Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
209/04.8GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CRIME DE AMEAÇAS
BEM DE NATUREZA PESSOAL E PATRIMONIAL
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 16º, 1, 153º, 2 CP
Sumário: 1. O crime de ameaça, não é um crime de resultado mas um crime de perigo concreto.
2. A ameaça é um mal futuro [e não, iminente], de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, e pode revestir uma qualquer forma incluindo a gestual.
3. Uma forquilha com quatro dentes de 30 cm cada um é, em si mesma, quando usada na prática de ofensas à integridade física, um instrumento particularmente perigoso, pois que encerra uma potencialidade de dano muito superior aos meios e instrumentos normalmente usados na prática de agressões físicas.
4. A circunstância de o crime ameaçado, numa primeira ameaça efectuada, tutelar bem jurídico de natureza patrimonial, e de o crime ameaçado, numa segunda ameaça efectuada, tutelar bem jurídico de natureza pessoal, não impede a possibilidade de estarmos perante um único crime.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO


No Tribunal Judicial da comarca da Sertã, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputava a prática, à primeira, de três crimes de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, e ao segundo, a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelas mesmas disposições legais, e mediante acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, que imputava à primeira a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, do C. Penal, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, a arguida M..., casada, doméstica, nascida a 16 de Julho de 1965 em C…, Sertã e aí residente, e o arguido L..., casado, nascido a 1 de Agosto de 1961 em P…, Sertã, residente em C…, Sertã.

A assistente H..., com base nos factos descritos na acusação particular, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, com vista à sua condenação no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.178, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

A assistente e o ofendido J..., com base nos factos descritos na acusação pública, deduziram pedido de indemnização contra a arguida, com vista à sua condenação no pagamento, a cada um, da quantia de € 1.500, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Por sentença de 27 de Abril de 2007, foi o arguido absolvido da prática do crime que lhe era imputado, bem como do pedido de indemnização civil contra si deduzido.
E foi a arguida condenada, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, na pena de 80 dias de multa, pela prática de três crimes de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, nas penas de 110 dias, 160 dias e 160 dias de multa, e em cúmulo, na pena única de 370 dias de multa à taxa diária de € 4, perfazendo a multa global de € 1.480.
Foi ainda a arguida condenada a pagar à assistente a indemnização de € 2.500, a título de danos não patrimoniais.

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Inconformada com a sentença, dela recorre a arguida, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
a) O arrastamento da audiência de julgamento possibilitou que as testemunhas perdessem a espontaneidade do depoimento, e acabassem por consertar a versão dos factos.
b) Daí que além da prova produzida na primeira sessão de julgamento, toda a demais deve ser totalmente desvalorizada.
c) O que, por insuficiência de provas contra a arguida, deve conduzir à sua absolvição à luz do princípio in dubio pro reo, princípio este que se mostra violado na sentença recorrida.
d) Encontra-se igualmente violada a presunção de inocência plasmada no artigo 32º, nº 2 da Constituição R. Portuguesa, porquanto a sentença valorou negativamente a circunstância de arguida ter negado a prática dos factos de que se mostra acusada.
e) O crime de ameaças é um crime material, porquanto para o preenchimento do tipo interessa ou importa a verificação de um resultado.
f) Nos autos não se provou que a assistente ou o ofendido tivessem tido qualquer medo ou receio, aliás, face ao teor dos requerimentos de fls. 302-A e 315, resulta exactamente o inverso.
g) Aliás, o conteúdo do requerimento de fls. 315 extravasa o objecto do processo, pelo que não podia nem pode ser valorado.
h) A expressão "hei-de fazer-vos o mesmo que estou a fazer agora", não mostra-se qualquer intenção de matar.
i) A forquilha não é um meio particularmente perigoso cuja utilização crie um grave risco para a vida.
j) Não cometeu a arguida três crimes de ameaça qualificada p. e p. no art. 153º, nº 2 C. Penal.
k) A arguida não não só não quis matar como também jamais pretendeu incendiar, pois quanto ao ilícito típico do art. 272º, nº 1, alínea a) do C. Penal agiu com falta de consciência da ilicitude não censurável.
l) Pelo que, está excluído o dolo em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.
m) A arguida, a não ser declara a sua inocência, agiu à luz do disposto no art. 153º, nº 1 do C. Penal, pois a sua actuação não preenche os requisitos do nº 2.
n) A arguida agiu no âmbito de uma mesma e única resolução criminosa que se prolongou ininterruptamente no espaço e no tempo.
o) Pelo que, a arguida praticou um único crime continuado de ameaça simples (art. 153º, nº 1 C. Penal) na pessoa da assistente, à luz do disposto no art. 30º, nº 2 do C. Penal, o qual se mostra violado por errada interpretação e aplicação.
p) Ainda no âmbito do crime continuado deve ser enquadrado o crime de injúrias (art. 181º, nº 1 C.P.), o qual perde autonomia dado que ameaça e injúrias reportam-se a bens jurídicos muito análogos que visam a protecção da dignidade da pessoa humana.
q) E em relação ao ofendido, a manter-se a condenação, deve a pena ser fixada ao abrigo do ilícito taxado no art. 153º, nº 1 C. Penal.
r) Mostram-se ainda, e face ao acabado de dizer, violados os artigos 70º, 71º e 77º do C. Penal, dado que as penas únicas a aplicar à recorrente não devem ser fixadas em mais de 100 dias e à taxa diária de € 2,00.
s) Isto, levando ainda em linha de conta que por se verificarem os requisitos substantivos do crime continuado, deve a arguida beneficiar do regime taxado no art. 79º do C.Penal (violado na sentença).
t) A existir condenação a título de indemnização por danos morais, atenta a qualidade e a sensibilidade dos lesados, pessoas do mundo rural, deve a mesma fixar-se em não mais que € 500,00.
Termos em que, se não pelo exposto, mas sim pelo que V.Exas, Colendos Julgadores, terão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve substituir-se a sentença por douto acórdão.
E porque este recurso merece provimento, o pede o recorrente, por lhe parecer de toda a JUSTIÇA.
(…)”.
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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da sua contramotivação as conclusões que se transcrevem:
“ (…).
1- Na decisão recorrida, foi legal e correctamente valorada toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento e que só podia redundar na condenação da arguida;
2- Por conseguinte, não se mostra violado o princípio da presunção de inocência;
3- Perante a factual idade julgada como provada, conclui-se ter a arguida incorrido na prática de um crime de injúria e em três crimes de ameaça, p.p., respectivamente, pelos art.s 181.º, n.º 1, e 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal;
4- Também não se mostram violadas as normas conformadoras da determinação da medida da pena, já que esta foi fixada em dosimetria insusceptível de comportar qualquer juízo de censura;
5- A pena única de 370 dias de multa, à taxa diária de 4,00 €, na qual a arguida foi condenada, mostra responder adequadamente à culpa e às exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir.
Pelo que, negando provimento ao recurso interposto pela arguida e confirmando a decisão recorrida, V. Ex.as farão Justiça!
(…)”.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, pronunciando-se pela inexistência dos vícios do art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal, pela observância do princípio da livre apreciação da prova e pela não violação do princípio in dubio pro reo, concluiu pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.




