Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3935/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
ACÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 5º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1014º-A E 1017º, NºS 1 E 3, CPC .
Sumário: I – Pedindo o autor a prestação de contas por banda do réu, nos termos do artº 1014º A, nº 1, do CPC, pode o réu contestar a obrigação de as prestar, ao que o autor pode responder, procedendo-se depois da forma definida no nº 3 desse dispositivo.
II – Se, ao invés de contestar a obrigação de apresentar contas, o demandado as apresentar em tempo, pode o autor contestá-las em 30 dias. Não sendo impugnadas as contas, o réu será notificado para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide .
Decisão Texto Integral: 1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente na Estrada dos Malheiros, 129, 2º em Coimbra, propõe contra B..., residente no lugar de Vilela, Torre de Vilela, Coimbra, a presente acção especial de prestações de contas, pedindo que a R. seja condenada, a reconhecer como mandato gratuito, o contrato celebrado entre ele e ela, R., a prestar-lhe contas, nos termos do art. 1161º do C.Civil, a pagar-lhe o saldo que venha apurar-se na execução do mandato, acrescidos dos juros legais desde a data da transmissão do prédio, 16-12-2002 e até integral pagamento e a entregar-lhe a letra comercial assinada em branco.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, em virtude de, ter constituído a R. como sua mandatária, tendo-lhe conferido poderes para vender o prédio urbano que indica. Em 16-12-2002 foi vendido esse prédio por 105.000 euros, tendo sido paga, à instituição bancária mencionada, uma quantia monetária de cerca de 89.783,63 euros, para distrate da hipoteca que incidia sobre o imóvel, pelo que resultará a seu favor um crédito de cerca de 15.216,37 euros. Não foi estipulada qualquer compensação pelos serviços prestados pela R.. A pedido desta, entregou-lhe, a título de garantia pelo bom cumprimento do contrato-promessa de compra e venda ( antes realizado ) a letra comercial aceite por si, em branco, a qual só poderia ser preenchida em caso de incumprimento por parte dele, promitente vendedor, em substituição do dobro do sinal e a favor do promitente comprador. A R. nunca lhe prestou contas do mandato, nem lhe devolveu a dita letra.
1-2- A R. contestou dizendo, também em síntese, que o A., na realidade, constituiu-a sua mandatária para a venda do imóvel referenciado. Porém, no dia 16-12-2002, apresentou na Megabitar-Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª as devidas contas, ao A., que as aceitou, pelo que a acção se afigura totalmente despropositada. Pagou à entidade bancária a quantia global de 97.792,45 euros, tendo o prédio sido vendido por 104.747,56 euros, pese embora tenha ficado na escritura 105.000 euros. O A. tinha celebrado um contrato de mediação imobiliária com a dita Megabitar, sendo que entre esta e o A. foi acordado que a venda deveria ser feita, por 94.771 euros. Tendo sido efectuada por aquele preço, a comissão da mediadora ( em regime de over price ), seria de 9.976,56 euros. Aquando da venda, os compradores entregaram à R. um cheque de 6.956,80 euros, o qual na presença do A., foi entregue à mediadora Megabitar, para pagamento parcial da comissão devida a esta, que era de 9.976,56 euros, ficando, ainda um saldo a favor da mesma, de 3.019,76 euros. A mediadora havia pago em certidões a quantia de 66,70 euros, pelo que o seu saldo final, seria de 3.086,46 euros. Nesse mesmo dia o A. entregou à mediadora a letra de 3.087,55 euros que se destinava ao pagamento da restante comissão, acrescida de despesas, alegando não ter disponibilidades financeiras de imediato, letra que, apresentada a pagamento, foi devolvida por falta de pagamento, originando uma despesa de 40,40 euros.
Face a estes elementos, apresentou ( de novo ) as contas ( fls. 43 ).
Termina pedindo a improcedência da acção.
1-3- O A. não apresentou resposta, nem contestou as contas apresentadas.
1-4- Por decisão de 11-3-2005, o Mº Juiz considerando que não foi arrolada qualquer prova, para além da documental e sendo esta absolutamente convincente no sentido de não haver qualquer saldo a favor do requerente, julgou apresentadas as contas, documentalmente comprovadas e em conta corrente, julgando a acção improcedente, com absolvição da R. do pedido.
1-5- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer o A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-6- O A. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A R. não cumpriu os deveres do contrato de mandato gratuito.
2ª- O tribunal recorrido ao não considerar que a R. tinha o dever de prestar contas ao A. e entregar-lhe a quantia de 15.216,37 euros, violou o disposto nos artigos 1161º als d) e e) e 1164º do C.Civil.
Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada.
1-7- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Com a presente acção especial, pretende o A., de essencial, que a R. preste contas do seu mandato.
De sublinhar, que é precisamente o objectivo da presente acção de prestação de contas “o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha apurar-se” - art. 1014º do C.P.Civil-. Por sua vez, o contrato de mandato ( invocado pelo A. ), obriga o mandatário a prestar contas ( art. 1161º al. d) do C.Civil ).
O processo de prestação de contas de que o A. lançou mão, está processualmente definido nos arts. 1014º e segs. do C.P.Civil.
Para o aqui interessa, estabelece o art. 1014º A nº 1 que “aquele que pretenda exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no prazo de 30 dias, as apresentar ou contestar a acção, sob a cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente; as provas são oferecidas com os articulados”.
Acrescenta o nº 3 da disposição que “se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto no artigo 304º...”.
Estabelece, por seu turno, o art. 1017º nº 1 do mesmo diploma e no que toca à apreciação das contas apresentadas, que “se o réu apresentar as contas em tempo, pode o autor contestá-las dentro de 30 dias, seguindo-se os termos, subsequentes à contestação, do processo ordinário ou sumário, conforme o valor da acção”.
Acrescenta nº 3 da mesma disposição que “não sendo as contas contestadas, é notificado o réu para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide”.
Quer dizer, pedindo o autor a prestação de contas por banda do réu, nos termos art. 1014º A nº 1, o réu pode contestar a obrigação de as prestar, ao que o autor pode responder, procedendo-se depois da forma definida no nº 3 da dita disposição. Se, ao invés de contestar a obrigação de apresentar as contas, o demandado as apresentar em tempo, pode o autor contestá-las em de 30 dias. Não sendo impugnadas as contas, o réu será notificado para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide.
Revertendo estas regras para o caso vertente, verifica-se que, ao pedido do A. para que a R. apresentasse contas do mandato que ele ( A. ) lhe havia concedido, esta contestou a acção, não negando, todavia, a obrigação de prestar as contas. Sustentou, porém, que já as havia prestado ao A., e que a este não tinha qualquer saldo positivo a seu favor. Apresentou depois ( de novo ), as contas em forma de conta corrente ( art. 27º da contestação - contas que apresentam um saldo negativo do A., de 1,15 euros -). O A. não contestou estas contas, razão por que o Mº Juiz, considerando já terem sido oferecidas provas documentais suficientes, considerou as contas apresentadas.
Diga-se desde já, que esta decisão foi correcta, face à não contestação das contas por banda do A. e perante os documentos exibidos, pelo que se irá confirmar. Entende-se, contudo, que, considerando-se as contas apresentadas ( o que, tacitamente, envolve a decisão da obrigatoriedade de a R. as prestar (1 A própria R. não nega a sua condição de mandatária e, assim, a obrigação de prestar contas. O que diz é que, já antes, as havia prestado ao A., considerando, por este motivo, a acção despropositada).), a acção não deveria ter sido julgada improcedente, deficiência formal que, todavia, não modifica substancialmente a questão.
No recurso, o apelante, de essencial, defende que não estava obrigado a tomar posição sobre os factos alegados pela R., visto que os mesmos estavam em oposição com a versão por ele apresentado na petição, não sendo, portanto, de aplicar o disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 490º do C.P.Civil.
Somos em crer que só por falta de reflexão é que o apelante aduziu a esta disposição legal, visto que ela nunca esteve em causa no caso, pois não foi aplicada pelo Mº Juiz. Foi com base nas disposições legais invocadas acima ( especialmente no disposto no art. 1017º nºs 1 e 3 ), que o Mº Juiz deve ter entendido considerar as contas como prestadas. Se não concordasse com as contas, deveria o A. tê-las contestado, seguindo-se depois os “termos, subsequentes à contestação, do processo ordinário ou sumário, conforme o valor da acção”. Não as tendo contestando, o Mº Julgador, face à prova documental oferecida, decidiu, considerando-as apresentadas. Note-se, a respeito desta circunstância, o apelante, no recurso, não aduz qualquer circunstância que infirme o juízo que o julgador fez a respeito da prova que apreciou.
A douta decisão recorrida, é, pois, de manter, retirando-se embora, a asserção sobre a improcedência da acção.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida, se bem que expurgada da referência à improcedência da acção e à absolvição da R. do pedido.
Custas pelo apelante.