Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1755/15.3T8CTB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
SUA RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 09/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 142/99, DE 30/4; ARº 283º, Nº 6 DO CT/09.
Sumário: I – Partindo do dado assente que o FAT não teve qualquer intervenção no processo de acidente de trabalho até ao momento em que foi proferida a sentença que definiu os termos da responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora, sendo terceiro relativamente a tal decisão, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem sido uniforme no sentido de que em situações desse jaez, o FAT pode discutir, no incidente próprio que visa transferir para si a responsabilidade da entidade empregadora fixada naquela decisão, os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do FAT legalmente impostos pelo diploma legal que o criou (DL 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelos DL´s 382-A/99, de 22/09, 185/2007, de 10/05, e 18/2016, de 13/04).

II - Nos termos do art. 283º/6 do CT/09, “A garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei.”.

III - Resulta do normativo acabado de transcrever, particularmente do seu segmento final destacado e que parece ter sido ignorado pelo apelado, que a responsabilidade do FAT não é extensível a todas e quaisquer prestações que forem devidas ao sinistrado de acidente de trabalho e que não possam ser pagas.

IV - A lei que determina os termos e âmbito de responsabilização do FAT por prestações devidas a sinistrados de acidentes de trabalho é o DL 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelos DL´s 382-A/99, de 22/09, 185/2007, de 10/05, e 18/2016, de 13/04.

Decisão Texto Integral:



Autor/apelado: P...

Interveniente/apelante: Fundo de Acidentes de Trabalho


Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

No processo emergente de acidente de trabalho de que foram extraídos os presentes autos de recurso de apelação em separado, foi proferida, no dia 23/3/2018, sentença que já transitou em julgado e de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Assim sendo, e tendo em conta os considerandos tecidos, decide-se julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, decide-se:

1. Absolver a ré seguradora dos pedidos formulados.

A - Julgar o autor portador de uma incapacidade permanente parcial de 100%, com IPATH para a profissão de carpinteiro de 1ª, a partir do dia 30.04.2016.

B - Fixar a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado no montante de €8.910,00, a suportar pela entidade empregadora. Tal pensão será a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. A mesma será acrescida de Subsídios de férias e de natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro;

C – Fixar a indemnização por incapacidade temporárias no montante de 7.202,25€ euros, a pagar pela ré entidade empregadora;

D – Fixar o subsídio de elevada incapacidade permanente no montante de €5.400€, a pagar pela ré entidade empregadora;

E – Fixar o subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68, a pagar pela ré entidade empregadora;

F – Fixar a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de €200 mensais, a pagar pela ré entidade empregadora, nos termos acima referidos;

G – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 830,60 € pedida a título de despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações;

H – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 43.200 € pedida a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos;

I – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.200 € pedida a título de indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, depois evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele;

J – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 10.780,88€ pedida a título de indemnização pelas obras de adaptação que o autor realizou na sua residência (a acrescer ao subsidio atribuído em E));

K – Condenar a ré entidade empregadora a pagar ao autor a quantia de 25.000€ pedida a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor;

L - Condenar a ré entidade empregadora no reembolso ao Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Castelo Branco, da quantia de € 5.839,57 a que o Autor teria direito a receber de indemnização por incapacidade temporária, a deduzir do montante desta;

M - São devidos juros sobre as quantias referidas em B), C), F), G), J) e K), à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.”.

Nessa sentença e como fundamento das prestações que a empregadora foi condenada a pagar ao autor foi convocada a responsabilidade agravada daquela porque “… o acidente ocorreu em resultado da inobservância por parte da entidade empregadora das regras sobre segurança e saúde no trabalho que as circunstâncias em que incumbiu o Autor de fazer (o trabalho) lhe exigiam.”.

A aí ré/entidade empregadora foi declarada insolvente por sentença de 9/1/2020, transitada em julgado no dia 12/2/2020.

No dia 28/2/2020 o sinistrado apresentou o seguinte requerimento:

1º.

Por douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, transitada em julgado, a então entidade empregadora do sinistrado, “M..., Lda”, foi condenada a pagar ao sinistrado o seguinte:

a) Pensão anual e vitalícia no montante de € 8.910,00. Tal pensão será a satisfazer adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. A mesma será acrescida de Subsídios de férias e de Natal, cada qual correspondente a 1/14 da pensão supra referida, a satisfazer nos meses de Junho e Novembro, que até Março de 2020 a quantia em dívida ascende a €17.820,00;

b) Indemnização por incapacidade temporárias no montante de € 7.202,25;

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00;

d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais, a pagar pela Entidade empregadora nos termos acima referidos, cujo valor em dívida, até à presente data, ascende a € 4.800,00 (= € 200,00 x 24 meses);

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de €43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de €25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de €10.780,88;

j) Indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 25.000,00.