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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são:
- A violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência;
- O não preenchimento do tipo dos crimes de ameaça;
- A continuação criminosa nos crimes de ameaça e entre estes e o crime de injúria;
- A excessiva medida da pena;
- O excessivo montante da indemnização.

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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:

A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
1. No dia 28.08.04, pelas 18:00, a arguida encontrava-se a trabalhar num terreno adjacente à casa de H..., sito em V…, Sertã.
2. Nessa altura, a assistente encontrava-se junto à sua casa, acompanhada do marido, da sua irmã e de um cunhado.
3. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida dirigiu-se à assistente dizendo-lhe que no prazo de oito dias haveria de lhe lançar fogo à casa, no que foi por H...escutada.
4. Com tal frase, pretendeu a arguida fazer crer a H...que iria incendiar a sua residência, tendo a assistente ficado, desse modo, receosa de que a arguida viesse a concretizar o propósito anunciado.
5. Nessas mesmas circunstâncias, a arguida, dirigindo-se igualmente à assistente, proferiu as expressões "puta", "vaca", "bêbada" e "andas metida com o F… de P…", no que foi pela assistente e demais familiares presentes escutada.
6. Ao proferir tais expressões, a arguida agiu de modo livre e consciente, com o propósito concretizado de atingir a assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
7. Por causa deste comportamento da arguida, a assistente sentiu-se triste, amargurada e enxovalhada, incomodada, envergonhada e abalada.
8. De seguida, a assistente, acompanhada do seu marido, irmã e cunhado, dirigiu-se, pela via pública, para uma eira ali existente, onde se encontrava um outro seu cunhado.
9. A arguida, munida de uma forquilha com cerca de 1,53 m de cabo em madeira e 4 bicos em ferro com cerca de 0,33 m de comprimento cada, foi então no encalço da assistente.
10. Munida de tal forquilha, e ao mesmo tempo que a exibia e espetava no chão sucessivamente, a arguida, dirigindo-se à assistente e ao marido desta, o ofendido, J..., disse-lhes "hei-de fazer-vos o mesmo que estou a fazer agora", tendo apenas abandonado o local quando chegou a patrulha da GNR chamada pelo ofendido.
11. Com tal frase, pretendeu a arguida fazer crer à assistente e ao ofendido que os iria molestar, atingindo o corpo dos mesmos.
12. Por causa desses factos, a assistente e o ofendido andaram receosos de que a arguida concretizasse o propósito anunciado.
13. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de, ao dirigir à assistente as mencionadas palavras, lhe fazer crer que lhe iria incendiar a casa, bem que sabia ter valor superior a € 400,00, infundindo-lhe desse modo receio pela sua segurança e bem-estar, afectando a sua tranquilidade e paz individual.
14. A arguida agiu ainda de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de, ao dirigir à assistente e ao ofendido as mencionadas palavras, lhes fazer crer que os iria molestar fisicamente infundindo-lhes desse modo receio pela sua segurança e bem-estar, afectando a sua tranquilidade e paz individual.
15. A arguida sabia que estas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
16. Por causa destes mesmos factos, a assistente, que vive afastada de outros vizinhos, teve de alterar o seu comportamento, evitando sair à noite à rua, não saindo de casa ou da sua propriedade quando a arguida se encontrava nas imediações, evitando locais onde pensasse que viesse a encontrar a arguida, tudo com receio de que esta a viesse a molestar fisicamente.
17. A assistente passou igualmente a recear que a arguida pusesse fogo à sua casa, acordando por vezes à noite sobressaltada com qualquer ruído que logo supõe ser a arguida a concretizar os propósitos anunciados, pensando nas palavras que esta lhe dirigiu, e sentindo dificuldades em voltar a adormecer.
18. Por causa dos mesmos factos, o ofendido, que vive, pois, num local isolado com a assistente, sua esposa, passou a viver receoso, tanto mais que necessita de se deslocar pelos pinhais e pelas hortas diariamente, fazendo-o, a partir daí, sempre com receio de ser surpreendido pela arguida.
19. O ofendido passou a viver em constante sobressalto, evitando andar sozinho e por locais onde pense poder vir a encontrar a arguida.
20. A ofendida é tida pelas testemunhas que arrolou como pessoa séria e honesta.
21. A assistente e o ofendido deixaram de ir ao café à noite, ao fim-de-semana, com receio de que a arguida aproveite a sua ausência para provocar incêndio na sua casa, como anunciou.
22. A arguida não tem antecedentes criminais.
23. O arguido tem antecedentes criminais pela prática, em 29.07.97, de um crime de ofensa à integridade física grave, em 09.12.02, de um crime de ameaça, ambos praticados em Portugal e, pela prática de mais dez crimes, alguns de idêntica natureza, praticados na Suíça, em 2000/2001, pelo que lhe foi proibido o regresso àquele país por sete anos.
24. Vivem um com o outro e com dois filhos, fazem agricultura de subsistência e criam animais, designadamente, galinhas, porcos e patos.
25. Os arguidos desentenderam-se com a assistente e ofendido por causa de uma passagem, sendo que os primeiros possuem prédios rústicos sitos perto do prédio onde se situa a residência dos últimos.
(…)”.

B) Foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
Não se provou que, em data não apurada de inícios de Julho de 2004, o arguido, L..., por si ou por intermédio de quem quer que fosse, tivesse colocado na caixa de correio de J... um papel com os dizeres "Bom dia amigo J...o senhor já tem uma segurança de vida? Senão tem vai a fazer porque ela é precisa".
Não se provou assim que o arguido tivesse agido com o propósito de fazer crer ao ofendido que lhe iria tirar a vida, ou com qualquer outro.
Também ficou por provar que, nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, a arguida tenha dito à assistente e ao ofendido que os havia de espetar nos dentes da dita forquilha, já que se provou que foi outra a expressão então utilizada pela arguida.
(…)”.

C) E dela consta a seguinte fundamentação de facto (transcrição):
“ (…).
No tocante aos factos atinentes ao arguido, a convicção do tribunal resultou da ausência de prova. Com efeito, encontra-se junto aos autos um papel manuscrito contendo os dizeres a que se reporta a acusação. Nele está ainda aposta uma assinatura que algumas testemunhas reconheceram como sendo a do arguido, o que não foi infirmado por qualquer pessoa ou dado objectivo. Explicaram aquelas que em certa ocasião o arguido destruiu o capot do carro de um vizinho e nele deixou assinatura idêntica. Motivo pelo qual a reconheciam. Todavia, ninguém viu o arguido a escrever o sito sobrescrito nem a colocar o que quer que fosse na caixa de correio do ofendido. Nem ninguém testemunhou o anúncio de tal propósito por banda do arguido, sequer.
Ora, o facto de algumas pessoas reconhecerem a assinatura do arguido facilitaria também a imitação da mesma.
Apurou-se, é certo, que o arguido tem diversos antecedentes criminais pela prática de crimes idênticos, dos quais foram vítimas algumas das testemunhas ouvidas, o que leva a supor que se trata de uma pessoa conflituosa. Por outro lado, o arguido está impedido de regressar à Suíça por sete anos, pelo que, conforme resulta de outros dados, nos termos supra expostos, faltou à verdade em tribunal ao sustentar o contrário. Todavia, tal não é suficiente, sem mais, para dar os factos descritos na acusação como provados.
Em suma, negando o arguido os factos que lhe são imputados e na ausência de qualquer outro dado objectivo que corrobore a versão da acusação nesta parte, designadamente um contexto anterior cujos contornos apontassem nesse sentido, não é possível ultrapassar o estádio da dúvida a este nível. Dúvida que, em nome do princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência do arguido em processo penal e do seu corolário "in dubio pro reo", terá necessariamente que ser resolvida a favor daquele, conforme infra em sede própria se explicitará.
No tocante aos factos provados, a convicção do tribunal assentou da conjugação do depoimento da assistente e das testemunhas presenciais, convergentes entre si, com a observação da acareação que teve lugar entre a assistente e a arguida.

