Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3750/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA LEITÃO
Descritores: REPARAÇÃO DE DANOS EMERGENTES DE DOENÇA PROFISSIONAL
Data do Acordão: 02/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: BASES I, XXV E XXVI DA LEI Nº 2127, DE 3/08/1965; ARTº 563º DO C. CIV.
Sumário:

I – De acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa (art. 563º do C. Civ.), o dano não pode ser considerado, em sentido jurídico, como consequência do facto em questão quando este, dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, isto é, apenas não existirá causalidade adequada se o facto de todo em todo nada tiver a ver com o dano, dentro de juízos de previsibilidade, segundo critérios de experiência comum.
II – Note-se que, como corolário de antes exposto, não é suficiente que o facto tenha sido no caso concreto condição do dano; é necessário que, em geral e em abstracto também seja uma causa adequada do dano.
III – Um dado trabalhador possui uma força de trabalho, uma capacidade laboral que, por força do vínculo laboral, põe ao serviço de outrem. Se devido à sua actividade produtiva sofrer de uma doença ou um acidente pode daí resultar uma diminuição dessa sua capacidade ou até o desaparecimento dela, e quando tal acontece surge o direito à reparação, o qual engloba as indemnizações e as pensões.
IV – A medida legal da integridade produtiva protegida é aquela que corresponde ao contrato de trabalho concreto, projectado e ampliado à dimensão da sua execução a tempo integral (isto é, o cálculo da reparação devida ao trabalhador pelas sequelas sofridas não depende dos dias em que efectivamente trabalhou).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A, veio com o patrocínio do M.º Público instaurar a presente acção emergente de doença profissional contra B e mulher C, pedindo que os demandados sejam condenados a reconhecer a doença de que o A. é portador como “doença profissional” e, consequentemente, a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia de € 3 236,51 (esc. 648 862$00) e as importâncias de € 29,93 (esc. 6 000$00) e de € 5 369,98 (esc. 1 076 584$00), respectivamente, a título de despesas de transporte e indemnização por ITA, bem como os correspondentes juros moratórios à taxa legal sobre cada uma das prestações e desde o seu vencimento, a título de reparação dos danos emergentes da doença profissional (brucelose) que lhe foi diagnosticada em 08.3.1998, sendo que até essa altura, e desde Março de 1992, desempenhara a sua actividade laboral de pastor por conta e sob a autoridade, direcção e fiscalização dos RR., que não haviam transferido a sua responsabilidade emergente de doenças profissionais.
Os Réus contestaram a acção, alegando, em resumo, que a doença profissional em causa não foi adquirida no exercício das suas funções de pastor por conta dos RR e devido ao contacto que mantinha com os ovinos e caprinos do seu rebanho; que o A. tinha o seu próprio rebanho que pessoalmente tratava e apascentava e que vendeu cerca de dois ou três anos antes de ter sido acometido da dita doença; que por ter necessidade de estrumar as suas próprias terras, o A. passou a apascentar na sua Quinta um outro rebanho de ovelhas em regime de parceria pecuária, que foi acometido de doenças várias, nomeadamente brucelose, mantendo-se e desenvolvendo-se tal contrato até à data em que o A. foi acometido da alegada doença; que o A. gostava imenso de queijo fresco de cabra e outros animais, alimento que consumia em abundância; que não é verdade que nos três anos anteriores à detecção da doença de que o A. foi vítima, a Direcção Geral de Pecuária tivesse retirado do rebanho dos RR. algum animal para ser abatido na sequência de qualquer doença, nomeadamente brucelose de que fossem portadores; que no período compreendido entre Março de 1995 e Março de 1998 nunca foi detectado aos RR. qualquer foco de infecção de brucelose ou febre de malta, pelo que é impossível que o A. pudesse ter sido contagiado através de contacto com os animais dos RR..
Concluíram assim os RR. pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
O Centro Nacional De Protecção Conta Os Riscos Profissionais (CNPRP) deduziu o pedido de reembolso de fls. 132 e seguinte, ao abrigo do disposto no DL n.º 59/89, de 22.02, no montante de € 2 364,86.