2º.

Tudo no valor global de €145.567,41 (cento e quarenta e cinco mil quinhentos e sessenta e sete euros e quarenta e um cêntimos).

3º.

Todavia, tais montantes não foram pagos pela responsável, “M..., Lda”.

4º.

Sucede que, por Sentença datada de 09.JAN/2020, transitada em julgado em 12.FEV/2020, a responsável “M..., Lda” foi declarada insolvente no âmbito dos autos de Insolvência Pessoa Coletiva, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo de Comércio do Fundão, sob o número de processo ... (Docºs nºs 1, 2 e 3)

5º.

Conforme Sentença preferida naqueles autos de Insolvência, verifica-se que o património do devedor não é suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente. (Docºs nºs 1 e 2)

6º.

Pelo que naquele processo não foi paga - nem será - qualquer quantia ao sinistrado.

7º.

Constata-se, pois, a impossibilidade de pagamento das quantias devidas por conta da massa falida da “M..., Lda”.

Face ao exposto, e tendo em conta o disposto nos preceitos legais supra indicados, requer a V. Exª se digne ordenar que o pagamento dos referidos créditos ao sinistrado, no montante global de €145.567,41 (cento e quarenta e cinco mil quinhentos e sessenta e sete euros e quarenta e um cêntimos), seja assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT).

Mais requer, se remetam à referida entidade os elementos dos autos que sejam necessários para o efeito, mediante cópia certificada, bem como do presente requerimento e do douto Despacho que sobre o mesmo incidir.”.

Na sequência desse requerimento, o tribunal recorrido proferiu em 3/3/2020, o seguinte despacho:

Com cópia da sentença proferida nos autos, bem como do despacho de encerramento que antecede, notifique o FAT para, querendo, e em 10 dias, se pronunciar sobre a sua requerida intervenção nos autos.”.

O FAT pronunciou-se assim: “1 – A eventual intervenção do FAT nos presentes autos processo apenas pressupõe o pagamento do diferencial entre o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais, atendendo a que, face à data em que o ocorreu o acidente de trabalho em causa (13-07-2015), o FAT não responde pelo valor relativo ao agravamento, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio.

2 – Acresce que, ao valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias, deverá ser deduzido o montante pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença conforme resulta da sentença, atenta a natureza não cumulável de tais prestações.

3 – Mais se requer a V. Exa. a notificação do Centro Nacional de Pensões para vir aos autos informar qual o valor pago a título de pensões de invalidez ao sinistrado, em como se tais pensões foram atribuídas em virtude do acidente de trabalho.”.

Em 29/4/2020, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

Veio o sinistrado requerer que as prestações a que tinha direito e que eram da responsabilidade da entidade empregadora fossem satisfeitas pelo FAT ao abrigo do que vai disposto nos artigos 283º, nº 6, do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) e 1º, nº 1, al. a), e 4, do DL. nº 142/99, de 30.04.

Cumprido o contraditório, pelo FAT foi dito nada ter a opor quanto à sua requerida intervenção.

Vejamos:

Dispõe o artigo 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) que:

“1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.

2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as actualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.

3 - O Fundo referido nos números anteriores constitui-se credor da entidade economicamente incapaz, ou da respectiva massa falida, cabendo aos seus créditos, caso a entidade incapaz seja uma empresa de seguros, graduação idêntica à dos credores específicos de seguros.

4 - Se no âmbito de um processo de recuperação de empresa esta se encontrar impossibilitada de pagar os prémios dos seguros de acidentes de trabalho dos respectivos trabalhadores, o gestor da empresa deve comunicar tal impossibilidade ao Fundo referido nos números anteriores 60 dias antes do vencimento do contrato, por forma a que o Fundo, querendo, possa substituir-se à empresa nesse pagamento, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 3”.

Como se pode concluir do preâmbulo do Decreto-Lei nº 142/99, de 30.04, o FAT fica responsável - com um legal direito de regresso sobre a entidade originariamente responsável pelas prestações não pagas ao sinistrado – pelo pagamento das prestações devidas ao sinistrado visando, assim "prevenir que, em caso algum, os pensionistas deixem de receber as pensões que lhe são devidas (...)".