Com efeito, as referidas testemunhas, J... e X..., sobretudo, depuseram de modo coerente, fluente, embora apaixonado, e muito natural, evidenciando pormenores que conferiram aos respectivos relatos carácter de naturalidade.
Acresce que em sede de acareação, a arguida teve alguma dificuldade em olhar a assistente nos olhos e não foi capaz de infirmar directamente o que lhe era dito pela assistente, limitando-se a dizer no final que não estava no local naquele dia. Com efeito, a arguida ouviu a assistente sem se indignar, pondo a tónica em que em 21 anos de Suíça nunca teve problemas com ninguém.
Por seu turno, a assistente foi bastante natural, alterando-se moderadamente quando a arguida negou que estivesse então naquele local, tendo esta de imediato mudado de assunto, reiterando que nunca tivera problemas com ninguém, evidenciando mesmo alguma pressa em que a acareação terminasse.
Ora, perante tão elaborado relato, natural seria que, se acaso fosse ficcionado, a arguida se mostrasse indignada. Pelo contrário, a assistente recordou-lhe com à-vontade pormenores, tais como, o facto de ali se encontrarem também os filhos e de a arguida andar então a apanhar lenha.
Por outro lado, a própria expressão que assistente e ofendido imputam à arguida, qual seja, "faço-vos o mesmo que estou a fazer", apenas se compreende no contexto e na dinâmica das atitudes, pelo que dificilmente seria ficcionada já que, só por si, seria sempre ambígua. Ora, se pretendessem ficcionar, certamente "escolheriam" uma afirmação mais expressiva e directa.
No depoimento daqueles e na lógica da experiência comum baseou-se ainda o tribunal para dar como provados os incómodos sentidos pela assistente e ofendido.
A circunstância de a residência da assistente e ofendido estar algo isolada, mas junto a terrenos pertencentes aos arguidos, bem como o facto de os primeiros saírem menos, especialmente à noite, resultou igualmente do denominador comum aos vários depoimentos, sendo que a primeira das circunstâncias referidas não foi sequer infirmada pelos arguidos.
Não se ignora que determinadas questões foram conversadas entre as pessoas, reverso da medalha de uma audiência de julgamento com diversas sessões. Por exemplo, as primeiras testemunhas ouvidas respondiam que sabiam que a arguida se dirigia à assistente e não à cunhada desta, também então presente, porque bem sabia que era com a assistente que já existiam desentendimentos por causa da dita passagem.
Mais tarde, a esta questão foi respondido que a arguida terá mencionado o nome da assistente. Muitas vezes por causa destes desesperos, perdem as testemunhas credibilidade ainda que no essencial digam a verdade. Facto lamentável que, no entanto, no caso em apreço, não teve o alcance de deitar por terra a credibilidade merecida, atentas as razões supra aduzidas e sobretudo porque foi notória a mudança de naturalidade e fluência enquanto mencionavam este último aspecto atinente à prolação do nome por banda da arguida.
É certo que a arguida sustentou sempre que se encontrava na Suíça nessa data. Todavia, a arguida não mereceu credibilidade, desde logo, atenta a sua atitude em sede de acareação. Por outro lado, as testemunhas por si arroladas e que estariam na Suíça à data da prática dos factos, não corroboraram esta sua versão. Aliás, uma das testemunhas mais próximas da arguida, familiar, disse mesmo, naturalmente, que nesse ano a arguida viera para Portugal em princípios de Julho. Declarações que, conjugadas como os demais dados objectivos supra mencionados, suprimiram todas as dúvidas e conduziram à certeza de se terem verificado os factos narrados na acusação quanto ao segmento atinente à arguida.
As questões atinentes ao detonador dos desentendimentos surgidos entre arguidos e ofendido/assistente e que tiveram que ver com uma passagem foram relatadas pelos mesmos de modo sensivelmente convergente. A arguida explicou que os assistentes se zangaram com ela e com o seu marido e ora co-arguido há algum tempo atrás por causa de uma passagem, na medida em que aqueles tiveram de recuar um metro do seu terreno, pelo que nunca mais se compatibilizaram com os arguidos.
Para prova das respectivas situações sócio-económicas, o tribunal baseou-se no depoimento dos arguidos.
Foram ainda tidos em conta os certificados do Registo Criminal juntos aos autos.
(…)”.

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Da violação do princípio in dubio pro reo [conclusões a) a c)]

1. Diz a arguida que o arrastamento da audiência ao longo de várias sessões fez com que as testemunhas tenham perdido espontaneidade e consertassem os respectivos depoimentos razão pela qual, com excepção da prova produzida na primeira sessão, toda a demais deve ser desvalorizada o que, por insuficiência de prova, determina a sua absolvição à luz do princípio in dubio pro reo que, por isso, se mostra violado na sentença recorrida.
Vejamos.

1.1. No presente recurso a arguida questiona em bloco a decisão proferida sobre a matéria de facto, pondo em causa a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo por entender que a mesma foi insuficiente, dada a falta de credibilidade das testemunhas.
No que à prova respeita, vigora no nosso processo penal o princípio da livre apreciação da prova de acordo com o qual esta, salvo disposição da lei em contrário, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º, nº 1, do C. Processo Penal).
Como é evidente, ao juiz não é lícito apreciar a prova segundo o humor do momento, pautando-se por um processo de convencimento meramente subjectivo. Pelo contrário, a livre convicção a que alude o preceito não é, nem pode ser, sinónimo de arbítrio ou decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado pelo Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 85). Muito pelo contrário, na tarefa de valoração da prova exige-se uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Mas esta tarefa não corresponde a uma ciência exacta. Como alerta o Prof. Figueiredo Dias, “a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.” (Direito Processual Penal, 1ª Ed. 1974, Reimpressão, 204 e ss).
A convicção alcançada pelo tribunal deve resultar da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando designadamente, a razão de ciência dos declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento ou falta deles, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, sinais e comportamento, e a coerência do raciocínio, aqui assumindo determinante importância os princípios da imediação e da oralidade pois são eles que permitem ao julgador detectar as forças e fraquezas da prova por declarações e da prova testemunhal. E nesta actividade o tribunal não está condicionado, nem pela quantidade [três depoimentos não valem, necessariamente, mais do que um], nem pela natureza dos meios de prova [a prova directa não vale, necessariamente, mais do que a indiciária], como não tem que atribuir credibilidade ou não, à totalidade de um qualquer depoimento [este pode merecer credibilidade em parte e não o merecer, noutra].

