componentes dispersos à ré. Esta reiterou mais uma vez por escrito à A. a sua posição no qual alerta para o não cumprimento das datas, e nessa sequência, enviou-lhe um planeamento de entregas a cumprir pela A. que possibilitaria a execução atempada do trabalho, voltando a A. a incumprir o plano, tendo entregue, apenas, em Julho de 2007, em Agosto de 2007, e em Setembro de 2007, componentes dispersos. Nessa medida, a ré desgastada com os sucessivos incumprimentos, decidiu levantar o material existente na A. de forma a concluir a produção na sua própria sede, tendo posteriormente, em Novembro de 2007, a A. feito a última entrega de alguns componentes à ré. Nessa ocasião, comunicou-lhe a cliente francesa que haviam sido anuladas as encomendas por parte dos Municípios franceses, por atrasos na entrega do material, os quais foram devidos à A., pois, em cerca de 8 meses só produziu 50% dos componentes encomendados, quando o acordado entre as partes era a produção dos componentes encomendados em 4 meses. Mais, a A. apresentou a ré à Seguradora (…) como entidade não pagadora, o que prejudicou a sua imagem comercial. No entanto, quem incorreu em incumprimento contratual foi a A., pois, a Ré sempre foi conhecida no sector das construções metálicas por ser uma empresa cumpridora, e em consequência dos atrasos daquela, a ré ficou impedida de fornecer os contentores nos prazos acordados, e por via disso, impedida de comercializar os contentores. A não entrega ao cliente dos produtos encomendados afectou negativamente a imagem da ré junto da carteira de clientes. Assim como, a falta de comercialização dos contentores anulados acarretou à ré o prejuízo de 65.326 €, a título de lucros cessantes; que os atrasos na entrega ao cliente francês obrigaram a ré a pagar multas no montante de 11.413 €; que tem a pagar a este cliente 250.000 €; a que acresce, ainda, o valor de 186.968 € devido ao lucro previsto não realizado pela perda de vendas para potenciais clientes; mais 100.000 € por danos morais.

A A. replicou, dizendo, sucintamente, que a ré solicitou à A. o fabrico e venda não apenas de componentes para os contentores enterrados, como ainda, para um trabalho designado «interior clássico» e outro denominado «Eco-City». Só no caso do «interior clássico» a ré definiu um prazo meramente indicativo. As restantes encomendas à A. fabricadas e entregues à ré estavam sujeitas apenas a entregas faseadas, e nem sempre o fabrico dos artigos pela Autora e subsequente fornecimento obedeciam a uma programação definida, por a ré frequentemente solicitar à A. que deixasse de fabricar um produto a favor de outro que considerava mais prioritário. No entanto, a A. sempre cumpriu com o definido caso a caso, entre Março de 2007 a Fevereiro de 2008, fazendo entregas quase semanais de material à ré, e sempre aceite por esta, tanto assim que, em Fevereiro de 2008, a ré ainda liquidou a factura de Agosto de 2007, sem deixar de receber o material produzido pela A. Os componentes para os 300 contentores enterrados eram a fabricar e entregar em 3 fases, a pedido da ré. Nesse âmbito, era a ré que pedia à A. para produzir, em cada fase, uns ou outros componentes, que a A. lhe vendia de acordo com critérios da ré alheios à A. Era a ré que carregava o material na fábrica da A. e se encarregava do seu transporte, após a A. avisá-la que o material estava pronto, aguardando este, por vezes dias e por vezes semanas na fábrica. A primeira fase dos contentores enterrados foi totalmente entregue à ré de acordo com as suas instruções. Ao iniciar a execução da segunda fase de componentes, a ré encomendou-lhe o fabrico de outro material destinado aos «Eco-City» e a pedido desta, e por serem prioritários, a A. suspendeu a produção dos componentes para os «enterrados», apesar de prejudicar o seu processo produtivo. Outros problemas surgiram com o fornecimento de matéria-prima, sendo que era a A. que fornecia a matéria-prima até Junho de 2007, no entanto, a ré alegando razões de custo, a partir de então passou a fornecer a matéria-prima, passando a A. a ficar dependente dela, e desde então, passaram a ser permanentes os atrasos da ré na entrega desse material, e, só após a sua entrega a A. poderia avançar com a produção, e em alguns casos, teve a A. de avançar com a sua própria matéria-prima a fim de não parar com o processo de produção de molde a prevenir o aumento de custos. A A. sempre cumpriu com o acordado, pois a ré sempre pagou as facturas emitidas até 9.08.2007, com excepção de uma factura, sem fazer qualquer reparo, e sem cessar as encomendas e inclusive encomendou o fabrico de novos produtos, como satisfeita estava a cliente francesa que inclusive contactou a A. para esta colaborar consigo. A A. só não entregou à ré todos os componentes encomendados, mormente, os da 3ª fase porque a ré não quis em virtude de ter encontrado outro fornecedor concorrente da A. com preços mais baixos. Participou, efectivamente, a falta de pagamento das facturas à Seguradora, pois a isso estava obrigada nos termos do seguro de crédito, sem prejuízo de até à presente data a A. nada ter recebido da dita Seguradora. Desconhece se houve prejuízos para a ré, mas a haver os mesmos não são imputáveis à A. Pelo que a reconvenção deverá improceder.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e consequentemente, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de capital de 94.451,17 €, e bem assim, dos juros moratórios às sucessivas taxas aplicáveis às transacções comerciais decorridos 60 dias sobre os 8 dias subsequentes à data de emissão de cada uma das facturas enunciadas no ponto 2) dos Factos Provados até integral e efectivo pagamento, e julgou a reconvenção improcedente.

