Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2569/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRÁTICO DE ACTOS ILICITOS: NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FACTO E O DANO
Data do Acordão: 11/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONFIRMADA
Área Temática: CÓDIGO CIVIL
Legislação Nacional: ARTS. S 483° E 563° DO CC
Sumário:
I- A chamada responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de actos ilícitos assenta no seguinte conjunto de pressupostos: o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo; a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja a sua culpa; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
II- Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são passíveis de ser incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto ou efectivamente causados por ele, o que encontra satisfação e compreensão através da chamada "teoria da causalidade adequada, na sua variante conhecida como condicionalidade abstracta".
III- Segundo esta teoria, para que um dano seja reparável pelo autor do facto é não só necessário que o facto tenha actuado como condição concreta desse dano, mas também que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada ( hoc sensu ) desse dano.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Bairro, Cristina ..., residente no lugar de Bichamoura, freguesia de Águeda, por si e em representação de sua filha menor, de nome Filipa ..., instaurou contra a Companhia de Seguros, com sede na Rua Andrade ... em Lisboa, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré no pagamento às A.A. da quantia global de Esc. 35.115.020$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por elas sofridos, quantia essa acrescida de juros de mora, desde a citação e até efectivo pagamento .
Muito em resumo, pelas A.A. foi alegado que Mário Paulo de Miranda Cardoso, marido da 1ª A. e pai da 2ª A., foi vítima de um acidente de viação, ocorrido em 20/03/1998, cerca das 23H45, na Estrada Nacional nº 333, ao Km 17,750, lugar de Perrães, freguesia de Oiã, concelho de Oliveira do Bairro, do qual lhe resultou a morte .
Que o referido Mário Paulo, na altura e local referidos, circulava a conduzir o motociclo matrícula 13-32-CV, no sentido Vagos – Águeda, pela sua metade direita da via, quando foi embater na traseira do veículo matrícula 68-80-DV, que momentos antes aí se imobilizara, ocupando essa parte da via, na sequência de um outro acidente havido entre esse mesmo veículo e um outro ( tendo aquele veículo ficado atravessado na semi-faixa de rodagem direita da E.N. 333, atento o sentido Vagos-Águeda, ocupando quase totalmente essa semi-faixa de rodagem e com a traseira próximo do eixo da via ) .
Que esse veículo era pertença de Francisco Manuel Marques Correia Maia , pessoa que contratou um seguro de responsabilidade civil automóvel com a Ré, relativo a danos resultantes da circulação dessa viatura .
Que o falecido Mário nada pôde fazer para evitar esse embate do seu veículo, após o que caiu, vindo a falecer devido às lesões sofridas nessa queda .
Que, por isso, esse acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do condutor do veículo 68-80-DV, razão pela qual deve a Ré responder pelos danos que lhes advieram da morte do marido e pai de ambas .
Que os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por ambas as A.A. ascendem ao valor peticionado, embora descriminem os valores parciais que consideram serem-lhes devidos .
II
Contestou a Ré, alegando, muito em resumo, que no local do acidente a EN configura-se numa recta com cerca de 500 metros de comprimento, com iluminação pública, tendo-se dado o embate do motociclo conduzido pelo Mário Paulo decorridos mais de três minutos após um outro acidente com o veículo DV, que originou a imobilização deste na via .
Que o dito Mário seguia a mais de 120 km/h, completamente distraído, razões pelas quais se deu o embate, pois o veículo DV era visível a mais de 50 metros, pelo que nada mais justificou esse embate .
Que, por isso, tem de se considerar que esse embate apenas se ficou a dever à forma pela qual o Mário Paulo conduzia, necessariamente imprudente, em consequência do que deve a Ré ser absolvida dos pedidos .
III
Findos os articulados foi dispensada a realização de audiência preliminar e procedeu-se à selecção da matéria de facto alegada pelas partes e considerada como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa .
Seguiu-se a realização de audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .
Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da Ré a pagar às A.A. os montantes que nela se descriminam, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais .
IV
Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso esse admitido como apelação e com efeito suspensivo.
Nas alegações que oportunamente apresentou, a Ré concluiu da seguinte forma :
1ª - Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença proferida quanto à atribuição de culpa pela produção do acidente, bem como quanto ao montante indemnizatório fixado para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação em causa nos presentes autos .