Este princípio vigora em todas as instâncias que conhecem da matéria de facto ainda que, no que respeita à valoração da prova testemunhal [e da prova por declarações], exista uma considerável diferença entre a que é feita na 1ª instância e a que pode ser efectuada pelo tribunal de recurso, com base na audição das passagens concretamente indicadas e de outras consideradas convenientes. Daí que, quando o julgador da 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal [ou por declarações], porque a opção tomada se funda na oralidade e na imediação, o tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar, em princípio, quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum.

A plena actuação do princípio pressupõe a indicação na sentença dos meios de prova e o seu exame crítico, pois só desta forma pode ser avaliado o processo crítico e racional que, eventualmente conjugado com as regras da experiência, conduziu o tribunal a uma determinada decisão de facto.
E o ponto de partida para sindicar a observância, ou falta dela, do princípio é a fundamentação da decisão de facto, e muito particularmente, os motivos de facto que a fundamentam, entendidos como os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinados sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.).

1.2. No art. 32º da Constituição da República Portuguesa encontramos os mais importantes princípios materiais do processo penal, que dão corpo ao que podemos designar por constituição processual penal.
Entre eles encontra-se o princípio da presunção de inocência do arguido (nº 2 do artigo citado), que actua em articulação com o princípio in dubio pro reo e com o princípio da culpa concreta (nulla poena sine culpa).
O princípio da presunção de inocência projecta-se no processo penal em geral, e assenta “na ideia-força de que o processo deve assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença transitada em julgado.” (Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 355).
Como seu conteúdo adequado podem indicar-se, além de outros, os seguintes aspectos: proibição da inversão do ónus da prova em prejuízo do arguido; preferência pela sentença absolutória em vez do arquivamento do processo; proibição da antecipação das penas a título de medidas cautelares; natureza excepcional das medidas de coacção sobretudo, das que impliquem restrições da liberdade e; o próprio princípio in dubio pro reo (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Ed. Revista, 518).

O princípio in dubio pro reo dá resposta ao problema da dúvida sobre o facto [e não sobre a interpretação da norma], impondo ao julgador que aquela seja resolvida a favor do réu.
Assim, a dúvida a favor do arguido – por não ter sido ilidida a presunção de inocência – refere-se aos factos que integram o objecto do processo, e pressupõe que, produzida a prova, o tribunal – e não os sujeitos processuais ou algum deles – tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Nas palavras de Cristina Líbano Monteiro, “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.” (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», 53).

Todos os dias nos nossos tribunais ocorrem contradições entre depoimentos prestados em audiência mas a sua mera verificação não determina, sem mais, o funcionamento do princípio. Este só deve ser actuado quando, produzidas as provas – congruentes ou não – o julgador – e apenas este, repetimos – no esforço desenvolvido para alcançar a verdade material de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, fica na dúvida, objectiva e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual.

Se a dúvida não existe no espírito do julgador, não há que apelar ao princípio.

1.3. É certo que a audiência de julgamento se iniciou no dia 5 de Janeiro de 2007, tendo prestado declarações os arguidos e a assistente (fls. 285 e ss), prosseguiu no dia 12 de Janeiro de 2007 com a inquirição de uma testemunha (fls. 289), continuou no dia 2 de Fevereiro de 2007 com a tomada de declarações ao demandante civil (fls. 290 e ss), continuou no dia 9 de Fevereiro de 2007 com a inquirição de uma testemunha (fls. 292 e ss), continuou no dia 23 de Fevereiro de 2007 com a inquirição de duas testemunhas (fls. 296 e ss), continuou no dia 2 de Março de 2007 com a inquirição de três testemunhas (fls. 303 e ss), continuou no dia 9 de Março de 2007 com a inquirição de duas testemunhas (fls. 327 e ss), continuou no dia 30 de Março de 2007 com declarações da assistente e inquirição de sete testemunhas (fls. 359 e ss), vindo a sentença a ser lida a 27 de Abril de 2007 (fls. 371-A).

Depreendendo-se do despacho de fls. 291, proferido na sessão da audiência de julgamento de 2 de Fevereiro de 2007 que as sucessivas sessões se ficaram a dever à sobrecarga da agenda do Tribunal e à circunstância de, segundo cremos, a Mma. Juíza se encontrar em regime de acumulação, não deixa de ser verdade que o princípio da concentração dos actos processuais, com consagração legal no art. 328º, do C. Processo Penal poderia ter merecido melhor atenção.

Não é, no entanto, pelo simples facto de a audiência de julgamento se ter prolongado por diversas sessões que a prova nelas produzidas pode, sem mais, ser afectada quanto à sua credibilidade.

Mas neste aspecto, a arguida, como se pode ler no corpo da motivação do recurso, remeteu para o texto da sentença mais concretamente no que consta da respectiva fundamentação de facto.

Ora, na fundamentação de facto a Mma. Juíza escreveu que, “Não se ignora que determinadas questões foram conversadas entre as pessoas, reverso da medalha de uma audiência de julgamento com diversas sessões. Por exemplo, as primeiras testemunhas ouvidas respondiam que sabiam que a arguida se dirigia à assistente e não à cunhada desta, também então presente, porque bem sabia que era com a assistente que já existiam desentendimentos por causa da dita passagem. Mais tarde, a esta questão foi respondido que a arguida terá mencionado o nome da assistente.”.
Mas logo a seguir também escreveu que “Muitas vezes por causa destes desesperos, perdem as testemunhas credibilidade ainda que no essencial digam a verdade. Facto lamentável que, no entanto, no caso em apreço, não teve o alcance de deitar por terra a credibilidade merecida, atentas as razões supra aduzidas e sobretudo porque foi notória a mudança de naturalidade e fluência enquanto mencionavam este último aspecto atinente à prolação do nome por banda da arguida.”, e concluiu mais adiante que, “Declarações que, conjugadas como os demais dados objectivos supra mencionados, suprimiram todas as dúvidas e conduziram à certeza de se terem verificado os factos narrados na acusação quanto ao segmento atinente à arguida.”.
Ou seja, a Mma. Juíza, que beneficiou da imediação da prova, reconhecendo embora que, relativamente a alguns aspectos, as testemunhas poderão ter composto os respectivos depoimentos, enriquecendo-os com alguns pormenores coincidentes, não deixou no entanto de atribuir credibilidade parcial a tais depoimentos, na exacta medida em que se pôde aperceber dos segmentos em que ocorriam distorções e dos segmentos em que tal não sucedia, em conjugação com a credibilidade que atribuiu às declarações da assistente pela forma como as produziu e ao que extraiu da acareação entre esta e a arguida.