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que julgando a acção parcialmente procedente e provada condenou os RR:
a) - a pagar ao A. a pensão anual (e vitalícia) de € 370,75 (trezentos e setenta euros e setenta e cinco cêntimos), em duodécimos, no domicílio do A., com início de vencimento reportado a 13.11.1999 (dia imediato ao da alta), acrescida de um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano, a título de subsídio de Natal (DL n.º 466/85, de 05.11);
b) – A pagar ao A. a importância de € 5 369,98 (cinco mil trezentos e sessenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) como indemnização por ITA e € 29,93 (vinte e nove euros e noventa e três cêntimos) a título de despesas de transportes;
c) – A pagar ao A. os respectivos juros moratórios à taxa de 7% (sete por cento) ao ano até 01.5.2003 e de 4 % ao ano a partir de então, calculados, no tocante à pensão e à indemnização por ITA, segundo o quadro temporal atrás definido (art.º 57º do Decreto n.º 360/71) e a partir da citação em relação à quantia referida por último, até integral pagamento;
d) - A reembolsar o CNPCRP da importância global de 2364,86 euros, quantia essa que será deduzida aos valores referidos em a) e b);
e) - No pagamento da multa de 12 (doze) UC como litigantes de má fé.
Inconformados apelaram os RR alegando e concluindo:
1- O n.º 1 da Base XXVI da L. 2127 estabelece as condições, cuja verificação cumulativa é necessária para que possa haver direito à reparação emergente de doenças profissionais previstas no n.º 1 da Base XXV da citada Lei, doenças essas tipificadas n lista anexa ao D. Reg. n.º 12/80 de 8/5;
2- Uma dessas condições é a de não ter decorrido, desde o termo da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco, o prazo para o efeito fixado na lista referida na conclusão anterior;
3- Na douta sentença recorrida não consta qual a data do diagnóstico inequívoco da doença, diagnóstico este que porém e de acordo com o relatório de fls. 54, “ ex- vi” informações de fls. 44 e 47, apenas em 11/5/01 se veio a realizar e assim a tornar inequívoca a doença da brucelose( doença profissional constante do Capítulo V, Código 51-02 do D. Reg. 12/80 de 8/5);
4- Ou seja desde a data da exposição ao risco e do diagnóstico inequívoco da doença, decorreram pelo menos 429 dias, prazo este que excede em muito o prazo de caracterização da doença prevista no Capítulo V, Código 51-02 da lista anexa ao citado D. Reg. 12/80 de 8/5;
5- Dos autos não resulta, quer em sede de alegação do A, quer em sede de conclusões periciais, qual a forma de doença profissional diagnosticada ao A, se a forma aguda, se a forma crónica ( cfr. Código 51-02 Capítulo V da lista anexa ao citado D. Reg. 12/80 de 8/5);
6- A definição da forma de doença é fundamental, atento o diferente prazo de características para cada uma das respectivas formas clínicas e face à tipificação da Lei( n.º 1 da Base XXV da L. 2127) da qual depende o direito à respectiva reparação- n.º 1 da Base XXVI, da dita Lei;
7- Dos autos não consta igualmente, nem sequer foi aliás alegado pelo A, a condição prevista na alínea c) do n.º 1 da Base XXVI da L. 2127, ou seja que desde o termo da exposição ao risco e até à data do data do diagnóstico inequívoco da doença não decorreu o prazo para o efeito fixado lista anexa ao D. Reg. 12/80 de 8/5;
8- No entanto os factos referenciados na conclusão anterior são essenciais para o preenchimento da substanciação da causa de pedir ( cfr. artº 264º nºs 1 e 2 do CPC “ ex- vi” Base XXVI da L. 2127;
9- As respostas dadas ao quesito 4º em contraposição com as respostas dadas aos quesitos 5º, 9º e 14º da base instrutória, não foram alicerçadas em qualquer prova validamente produzida ou carreada para os autos, sofrendo assim de forte contraditoriedade e mesmo obscuridade, que terá de levar á anulação da respectiva decisão, nos termos do artº 712º do CPC;
10- Não resultam na verdade dos autos, quaisquer elementos alegados pelas partes que possuam, com segurança, fundamentar o nexo de causalidade da doença, sendo certo que não se descortina aliás a sua forma clínica face à diferenciada génese que a mesma poderia ter;
11- Dos autos não resulta igualmente qual a duração do trabalho, se a tempo total ou parcial, facto essencial para o cálculo dos respectivos valores indemnizatórios e da pensão;
12- Sendo totalmente aleatória e infundamentada a fixação pelo Mtº Juiz “ a quo” de 6 dias de trabalho semanal prestado, facto contraditado pelo facto assente na alínea B) da especificação;
13- Foram assim violadas as normas das Bases XXV e XXVI da L. 2127 de 3/8/65; artºs 264º n º s 1 e 2; 659ª, 660º e 664º do CPC, aplicável por força do artº 1º do CPT, entre outros.