2ª - Entendeu o Tribunal de 1ª Instância que a colisão ocorrida entre o motociclo e o veículo ligeiro de passageiros se deveu à actuação do condutor deste último veículo, por violação do disposto no artigo 13º do C. E., acção causal do acidente com o outro veículo ligeiro e da imobilização na faixa de rodagem, local onde viria a ser embatido pelo CV .
3ª - Com base nos factos provados não vislumbra a Recorrente qualquer actuação do condutor do veículo DV passível de censura e que permita concluir pela culpa na ocorrência da colisão verificada no seu veículo pelo motociclo CV .
4ª - O DV encontrava-se imobilizado na hemi-faixa de rodagem direita da EN 333, atento o sentido Vagos – Águeda, atravessado, com a traseira mais próxima do eixo da via, em posição oblíqua, há mais de três minutos, quando foi embatido pelo motociclo CV .
5ª - O DV encontrava-se acidentado com o seu condutor encarcerado .
6ª - As circunstâncias em que ocorreu um acidente não se repercutem na ulterior colisão ( mais de três minutos depois ) verificada num dos veículos acidentados .
7ª - Trata-se de dois acidentes distintos, com causas diferentes e sem qualquer conexão entre eles que não seja o interveniente comum .
8ª - O M.mº Juiz “ a quo “ errou ao considerar culposa e causal a actuação do condutor do veículo DV, em virtude do comportamento manifestado aquando do primeiro acidente e que originou a imobilização do veículo por si conduzido na faixa de rodagem .
9ª - Este condutor nada poderia ter feito por forma a evitar a colisão do CV no seu veículo – porquanto encontrava-se encarcerado dentro da sua viatura -, pelo que nenhum juízo de censura, por acção ou por omissão, poder-lhe-á ser imputado .
10ª - Ao invés, dos autos resultam elementos que permitem concluir seguramente pela actuação culposa exclusiva do infeliz condutor do motociclo CV .
24ª - A quantia que alcança a proporcionalidade e a adequação pretendida pelo legislador é, na opinião da Recorrente, de € 7.500,00 .
25ª - A sentença violou o disposto no artº 496º do C. Civ. .
26ª - Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, com revogação da decisão proferida e com a absolvição da Ré do pedido ou, quando muito, com diminuição dos valores atribuídos a título de indemnização .
V
Contra-alegaram as A.A., sustentando, em resumo, que foi o condutor do veículo 68-80-DV que omitiu os deveres de cuidado e que determinou a produção do acidente, criando as condições e o nexo de causalidade entre um primeiro acidente e o segundo, este a vitimar o sinistrado Mário Paulo .
Que, por isso, está assente que o condutor do veículo 68-80-DV foi o único e exclusivo responsável pelo acidente, razão pela qual tem a Ré de indemnizar as Apeladas, como foi decidido em 1ª Instância e que importa confirmar .
VI
Neste Tribunal da Relação foi aceite o recurso interposto e tal como fora admitido, tendo-se procedido à recolha dos “ vistos “ , pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto desse mesmo recurso, objecto esse que, face às conclusões formuladas pela Recorrente nas suas alegações, se pode resumir às seguintes questões :
A – Deve ou não ser considerado existir nexo de causalidade entre o acidente ocorrido entre o veículo 68-80-DV e um outro veículo automóvel momentos antes do embate havido naquele pelo motociclo conduzido pelo falecido Mário Paulo ?
B- Em função da resposta que seja dada a tal questão, pode ou não atribuir-se culpa pelo acidente com o motociclo ao condutor do veículo DV, ou poderá considerar-se que a culpa pelo evento apenas pode ser imputada ao referido Mário Paulo ?
C – Devem ser mantidos os valores indemnizatórios fixados em 1ª Instância ou, como pretende a Recorrente, deverá proceder-se à redução desses mesmos valores ?
Para se poderem discutir tais questões, importa enunciar, antes de mais, a matéria de facto dada como assente em 1ª Instância, e que não foi objecto de impugnação pelas partes .
Consta essa matéria dos seguintes pontos, tal como emerge da sentença recorrida:
1 – No dia 20 de Março de 1998, pelas 23H45, na Estrada Nacional nº 333, ao Km 17,75, no lugar de Perrães, freguesia de Oiã, área deste concelho e comarca de Oliveira do Bairro, ocorreu um embate em que foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de passageiros com as matrículas 68-80-DV, na altura conduzido por Francisco Manuel Marques Correia Maia, seu proprietário, e GQ-61-15, este na altura conduzido por Carlos Diamantino Abreu Marques Simões .