Assim, é evidente que não ficou instalado no espírito da Mma. Juíza a quo qualquer incerteza quanto aos factos que na sentença se consideraram provados, sendo certo que, face à fundamentação de facto da sentença e ao que se deixou dito – note-se que a arguida não recorreu da matéria de facto nos termos prescritos no art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, na redacção em vigor quando foi interposto o recurso – não se vê que nesse estado de dúvida, objectiva e intransponível, devesse ter ficado.
Na verdade, e como resulta do que se deixou dito, a decisão de facto obtém suporte bastante na prova em que assenta a convicção do tribunal.

Em conclusão, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo e por esta via, violado o art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

Da violação princípio da presunção de inocência [conclusão d)]

2. Diz a arguida que na escolha da medida da pena a Mma. Juíza a quo se socorreu da circunstância de ter negado a prática dos factos valorando negativamente tal negação, quando é sabido que o arguido não está sujeito a um dever de verdade, assim tendo sido violado o princípio da presunção de inocência.

Vejamos.

Relativamente à questão suscitada, consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação de direito (transcrição):

“ (…).

Assim, como factores concretos da medida da pena, deverão ser levadas em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente os factores elencados no art.71º, nº 2 do Cod. Penal.

A favor da arguida, o tribunal sopesará a circunstância de não ter antecedentes criminais e de se encontrar bem integrada sócio-familiarmente.

O grau de culpa, i. é., de censura de que é passível o seu comportamento, aferida pelo grau de exigibilidade de se ter comportado de modo lícito, é elevado.

Com efeito, apenas se apurou que os desentendimentos entre arguidos e assistente/ofendido surgiram por causa de uma passagem, algum tempo antes. Nada mais se apurou que justificasse ou tornasse mais lógico o comportamento da arguida.

Assinale-se, contudo, a este propósito que – também – o legislador conferiu maior protecção à propriedade do que à honra.

O grau de ilicitude dos factos é considerável, atendendo às expressões e aos meios utilizados, pelas razões atrás aduzidas. Com efeito, as expressões usadas comportam uma carga negativa muito intensa e são das mais pejorativas no contexto da Comunidade em que nos inserimos.

Por seu turno, os meios utilizados na prática do crime de ameaça, a saber, uso de forquilha e anúncio de incêndio, encerram um estigma particularmente cruel.

Por fim, importa sublinhar que a negação dos factos, a ausência de arrependimento e de reprovação da conduta por banda da arguida, e, bem assim, o défice de responsabilidade associado a tal postura, aumentam a necessidade da pena, porquanto reveladoras de um grau não desprezível de desconformidade da personalidade da arguida com valores jurídico-penalmente valiosos, em particular com aqueles que tutelam os bens jurídicos atingidos. Circunstâncias que, lidas na óptica da prevenção especial, aumentam o quantum de sacrifício necessário a dissuadir a arguida da prática de novos ilícitos da mesma natureza.

Por fim, as necessidades de prevenção geral, i. é., de restabelecer a confiança na validade da norma e na eficácia do próprio sistema jurídico-penal são medianamente relevantes, atenta a crescente frequência com que ilícitos destes vêm sendo cometidos. Muito embora dentro da pequena criminalidade, revelam o aumento progressivo do espírito de conflituosidade e intolerância a que vimos assistindo.

Tudo ponderado, oscilando a pena de multa entre 10 (art,47º, nº 1, do Cód. Penal) e 120 dias para o crime de injúria, entende-se adequado fixar a pena de 80 dias de multa.

A moldura atinente ao tipo da ameaça em causa oscila entre 10 e 240 dias, pelo que, em face das considerações supra tecidas se afigura justo e suficiente fixá-la em 110 dias de multa para a prática do crime de ameaça dirigido apenas contra a pessoa da assistente (consistente no anúncio de provocação de incêndio na residência daquela) e de 160 dias relativamente aos restantes.

(…)”.

Não se duvida de que o arguido apenas tem que responder com verdade sobre os seus elementos de identificação, não tendo nunca o dever de responder aos factos que lhe são imputados e se o fizer, faltando embora à verdade, não incorre em responsabilidade penal (arts. 342º, nºs 1 e 2, e 343º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal). Não se trata aqui, obviamente, de ser reconhecido ao arguido o direito a mentir, mas antes de ter a lei entendido ser inexigível do arguido o cumprimento do dever de verdade (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 451).

Mas o que na sentença recorrida se pretendeu significar, quando alude à negação dos factos, juntamente com a ausência de arrependimento, é à circunstância de não ter a arguida confessado os factos. Como é sabido, a confissão, seja integral, seja parcial, é sempre uma circunstância atenuante, com maior ou menor relevo, em função de cada caso. Nessa medida, a confissão favorece sempre o arguido enquanto a ausência de confissão deixa de o favorecer [embora não o desfavoreça]. Ora, a confissão é também o primeiro passo para a demonstração de arrependimento e uma e outro, relevam para efeitos de demonstração da interiorização pelo arguido da sua culpa, com importante reflexo na aferição das necessidades de prevenção especial.

Entendida a alusão à negação dos factos no sentido que ficou exposto, é inegável o seu relevo para a determinação da medida concreta das penas, atentos os critérios estabelecidos no art. 71º, do C. Penal, e evidente que não constitui qualquer violação ao princípio da presunção de inocência.

Em conclusão, não se mostra desrespeitado o princípio da presunção de inocência pelo que, também aqui, não se mostra violado o art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.


*

Do não preenchimento do tipo dos crimes de ameaça [conclusões e) a m) e q)]

3. O crime de ameaça, cujo bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo (art. 153º, nº 1, do C. Penal, na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro):

- Que o agente ameace outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;

- Que a ameaça seja adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto.

A ameaça é, como se sabe, um mal futuro [e não, iminente], de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, e pode revestir uma qualquer forma incluindo, a gestual.

O mal ameaçado tem sempre que constituir crime – que a lei enuncia – mas a vítima deste pode ou não coincidir com a vítima ou sujeito passivo do crime de ameaça.

Por outro lado, a ameaça tem que chegar ao conhecimento do seu destinatário, do sujeito passivo do crime, e deve ser adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, adequação a aferir através de um critério objectivo-individual.

O preenchimento do tipo não depende pois de, em concreto, ter ficado efectivamente afectada a liberdade de determinação da vítima, bastando que a ameaça, no caso concreto, seja adequada a afectar o bem jurídico tutelado, o que configura o crime de ameaça como um crime de mera acção e de perigo concreto (cfr. Prof. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 342 e ss.).

No nº 2, do art. 153º, do C. Penal, na mesma redacção, prevê-se uma agravação da pena, quando o crime ameaçado – que continua a ser um dos previsto n nº 1 – for punível com pena de prisão superior a três anos.

Posto isto.

3.1. Começa a arguida por afirmar não se ter provado que a assistente e o ofendido tivessem tido qualquer medo ou receio, resultando exactamente o contrário dos requerimentos de fls. 302-A e 315.

Não assiste razão à recorrente.

