Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1759/04.1TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: RECURSO
RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
DECISÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL DA COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGOS 73º DO DECRETO LEI 433/82, DE 27 DE OUTUBRO E 20º, N.º 1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: 1. As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, cuja admissibilidade está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, nomeadamente da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida.

2. No Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas instituído pelo Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, o legislador atribuiu competência para o processamento das contra-ordenações e aplicação de coimas e sanções acessórias às competentes autoridades administrativas, submetendo, porém, a sua decisão a impugnação judicial. Além disso, estabeleceu no art.º 73º, de forma positiva, as decisões de que cabe recurso para a Relação e que correspondem sempre a decisões finais.

3. Sucede que a decisão que a reclamante pretende impugnar não assume a natureza de decisão final, respeitando antes a uma medida cautelar, a apreensão prevista no art.º 48º-A do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, de feição claramente provisória, inserida no processo de contra-ordenação.

4. Ora, no processo de contra-ordenação o arguido tem a hipótese de recorrer para a Relação da decisão final que decrete a perda de objectos, sendo a decisão que ordenar a apreensão cautelar impugnável apenas perante o tribunal de comarca, que decide em última instância.

Decisão Texto Integral: Reclamação n.º 1759/04.1TBFIG-A.C1

2º Juízo do Tribunal da Comarca da Figueira da Foz

*

I A..., arguida em processo de contra-ordenação, impugnou judicialmente a apreensão cautelar de 49 bolas de futebol determinada pela Inspecção Geral das Actividades Económicas, antecessora da actual ASAE.

A impugnação não obteve sucesso e, na sequência, interpôs recurso, visando a revogação da decisão que manteve aquela medida cautelar.

No entanto, o Mm.º Juiz a quo não admitiu o recurso.

Inconformada apresentou a presente reclamação, visando obter o recebimento daquele recurso.

Não foi oferecida resposta e o Mm.º Juiz a quo manteve o despacho reclamado.

II - Perante estes elementos há, agora, que apreciar da bondade da decisão de não admitir o recurso.

As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, cuja admissibilidade está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, nomeadamente da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida[1].

Na verdade, a garantia decorrente do acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, não implica a generalização do duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador ordinário de ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos[2]. Quer dizer o legislador não pode é abolir in toto o sistema de recursos, mas pode impor limites razoáveis à sua admissibilidade.

No Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas instituído pelo Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, o legislador entendeu atribuir competência para o processamento das contra-ordenações e aplicação de coimas e sanções acessórias às competentes autoridades administrativas (art.ºs 33º e 34º), mas submeteu a sua decisão a impugnação judicial (art.ºs 55º e 59º). Além disso, estabeleceu no art.º 73º, de forma positiva, as decisões de que cabe recurso para a Relação e que correspondem sempre a decisões finais.

Sucede que a decisão que a reclamante pretende impugnar não assume a natureza de decisão final, respeitando antes a uma medida cautelar, a apreensão prevista no art.º 48º-A do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, de feição claramente provisória, cujo regime de impugnação difere consoante seja desencadeado pelo arguido ou por qualquer outra pessoa titular de qualquer direito afectado pela apreensão.

Com efeito, como o arguido tem a hipótese de recorrer para a Relação da decisão final que decrete a perda de objectos, ao abrigo do art.º 73º, n.º 1 b) do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, a decisão que ordenar a apreensão cautelar é impugnável perante apenas o tribunal de comarca, que decide em última instância (art.ºs 48º-A e 55º, n.ºs 1 e 3 do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro).

Porém, a medida de apreensão cautelar é susceptível de afectar, além do arguido, outras pessoas, estranhas ao processo de contra-ordenação e que nele não se podem defender, na medida em que o mesmo está concebido em função daquele, que ali pode exercer convenientemente o seu direito de defesa. Para essas pessoas, a apreensão constitui um acto administrativo lesivo, pelo que devem ser notificadas da decisão que a ordenar (art.º 268º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa), organizando-se, para o efeito, o processo especial previsto no art.º 83º do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, que contempla já a hipótese de recurso para a Relação, por, nos termos do art.º 85º do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, lhe serem aplicáveis as regras da impugnação da decisão de perda de objectos.

Esta diferença de regime impugnativo é compreensível e razoável, na medida em que, quanto ao arguido, a apreensão configura uma decisão provisória inserida no processo de contra-ordenação, enquanto que, em relação a outras pessoas lesadas, a apreensão cautelar faz desencadear um processo especial. Ali, o arguido pode discutir a perda dos objectos apreendidos, através de recurso para a Relação da decisão final, e daí a referida limitação do recurso, na primeira fase do processo. Como às restantes pessoas não assiste o direito de impugnar perante a Relação a decisão final proferida no processo de contra-ordenação, é natural que, na salvaguarda do respectivo direito de defesa, lhes seja assegurado também o recurso em idêntico grau, permitindo a sua interposição para a Relação.

Não colhe, assim, a argumentação da reclamante tendente a ver ampliado o grau de recurso. Este é, como já salientei, de apenas um grau, na medida em que a reclamante é arguida no processo de contra-ordenação em que foi ordenada e mantida a apreensão das 49 bolas de futebol, o que vale por dizer que a decisão proferida pelo 2º Juízo do Tribunal da comarca da Figueira da Foz é irrecorrível, como bem se ajuizou no despacho reclamado.

Na verdade, a decisão em causa não se enquadra no art.º 73º, n.º 1 b) do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, pois não a condena em qualquer sanção acessória. Esta, a ocorrer, só se verificará na decisão final, se vier a ser decretada a perda das 49 bolas de futebol apreendidas. E será dessa decisão que a reclamante poderá, então, recorrer até à Relação, o que não sucede, como atrás explicitei, quanto à decisão referente à apreensão cautelar ordenada.

Em suma, não assiste razão à reclamante em se insurgir contra a decisão do Mm.º Juiz a quo, que terá feito a melhor interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 48º-A, 55º, n.ºs 1 e 3, e 73º, n.º 1, alínea b), do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, o que implica o naufrágio da reclamação.

III – Decisão

Nos termos expostos, decido indeferir a reclamação e condeno a reclamante nas custas, fixando em 5 unidades de conta a respectiva taxa de justiça.

Notifique.

*

Coimbra, 12 de Janeiro de 2007


[1] Cfr. Carlos Lopes do Rego, Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, pág. 83.
[2] Cfr. ac. do Tribunal Constitucional n.º 496/96, in DR, II Série, de 17/7/96, págs. 9761 e ss.