Contra alegaram os AA defendendo a correcção da sentença impugnada.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais( tendo o Ex. no Sr. PGA emitido douto parecer no sentido da respectiva improcedência), cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1ª instância:


a) – Os RR. são proprietários rurais com exploração agrícola e agro-pecuária.
b) O autor não se encontra sindicalizado; por conta e sob autoridade, direcção e fiscalização dos RR. desempenhou as funções de “pastor”, mediante a retribuição de esc. 3 500$00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, até 08.3.1998.
c) A responsabilidade emergente de doenças profissionais não se encontrava transferida para qualquer seguradora.
d) Em 08.3.1998, o A. foi internado no Hospital Cândido de Figueiredo, em Tondela, com diagnóstico de brucelose.
e) O simples contacto com animais infectados com brucelose é susceptível de provocar tal doença.
f) Em consequência desta doença esteve o A. com ITA desde 08.3.1998 a 12.11.1999, com dois internamentos no Hospital de Tondela e outros dois nos H.U.C. (um dos quais com a duração de seis semanas), não tendo o A. recebido dos RR. quaisquer importâncias.
g) Submetido a exames médicos no Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais (CNPRP) e neste Tribunal foi-lhe atribuída uma IPP de 33%, com IPA para a sua profissão habitual a partir de 12.11.1999 (data da consolidação).
h) O CNPRP iniciou o pagamento ao A. da pensão de € 77, 20 (setenta e sete euros e vinte cêntimos) mensais, em Outubro de 2001; naquele mês foi paga a quantia de € 2 133,26 (dois mil cento e trinta e três euros e vinte e seis cêntimos) para efeitos de pagamento das pensões em atraso e no mês de Novembro foi pago o montante de € 231,60 (duzentos e trinta e um euros e sessenta cêntimos) relativo aos meses de Novembro, Dezembro e respectiva prestação adicional.
i) O autor nasceu em 02.8.1934
j) – O autor foi admitido ao serviço dos RR. em data não posterior ao primeiro trimestre de 1993.
l) – No exercício das suas funções guardava o rebanho de ovelhas e cabras dos RR., contactando fisicamente com as cabeças de gado quer para as orientar nos pastos e encaminhar do redil para esses mesmos pastos e vice-versa, e assistindo os animais fêmeas nos respectivos partos, contactando com elas e com as crias, não raras vezes as transportando ao colo para o redil e pegando nelas para as “chegar” à amamentação nas respectivas mães.
m) – No decurso dos anos de 1994, 1996, 1997 e 1998, a Direcção Geral de Veterinária, no âmbito do “Plano de Erradicação da Brucelose dos Pequenos Ruminantes”, retirou e abateu um total de 148 (cento e quarenta e oito) cabeças de gado (ovinos e caprinos) dos rebanhos dos RR., 65 das quais anteriormente a 8/3/98
n) A situação patológica dita em d) deveu-se ao exercício das funções descritas em j) e l), em razão dos contactos que o A. mantinha com os ovinos e caprinos dos rebanhos dos RR., nomeadamente, os indicados em m).
o) – Devido à referida doença resultaram para o A. lesões ósseas e do disco inter- vertebral ao nível das 11ª e 12ª vértebras dorsais.
p) – As referidas sequelas resultaram directa e necessariamente da doença brucelose; devido à mesma doença e em consequência das ditas sequelas o A. apresenta lombalgia e dorsalgia baixa.
q) - Com as deslocações obrigatórias a este Tribunal o A. despendeu em transportes, pelo menos, a importância de € 29,93.
r) – O A. teve o seu próprio rebanho de ovelhas e cabras, que pessoalmente tratava e apascentava; vendeu os animais que constituíam esse rebanho (em n.º não superior a 10) em data não apurada mas situada entre 1991 e 1993.
s) – O A. consumia queijo fresco, adquirido em locais de venda ao público.
t) – O A., por efeito da referida doença profissional, encontra-se afectado de uma incapacidade permanente parcial de 10 % .