Em primeiro lugar, porque os requerimentos de fls. 302-A [apresentado entre sessões da audiência de julgamento pela assistente, opondo-se a uma justificação de falta do arguido] e de fls. 315 [apresentado nas mesmas circunstâncias pela assistente e pelo ofendido e demandante civil, requerendo a inquirição de testemunhas para prova de determinados factos relativos à personalidade do arguido] nada têm a ver com a conduta da arguida.

Em segundo lugar porque, como atrás se deixou dito, o preenchimento do tipo não depende de a ameaça afectar a paz individual ou a liberdade de determinação do seu destinatário, não sendo o crime de ameaça, ao contrário do pretendido pela arguida, um crime de resultado mas um crime de perigo concreto.

E em terceiro lugar porque, como claramente resulta dos pontos 3, 4, 10, 11 e 12 dos factos provados da sentença recorrida, a arguida, com a sua conduta, ameaçou a assistente e o ofendido, ameaça que, em concreto, lhes causou medo e receio. Com efeito, como se provou e em síntese, a arguida disse à assistente que no prazo de oito dias lhe lançaria fogo à casa tendo esta ficado receosa de que aquela viesse a concretizar o propósito anunciado, e instantes depois a arguida, munida de uma forquilha que exibia e espetava no chão, disse à assistente e ao ofendido que lhes havia de fazer o mesmo que estava então a fazer com a forquilha, o que levou a que a assistente e o ofendido andassem receosos de que a arguida concretizasse o propósito anunciado.

3.2. Diz depois a arguida que a expressão, «Hei-de fazer-vos o mesmo que estou a fazer agora» não revela qualquer intenção de matar, e que a forquilha não é um meio particularmente perigoso cuja utilização crie um grave risco para a vida.

A expressão referida foi proferida pela arguida, dirigida à assistente e ao ofendido, enquanto exibia e espetava repetidamente no solo, uma forquilha com quatro bicos em ferro com cerca de 0,33 m cada um e cabo em madeira com cerca de 1,53 m, querendo assim fazer-lhes crer que os iria molestar fisicamente, infundindo-lhes receio pela sua segurança e bem estar, afectando a sua tranquilidade e paz individual [pontos 9 a 11 e 14 dos factos provados] não permite concluir, relativamente ao objecto da ameaça, e à míngua de outros elementos, tratar-se de um crime de homicídio.

Mas já entendemos que uma forquilha com as características referidas – quatro dentes de 30 cm cada um – é, em si mesma, quando usada na prática de ofensas à integridade física, um instrumento particularmente perigoso, pois que encerra uma potencialidade de dano muito superior aos meios e instrumentos normalmente usados na prática de agressões físicas.

Assim, deve a referida forquilha ser qualificada como meio particularmente perigoso o que determina que o crime ameaçado seja então o de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 146º, nºs 1 e 2, com referência ao art. 132º, nº 2, g), do C. Penal, na redacção em vigor na data dos factos, com pena de prisão de 40 dias a 4 anos ou com pena de multa de 13 dias a 480 dias.

Em consequência, quanto a esta ameaça dirigida à assistente e ao ofendido, mostra-se preenchida a agravação prevista no nº 2, do art. 153, do C. Penal, na referida redacção.

3.3. Diz também a arguida que jamais pretendeu incendiar tendo actuado, com referência ao crime previsto no art. 272º, nº 1, a), do C. Penal, com falta de consciência da ilicitude não censurável, o que exclui o dolo. Para tanto, alega que não representou o resultado – provocar incêndio e criar perigo para o património da assistente – como consequência da sua conduta, que ao proferir a ameaça não percebeu o seu alcance ou se percebeu não teve conhecimento e vontade de realização do facto.

Estamos pois no âmbito da ameaça dirigida exclusivamente à assistente ou seja, quando a arguida disse à assistente que haveria de lançar fogo à casa desta no prazo de oito dias.

Dispõe o art. 16º, nº 1, do C. Penal que, o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.

Mas este erro, para relevar, tem que se traduzir na prova de factos que o demonstrem, o que manifestamente não acontece nos autos.

Acresce que não se entende como é possível que a arguida não tenha representado o resultado incêndio e criação de perigo para bens da assistente, quando a ameaça que proferiu foi precisamente a de incendiar futuramente a casa e portanto, um bem da assistente, como também não se entende que, ao proferi-la, não tenha entendido o seu alcance, pois que não vem colocada sequer a possibilidade de uma incapacidade acidental temporária.

Finalmente cabe dizer que é absolutamente irrelevante para o preenchimento do tipo do crime de ameaça, que o agente tenha intenção ou não, de a concretizar (cfr. Prof. Taipa de Carvalho, ob. cit., 348).

Não obstante, provado que está que a casa da assistente tinha valor superior a € 400 e que era conhecido da arguida [ponto 13 dos factos provados], resta concluir que o valor de € 400, pois que apenas este pode ser atendido, é inferior a cinquenta unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto [50 x € 89 = € 4.450] não sendo por tal razão qualificável como valor elevado, atento o disposto no art. 202º, a), do C. Penal.

Por isso, não se equacionando o preenchimento do tipo previsto no art. 272º, nº 1, a), do C. Penal, mas antes o do previsto no art. 212º, nº 1, do mesmo código – crime de dano – punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, a ameaça dirigida à assistente não preenche a agravação prevista no nº 2, do art. 153, do C. Penal (na referida redacção).

Em conclusão, quanto a esta ameaça mostra-se unicamente preenchida a previsão do nº 1, do art. 153º, do C. Penal, na redacção em vigor na data da prática dos factos.


*

Da continuação criminosa [conclusões n) a p)]

4. Pretende a arguida que, relativamente à assistente, agiu no âmbito de uma única resolução criminosa que se prolongou de forma ininterrupta no tempo, pelo que praticou um único crime continuado de ameaça simples, e que na mesma continuação criminosa se deve incluir o crime de injúria por que foi condenada, pois que os crimes de ameaça de injúria tutelam bens jurídicos análogos.

O art. 30º, nº 1, do C. Penal, na distinção que efectua entre unidade e pluralidade de infracções, segue um critério teleológico, em que releva o número de tipos de crime efectivamente preenchidos e o número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido.

Mas esta regra sofre, além de outras, a restrição prevista no nº 2 do mesmo artigo, a do crime continuado.

O citado nº 2 dispõe:

Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”.


O crime continuado constitui pois uma excepção ao princípio de que a pluralidade de tipos violados ou a violação repetida do mesmo tipo determina a pluralidade de crimes cometidos que, nos termos da lei vigente, tem o seu fundamento na consideração de que certas condutas, preenchendo embora o mesmo tipo de crime ou mesmo tipos diversos mas que fundamentalmente tutelam o mesmo bem jurídico, e que são fruto de uma pluralidade de resoluções, devem no entanto ser unidas numa só infracção, por revelarem uma considerável diminuição da culpa do agente. E esta considerável diminuição da culpa radica no momento exógeno, na disposição exterior das coisas para o facto que facilitou a repetição da actividade criminosa e, nessa medida, tornou cada vez menos exigível ao agente um comportamento conforme o direito (cfr. Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Reimpressão, 1971, 209).