Por outro lado, resulta abundantemente dos autos a impossibilidade de pagamento das quantias devidas por conta da ex-entidade empregadora, que foi declarada insolvente, nada o sinistrado tendo recebido no processo de insolvência.

Porque assim, ao abrigo do que vai disposto nos artigos 283º, nº 6, do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09. (NLAT) e 1º, nº 1, al. a), e 4, do DL. nº 142/99, de 30.04, deverá o FAT proceder ao pagamento do diferencial entre o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais, atendendo a que, face à data em que o ocorreu o acidente de trabalho em causa (13-07-2015), o FAT não responderá pelo valor relativo ao agravamento, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio.

Quanto ao valor devido a título de indemnização por incapacidades temporárias, deverá ser também deduzido o montante pago pela Segurança Social a título de subsídio de doença conforme resulta da sentença proferida, atenta a natureza não cumulável de tais prestações.

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Notifique, sendo o FAT para, no prazo de 20 dias, fazer prova nos autos do pagamento das quantias devidas nos termos da presente decisão.”.

O despacho acabado de transcrever não foi objecto de qualquer espécie de impugnação ou reclamação, pedido de reforma, rectificação ou aclaração, tendo transitado em julgado.

No dia 12/5/2020 o sinistrado formulou um requerimento no qual concluiu nos seguintes termos:

Face ao exposto, apesar de se considerar claro o teor do douto Despacho proferido em 29.ABR/2020, requer-se a V. Exª se digne determinar ao FAT que, ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 6 do Código do Trabalho, 82º, nº 1, da Lei 98/2009, de 04.SET e 1º, nº 1, al. a) e 4 do DL nº 142/99, de 30.ABR, que proceda de imediato ao pagamento ao Sinistrado, pela totalidade, da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal e todas as demais prestações a que foi condenada, tal como definidas nas alíneas B) a J) da parte decisória da douta Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado.”.

Na sequência do requerimento de 12/5/2020 e no dia 1/6/2020, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:

Notifique o FAT para, em 15 dias, comprovar nos autos o pagamento ao sinistrado da pensão anual da responsabilidade da entidade patronal, bem como das demais prestações a que mesma foi condenada, tal como definidas nas alíneas c) a I) da parte decisória da Sentença proferida em 23.MAR/2018, já transitada em julgado, a saber:

c) Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.400,00;

d) Subsídio para readaptação de habitação no montante de € 5.333,68;

e) Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa no montante de € 200,00 mensais;

f) Despesas de farmácia, fisioterapia e deslocações no montante de € 830,60;

g) Indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, no valor de €43.200,00;

h) Indemnização pelas despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infeções dos órgãos excretores, evitar infeções bacterianas e fúngicas na pele, no valor de €25.200,00;

i) Indemnização pelas obras de adaptação na residência do sinistrado, no montante de €10.780,88;

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Quanto ao pagamento da indemnização por ITA, verifica-se que o valor da mesma, calculada sem agravamento, ascende a 5.485,14€, pelo que atendendo a que a título de subsídio de doença o sinistrado recebeu da Segurança Social a quantia de 5.839,57€, valor superior ao que teria direito relativamente à indemnização por ITA, nada mais lhe será devido a este título pelo FAT.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou o FAT, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

“1 – Resulta da sentença proferida em 23-03-2018, que o sinistrado despendeu a quantia de 16.114,56€ em obras de adaptação da sua habitação.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 68º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, foi fixado o subsídio de readaptação da habitação na quantia de 5.333,68€.

3 - O acidente de trabalho em causa enquadra-se no regime previsto no artigo 18º da citada Lei n.º 98/2009, atenta a atuação culposa da entidade empregadora, pelo que a mesma condenada no pagamento da diferença no montante de 10.780,88€.

4 - Nos termos do n.º 5 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, o FAT não responde pelo pagamento da quota-parte correspondente ao agravamento das prestações em que a entidade empregadora foi condenada.

5 - O FAT apenas é responsável pelo pagamento do subsídio readaptação da habitação no valor de 5.333,68€, não sendo responsável pelo pagamento da quantia de 10.780,88€ em que a entidade empregadora foi condenada a título de culpa.

6 - De acordo com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, os danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos e as despesas com cremes, loções e medicamentos constituem danos futuros e certos.