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
E assim, no caso concreto são vários os pontos em que os apelantes baseiam a sua discordância com a sentença sob censura e que portanto cumpre agora dilucidar.
A saber:
- inexistência de requisitos exigíveis para a reparação por doença profissional, não só por ter decorrido o prazo legal estabelecido entre o fim da exposição ao risco e o diagnóstico, mas também por ausência de alegação ( e consequentemente prova) relativamente à forma da doença em causa.
- Falta de prova que alicerce a resposta dada ao quesito 4º, ocorrendo por isso obscuridade e contraditoriedade entre ela e as que foram dadas aos quesitos 5º, 9º e 14º
- Falta de alegação de elementos que conduzam à demonstração do nexo causal entre a actividade exercida pelo A e a doença de que é portador;
- Contradição entre a fixação do tempo de trabalho prestado pelo A em 6 dias/ semana e o mencionado na alínea B) da especificação
- Inexistência de fundamento para a fixação do aludido período temporal.
Vejamos então, começando naturalmente pelo primeiro item.
Dispõe a Base I da Lei n.º 2 127 de 3/8/65 que os trabalhadores têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais; às doenças profissionais aplicam-se as normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das que só a elas especificamente respeitem
E segundo a Base XXV, n.º 1 do mesmo diploma” As doenças profissionais constarão, taxativamente, de lista organizada e publicada pelo Ministério das Corporações e Previdência Social (...)
Tal a lista e o respectivo índice codificado, aplicável ao caso em apreço, constam do anexo ao Decreto Regulamentar n.º 12/80, de 08.5 (actualizado pelo Despacho Normativo n.º 253/82, de 12.11)
E conforme o n.º 1 alíneas a), b) e c) da Base XXVI ainda da L. 2127, o direito à reparação emergente de doenças profissionais previstas no n.º 1 da Base XXV, existe quando cumulativamente se verifiquem as seguintes condições:
a) Estar o trabalhador afectado da correspondente doença profissional;
b) Ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente do trabalho habitual;
c) Não ter decorrido, desde o termo da exposição ao risco e até à data do diagnóstico inequívoco da doença, o prazo para o efeito fixado na referida lista de Doenças Profissionais (...).
Ora é exactamente no que concerne a este último requisito( ou melhor dito quanto á sua verificação) que os apelantes manifestam a sua discordância.
Salvo o devido respeito, sem razão, porém.
Na verdade foi dado como assente no Tribunal recorrido( e à factualidade ali elencada tem esta Relação que ater-se, pois que pelo menos neste ponto, não ocorre nenhuma das situações que permitam a sua modificabildade e que como é consabido são as prescritas no artº 712º nº1 – e suas alíneas – do CPC), que o A trabalhou para os RR até 8/3/98, data em que foi internado no Hospital Cândido Figueiredo- Tondela -, onde lhe foi diagnosticado que sofria de brucelose, facto que nunca foi posto em causa por posteriores exames clínicos, como resulta claramente do processo, antes obtendo confirmação plena através deles.
Quer dizer: perante tal factologia, temos inelutavelmente que concluir que entre a data do termo da exposição ao risco( que correspondeu ao fim da relação laboral) e a do diagnóstico da doença não decorreu qualquer lapso temporal relevante, sendo de entender esses dois eventos como simultâneos.
O que vale dizer que nenhum prazo legal foi ultrapassado, de forma a levar á descaracterização da doença, como sendo “ profissional”.
Acresce que dada a aludida coincidência de datas, também em nosso modesto entender, nenhuma importância assume a falta de alegação àcerca da forma como a doença se apresentou.