São assim pressupostos do crime continuado:
- Que as condutas repetidas se dirijam todas contra o mesmo bem jurídico ou contra bens jurídicos fundamentalmente idênticos [estando em causa bens pessoais, exige-se a identidade da vítima];
- Que a execução da conduta repetida seja essencialmente homogénea e;
- Tenha lugar no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente [menor exigibilidade].

Aqui chegados, podemos dizer que a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir:
- Um só crime, se tiver persistido o mesmo desígnio, a mesma resolução criminosa isto é, se o dolo inicial se mantiver ao longo de todas as condutas;
- Um crime continuado se, existindo uma pluralidade de resoluções criminosas, elas se mantiverem dentro de uma «linha psicológica continuada» (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Sumários e Notas das Lições, 1975/76, 127) ou seja, aglutinadas por factores externos que conduzem o agente à repetição da conduta;
- Um concurso de crimes, quando não ocorra nenhuma das anteriores situações.

4.1. Resulta da factualidade provada que a arguida, num primeiro momento, dirigindo-se à assistente, diz-lhe que lha há-de lançar fogo à casa no prazo de oito dias, e num segundo momento, exibindo e espetando repetidamente a forquilha no chão, dirigindo-se à assistente [e também ao ofendido] diz-lhe que lhe há-de fazer o mesmo que estava a fazer isto é, espetar a forquilha.
Em cada um destes momentos, porque a arguida, como também se provou, agiu dolosamente, e causou na assistente o receio de que concretizasse os anunciados propósitos, preencheu os elementos constitutivos do tipo [base] do crime de ameaça, atrás enunciados, relativamente à assistente.
E percorrendo a mesma factualidade provada não descortinamos nela a existência de uma qualquer situação exterior à arguida que lhe tenha diminuído, e muito menos, consideravelmente, a culpa.
Deve pois afastar-se a possibilidade de continuação criminosa relativamente aos dois referidos momentos.

4.2. Bem pelo contrário, o que resulta da factualidade provada é uma grande intensidade da resolução criminosa da arguida quanto ao seu propósito de ameaçar a assistente isto é, um dolo inicial persistente mas único, cobrindo aqueles dois momentos, pois que, como se provou, sucedem-se um ao outro quase de imediato e no âmbito da mesma situação de conflito.
Na verdade, e como resulta dos pontos 3, 4, 5, 8, 9 e 10 dos factos provados, depois de ter ameaçado incendiar a casa da assistente e de lhe ter dirigido palavras atentatórias da honra e consideração que lhe são devidas, tendo-se a assistente e familiares, entre eles o ofendido, dirigido para um eira ali situada, a arguida foi no encalço daquela com a forquilha, e proferiu então a segunda ameaça contra ela [e agora também contra o ofendido que a acompanhava].

A circunstância de o crime ameaçado, na primeira ameaça efectuada, tutelar bem jurídico de natureza patrimonial, e de o crime ameaçado, na segunda ameaça efectuada, tutelar bem jurídico de natureza pessoal, não impede a possibilidade de estarmos perante um único crime [como aliás, em nosso entender, não impediria a verificação da continuação criminosa, se verificados fossem os seus pressupostos], contrariamente ao que parece ter sido entendido na sentença recorrida.

Concluímos portanto que a arguida, relativamente à assistente, se constituiu autora material de um único crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, na redacção em vigor na data da prática dos factos.

4.3. Quanto à pretendida inclusão do crime de injúria na continuação criminosa não pode a mesma proceder.
Desde logo, porque não existe qualquer continuação criminosa.
E em segundo lugar, porque, tutelando o crime de injúria e o crime de ameaça bens jurídicos completamente distintos – o primeiro tutela a honra, valor cuja definição não é isenta de dificuldades, e o segundo tutela, como vimos, a liberdade de decisão e de acção – o preenchimento de ambos os tipos ainda que por segmentos de uma conduta globalmente considerada, conduz sempre a um concurso efectivo de crimes.

*

Da medida das penas [conclusões r) e s)]

5. Resulta do que antecede que, com a sua apurada conduta, se tornou a arguida autora material de, um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, que tem por ofendida a assistente, um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, na redacção em vigor na data da prática dos factos, que tem por ofendida a assistente, e um crime de ameaça, p. e p. p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, na mesma redacção, que tem por ofendido J....
Pela prática destes crimes foi a arguida condenada nas penas parcelares de, 80 dias de multa, 160 dias de multa e 160 dias de multa, respectivamente, à taxa diária de € 4.

Diz a arguida, na pressuposição de que – através da pretendida mas não atendida continuação criminosa – apenas seria autora material de dois crimes de ameaça simples, que a pena por cada um deles não deve exceder os 100 dias de multa à taxa diária de € 2.
Mas sem razão.

5.1. Dispõe o art. 40º, nº 1, do C. Penal, que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas, conforme estabelece o seu nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Prevenção e culpa são pois as balizas para a determinação da medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. E a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 214 e ss.).
A medida da pena será então dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, com o limite inultrapassável da medida da culpa.

O critério de escolha e de substituição da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal.
Quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que, verificados os respectivos pressupostos, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
São as finalidades de prevenção geral e de prevenção especial, e não as finalidades de compensação da culpa, que impõem a preferência, no caso concreto, pela pena não privativa da liberdade. A culpa, que no processo de determinação da pena, constitui como vimos, o limite inultrapassável do quantum daquela, nada tem a ver com o prévio problema da escolha da espécie de pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit. 331).

A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena.
A determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).

Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

5.2. Os crimes praticados pela arguida são puníveis, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. O tribunal recorrido optou pela aplicação de penas não privativas da liberdade, opção que se mostra correcta sendo, aliás, imodificável.

Na determinação da medida concreta das penas o tribunal a quo entendeu ser considerável o grau de ilicitude dos factos, atentas as concretas palavras dirigidas à assistente e os concretos meios ameados, entendeu serem medianas as necessidades de prevenção geral e relevantes as de prevenção especial face á revelada falta de interiorização da culpa por parte da arguida, tendo atendido, por outro lado, à inexistência de antecedentes criminais por parte da arguida e à sua integração social e familiar.
Sendo ainda de considerar a elevada intensidade do dolo da arguida, especialmente no que respeita ao crime de ameaça praticado na pessoa da assistente, pelas razões que atrás se deixaram referidas, e que a acumulação de infracções agrava a sua culpa, variando a pena de multa aplicável ao crime de injúria entre 10 e 120 dias e dias e a pena de multa aplicável à ameaça agravada entre 10 e 240 dias, as penas concretas fixadas na sentença, porque respeitam integralmente os critérios referidos, se mostram razoáveis e perfeitamente suportadas pela culpa da arguida, nenhuma censura merecem.

5.3. E o mesmo se diga relativamente ao quantitativo diário fixado para a pena de multa.

O art. 47º, nº 2, do C. Penal, na redacção em vigor na data da prática dos factos, determina que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre € 1 e € 498,80, que o tribunal fixará em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

A aplicação de uma pena de multa deve sempre significar a verdadeira função de uma pena e por isso, tem que constituir um real sacrifício para o condenado. Só assim este poderá sentir o juízo de censura que a condenação significa, bem como só assim se dará satisfação às exigências de prevenção.
Mas com a sua aplicação não pode deixar de ser assegurado ao condenado o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar (cfr. Acs. do STJ de 02/10/1997, CJ, S, V, III, 183 e da R. de Coimbra de 17/04/2002, CJ, XXVII, II, 57).