7 – Ficou provado que: a título de medicamentos o sinistrado gastava 50,00€ por mês, a título de fraldas e resguardos despendia 120,00€ por mês e a título de cremes e outros produtos de proteção da pele gastava 20,00€ por mês.

8 – O FAT não concorda com o pagamento de indemnizações únicas para as despesas futuras do sinistrado daquela natureza.

9 – A função do FAT é assegurar ao sinistrado todas as prestações de que o mesmo necessita ou venha a necessitar, atenta a sua incapacidade permanente absoluta, mas também assegurar que as quantias pagas são efetivamente aplicadas para o fim a que respeitam.

10 - O pagamento de uma só vez das indemnizações de 43.200,00€ e de 25.200,00€ poderá, por si só, não garantir ao sinistrado alguma recuperação ou restabelecimento do seu estado de saúde, podendo ser canalizados para outras finalidades que não as determinadas na sentença.

11 - Tendo sido fixados na sentença os valores mensais despendidos pelo sinistrado a título de medicamentos (50,00€), fraldas e resguardos (120,00€) e cremes e outros produtos de protecção da pele (20,00€), deverão ser estes os valores a liquidar pelo FAT ao sinistrado por mês e tendo em conta as despesas efetivamente realizadas.”.

Contra-alegou o sinistrado, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência da apelação.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se a sentença de 23/3/2018 proferida no processo principal vincula o Fundo de Acidentes de Trabalho, por força do caso julgado que se formou em torno da mesma, estando o Fundo obrigado a assumir em toda a sua extensão a responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora do sinistrado nos exactos termos definidos naquela sentença;

2ª) se o despacho de 29/4/2020 decidiu, com trânsito em julgado, impor ao apelante o pagamento ao sinistrado de todas as prestações que a empregadora foi condenada a pagar, também ao sinistrado, na sentença de 23/3/2018, com a consequente impossibilidade do apelante sustentar, em sede de recurso interposto no despacho de 1/6/2020, que os termos e limites da sua responsabilização emergentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado são diferentes dos termos e limites de responsabilização da empregadora definidos naquela sentença;

3ª) se o FAT pode ser responsabilizado pela diferença (10.770, 88 euros) entre a quantia despendida pelo sinistrado em obras de adaptação da sua habitação (16.114,56 euros) e o valor que seria devido a título de subsídio de readaptação da habitação se não ocorresse responsabilidade agravada da entidade empregadora (5.333,68 euros);

4ª) se o FAT pode ser responsabilizado pelo pagamento dos 43.200€ arbitrados pela sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e dos 25.200€ arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções dos órgãos excretores, e evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos com relevo para a presente decisão são os que resultam do antecedente relatório.

B) De direito

Primeira questão: se a sentença de 23/3/2018 proferida no processo principal vincula o Fundo de Acidentes de Trabalho, por força do caso julgado que se formou em torno da mesma, estando o Fundo obrigado a assumir em toda a sua extensão a responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora do sinistrado nos exactos termos definidos naquela sentença.

Comece por recordar-se que o FAT não teve qualquer espécie de intervenção no processo principal até ao momento em que transitou em julgado a sentença nele proferida em 23/3/2018 e que viria a ser mantida integralmente pelo acórdão do STJ de 25/9/2019.

Assim sendo, partindo do dado assente que o FAT não teve qualquer intervenção no processo de acidente de trabalho até ao momento em que foi proferida a sentença que definiu os termos da responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora, sendo terceiro relativamente a tal decisão, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem sido uniforme no sentido de que em situações desse jaez, o FAT pode discutir, no incidente próprio que visa transferir para si a responsabilidade da entidade empregadora fixada naquela decisão, os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do FAT legalmente impostos pelo diploma legal que o criou (DL 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelos DL´s 382-A/99, de 22/09, 185/2007, de 10/05, e 18/2016, de 13/04).

Assim, por exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/4/07, proferido no processo 63/04.0TTAVR.C1 (CJ de 2007, T. II, p. 57) escreveu-se, designadamente, o seguinte: “… a obrigação do F.A.T. de pagar as pensões ao sinistrado só surge com o despacho do Tribunal do Trabalho de Aveiro a ordenar o pagamento das prestações da responsabilidade da R. “Miranda & Felício, Ldª”

A reacção é, pois, a esse despacho e visou, em termos práticos, significar que a obrigação legal do F.A.T. não tem a dimensão, a extensão de cobertura, coincidente com os termos da sentença que condenou a R. patronal.