2 – No local onde ocorreu este embate a EN tem uma largura de 6,5 metros, dividida em duas hemi-faixas de rodagem, e não tem bermas .
3 – O veículo 68-80-DV circulava na referida EN nº 333, no sentido Vagos- Águeda, pela metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido em que circulava, e o veículo GQ-61-15 circulava no sentido oposto ( Águeda – Vagos ), pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha .
4 – O veículo 68-80-DV embateu frontalmente com o veículo GQ-61-15 .
5 – Após este embate o veículo 68-80-DV ficou atravessado na hemi-faixa de rodagem direita da EN 333, atento o sentido Vagos – Águeda, e com a traseira próximo do eixo da via, em posição oblíqua .
6 – Os condutores dos veículos DV e GQ ficaram encarcerados dentro das respectivas viaturas .
7 – Antes deste embate o motociclo de matrícula 13-32-CV, conduzido por Mário Paulo de Miranda Cardoso, circulava pela mesma EN nº 333, no sentido Vagos – Águeda, pela hemi-faixa direita de rodagem, atento o seu sentido de trânsito.
carnagem, apoio da óptica, espelho esquerdo, manete esquerda, farolim pisca esquerdo, carnagem da frente esquerda, taco do guiador esquerdo, pedal das mudanças, carnagem direita, radiador do óleo, bainha direita, grelha do radiador do óleo, vidro da carnagem, união da carnagem inferior, blindagem da carnagem inferior, eixo da roda da frente e guarda-lamas da frente, para cuja reparação é necessária a quantia de Esc. 1.034.020$00 .
45 – As A.A. não repararam o motociclo, tendo-o vendido com aquela desvalorização .
Fixados os factos, passemos à apreciação das questões enunciadas .
Como é sabido, a chamada “ responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícitos “ , instituto normativo para o qual remete a causa de pedir na acção, regulado nos arºs 483º a 498º do C. Civ., assenta num conjunto de pressupostos (a que se reporta o citado artº 483º ) que a doutrina dominante define do seguinte modo : “ o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo ; a imputação do facto ao lesante ou agente ,ou seja a sua culpa ; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano .
Vejam-se, entre outros autores, o Prof. Fernando Pessoa Jorge, in “ Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil “, pg. 52 e segs.; e o Prof. Antunes Varela, in “ Das Obrigações em Geral “, vol. I , parte em que desenvolve esta questão.
No caso em apreço importa discutir se há ou não algum nexo de causalidade entre a conduta do condutor do veículo DV e o acidente verificado com o motociclo CV, este conduzido pelo sinistrado Mário Paulo, e danos daí resultantes e se ocorrendo tal nexo deve ou não ser considerada como culposa a conduta daquele condutor pelo acidente com o motociclo .
Isto porque nem todos os danos sobrevindos ao chamado facto ilícito são incluídos na responsabilidade do seu agente, mas apenas os resultantes desse facto, os efectivamente causados por ele – nos termos dos artºs 483º e 563º, ambos do C. Civ. – , o que encontra satisfação e compreensão através da chamada “ teoria da causalidade adequada” , mas na variante conhecida como “ condicionalidade abstracta “, isto é, para que um dano seja reparável pelo autor do facto é não só necessário que o facto tenha actuado como condição concreta desse dano, mas também que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada ( hoc sensu ) desse dano, pelo que não nos podemos apenas ater ao facto e ao dano considerados isoladamente, mas antes a todo o processo causal ou factual que, em concreto, conduziu ao dano, processo este que há-se caber na aptidão geral ou abstracta de o facto poder produzir o dano verificado – veja-se, neste sentido, o Prof. A. Varela, loc. cit., pgs. 762 a 772 ( da 3ª edição ) .
Por outras palavras, a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem em consequência de um acto ilícito culposo do agente decorre da condição concreta verificada entre o facto e o dano e de se dever considerar que, em abstracto ou ex ante , o facto é também uma causa adequada do dano, segundo um juízo de prognose póstuma ( ou juízo à posteriori de previsão da evolução futura dos acontecimentos, com base no conhecimento da evolução de outras situações semelhantes e das condições aplicáveis) .
Ainda por outras palavras, “ o facto que actuou como condição do dano deixará de ser considerado como causa adequada desse mesmo dano se, dada a sua natureza geral ou abstracta, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado apenas em função de circunstâncias anormais ou imprevisíveis e que ocorreram no caso concreto, sendo portanto inadequada para esse dano “ .