É certo que de acordo com o disposto no Capítulo V da Lista Anexa ao D. Reg. 12/80 de 8/5 e no que respeita á brucelose, o prazo de caracterização é de 30 dias para as formas agudas e de 6 meses para as formas crónicas.
Mas tenha padecido o A de brucelose sobre que forma seja, a verdade é que nenhum desses prazos decorreu, entre o fim da exposição ao risco e o diagnóstico da doença.
Pelo que a ausência deste elemento assume características de irrelevância para a decisão da questão colocada.
Em suma: tem que se considerar que está também preenchido o requisito em causa- alínea c) do n.º 1 da Base XXVI citada -.
Pelo que improcedem as conclusões 1 a 8( inclusive) das doutas alegações de recurso.
Defendem de seguida os apelantes que a nenhum elemento probatório se arrima a resposta dada ao quesito 4 e que entre ela e as que foram dadas aos quesitos 5º, 9º e 14º existe obscuridade e contradição.
Também aqui, nos permitimos discordar de tais asserções.
Na verdade- e no que respeita à fundamentação- basta ler o que a esse propósito consta do processo- cfr. fls. 229 e segs.- para se concluir que todas as respostas dadas aos quesitos ( incluindo portanto a do quesito 4) foram alvo de fundamentação, que até se poderá considerar exaustiva.
E relativamente à obscuridade e/ ou contradição alegada , sempre se dirá- ressalvando claro, melhor entendimento- que tais vícios não inquinam a matéria de facto em causa.
Efectivamente em síntese no quesito 4º perguntava-se se a doença de que o A padecia fora causada pelo contacto físico directo com os animais pertencentes aos RR e que o ora apelado pastoreava.
A resposta a esse ponto foi afirmativa.
Ora e relativamente ao quesito 5º( onde a questão que se colocava era de se saber se o A nos cinco anos anteriores a 8/3/98, não mantivera nenhum contactos com outros animais se não o dos ora recorrentes), foi dada a resposta que” o autor não se encontra sindicalizado; por conta e sob autoridade, direcção e fiscalização dos RR. desempenhou as funções de “pastor”, mediante a retribuição de esc. 3 500$00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, até 08.3.1998”, “ que foi admitido ao serviço dos RR em data não posterior ao primeiro trimestre de 1993 , que no exercício das suas funções guardava o rebanho de ovelhas e cabras dos RR., contactando fisicamente com as cabeças de gado quer para as orientar nos pastos e encaminhar do redil para esses mesmos pastos e vice-versa, e assistindo os animais fêmeas nos respectivos partos, contactando com elas e com as crias, não raras vezes as transportando ao colo para o redil e pegando nelas para as “chegar” à amamentação nas respectivas mães, que a situação patológica dita em d) deveu-se ao exercício das funções descritas em j) e l), em razão dos contactos que o A. mantinha com os ovinos e caprinos dos rebanhos dos RR., nomeadamente, os indicados em m) e que aquele. teve o seu próprio rebanho de ovelhas e cabras, que pessoalmente tratava e apascentava tendo vendido os animais que constituíam esse rebanho (em n.º não superior a 10) em data não apurada mas situada entre 1991 e 1993.
Pese embora a extensão da resposta, em que transparece a necessidade do Ex. mo Julgador procurar explicitar mais possível, uma situação que efectivamente é em termos probatórios delicada( a causalidade entre a actividade que exercia como pastor daqueles animais em concreto e a doença que o afectou), cremos que o que se conclui é que não ficou apurado se no tal lapso de tempo, o aqui recorrido tratou de outros animais que não o dos RR.
Se é verdade que a “ não prova” não significa a “ prova do contrário”, não é menos certo que, “ in casu”, dúvidas não restaram que efectivamente o A tratou dos animais dos RR, vários dos quais estavam afectados de brucelose.
E reafirma-se, por que tal ponto é de extrema importância que foi dado como provado que foi através do contacto físico com o dito rebanho que o A ficou portador da doença em causa.
O que vale dizer que em nada releva, o facto de se ter provado que o A comia queijo fresco e que também até 1993, teve um pequeno rebanho que entretanto vendeu.
Do que se expôs resulta nosso ver, que não existe a contradição e/ ou obscuridade alegadas, quer relativamente à resposta dada ao quesito 4º, por si só, quer em ligação com as que obtiveram as questões colocadas nos quesitos 5º, 9º e 14º .