É nessa perspectiva que tem de ser entendida.
E sendo legalmente cometida ao FAT a obrigação de garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidente de trabalho sempre que não possam ser pagas pela entidade responsável, (art. 1º, a), do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na sequência do anunciado no n.º 1 do art. 39º da LAT), não pode ignorar-se que a medida da responsabilidade do FUNDO é a resultante da Lei… que pode não ser de todo coincidente - … e não é, no caso – com os termos da condenação do responsável patronal.”
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No mesmo sentido escreveu-se no acórdão do STJ de 11/12/2013, proferido no processo 631/03.7TTGDM-A.P1.S1, o seguinte: “Donde termos de concluir que não tendo o FAT tido qualquer intervenção na acção de acidente de trabalho agora em causa, não está abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que foram reconhecidas às beneficiárias, pois este formou-se apenas entre as partes que nela intervieram”.

No mesmo sentido decidiram, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/2/2015, proferido no processo 204/07.5TTLRS.L2-4, do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/2014, proferido no processo 433/10.4TTVNG-B.P1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/3/2017, proferido no processo 453/05.0TTBCL-H.G1.

Não descortinamos argumentos ou razões que justificadamente permitam divergir de tão sólida e constante orientação jurisprudencial, razão pela qual também a acolhemos, com a consequente resposta negativa à questão ora em apreço.


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Segunda questão: se o despacho de 29/4/2020 decidiu, com trânsito em julgado, impor ao apelante o pagamento ao sinistrado de todas as prestações que a empregadora foi condenada a pagar, também ao sinistrado, na sentença de 23/3/2018, com a consequente impossibilidade do apelante sustentar, em sede de recurso interposto no despacho de 1/6/2020, que os termos e limites da sua responsabilização emergentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado são diferentes dos termos e limites de responsabilização da empregadora definidos naquela sentença.

Sustenta o apelado que deve ser afirmativa a resposta a esta, do que discordamos.

Em primeiro lugar porque no despacho em questão não foi imposto o pagamento das prestações infortunísticas enunciadas no dispositivo da sentença de 23/3/2018, mas tão só, como consta do respectivo dispositivo, o pagamento das “…quantias devidas nos termos da presente decisão.”, sem clara discriminação das quantias que se consideravam em dívida.

Assim, do dispositivo propriamente dito não se extrai minimamente a responsabilização do FAT por todas as prestações que a empregadora tinha sido condenada a pagar ao sinistrado na sentença de 23/3/2018.

Por outro lado, procurando determinar quais seriam essas quantias com recurso aos fundamentos do aludido despacho, verifica-se que dos mesmos consta clara e explicitamente, após destrinça entre “… o valor das prestações agravadas da responsabilidade da entidade empregadora e o valor das prestações normais…”, que “… o FAT não responderá pelo valor relativo ao agravamento[1], nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio.”, sendo certo que: i) é com fundamento nesse artigo 1º/5 que, justamente, a nossa jurisprudência vem decidindo de forma constante que o FAT não responde pelas prestações infortunísticas agravadas devidas por actuação culposa do empregador ou por violação de regras de segurança e saúde no trabalho, respondendo apenas pelas prestações infortunísticas normais[2]; ii) consta explicitamente do preâmbulo do Decreto-Lei 185/07 que, o legislador pretendeu “… excluir da responsabilidade do FAT o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa por parte da entidade empregadora…”.

O referido no antecedente parágrafo leva-nos a concluir, em sede interpretativa da fundamentação do despacho em questão, que neste se considerou que o FAT apenas seria obrigado a pagar as prestações normais devidas por um acidente de trabalho, com exclusão dos valores que a empregadora foi condenada a pagar e que excediam aquelas prestações normais com o fundamento de que se registava uma situação de responsabilidade agravada da empregadora.

Como assim, responde-se negativamente a esta questão.


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Terceira questão: se o FAT pode ser responsabilizado pela diferença (10.770, 88 euros) entre a quantia despendida pelo sinistrado em obras de adaptação da sua habitação (16.114,56 euros) e o valor que seria devido a título de subsídio de readaptação da habitação se não ocorresse responsabilidade agravada da entidade empregadora (5.333,68 euros).