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2. A Ré interpôs recurso, tendo formulando as seguintes conclusões:

(…)

3. A A. contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados

1-A Autora é uma sociedade comercial que se dedica que se dedica à actividade de comercialização de ferro e produtos congéneres.

2-No decurso da sua actividade e a pedido da Ré, a Autora vendeu à Ré o material discriminado nas facturas a saber:

a)Factura nº 2007/11501 emitida em 06/07/2007, no valor de €32.352,92;

b)Factura nº 2007/11855 emitida em 7/09/2007, no valor de €32.363,16;

c)Factura nº 2007/11872 emitida em 14/09/2007 no valor de €1.199,30;

d)Factura nº 2007/11977 emitida em 26/09/2007 no valor de €235,51;

e)Factura nº 2007/11981 emitida em 27/09/2007 no valor de €309,47;

f)Factura nº 2007/11993 emitida em 28/09/2007 no valor de €19.049,95,

e

g)Factura nº 2007/12351 emitida em 16/11/2007 no valor de €8.940,86.

3-A Ré não procedeu ao pagamento das facturas mencionadas em 2).

4-A Ré encomendou à Autora, a 27 de Março de 2007, por e-mail, e a 28 de Março de 2007, por fax junto como doc. nº4 com a contestação aperfeiçoada, cujo teor se dá aqui por reproduzido, as componentes aí enunciadas.

5-A Autora entregou á Ré 75 interiores clássicos no dia 19 de Março de

2007 …

6-…e no dia 28 de Março de 2007, entregou á Ré 60 interiores clássicos.

7-No dia 18/04/2007, a Autora entregou á Ré os componentes a saber:

a)Interiores clássico:15(qt);

b)Aro Betão Gummi: 39(qt);

c)Aro Betão Alumínio:27(qt);

d)Encaixe Clássico:71(qt), e

e)Aro em Tubo 50/50:34(qt).

8-No dia 21/05/2007, a Autora entregou à Ré os componentes a saber:

a)Discos com furo:160(qt);

b)Discos sem furo:130(qt);

c)Aro para Portas de Descarga:20(qt);

d)Portas de Descarga:42(qt);

e)Plataforma de Segurança:13(qt), e

f)Aro para Plataforma de Segurança:20(qt).