O STJ, p.ex., em Ac. de 13/02/1996, in BMJ 454, 716, considerou como causa adequada de um dano aquela que permite prever o dano como seu efeito provável, deixando de ser causa adequada desse dano quando se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação desse mesmo dano, ou quando o provocou apenas devido a circunstâncias excepcionais e imprevisíveis .
Passando para o caso concreto, temos como seguro que o facto ilícito e culposo do agente ( por agente, neste caso, temos de considerar o condutor do veículo 68-80-DV, seguro na Ré ) se traduz em, no dia 20 de Março de 1998, pelas 23H45, quando circulava na E. N. nº 333, no sentido Vagos- Águeda, ao Km 17,75, lugar de Perrães, freguesia de Oiã, ter ocupado a metade esquerda da via, atento esse sentido de marcha, em consequência do que ocorreu um embate frontal com um segundo veículo, de matrícula GQ-61-15, que aí e na ocasião circulava em sentido oposto àquele .
Tais factos permitem, sem sombra para dúvidas, considerar como verificado o nexo de causalidade adequada entre a conduta do veículo 68-80-DV e esse embate que ocorreu com o veículo GQ, pois essa condução fora de mão não só esteve na origem desse embate como se revela, em abstracto, condição adequada para que esse embate ocorresse, bem assim os danos que daí possam ter advindo para o condutor, o dono e os ocupantes do veículo GQ .
Mas no caso em presença não está em causa qualquer dano resultante para estes lesados, mas antes os danos que surgiram por causa de um segundo acidente, ocorrido já depois daquele antes referido, no momento em que o veículo DV se encontrava atravessado na hemi-faixa de rodagem direita da E.N. 333, atento o sentido Vagos – Águeda, com a sua traseira próximo do eixo da via e em oposição oblíqua, estando o seu condutor encarcerado na respectiva viatura, à semelhança do condutor do outro veículo GQ .
Esse segundo acidente dá-se mais de três minutos após o DV se ter imobilizado na via ( facto supra nº 34 ), e decorre do facto de Mário Paulo de Miranda Cardoso, que circulava na mesma via e sentido Vagos – Águeda, pilotando um motociclo ( matrícula 13-32-CV ), ter embatido no veículo 68-80-DV ( na traseira deste ), quando estava imobilizado na via nas circunstâncias antes descritas, em consequência do que o referido Mário Paulo, familiar das A. A., veio a cair no pavimento e a sofrer lesões físicas que foram causa directa e necessária da sua morte .
Será que entre a apontada conduta do condutor do veículo DV e estas lesões físicas do Mário Paulo ocorre um nexo de causalidade adequada, nos termos que antes se procurou expor ?
Atente-se a que a via referida, nesse local, se encontra marginada por casas de habitação ( é uma localidade, conforme ponto 1 supra ) e configura-se numa recta, com cerca de 500 metros de comprido, dispondo de iluminação pública a permitir uma visibilidade superior a 100 metros ( factos supra nºs 31 e 32 ), sendo certo que o Mário Paulo não conseguiu imobilizar o seu motociclo e nem o conseguiu desviar para a sua esquerda, onde a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido por ele seguido, estava livre e desimpedida – factos supra nºs 30 e 36 .
Afigura-se que, em concreto, não pode deixar de se reconhecer a existência de uma conexão factual e cronológica ( condição sine qua non ou causa hoc sensu ) entre a conduta do condutor do veículo DV e o embate do motociclo nesse veículo, pois este embate dá-se na sequência da imobilização daquele veículo na via, onde se deparou ao condutor do motociclo na respectiva marcha e decorridos que eram mais de três minutos após a imobilização daquele, mas também não pode deixar de se ajuizar no sentido de que nada podia fazer prever o embate do motociclo naquelas circunstâncias, tanto mais que só surgiu no local muito tempo depois da dita imobilização, sendo esse local uma recta e dotado de iluminação pública, além de que sendo noite ( eram 23H45 ) decerto todos esses referidos veículos estariam dotados de iluminação própria, especialmente o motociclo, que seguia em marcha, nada se tendo sequer alegado em contrário .
Isto é, o embate do motociclo no veículo DV não constitui uma consequência normal ou típica da conduta do condutor do veículo DV, não sendo sequer previsível essa ocorrência em concreto e apenas se verificou porque o Mário Paulo não conseguiu imobilizar o seu motociclo antes de embater e nem o conseguiu desviar para a esquerda do veículo, evitando-o, onde a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido por ele seguido, estava livre e desimpedida.