A respeito do subsídio de readaptação da habitação devido ao sinistrado, discorreu-se assim na sentença de 23/3/2018: “e) Quanto à indemnização pedida a título de despesas com a adaptação da casa do autor:

Da matéria factual dada como provada, resulta que provado que até à presente data, e como consequência do acidente, o autor já despendeu a quantia de 16.114,56€ em obras de adaptação da sua casa.

Dispõe o artigo 68º da NLAT, sob a epigrafe “subsídio para readaptação de habitação”, que:

1 - O subsídio para readaptação de habitação destina-se ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho que dela necessite, em função da sua incapacidade.

2 - No caso previsto no número anterior, o sinistrado tem direito ao pagamento das despesas suportadas com a readaptação de habitação, até ao limite de 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data do acidente.

Como é sabido, foi com a Lei nº 100/97, de 13/9, que pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico se aludiu ao pagamento das despesas decorrentes da readaptação da habitação da vítima, aí previsto como direito abrangido pela reparação devida a sinistrados e familiares, tendo depois tido igual acolhimento na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

Tal inovação, no entanto, foi assumida na lei sob duas importantes condicionantes.

Em primeiro lugar, foi ela expressamente qualificada como configurando uma prestação em dinheiro (e não em espécie) sendo denominada de “subsídio para readaptação de habitação”

Depois, e na decorrência de tal qualificativo, foi o respetivo montante limitado a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data do acidente.

Ora, tendo o acidente ocorrido em 2015, o IAS tinha o valor de 419,22, pelo que o valor máximo a considerar é de 5.333,68, assim calculado:

Valor do IAS = 419,22 €

1,1 IAS = 461,14 €

12 x 1,1 IAS= 5.333,68 €

Nestes termos, e analisadas as normas legais em causa, fixa-se o subsídio para readaptação de habitação, previsto no artigo 68º da NLAT, na referida quantia de 5.333,68 €, a cuja pagamento o autor terá também direito.


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Sucede que as especificidades do regime previsto no artigo 18º da NLAT, acima explicitadas, relativas à atuação culposa do empregador, se refletem também na dimensão da reparação estabelecida, sendo que o artigo 18º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, prevê que a responsabilidade pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos sofridos pelo trabalhador.

Assim sendo, e tendo resultado provado que o autor despendeu 16.114,56€ em obras de adaptação da sua residência, entende-se que a ré entidade empregadora terá ainda de pagar ao autor a este título a importância de 10.780,88€ (16.114,56€ - 5.333,68€).”.

Suscita-se, assim, a questão de saber se o FAT deve ser responsabilizado pelo valor de 10.780,88€ que a empregadora foi condenada a pagar ao sinistrado com fundamento em responsabilidade agravada cominada no art. 18º da NLAT e que não seria devido sem esse tipo de agravamento.

Nos termos do art. 283º/6 do CT/09, “A garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei.”.

Resulta do normativo acabado de transcrever, particularmente do seu segmento final destacado e que parece ter sido ignorado pelo apelado, que a responsabilidade do FAT não é extensível a todas e quaisquer prestações que forem devidas ao sinistrado de acidente de trabalho e que não possam ser pagas.

A medida da responsabilização do FAT é exclusivamente a que resultar da lei que discipline os termos e âmbito dessa responsabilização.

Já assim sucedia no âmbito do CT/03, em cujo art. 305º/1 se estatuía que “A garantia do pagamento das indemnizações estabelecidas neste capítulo que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.

A lei que determina os termos e âmbito de responsabilização do FAT por prestações devidas a sinistrados de acidentes de trabalho é o DL 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelos DL´s 382-A/99, de 22/09, 185/2007, de 10/05, e 18/2016, de 13/04.

O acidente a que os autos se reportam ocorreu em 13/7/2015, ou seja, numa ocasião em que o DL 142/99 apresentava a sua versão conferida em 2007.

Nos termos do art. 1º/5 desse DL, na redacção que lhe foi conferida em 2007, “Verificando-se alguma das situações referidas no n.º 1 do artigo 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 303.º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.”.

O art. 295º/1 do CT/2003 reportava-se às situações de responsabilidade agravada da entidade empregadora, sendo que esse dispositivo legal não chegou a entrar em vigor.