E assim também fenece a conclusão 9ª
No que respeita à invocada falta de alegação de elementos fácticos, que fundamentem a dita causalidade, dir-se-á que de forma explícita, o A nos artºs 2, 4,. 5 e 7 da sua p. inicial indicou factualidade, que uma vez provada, é perfeitamente passível de demonstrar o tal nexo causal.
Efectivamente e de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, que conforme entendimento que hoje se crê pacífico, o art.º 563º do CCv acolhe, “ o dano não pode ser considerado em sentido jurídico como consequência do facto em questão, quando este dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, isto é, quando era inadequado para produzir o dano”. Devendo apelar-se ao senso prático, às realidades do quotidiano, ao critério de prejuízo da probabilidade, para se concluir pela dita indiferença ou não para a produção do evento - cfr. Oliveira Matos, em C. Estrada, 3ª ed. págs. 431 e AA ali indicados-
Ou dito de outro modo, apenas não existirá causalidade adequada, se o facto de todo em todo nada tenha a ver dentro de juízos de previsibilidade segundo os critérios da experiência comum, com o dano- cfr. também neste sentido A Varela- ob. citada, págs. 659-
Note-se a este propósito e finalmente que – e como corolário do expendido sobre esta temática- que não é suficiente que o facto tenha sido no caso concreto condição do dano; é necessário que em geral, em abstracto seja uma causa adequada do dano.
Ora bem colocadas estas noções e perante o quadro fáctico que se nos depara, parece-nos suficientemente clara a existência de tal nexo.
Na verdade, se está provado que o A tratou durante vários anos de animais pertencentes aos RR, que vários deles foram entretanto abatidos entre os anos de 1994 a 1998- e várias dezenas antes de 8/3/98- pelas entidades sanitárias competentes, no âmbito de um “Plano de Erradicação da Brucelose” e se o ora recorrido aparece afectado daquela doença, transmissível ao homem como se sabe, é de concluir, segundo os tais prejuízos de probabilidade, que o A tenha sido contaminado pelo ditos animais.
E a isto não obsta a circunstância de o A comer queijo fresco( sem se apurar se os mesmo estavam ou não em boas condições sanitárias) e / ou de ter possuído até 1993, um pequeno rebanho cuja condição sob esse mesmo aspecto, se desconhece em absoluto).
Em resumo: não apenas foi alegada, como logrou o A demonstrar como lhe competia( artº 342º nº1 do CCv) factualidade a nosso ver suficiente, conducente à prova do nexo causal em análise.
Improcede assim também, a douta conclusão 10ª .
Referem ainda os recorrente que existe uma contradição entre o que se exarou na alínea B) da especificação e o facto de se ter considerado na sentença impugnada, que o A trabalhava por conta dos RR 6 dias por semana.
Salvo o devido respeito, também este vício não se verifica.
Na verdade, na dita alínea apenas se refere que – e para além do mais que ao caso não importa- o A desempenhou as funções de pastor, mediante a retribuição de 3.500$00, por cada dia de trabalho efectivamente prestado até 8/3/98.
Ora a circunstância do ora apelado ser remunerado por cada dia útil, não é incompatível com o facto de laboral 6 dias semanalmente.
Finalmente os recorrentes discordam da fixação do tempo de trabalho prestado pelo A em 6 dias/semana, o que afirmam não tem qualquer suporte probatório, nem sequer foi alegado pelo A
Esta asserção é indubitavelmente verdadeira.
Aliás tal facto nem sequer consta do elenco da matéria fáctica como provada.
O que apenas a propósito se provou, foi como já se referiu o A auferia a retribuição de 3.500$00/dia, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
Quantos ( ou quais eram esses dias, desconhece-se).