9-… e no dia 28-05-2007, entregou à Ré os seguintes componentes:

a) Aro para Portas de Descarga: 30

b) Plataforma de Segurança

c) Aro em Tubo 50/50: 38: 65…

10-…e no dia 13-06-2007 foram entregues:

a) Aro para Portas de Descarga: 26(Qt);

b) Portas de Descarga: 88 (Qts)

c) Aro para Plataforma de Segurança: 44(Qts)…

11- …e no dia18-06-2007 entregou à Ré seguinte:

a) Discos sem Furo: 217 (Qt.)…

12-…e no dia 03-07-2007, entregou à Ré os seguintes componentes:

a) Aro Betão Gummi: 1 (Qt.)

b) Aro Betão Alumínio: 33(Qt.)

c) Encaixe Clássico: 19(Qt.)

d) Portas de Descarga: 69(Qt.)

e) Plataforma de Segurança: 20(Qt.)

f) Aro p Plataforma de Segurança: 3(Qt.)…

13-…e no dia 04-07-2007, foram entregues à Ré:

a) Encaixe Clássico: 10(Qt.)

b) Aro para Portas de Descarga:24(Qt.)

c) Portas de Descarga: 1(Qt.)

d) Plataforma de Segurança: 29

e) Aro em Tubo 50/50: 1(Qt.)…

14-…e em 02-08-2007 entregou à Ré:

a) Aro Betão Alumínio: 30(Qt.)

b) Aro Betão Gummi: 60(Qt.)

c) Plataforma de Segurança: 44(Qt.)…

15-…e em 09-08-2007 entregou à Ré:

a) Aro para Portas de Descarga: 100(Qt.)

b) Portas de Descarga: 133(Qt.)

c) Aro p Plataforma de Segurança: 37(Qt.).

16-…e em 05-09-2007, entregou à Ré:

a) Encaixe Clássico: 76(Qt.)

b) Portas de Descarga: 32(Qt.)

c) Plataforma de Segurança: 100(Qt.)…

17-…e em 28-09-2007 entregou à Ré:

a) Encaixe Clássico: 24(Qt.)

b) Portas de Descarga: 34(Qt.)

c) Aro em Tubo 50/50: 198(Qt.)…

18-…e em 12-11-2007, entregou à Ré:

a) Interiores Clássico: 66(Qt.)

b) Aro Betão Gummi: 1(Qt.)

c) Aro Betão Alumínio: 10(Qt.)

d) Plataforma de Segurança: 19(Qt.)

e) Aro em Tubo 50/50: 4(Qt.)

19-Em 4 de Maio de 2007,a Ré convocou uma reunião na Fábrica da Autora onde estiveram presentes, Eng. (…) e o representante do cliente Francês, vindo expressamente a pedido da Ré para essa reunião.

20-Em 30 de Abril de 2008,a Autora enviou à Autora a missiva junta como doc. nº23 com a contestação aperfeiçoada, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

21-A Autora apresentou a Ré à Seguradora (…) como entidade não pagadora.

22-As facturas mencionadas em 2) foram enviadas pela Autora à Ré nos oito dias subsequentes à sua data de emissão.

23-No âmbito da sua actividade comercial, a Ré foi contactada pela sua cliente «Astech» no sentido de proceder à entrega de 300 contentores enterrados.

24- A cliente da Ré identificada em 23) informou a Ré de que havia ganho um concurso em França para entrega dos contentores na quantidade mencionada em 23), junto das Câmaras Rennes e de Angers, em França.

25-Ficou acordado entre a Ré e a cliente «Astech» que os contentores teriam de ser entregues pela Ré em duas fases e com as datas a saber:

a)1ª Fase de 100 contentores para 20/04/2007, e

b)2ª Fase de 200 contentores para 10/07/2007.

26-Conforme doc.nºs 1 e 2 junto com a contestação aperfeiçoada, a cliente «Astech» fixou que em caso de atrasos nas entregas, seria pago pela Ré um valor de €250,00 por dia.

27-Em virtude da Ré não dispor de capacidade de produção nos termos acordados atrás com a cliente «Astech», a Ré contratou a Autora com vista ao fabrico de parte dos componentes -componentes soldados - que integravam a encomenda mencionada nos docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação aperfeiçoada.

28-A Ré, primeiro através do seu colaborador (…)(colaborador da Ré à data dos factos), nomeadamente, em 26/01/2007, e posteriormente, através de (…) Director Técnico da Ré, encomendou protótipos à Autora com base em desenhos fornecidos pela Ré.