Com efeito, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27/8, fez depender a entrada em vigor dos artigos 281º a 308º do CT/2003 da aprovação e publicação da legislação para que aqueles artigos remetiam (artigo 3º/2 da Lei 99/2003 e artigo 281º/1 do CT/2003), a qual não chegou a ser aprovada, com a consequente inaplicabilidade daquele artigo 295º e subsistência em vigor do regime jurídico dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei 100/97, de 13/9, e DL 143/99, de 30/4, até 31/12/2009, último dia de vigência destes dois últimos diplomas (arts. 186º/a/b e 188º da Lei 98/2009, de 4/9).

Por isso mesmo, a remissão contida no citado art. 1º/5 para o art. 295º/1 do CT2003 deveria considerar-se efectuada para o art. 18º/1 da LAT/1997.

Com a entrada em vigor do CT/2009 e da LAT/2009, aquela mesma remissão deve considerar-se efectuada para o art. 18º/1 desta última LAT (art. 284º do CT/2003).

Tudo a significar que nos casos subsumíveis ao estatuído no art. 18º/1 da LAT/2009, como é o dos autos, o FAT apenas respondia pelas prestações que seriam devidas caso não se registasse responsabilidade agravada do empregador, sendo que, como resulta do supra exposto e no tocante ao subsídio para readaptação de habitação, a prestação que seria devida sem tal agravamento ascendia a 5.333,68 €.

Por consequência, é negativa a resposta à questão em análise e deve reduzir-se a 5.333,68 € a quantia a pagar pelo FAT ao sinistrado.


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Quarta questão: se o FAT pode ser responsabilizado pelo pagamento dos 43.200€ arbitrados pela sentença de 23/3/2018 a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes da necessidade de utilização de fraldas e resguardos, e dos 25.200€ arbitrados pela mesma sentença a título de indemnização pelos danos materiais decorrentes das despesas com cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções dos órgãos excretores, e evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele.

A sentença de 23/3/2018 arbitrou equitativamente[3] tais quantias ao sinistrado a título de indemnização por danos futuros, convocando-se para o efeito o estatuído nos arts. 564º/2 e 566º/3 do CC, e tendo em conta os seguintes factores: a idade do sinistrado, os gastos que o mesmo suportava à data da sentença com os referenciados produtos[4], assim como a esperança média de vida dos homens em Portugal, de cerca de 77 anos.

Ora, a condenação da entidade patronal no pagamento desses valores com esses fundamentos só foi possível por estar em consideração uma situação de responsabilidade agravada da entidade patronal subsumível ao estatuído no art. 18º/1 da LAT/2009, onde se impõe uma responsabilidade individual ou solidária pela indemnização que abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

Não fora essa responsabilidade agravada da entidade patronal e jamais poderiam ter sido arbitradas ao sinistrado as indemnizações pecuniárias que ora estão em consideração.

Com efeito, no regime de responsabilidade normal emergente de acidente de trabalho não mortal as prestações em dinheiro a que o sinistrado tem direito são, apenas, as “…indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.” (art. 23º/b da LAT/09), isto é, a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, a pensão provisória, a indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, o subsídio para readaptação de habitação e o subsídio para a frequência de acções no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho (art. 47º/1/a/b/c/d/h/i/j da LAT/2009).

Entre essas prestações não se conta, pois, uma indemnização por danos futuros previsíveis ressarcíveis a arbitrar com fundamento no art. 564º/2 do CC.

Ora, como visto a respeito da terceira questão, o FAT apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não se registasse responsabilidade agravada da entidade empregadora.

Assim sendo, estando em causa prestações pecuniárias arbitradas ao sinistrado com fundamento nessa responsabilidade agravada e que não poderiam ser-lhe arbitradas em caso de inexistência de tal agravamento, não pode ser transferida para o FAT a responsabilidade pelo pagamento dessas prestações agravadas.

É certo que o sinistrado tem direito, também e em espécie, às prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa (art. 23º/a da LAT/09), nelas se incluindo, sem margem para discussão, o fornecimento de fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos de que o apelado carece.

Porém, a sentença de 23/3/2018 não impôs à entidade empregadora a obrigação de satisfazer em espécie tais necessidades do sinistrado, apesar do que tal não obsta a que ao FAT seja imposta tal obrigação, tendo em conta, designadamente, que: i) na sentença se reconheceu, apesar de tudo, que o sinistrado carece dessa prestação em espécie, arbitrando-se-lhe, contudo, uma indemnização pecuniária sucedânea; ii) estamos no âmbito da protecção infortunística por acidentes de trabalho em que se consagram direitos do sinistrado de natureza indisponível (art. 78º da LAT/09).

