Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3070/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: PRAZO
NATUREZA DO PRAZO PEVISTO NO ART.º 412
Nº3 DO CPC
CONSEQUÊNCIAS DA APRESENTAÇÃO DE PEÇAS PROCESSUAIS POR CORREIO ELECTRÓNICO SIMPLES OU SEM VALIDAÇÃO CRONOLÓGICA
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO - TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 150º, Nº 1 E 412º, Nº 3 DO CPC, ARTºS 3º E 5º DA PORTARIA Nº 337-A/2004, DE 31/03 E ARTº 10º DA PORTARIA Nº 642/2004, DE 16/06
Sumário: I- O prazo (cinco dias) previsto no nº 3 do artº 412º do CPC para requerimento da ratificação judicial de embargo feito extrajudicialmente tem natureza processual.
II- O artº 10º da Portaria nº 642/2004, de 16/06, tem carácter interpretativo.
III- Assim, já na vigência da Portaria nº 337-A/2004, de 31/03, à apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica era aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A A..., com sede em Lageosa, concelho de Tondela, requereu contra B... e mulher C..., residentes em Lageosa, 3460 Tondela, providência cautelar de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova levado a efeito pelas 12.00 horas do dia 30/03/2004, relativamente às obras de construção de um muro e movimentação de terras, que os requeridos realizavam alegadamente com violação do invocado direito de propriedade da requerente sobre o seu prédio rústico sito em Lageosa do Dão, inscrito na matriz predial daquela freguesia sob o artº 7987.
Os requeridos opuseram-se por excepção e por impugnação. Por excepção, arguiram a inexistência jurídica, por ter sido efectuado por mandatário sem poderes para o acto, do embargo extrajudicial cuja ratificação é pedida e, subsidiariamente, a caducidade do mesmo. Por impugnação, contrariaram a factualidade alegada pela requerente, arrogando-se donos do terreno em disputa, que dizem integrado na propriedade denominada de Quinta do Calvário, por o terem adquirido por compra e venda.
Dizendo afigurar-se-lhe possível conhecer da invocada excepção da caducidade, o tribunal deu à requerente oportunidade de sobre ela se pronunciar. Oportunidade que foi pela requerente aproveitada para defender a improcedência da excepção em causa.
Foi, depois, proferido o despacho de fls. 74 e 75, julgando “intempestiva a apresentação do requerimento inicial e, em consequência, declarando extinto o direito de praticar o acto – ratificação de embargo extrajudicial – a importar, assim, a ineficácia daquele embargo extrajudicial”.
A requerente agravou e, na alegação apresentada, formulou as conclusões seguintes:
1) Por despacho proferido a fls. 74 e ss., veio o Tribunal a quo julgar “intempestiva a apresentação do requerimento inicial” e, em consequência, declarar “extinto o direito de praticar o acto – ratificação de embargo extrajudicial” importando, assim, “a ineficácia daquele embargo extrajudicial”.
2) Para fundamentar tal decisão o Tribunal a quo considerou haver caducidade do procedimento, porquanto “o requerimento inicial teria sido enviado a juízo, por correio electrónico, sem se fazer acompanhar de certificado e de selo temporal exigidos pelos arts. 2.°, n.° 5 e 3.° da Portaria n.° 337-A/2004, de 31 de Março, pelo que a data de expedição daquele correio electrónico careceria de relevo e consequentemente o pedido de ratificação tinha dado entrada em juízo fora do prazo consignado no n.° 3 do art. 412.° do Código de Processo Civil.”
3) Todavia, conforme resulta do teor do art. 26.° do requerimento inicial, a requerente, através do seu mandatário, efectuou o embargo judicial no dia 30/03/2004, Terça-Feira, pelas 12h00.
4) E porque o prazo para requerer a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova é um prazo de preclusão e não de caducidade, à contagem deste prazo para requerer a ratificação do embargo de obra nova e aplicável a regra de suspensão do prazo estabelecida no art.° 144.° do C.P.C., justamente por aquele prazo ser de natureza adjectiva ou processual.
5) Pelo que terminava no dia 4 de Abril de 2004, isto é, num dia em que o Tribunal a quo esteve encerrado, sendo até coincidente com o início da férias judiciais que terminou em 12 do mesmo mês, e por força do art. 144.° n.° 2 do C.P.C, transferiu-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
6) No dia 5/04/2002 (queria certamente dizer 5/04/2004), às 12h32m a requerente remeteu por via electrónica o requerimento de ratificação do embargo extrajudicial de obra nova, cfr. doc. junto aos autos acima identificados, e enviou o mesmo por via postal registada a 12.04.2004.
7) No entanto, o Tribunal a quo apesar de ter recepcionado o requerimento de ratificação judicial no dia 5 de Abril de 2004, por via electrónica, votou substancialidade à forma, rectius, à ausência de forma como o mesmo foi endereçado, uma vez que o envio não foi acompanhado com o selo temporal exigidos pelo art. 2.°, n.° 5 e 3.° da referida Portaria, considerando que o requerimento foi apresentada apenas no dia 12 do mês de Abril, último dia das férias judiciais.