29-Os protótipos foram objecto de aprovação, em reunião de 23/03/2007, no qual estiveram presentes (…) e (…), em representação da Ré, e Engº (…), em representação da Autora.

30-Após a solicitação de orçamentos para entrega de componentes, ficou acordado entre a Ré e a Autora a execução de componentes de diversa ordem discriminados no documento junto a fls. 230, cujo teor se reproduz aqui relativamente aos contentores enterrados (Sub-City), para uma primeira fase, sendo o prazo a definir entre as partes durante a execução dos componentes à medida das necessidades da Ré e do processo de execução da Autora.

31-Para a fase seguinte ficou assente que a Autora executaria outros componentes de diversa ordem, sem se lograr apurar quais, respeitantes aos contentores enterrados (Sub-City) para uma segunda e terceira fase, sendo o prazo a definir entre as partes durante a execução dos componentes à medida das necessidades da Ré e o processo de execução da Autora.

32-A Ré, na pessoa do Eng.(…), enviou à Autora, na pessoa de (…), a comunicação junta como doc. nº21 com a contestação aperfeiçoada, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

33-A Ré não conseguia cumprir os prazos com o cliente francês.

34-O cliente francês enviou por a comunicação por escrito à Ré junta como doc. nº22 com a contestação corrigida, com data de 20 de Julho de 2007, cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais.

35-O aludido em 33) leva a que se colocasse em risco as condições propostas em sede de concurso.

36-…e levando a que a imagen da cliente «Astech» em França ficasse afectada em França.

37-Em Novembro de 2007, a Ré levantou o material existente na Autora.

38-O cliente francês cancelou uma parte da encomenda por atrasos da Ré.

39-A venda dos contentores «anulados» ascenderia a €146.984,00.

40- Os custos de produção dos contentores, a saber: custos directos dos contentores, custos de subcontratação e custos fixos da empresa e a margem operacional de acordo com a política da empresa seriam de um valor percentual que não se logrou apurar do preço da venda.

41-Em consequência dos atrasos da Ré para o cliente francês, os clientes desta (municípios de Anger e Rennes cancelaram encomendas discriminadas no doc. nº 23, fls. 254, junto com a contestação corrigida, cujo teor se reproduz aqui nesta parte…

42-…e obrigou a Ré/Reconvinte a pagar multas no valor de €11.413,00.

43-Em consequência dos atrasos da Ré, a cliente francês enviou à Ré a comunicação escrita junta como doc. nº26 com a contestação corrigida, com data de 19 de Dezembro de 2007, mediante o qual lhe comunicaram prejuízos sofridos em cerca de €250.000,00.

44-A forma de trabalhar da Autora/Reconvinda implicava métodos técnicos de grande precisão…

45-…o que impôs que o processo de execução das componentes encomendadas pela Ré decorresse como decorreu…

46-…e que a Ré/Reconvinte, aceitou desde sempre.

47-A Ré/Reconvinte, depois da primeira encomenda a favor do cliente francês, efectuou a dos «ECO CITY´s», em Junho de 2007.

48-A Ré/Reconvinte montava os componentes no produto final (os contentores) que ela própria executava nas suas instalações.

49-Foi na reunião havida com a Ré e com o cliente francês desta, que a Autora/Reconvinte tomou conhecimento do fim e destino final das peças que estava produzindo.

50-O cliente francês aquando da reunião aludida em 19) conheceu as instalações e a capacidade de produção da Autora.

51-A Autora e o cliente francês trocaram as comunicações juntas a fls. 418 a 420, cujo teor se reproduz aqui.

52-Em Junho de 2007, a Ré/Reconvinte comunicou á Autora/Reconvinda que encontrou quem fornecesse os materiais necessários à execução dos componentes encomendados em falta à Autora a um custo inferior…

53-…motivo pelo qual, a partir de Junho de 2007, a Ré/Reconvinte passou a fornecer à Autora/Reconvinda o material necessário à execução dos produtos (ou seja, limitando-se a Autora/Reconvinda a fornecer a mão-de-obra, equipamento e know-how).