Por outro lado, o regime infortunístico previsto para a satisfação desse direito às prestações em espécie não comporta, fora dos casos de responsabilidade agravada do empregador, a possibilidade de ser arbitrada ao sinistrado, por antecipação, uma verba pecuniária única que se antevê como sendo a necessária à satisfação das necessidades em espécie do sinistrado até que este atinja a idade correspondente à esperança média de vida que se regista no momento desse arbitramento (cfr. arts. 27.º a 45.º, 154.º a 156.º da  LAT/09).

Pelo contrário, o sinistrado  tem direito a que lhe sejam satisfeitas, em espécie ou por entrega sucedânea do montante pecuniário para o efeito necessário, as concretas necessidades que se forem registando, sem limitações quantitativas[5] e enquanto se forem registando, mesmo que depois de atingida a idade correspondente à esperança média de vida.

Por isso mesmo, sem prejuízo do FAT não poder ser responsabilizado pelas indemnizações pecuniárias arbitradas ao sinistrado e que ora estão em consideração, também não pode proceder a pretensão da apelante no sentido de que “Tendo sido fixados na sentença os valores mensais despendidos pelo sinistrado a título de medicamentos (50,00€), fraldas e resguardos (120,00€) e cremes e outros produtos de protecção da pele (20,00€), deverão ser estes os valores a liquidar pelo FAT ao sinistrado por mês e tendo em conta as despesas efetivamente realizadas.” (conclusão 11ª).

A tanto obsta: i) o direito indisponível do sinistrado às prestações em espécie de que carece sem limitação nos custos que tenham de ser suportados para a realização de tais prestações; ii) a circunstância de os valores parcelares indicados pela apelante não corresponderem exactamente aos despendidos mensalmente pelo sinistrado, mas tão só aos valores mínimos por ele despendidos (cfr. pontos 101º, 104º e 107º dos factos dados como provados na sentença de 23/3/2018), não estando excluído que em determinados meses as despesas do sinistrado para satisfação dessas necessidades em espécie superem aqueles valores mínimos.

Assim, sem prejuízo de dever responsabilizar-se o FAT pelas prestações em espécie correspondentes às necessidades efectivas e permanentes do sinistrado utilizar fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos de que o mesmo carece, não pode ser para o mesmo transferida a responsabilidade pelo pagamento das quantias indemnizatórias que ora estão em consideração.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram a secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida nos segmentos em que determinou que o apelante é responsável pelo pagamento do subsídio de readaptação da habitação em montante superior a 5.333,68 euros, assim como das indemnizações de 43.200€ e de 25.200€ arbitradas pela sentença de 23/3/2018, com a consequente absolvição do apelante das correspondentes condenações impostas pela decisão recorrida; tudo sem prejuízo do FAT dever satisfazer em espécie ou por equivalente pecuniário, sempre e sem limitação de valor, todas as necessidades do sinistrado de utilização de fraldas, resguardos, cremes, loções e medicamentos para assegurar a função de evacuação, a função urinária, prevenir infecções dos órgãos excretores, e evitar infecções bacterianas e fúngicas na pele.

Custas pelo apelado

Coimbra, 11/9/2020


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)



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[1] Destaque da nossa responsabilidade.
[2] Consultem-se, apenas a título exemplificativo, os acórdãos do STJ de 17/6/2010, proferido no processo 675/2001.P1.S1, de 11/12/2013, proferido no processo 631/03.7TTGDM-A.P1.S1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/12/2015, proferido no processo 204/07.5TTLRS.L2-4, do Tribunal da Relação de Évora de 4/11/2008, proferido no processo 1556/08-3.
[3] Com efeito, lê-se na sentença recorrida o seguinte: “Daí que, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exatidão a extensão dos referidos danos.
[4] Na fundamentação jurídica da sentença refere-se que o sinistrado “.. com medicamentos gasta atualmente 50 euros por mês, com fraldas e resguardos, 120 euros por mês e com cremes e outros produtos de proteção da pele, 20 euros por mês.”.
O conteúdo deste excerto não corresponde, todavia e como se destacará na fundamentação deste acórdão, ao que foi dado como provado na decisão fáctica integrada na sentença, em que tais valores são identificados como sendo os mínimos despedidos pelo sinistrado mensalmente, que não os valores exactos ou máximos por ele suportados.
[5] Podendo as mesmas vir a exceder ou não os montantes fixados na sentença de 23/3/2018.