Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
323/20.2T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA DE CUSTAS
REMANESCENTE DAS TAXAS DE JUSTIÇA DEVIDAS PELA PARTE VENCEDORA
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 6.º, 6 E 14.º, 9, DO REG. DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: Na actual redacção do artigo 14.º, 9, do Reg. das Custas Processuais, nas situações em que deva ser pago o remanescente, a parte vencedora fica dispensada do respectivo pagamento, o qual deve ser imputado à parte vencida e a tomar em consideração aquando da elaboração da conta final.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Cristina Neves



   Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora reclamou da conta de custas, alegando que estava a ser indevidamente responsabilizada pelo pagamento do remanescente das taxas de justiça devidas pelo impulso processual dos Réus

O Senhor Escrivão prestou informação no sentido de ser mantida a conta elaborada.

O Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da conta.

Foi proferida decisão, indeferindo a reclamação apresentada.

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A Autora recorreu desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:
A. Dispõe a Tabela I do Regulamento das Custas Processuais que, nos casos, como o dos presentes autos, em que o valor da ação seja superior a €275.000,00, “ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC no caso da coluna B e 4,5 UC, no caso da coluna C”.
B. Assim, para a elaboração da conta nos presentes autos, deveria o Sr. Escrivão ter procedido da seguinte forma:
Coluna A da Tabela I do RCP (ação e contestação)
Valor da ação ------------------------ €1.681.942,53
Valor máximo da Tabela I RCP ----- €275.000,00
Valor restante ------------------------ €1.406.942,53: €25.000,00 = 56,27 (57
frações)
57 frações x 3 UC = 171 UC ------------------------- €17.442,00
Taxa de justiça máxima da Tabela I RCP ------------ €1.632,00
Taxa de justiça devida a final ------------------------- €15.810,00
Coluna B da Tabela I do RCP (alegações e contra-alegações de recurso per saltum para o STJ)
Valor da ação ------------------------ €1.681.942,53
Valor máximo da Tabela I RCP ----- €275.000,00
Valor restante ------------------------ €1.406.942,53: €25.000,00 = 56,27 (57
frações)
57 frações x 1,5 UC = 86 UC ------------------------- €8.772,00
Taxa de justiça máxima da Tabela I RCP ------------- €816,00
Taxa de justiça devida a final ------------------------- €7.956,00
Perfazendo um total de €23.766,00, ao qual deduzindo-se o valor já pago a título de taxas de justiça, no montante de €4.896,00, resulta em €18.870,00 a pagar.
C. O Sr. Escrivão aplica 187 UC (pela ação), acrescidas de outras 187 UC (pela contestação), num total de €38.148,00, pela Coluna A da Tabela I do RCP,
D. E aplica 93,5 UC (pelas alegações de recurso), acrescidas de outras 93,5 UC (pelas contra-alegações), num total de €19.074,00, pela Coluna B da Tabela I do RCP,
E. Praticamente triplicando o valor da conta de custas devido pela recorrente.
F. O valor liquidado a título de conta de custas é completamente absurdo e despropositado, não sendo devido pela recorrente.
G. Conforme entendimento expresso no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/09/2014, proferido no âmbito do Proc. nº. 2424/07.3TBVCD-A, disponível em www.dgsi.pt, «Esse valor remanescente da taxa de justiça é reclamado da parte a quem, anteriormente, o respetivo pagamento fora dispensado, a fim de que, pagando-o, o possa reclamar no seu exato montante, da parte vencida, a título de custas de parte. É o que dispõe o n.º 9 do art.º 14.º do RCP: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”».
H. A condenação da parte vencida em custas significa apenas que a parte vencedora, pagando efetivamente o que lhe competia, o possa exigir junto da parte vencida, a título de custas de parte, como aliás já o fez.
I. Compete, assim, aos réus o pagamento do remanescente das taxas de justiça devidas pelas fases processuais que impulsionaram, nomeadamente, pela apresentação da contestação e da resposta ao recurso.
J. O facto de terem vencido a causa, a final, não significa que deixem de estar obrigados ao pagamento da taxa de justiça inerente às fases processuais que impulsionaram; significa tão só que têm direito a ser reembolsados dos valores de taxa de justiça efetivamente satisfeitos, pela parte vencida, a título de custas de parte.
K. A douta decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 6.º, n.ºs 1; 2 e 7 e 14.º, n.º 9 do RCP, bem como o disposto nas colunas A e B da Tabela I do mesmo diploma legal.
Conclui pela procedência do recurso.

1. O objeto do recuso
Considerando as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida cumpre apreciar a seguinte questão:
Não deve ser inserido na conta final, a cargo do vencido, o remanescente das taxas de justiça que não foi pago pela parte vencedora?

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2. Os factos processuais
Dos autos resultam os seguintes factos processuais:
- A presente ação, com o valor de € 1.681.942,53, interposta pela Autora contra os Réus, foi julgada totalmente improcedente, tendo sido negado provimento ao recurso per saltum interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
- Foi elaborada a conta final onde consta, a cargo da Autora, o remanescente das taxas de justiça devidas pelos Réus, pela apresentação de contestação e de resposta às alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

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3. O direito aplicável
Nos processos, como sucede neste caso, em que a taxa de justiça é variável, ela é liquidada ao longo do processo pelo seu valor mínimo, devendo o excedente só ser pago a final - artigo 6º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais - , a fim de que esse custo não impeça as partes de aceder aos tribunais.
A Autora reclamou da conta de custas de parte, sustentando que o valor do remanescente das taxas de justiça que competiam aos Réus, devia ser a cargo destes, apesar da sua posição de vencedores do pleito, podendo depois reclamar o seu pagamento à Autora, a título de custas de parte.
Essa era, efetivamente, a solução legal antes da alteração do disposto no artigo 14º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, efetuada pelo artigo 5º da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, quando este preceito dispunha que, nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7, do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar esse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo, à qual se reporta a jurisprudência citada pela Autora nas suas alegações de recurso.
Tal norma foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21.11.2018, tendo o legislador reagido, alterando a redação daquele preceito, no sentido de não obrigar o vencedor, a final, a pagar o remanescente, para depois exigir a sua devolução ao vencido, a título de custas de parte.
Assim, o n.º 9, do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais passou, na sequência das alterações promovidas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, passou a dispor: nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.
Foi precisamente este o procedimento seguido na elaboração da conta, pelo que o despacho recorrido ao confirmar que a conta se encontra elaborada de acordo com o que agora se dispõe no artigo 14º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, não merece qualquer censura.
Assim, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Autora, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas do recurso pela Autora.

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                                                                   2.5.2023