É certo que a apurada situação económica da arguida não revela uma situação de desafogo, sendo legítimo concluir, face ao ponto 24 dos factos provados, que toda a família vive de forma apenas remediada.
Mas não só o quantitativo fixado se situa muito próximo do mínimo legal, como a lei prevê mecanismos de flexibilização do cumprimento da pena de multa, quando tal se mostre justificado (cfr. art. 47º, nºs 3 e 4, do C. Penal).
Por tudo isto, entende-se que o montante diário da pena de multa de € 4 fixado na sentença recorrida não merece censura.

5.4. Face ao desaparecimento de um dos crimes de ameaça pelo qual foi a arguida condenada em 1ª instância, cabe agora reformular o cúmulo jurídico das demais penas concretas.

Considerando a moldura penal abstracta aplicável ao concurso, resultante do disposto no art. 77º, nº 2, do C. Penal – 160 dias a 400 dias de multa – considerando que todos os crimes foram praticados na decorrência da mesma situação de conflito, considerando ainda o demais circunstancialismo, julgamos adequada a pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de € 4.
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6. A Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor a 15 de Setembro de 2007, introduziu diversas alterações ao C. Penal, designadamente, ao art. 47º, respeitante à pena de multa, e aos arts. 153º e 155º, respeitante ao crime de ameaça.
Assim, cumpre agora verificar se há lugar à aplicação do disposto no art. 2º, nº 4, do C. Penal.

6.1. Começando pelo crime de ameaça, o tipo base encontra-se previsto no nº 1, do art. 153º, que mantém a mesma redacção.
E a agravação prevista no nº 2 do mesmo artigo, na redacção anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, encontra-se agora prevista, se bem que com um âmbito mais alargado, no nº 1 do art. 155º vigente, mantendo-se porém a mesma pena abstracta isto é, pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias.

Não são pois diferentes, as normas vigentes na data da prática dos factos, das normas posteriores.

6.2. Quanto à pena de multa, foi modificado o nº 2, do art. 47º, mas apenas no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa, que passou a variar entre € 5 e € 500.
Tendo em consideração a referida condição económica e financeira da arguida, e o que atrás se deixou dito, o quantitativo diário da pena de multa, a fixar de acordo com a Lei Nova, seria o de € 6.

Concluindo, a Lei Nova não é, em concreto, mais favorável à arguida, pelo que deve a mesma ser punida pela lei em vigor na data da prática dos factos (art. 2º, nºs 1 e 4, do C. Penal).
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Do excessivo montante da indemnização [conclusão t)]

7. Por último, diz a arguida que, atenta a sensibilidade da lesada, pessoa do mundo rural, deve o montante da indemnização fixada por danos não patrimoniais ser fixado em não mais de € 500.
Vejamos.

A arguida foi condenada no pagamento à assistente de uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 2.500.

Como é sabido, a indemnização fundada na prática de um crime é regulada pela lei civil (art. 129º, do C. Penal).
Face aos factos provados dúvidas não subsistem de que a arguida se tornou sujeito passivo de uma obrigação de indemnizar relativamente à assistente, verificados que estão todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, previstos no art. 483º, nº 1, do C. Civil.
Por dano deve entender-se toda a ofensa de bens jurídicos ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (cfr. Prof. M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª Ed., 533).
Na fixação da indemnização determina o art. 496º, nº 1, do C. Civil que sejam considerados os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. E a regra para a sua fixação é a do recurso à equidade (nº 3 do mesmo artigo).
Os danos não patrimoniais, como é sabido, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, destinando-se a indemnização por eles devida, não a reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto, mas antes compensar o lesado e, de alguma forma, sancionar o lesante.
Na fixação destes danos, dada a referida insusceptibilidade de avaliação pecuniária, há que encontrar a quantia que, idealmente, proporcione ao lesado momentos de alegria, de satisfação e de distracção, que atenuem a padecimento sofrido, sempre tendo em vista a justiça do caso concreto.

7.1. Na sentença recorrida, para compensação dos danos sofridos pela assistente em consequência das palavras injuriosas que lhe dirigiu a arguida, foi fixada a indemnização de € 1.000.
Como bem se refere na sentença em crise, tais palavras comportam uma elevada carga pejorativa sendo, em qualquer contexto social, das mais graves que se podem dirigir à honra de uma mulher, sobretudo, casada. Para além disto, a assistente é considerada pessoa séria e honesta, e aquelas palavras foram proferidas perante familiares próximos seus.
Não se questiona pois que a assistente sofreu um dano não patrimonial que pela sua gravidade, merece a tutela do direito.
Cremos, no entanto, que a justiça do caso concreto, ponderando globalmente o circunstancialismo pertinente, será alcançada com a fixação de uma indemnização algo inferior à determinada pela 1ª instância.
Assim, entendemos como justa e equitativa a quantia de € 600 para compensação de tais danos.

7.2. Na sentença recorrida, para compensação dos danos sofridos pela assistente em consequência das ameaças proferidas pela arguida, foi fixada a indemnização de € 1.500.

Sabemos que está em causa a ameaça de incêndio da casa da assistente e a ameaça de ofensa à sua integridade física com a forquilha, em consequência das quais, esta passou a viver receosa, passou a evitar sair de casa e a evitar locais onde pudesse deparar com a arguida, passou a ter dificuldades em adormecer e a acordar sobressaltada, e deixou de sair à noite ao fim-de-semana, temendo que sejam concretizados os males anunciados.

De novo estamos perante um dano não patrimonial que pela sua gravidade, merece a protecção do direito.
Mas também aqui consideramos que se mostra excessivo o montante fixado pela 1ª instância para compensação de tais danos, considerando-se mais ajustado ao caso concreto, o montante de € 1.000.

7.3. Em conclusão do que antecede, fixa-se a indemnização devida pela arguida à assistente, a título de danos não patrimoniais, em € 1.600.
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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso.
Consequentemente, decidem:

A) Absolver a arguida da prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal [crime que tinha por mal ameaçado o incêndio da casa da assistente].
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B) Reformular o cúmulo jurídico dos demais crimes praticados pela arguida [um crime de injúria e dois crimes de ameaça], condenando agora a arguida na pena única de pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 4 (quatro euros), perfazendo a multa global de € 960 (novecentos e sessenta euros).

C) Condenar a arguida no pagamento à assistente de uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 1.600 (mil e seiscentos euros).
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D) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente, atento o decaimento parcial, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (arts. 513º, nº 1, do C. Processo Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).
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Custas do pedido de indemnização pelas partes respectivas, na proporção do decaimento.

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Coimbra, 26 de Maio de 2009


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(Heitor Vasques Osório)

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(Jorge Baptista Gonçalves)

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(Jorge Simões Raposo)