54-A partir do momento em que a Ré/Reconvinte passou a fornecer o material necessário à execução do trabalho, por várias vezes, houve atrasos da Ré na entrega desse material…

55-…sendo que a Autora/Reconvinda, em algumas ocasiões, teve de avançar com a sua própria matéria-prima em virtude da Ré/Reconvinte não enviar a matéria-prima acordada…

56-…de forma a não parar o processo de fabrico com aumento de custos…

57-…uma vez que sempre que se interrompe o processo produtivo, a Autora/Reconvinda seria obrigada a reprogramar as máquinas, nomeadamente, as de corte e laser.

58-A Ré/Reconvinte instruiu a Autora/Reconvinda para avançar prioritariamente na execução do trabalho «ECO CITY´s», em prejuízo da encomenda de 28.3.2007 (ou seja, encomenda para o cliente francês.

59-…razão pela qual, a Autora/Reconvinda interrompeu, por diversas vezes, a execução das componentes para o cliente francês da Ré/Reconvinte a favor da execução das componentes «ECO CITY».

60-As vendas e entregas dos componentes para o cliente francês estavam a ser feitas conforme o acordado entre Autora/Reconvinda e Ré/Reconvinte (ou seja, quando os componentes estivessem prontos, a Ré procedia ao seu levantamento).

61-A Ré/Reconvinte encontrou quem produzisse as componentes encomendadas à Autora/Reconvinda a custos inferiores.

62-A carta mencionada em 20) dos Factos Provados foi enviada pela Ré/Reconvinte para a Autora/Reconvinda, depois desta vir a reclamar o pagamento das facturas em divida e a participar à Seguradora o sinistro, para efeitos de seguro de crédito.

63- A Autora nada recebeu da Seguradora identificada em 21) e 62) dos Factos Provados.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as únicas questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Incumprimento do contrato pela A. e suas consequências.

(…)

3. Começa por dizer-se, face à matéria provada, que é pacifico que a A. forneceu à ré, a pedido desta, os materiais discriminados nas facturas e nos valores aí indicados.

Na sentença recorrida escreveu-se que: “Ora, revertendo, então ao caso dos autos, emerge dos factos assentes em 1) a 18), 27) a 31) e 44) a 46) que estamos, pois, em condições de concluir que se tratou de um contrato de fornecimento de componentes para uma obra industrial, ou seja, de um contrato de compra e venda prolongado no tempo, e não de um contrato de empreitada.

O negócio de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré tem, porém, uma particularidade que o faz integrar na categoria específica da venda sobre amostra, considerando os factos assentes em 27) a 31).

Venda sobre amostra é aquela que se realiza em face de uma parcela da mercadoria, ou de um tipo predeterminado desta, parcela ou tipo que devem ser aprovados pelo comprador antes da conclusão do contrato, devendo ser-lhe exactamente igual a mercadoria total, mais tarde entregue pelo vendedor – v. Baptista Lopes, “Do Contrato de Compra e Venda”, pág. 182.

A este tipo de venda se refere o art. 919º do Código Civil quando estabelece que, “sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto..

Este preceito teve origem no art. 469º do Código Comercial que trata da venda comercial sobre amostra.

Aí se diz que “as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada”.

Tal conformidade tem-se por verificada e o contrato como perfeito, se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar imediatamente contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias após a sua recepção efectiva – art. 471º do Código Comercial.

(…)

Assim, enquanto que na venda sobre amostra do art. 919º do Código Civil a aludida desconformidade dá lugar à aplicação das regras que regulam a venda de coisas defeituosas (arts. 913º e seguintes), no caso da venda comercial sobre amostra a mesma desconformidade implica a ineficácia do acto – v. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume II, pág. 161.

Essa ineficácia resulta da inverificação do facto condicionante, isto é, da conformidade da mercadoria com a amostra. Se essa condição suspensiva (imprópria, no dizer de Mota Pinto), estatuída pela lei (conditio juris do art. 469º do Código Comercial), não se verifica, o acto não produzirá quaisquer efeitos.