8) O recorrente não concorda com a consequência que o Tribunal a quo extraiu do facto de não ser dado cumprimento àquelas exigências de forma do envio, que não de substância, considerando o acto como não praticado tempestivamente e por isso julgou intempestiva a apresentação do requerimento inicial e, em consequência, declarou extinto o direito de praticar o acto de ratificação de embargo extrajudicial.
9) Porém, e afirmando a tempestividade da prática do acto, quer seja considerada a data do dia 5, através do envio por correio electrónico ainda que sem a aposição do selo temporal quer a do dia 12 do mês de Abril, por via postal, a recorrente entende que tendo o referido prazo, e por maioria de razão a forma da expedição do acto, natureza processual ou adjectiva, a sua inobservância não deve sequer importar a perda do direito de embargar ou como o Tribunal a quo entendeu a extinção do direito de praticar o acto de ratificação de embargo extrajudicial.
10) Acresce que a decisão proferida pelo Tribunal a quo posta em crise alicerçou-se numa portaria que conforme podemos surpreender não estava em vigor quando o embargo extrajudicial foi praticado e quando entrou em vigor, no dia imediatamente a seguir à sua publicação, não sancionava a ausência de forma com a cominação que o Tribunal a quo aplicou à recorrente.
Os agravados não responderam.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões de saber se o requerimento de ratificação do embargo extrajudicial foi ou não apresentado dentro do prazo de cinco dias previsto no nº 3 do artº 412º do Cód. Proc. Civil e, no caso negativo, se a consequência processual é a aplicada no despacho recorrido, ou seja, a extinção do direito de obter a ratificação, com a consequente ineficácia do embargo extrajudicial feito.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão deste agravo são os que resultam do antecedente relatório e ainda os seguintes:
a) O embargo extrajudicial cuja ratificação foi requerida foi efectuado no dia 30 de Março de 2004, pelas 12.00 horas (cfr. artº 26º do requerimento da ratificação);
b) O ilustre mandatário da requerente enviou o requerimento de ratificação do embargo extrajudicial para a Secretaria do Tribunal Judicial da comarca de Tondela, através de correio electrónico, no dia 05 de Abril de 2004, pelas 12.32 horas (cfr. fls. 2 e 42 dos autos);
c) O requerimento assim enviado foi recebido, tendo na mensagem electrónica, com os dados relativos ao envio, sido aposto um carimbo da Secretaria Judicial de Tondela com a data de 06 de Abril de 2004 (cfr. fls. 2 e 42 dos autos);
d) A fls. 10 e seguintes dos autos consta o requerimento de ratificação do embargo extrajudicial exibindo na primeira página uma “vinheta” dos CTT com a data 2004-04-12 e um carimbo da Secretaria Judicial de Tondela com a data 2004-04-13.
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3.2. De direito
De acordo com o nº 3 do artº 412º do Cód. Proc. Civil (diploma ao qual pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem outra menção) o embargo feito directamente por via extrajudicial fica sem efeito se não for requerida a respectiva ratificação judicial no prazo de cinco dias.
Trata-se de um prazo de natureza processual ou judicial “por a sua inobservância não importar a perda do direito de embargar, afectando apenas a eficácia do acto de exercício do direito pela parte, praticado extrajudicialmente mas com vista ao processo” Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, pág. 143; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 298; Acórdãos do STJ de 01/02/94 e de 30/01/97; Acórdãos da Rel. do Porto de 15/04/93 e de 14/01/97; Acórdão da Rel. de Lisboa de 21/05/96; e Acórdão da Rel. de Évora de 20/11/80, todos em www.dgsi.pt..
Respeitando a processo de natureza urgente (artº 382º, nº 1), aquele prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais (artº 144º, nº 1) mas, se terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (artº 144º, nº 2).
É um prazo peremptório ou de preclusão, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artº 145º, nºs 1 e 3) No caso dos autos, extinguiria o direito de requerer a ratificação do embargo extrajudicial. Não o direito de requerer o embargo de obra nova..
É-lhe aplicável o disposto nos nºs 5 e 6 do artº 145º, ou seja, mesmo fora dos casos de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três dias úteis subsequentes ao seu termo, pagando a parte a multa prevista nos normativos referidos Acórdão da Rel. de Lisboa de 21/05/96, in www.dgsi.pt..

Nos termos do artº 150º, nº 1 Com a redacção dada pelo Dec. Lei nº 324/2003, de 27/12, em vigor desde 01/01/2004. “os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição;
d) Envio através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada;
e) Envio através de outro meio de transmissão electrónica de dados.
Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) são definidos por portaria do Ministério da Justiça (nº 2), sendo que a parte que proceda à apresentação de acto processual através desses meios deve remeter a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.
O regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital encontra-se previsto no Dec. Lei nº 290-D/99, de 02/08 (com as alterações introduzidas pelos Dec. Lei nºs 62/2003, de 03/04 e 165/2004, de 06/07) e no Dec. Regulamentar nº 25/2004, de 15/07.