Todavia – e se bem entendemos a sentença em crise- o Ex. mo Juiz socorreu-se desse elemento, tão somente em obediência ao disposto no artº 51º do D.L. 360/71 de 21/8 que determina que serão fixadas em montante anual as pensões respeitantes a IPP ou morte, considerando-se para tal efeito 360 ou 313 retribuições base diárias, consoante o dia do descanso semanal estiver ou não compreendido, na retribuição do sinistrado
No caso concreto evidentemente que este dia de descanso não era, obviamente. contabilizado para efeitos do salário do AA
Os RR parecem pretender nas suas doutas alegações de recurso, que os montantes das indemnizações e pensões, atribuídas em virtude de incapacidades temporárias e incapacidades permanentes, dependem do período temporal em que o doente ou sinistrado, está ao serviço do empregador.
Salvo o devido respeito, não é assim.
Pode dizer-se que genericamente todo o ser humano, possui uma integridade produtiva, que se pode definir como sendo o conjunto de aptidões funcionais que certo indivíduo detém e que lhe permitem realizar um certo rendimento e que lhe conferem ainda a expectativa de que esse rendimento se vá alargando no futuro, com o adestramento progressivo daquelas aptidões- cfr. Vitor Faveiro, in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, ed. 1984, pág. 173/74 -.
Parece- no evidente que com um acidente de trabalho( ou doença profissional) essa integridade produtiva é mais ou menos afectada.
Dito por outras palavras: um trabalhador possui uma força de trabalho, uma capacidade de laboral, que põe, por força do vínculo laboral ao serviço de outrém.
Se por força da actividade que produz, sofre uma doença, ou um acidente, daí pode resultar uma diminuição dessa capacidade, ou até o desaparecimento dela.
E exactamente por isso- e quando tal acontece- é que surge o direito à reparação, que engloba como se sabe- e além do mais que ao caso não importa- as indemnizações por Its e as pensões por IPs - cfr. Base XVI da L. 2127-.
É porque por um período determinado, ou para a restante vida activa, ele perdeu(total ou parcialmente) essa capacidade de produzir, ou seja quando está afectado por uma IT, ela existe durante todo o período temporal que dura e não apenas relativamente àquele em que em virtude do qual tem que prestar serviço ao empregador.
E o mesmo se diga no que concerne às Ips.
Se por hipótese um trabalhador tem um contrato em que apenas tem que laboral 2 dias( 3ª e 5ª feiras. p. ex.) por semana e fica afectado de uma IPP de 10%, esta incapacidade não se reflecte apenas nesses dois dias mas sim e durante todo o resto da sua vida activa.
E o mesmo tipo de raciocínio vale para as Its.
Daí que o valor das pensões a atribuir, não depende dos dias em que efectivamente se labora.
O que importa para o respectivo cálculo é a retribuição base diária( Base XXIII) e o grau de desvalorização sofrido- Base XVI e suas alíneas -.
Aliás e exactamente a propósito dos trabalhadores a tempo parcial, como era o caso do aqui apelado, escreve o A já citado na obra referida a págs. 179: “ Compreende-se que não se pode ....circunscrever o dano sofrido por estes trabalhadores em acidente de trabalho, à lesão de uma integridade produtiva que tivesse por medida apenas aquela que se consuma em salário num contrato a tempo parcial, por exemplo de 3horas por dia, ou por semana.
É certo que a nossa lei actual parece não prever directamente esta situação, como o fazia a lei anterior, com bastante clareza, no seu artº 38º.
Mas é bom de ver que lhe está implícita a solução de que a medida legal da integridade produtiva protegida, é nesses casos, a que corresponde ao contrato de trabalho concreto, projectado e ampliado à dimensão da sua execução a tempo integral” .
E o que aqui se disse no que concerne aos acidentes de trabalho, vale também para o cálculo das indemnizações e pensões, resultantes de doenças profissionais, pois que e de acordo com a Base I n.º 2 da L. 2127 àquelas aplicam-se, por via de regra, as normas relativas aos acidentes de trabalho.
Em resumo: o cálculo da reparação devida ao A pelas sequelas (ITA e IPP) da doença de que sofreu, não depende dos dias em que efectivamente trabalhou para os RR, devendo ter-se apenas em conta neste aspecto, como supra se disse se a retribuição abrangia ou não o dia de descanso( artº 51 citado).
Pelo que também não se sufragam as doutas conclusões 11ª a 13ª ( inclusive).
Termos em que e por todo o expendido, mantendo-se a decisão recorrida, se julga improcedente a presente apelação.
Custas pelos RR.