Na verdade, decorrendo do texto legal que a produção dos efeitos da compra e venda comercial sobre amostra só tem início se a “cousa” for “conforme à amostra ou à qualidade convencionada”, considera-se o contrato perfeito desde a sua celebração se essa condição se verificar, uma vez que a condição actua retroactivamente – art. 276º do Código Civil. Porém, até esse momento o credor não tem ainda, duma maneira geral, acção contra o devedor (…)

Face ao que ficou exposto, somos levados a concluir que o contrato firmado entre a Ré apelante e a Autora apelada foi um contrato de compra e venda sobre amostra, prolongado no tempo.

(…)

A comercialidade do contrato deriva, no caso vertente, das actividades industriais desenvolvidas pela vendedora e pela compradora, sendo-lhe aplicáveis os preceitos dos arts. 469º e seguintes do Código Comercial.

As consequências da diferente qualificação jurídica do contrato são, porém, nulas para o desfecho da acção.

Efectivamente, bem vistas as coisas, a Ré impugna apenas o prazo de vencimento do pagamento das facturas, e quanto a esta matéria, convém, desde logo, dizer fluir dos factos assentes em 22) dos Factos Provados - ao invés do alegado pela Autora – que a Autora só enviou as facturas mencionadas em 2) à Ré nos oito dias subsequentes à sua data de emissão, pelo que o prazo de pagamento das facturas só se venceria decorridos 60 dias após recebimento das facturas pela Ré, ou seja, 8 dias após a sua emissão.

Do que se vem a dizer quer-se dizer que a Ré incorre na obrigação de pagar a quantia de capital de €94.451,17 e os juros de mora à taxa legal aplicável às transacções comerciais decorridos 60 dias após o decurso de oito dias a contar da data de emissão das facturas enunciadas no ponto 2) dos Factos Provados e sobre as quantias aí facturadas, cujo teor se reproduz aqui, por força do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 798º, 799º, 804º, 805º, nº1 e 2, al. a) e 806º do C.C. e 103º do C. Com” – fim de transcrição. Concluiu-se, naturalmente, que a ré deve pagar tal montante à A.

A ré verdadeiramente não questiona este enquadramento jurídico, e que a A. lhe efectuou os referidos fornecimentos e pelos preços indicados.

Ressalva, contudo, que a A., não cumpriu os prazos acordados para o fornecimento dos componentes dos contentores, pelo que se verifica incumprimento da obrigação pela A. estando assim a ré desonerada do seu pagamento.

Defende, pois, a recorrente, como resulta das conclusões c) e d) da sua alegação de recurso, que houve desrespeito de um termo essencial para o cumprimento.

É sabido que o acordado entre as partes deverá ser pontualmente cumprido nos termos previstos nos arts. 406º, nº 1, e 762º, nº 1, do CC.

No caso do devedor não cumprir pontualmente a sua obrigação para com o credor, aquele incorrerá na obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos decorrentes do incumprimento pontual da obrigação, em conformidade com as disposições ínsitas nos arts. 798º, 562º a 564º, do CC.

Nas obrigações a prazo, o prazo tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação) como subsequente, ou seja, as partes depois da constituição da obrigação sem prazo, estipulam posteriormente o prazo em que a prestação do devedor deve ser cumprida, de modo a dar-se o cumprimento da obrigação. Reveste, também, a maior importância a questão de saber qual o alcance que as partes querem dar à fixação do prazo. Se a fixação do prazo significa que a prestação tem de ser efectuada dentro dele, sob pena de o negócio caducar, por a prestação já não ter interesse para o credor (empregado de mesa contratado para servir em certa cerimónia; músico obrigado a participar num espectáculo em certa data), há o que os autores chamam um negócio fixo absoluto, a que se equiparam os casos em que a essencialidade do prazo resulta logo do fim da obrigação (táxi contratado para transporte ao aeroporto). Se a fixação do prazo não envolve a caducidade do negócio, mas apenas a faculdade do credor, vencido o prazo sem que a obrigação seja cumprida, resolver o negócio ou exigir indemnização pelo dano moratório, há um negócio fixo relativo ou simples (vide neste sentido A. Varela, D. Obrigações, Vol. II, 2ª Ed., págs. 44/45).