Por outras palavras, mesmo que a imobilização do veículo DV naquele local e ocasião houvesse ocorrido não em consequência de um embate e de uma conduta ilícita desse condutor, mas por causa de uma conduta perfeitamente lícita, como sendo , p. ex., para permitir o atravessamento da via por um peão, por haver outros carros imobilizados à sua frente, por ter sofrido um furo num pneu ou outro tipo de avaria que tivesse levado à imobilização da viatura naquelas condições, ... , sempre o embate do motociclo teria ocorrido em concreto, já que o dito embate se deveu não ao facto de ter ocorrido uma acidente anterior causado pelo condutor do veículo DV, mas antes ao facto de o condutor do motociclo não ter conseguido imobilizá-lo antes de embater no veículo que por quaisquer razões se encontrava então parado ou imobilizado na via, independentemente das razões que a tal haviam conduzido ( logo não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente, iluminado pelos faróis do motociclo, como se lhe impunha, tanto mais que devia seguir a uma velocidade especialmente reduzida, dado estar a atravessar uma localidade, com casas de ambos os lados da estrada, condutas estas que se impunham ao referido Mário Paulo, por força dos artºs 24º, nº 1 e 25º, nº 1, al. c), do Código da Estrada vigente à data – redacção do Dec. Lei nº 114/94, de 3/05 ), sendo certo que nada consta sobre iluminação dos veículos, isto é, não consta sequer que o veículo DV estivesse desprovido de iluminação e antes consta que o local dispõe de iluminação pública, permitindo uma visibilidade superior a 100 metros – facto supra nº 32 .
Donde que num juízo de prognóse póstuma ( ex ante ) e em abstracto tenha de se considerar como não adequada ao embate da moto e danos daí advindos para o seu condutor, a conduta apurada por parte do condutor do veículo DV, a qual se mostra de todo indiferente para a verificação do dano na pessoa de Mário Paulo ( a sua morte ), dano esse que ocorreu apenas e tão só em função e devido ao modo como este seguia a conduzir, circunstância essa que originou que não tivesse conseguido evitar esse embate, como podia e devia ter acontecido .
E independentemente deste entendimento sobre a falta de nexo de causalidade entre a conduta do condutor do veículo DV e os danos que advieram para o condutor do motociclo, também se afigura que não se pode considerar como censurável a conduta do agente ( condutor do veículo DV ) em relação ao 2º sinistro verificado, já que este ocorreu cerca de 3 minutos após o primeiro acidente se ter dado e tendo em conta que esse condutor ficou enclausurado na viatura, pelo que ficou impedido de tomar medidas de sinalização desse seu veículo, não podendo, por isso, ser considerado como culpado desse segundo evento .
O mesmo não se pode considerar quanto ao condutor do motociclo, conforme antes já se referiu, pois podia e devia ter circulado por forma a conseguir imobilizar essa viatura no espaço livre e visível à sua frente, atenta a iluminação de que era dotado e a existente no próprio local, o que claramente não cumpriu e até nem conseguiu desviar a moto para o seu lado esquerdo ( para a hemi-faixa esquerda da via, atento o seu sentido de marcha ), onde estava desimpedida e por onde podia ter circulado sem embater, o que revela manifesta falta de cuidado e de atenção à sua condução, circunstâncias estas que originaram e foram elas que deram causa ao embate dessa moto, pelo que apenas esse condutor pode ser merecedor de censura pela forma imprevidente como circulava nessa ocasião .
Daqui que também se afigure não poder ser censurada a conduta do condutor do veículo DV em relação ao 2º sinistro, mas dever ser antes censurável a referida conduta do sinistrado Mário Paulo, pelo que apenas a este é atribuível a culpa pelo com ele sucedido .
Donde se ter de concluir pela irresponsabilidade do condutor do veículo DV em relação aos danos a que se reportam as A. A., por falta de verificação dos necessários pressupostos do dever de indemnizar emergente da responsabilidade por factos ilícitos a atribuir ao condutor desse veículo, em consequência do que não cabe ser-lhes arbitrada qualquer indemnização .
Tal apreciação torna inútil a apreciação a que se reporta a terceira das questões enunciadas, isto é, apreciar se devem ou não ser mantidos os valores indemnizatórios fixados em 1ª Instância .
Impõe-se, assim, que se proceda à revogação a sentença recorrida, com a consequente absolvição da Ré .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em revogar a sentença recorrida, julgando a acção improcedente, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos contra ela deduzidos .
Custas da acção e do recurso pelas A. A. .