Dando substância à previsão do nº 2 do artº 150º, foi publicada a Portaria nº 337-A/2004, de 31/03, a qual, nos termos do seu artº 10º, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 01/04/2004 Já anteriormente, na vigência do artº 150º com a redacção dada pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10/08, a Portaria nº 1178-E/2000, de 15/12, depois alterada pela Portaria nº 8-A/2001, de 03/01, estipulavam que quando os actos processuais fossem praticados através de correio electrónico era necessária a aposição de assinatura digital certificada do signatário..
De acordo com o nº 5 do artº 2º da indicada Portaria, “quando a mensagem de correio electrónico seja assinada por mandatário forense, o certificado associado à assinatura deve atestar a qualidade profissional do signatário”. E, nos termos do artº 3º do mesmo diploma legal, “a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2º do Decreto Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, mediante a aposição de um selo temporal”.
A portaria a que se vem aludindo não contém qualquer norma prevendo as consequências da apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica.
No despacho recorrido entendeu-se que a consequência era a não consideração do envio – em 05/04/2004 – do requerimento de ratificação por correio electrónico, tendo-se o acto como praticado apenas em 12/04/2004, data em que o mesmo requerimento foi remetido por via postal registada.
Salvo o devido respeito, parece-nos excessivo.
Com efeito, não há qualquer dúvida quanto ao envio pelo ilustre mandatário da requerente, na data que dela consta, da mensagem electrónica junta a fls. 2 dos autos, bem como do ficheiro a ela anexado, contendo o requerimento de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova constante de fls. 3 a 9. Tal como não há dúvida quanto à recepção da mensagem e do ficheiro na Secretaria Judicial de Tondela.
A falta do certificado previsto no nº 5 do artº 2º da Portaria nº 337-A/2004 e do selo temporal previsto no artº 3º do mesmo diploma legal não apagam aqueles factos, afigurando-se-nos que fazer equivaler a situação à ausência pura e simples de qualquer acto processual penaliza demasiado a parte e contraria todo o espírito da lei processual actual que claramente privilegia a substância sobre a forma.
Mas também se não poderá, se bem vemos, esquecer completamente a exigência do certificado associado à assinatura digital e do selo temporal, exigência essa que encontra a sua justificação na necessidade de garantir, com rigor, a autenticidade e a data de expedição das peças processuais recebidas em juízo através de correio electrónico.
O ponto de equilíbrio entre as duas atitudes excessivas atrás aludidas foi encontrado pela Portaria nº 642/2004, de 16/06, entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artº 12º), a qual revogou a Portaria nº 337-A/2004 (artº 11º) e estabeleceu, no artº 10º, que “à apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.
O envio através de telecópia é uma das formas possíveis de apresentação a juízo dos actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes, valendo como data da prática do acto processual a da expedição – artº 150º, nº 1, al. c).
O regime para tal envio está previsto no Dec. Lei nº 28/92, de 27/02, sucedendo que, nos termos do respectivo artº 4º, nº 3, praticado o acto processual através de telecópia, “os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos” A exigência de que seja utilizado serviço público de telecópia ou equipamento de telecópia do advogado ou solicitador, constante da lista organizada nos termos do nº 2 do artº 2º não é transponível para o caso dos autos. Além de que, conforme despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 12/11/92, in CJ, XVII, 5, 111, a proveniência da missiva de aparelho não constante de lista oficial não deverá obstar à prática válida do acto..
É certo que, “in casu”, não estava ainda em vigor a Portaria nº 642/2004. Mas, não prevendo a Portaria nº 337-A/2004, então vigente, as consequências da inobservância das exigências constantes dos artºs 2º, nº 5 e 3º e não se conhecendo caso análogo a que recorrer, afigura-se-nos que a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (artº 10º do Cód. Civil) não poderá ser outra senão a que o próprio legislador, escassos meses depois, adoptou. Ou seja, nesse particular aspecto, a Portaria nº 642/2004 não é inovadora, antes tendo carácter interpretativo.

Aplicando quanto se disse ao caso concreto em análise, constata-se que o embargo extrajudicial foi feito em 30/03/2004, pelo que o termo do prazo de cinco dias para o pedido de ratificação judicial, que ocorreria no dia 04/04/2004, que foi domingo, se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 05/04/2004.
Como o requerimento de ratificação do embargo extrajudicial foi enviado, por correio electrónico simples, em 05/04/2004, tendo os originais de tal requerimento e os documentos pertinentes sido depois remetidos, em 12/04/2004, isto é, no prazo de sete dias, por correio postal registado, tem de considerar-se o acto validamente praticado dentro do prazo.
Procedem, portanto, as conclusões da alegação de recurso, devendo o agravo ser provido e revogado o despacho recorrido, a fim de o procedimento cautelar prosseguir a sua normal tramitação.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido, devendo os autos de procedimento cautelar prosseguir a sua normal tramitação.
As custas são a cargo dos agravados.
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Coimbra,