Ou como refere Mota Pinto (T. G. D. Civil, 2ª Ed., pág. 574), o termo diz-se essencial quando a prestação deve ser efectuada até à data estipulada pelas partes - termo próprio – (ou até um certo momento, tendo em conta a natureza do negócio e/ou a lei – termo impróprio). Ultrapassada essa data, o não cumprimento é equiparado à impossibilidade da prestação (cfr. art. 801º do CC). Diz-se não essencial o termo que, depois de ultrapassado, não acarreta logo a impossibilidade da prestação, apenas gerando uma situação de mora do devedor (cfr. art. 804º do CC). O termo essencial resultante da vontade das partes ou da natureza do negócio, determina, pois, que a prestação, não sendo cumprida no momento devido, já se não pode cumprir, importando o atraso da prestação desde logo a impossibilidade definitiva.

Ou, ainda, como ensina Baptista Machado (Pressupostos da Resolução Por Incumprimento, in B. F. D. Univ. Coimbra, 1979, págs. 405/408), o termo essencial pode ser objectivo se deriva da natureza ou modalidade da prestação, sendo inútil para o credor a sua tardia realização. Ou subjectivo se emerge da vontade expressa ou tácita das partes contratantes. Na essencialidade subjectiva, a vontade das partes pode ser: 1º no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite, improrrogável (termo subjectivo absoluto), para o cumprimento, findo o qual há incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução; 2º no sentido de o vencimento do termo conferir ao credor o direito de resolução, sem, contudo, significar renúncia ao direito de exigir o cumprimento retardado e possível indemnização moratória (termo subjectivo relativo) – hipótese regra, a valer em caso de dúvida.    

Descendo ao nosso caso, improcedente que se mostra a pretendida alteração da matéria de facto, a recorrente não logrou provar, como alegou, e cuja prova lhe competia (art. 342º, nº 2, do CC) a existência de qualquer prazo fixo, por parte da A. para cumprir a sua obrigação. Não se apurou a existência de qualquer termo essencial, objectivo ou subjectivo absoluto, pelo que não pode considerar-se que a A. entrou em incumprimento definitivo da obrigação, por não efectivação da sua prestação.

Tanto basta para concluirmos que a ré não está desonerada de pagar o crédito reclamado pela A., como pretendia, nem esta incorreu em qualquer responsabilidade indemnizatória perante a ré, designadamente o montante referido no facto provado 42., pois não se provou qualquer nexo causal entre os atrasos da ré perante o seu cliente francês e prejuízos por si invocados, e qualquer conduta da A. a eles conducentes.

Na verdade, no caso dos autos, decorre dos factos assentes que as entregas dos componentes encomendados pela ré à A. foram feitos em conformidade com o acordado, ou seja, quando os componentes estavam prontos, a ré procedia ao seu levantamento, sendo que os atrasos na entrega dos contentores enterrados à cliente francesa pela ré em resultado do qual adveio penalização e outros prejuízos à ré não são susceptíveis de serem imputados à A.

Nesta senda, o recurso da ré não pode proceder.

4. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):
i) No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova, pelo juiz, plasmado no art. 655º, nº 1, do CPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

ii) Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas;
iii) Por outro lado, de acordo com a jurisprudência regular e contínua dos nossos tribunais, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados;

iv) Nas obrigações a prazo, o prazo tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação) como subsequente, ou seja, quando as partes depois da constituição da obrigação sem prazo, estipulam posteriormente o prazo em que a prestação do devedor deve ser cumprida, de modo a dar-se o cumprimento da obrigação;

v) Este termo pode ser essencial ou não essencial; aquele termo essencial pode ser objectivo, se deriva da natureza ou modalidade da prestação, sendo inútil para o credor a sua tardia realização, ou subjectivo se emerge da vontade expressa ou tácita das partes contratantes; na essencialidade subjectiva, a vontade das partes pode ser, no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite, improrrogável (termo subjectivo absoluto), para o cumprimento; no termo essencial objectivo e no subjectivo absoluto, findo o prazo sem a prestação devida há incumprimento definitivo da obrigação.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso da Ré/apelante, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela Ré/recorrente.

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  Coimbra, 28.6.2011

Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Judite Pires