Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3551/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FERREIRA DE BARROS
Descritores: LIMITES MÁXIMOS DA INDEMNIZAÇÃO FUNDADA EM ACIDENTE DE VIAÇÃO
MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO EM MORA
Data do Acordão: 12/09/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Área Temática: CÓDIGO CIVIL
Legislação Nacional: ART. S 508° E 805°, AMBOS DO CC E ART. 6° DO D. L. N. 512/85, DE 31.12
Sumário:
I- O art. 508 ° do CC não está tacitamente revogado pelo preceituado no art. 6 ° do DL n.o 522/85, de 31.12, diploma que fixou o regime do seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel.
II- Na hipótese de condenação em quantia liquidar em execução de sentença decorrente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, em princípio, o devedor constitui-se em mora desde a citação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO
No dia 12.12.2000, pelos CAMINHOS..., E.P. foi intentada, no Tribunal de Soure, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A., pedindo a condenação desta ao pagamento duma indemnização no montante de 9.869.022$00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 1.495.765$00 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento. Alegou, para o efeito, em síntese, um acidente ocorrido entre um combóio e um veículo automóvel, na Linha do Ramal de Alfarelos, tendo o condutor do veículo automóvel atravessado a PN no momento em que passava o combóio, causando culposamente, e de forma exclusiva, o acidente de que resultaram danos patrimoniais para o Autor.
A Ré seguradora contestou por excepção (prescrição) e por impugnação, concluindo pela absolvição do pedido.
Replicou o Autor, defendendo a improcedência da invocada excepção.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção, e após saneamento, instrução e julgamento foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 2.187,38, além do montante que vier a ser liquidado em execução de sentença como correspondendo ao prejuízo sofrido pelo Autor em consequência da paralisação da máquina n.º 5618-2 para reparação de estragos sofridos em consequência da colisão a que se reportam os autos, mas nunca superior a € 49.363, 68. Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Irresignada com tal decisão, apelou a Ré, no sentido da revogação parcial, deste jeito rematando a sua alegação:
1ª-O recurso é limitado à parte da sentença que, em sede de responsabilidade objectiva, foi entendido que “... os limites máximos de indemnização para efeitos do art. 508º do CC, são os montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório, que actualiza os constantes daquele art. 508º”;
2ª- e sobre a quantia a liquidar acresciam juros legais desde a data da citação, condenando a Recorrente nesse pagamento;
3ª-O DL n.º 522/85, de 31.12 não actualiza os valores/limite indicados no art. 508º do CC, contrariamente ao decidido;
4ª-O art. 6º apenas contempla os limites do seguro obrigatório;
5ª-No actual estado do Direito Comunitário, não é admissível a aplicabilidade directa das Directivas;
6ª-Houve falta de transposição da 2ª Directiva n.º 84/5/CEE relativamente à responsabilidade pelo risco;
7ª-Existindo desconformidade entre o disposto no art. 508º do CC, na redacção introduzida pelo DL n.º 190/85, de 24.06 e a aludida 2ª Directiva do Conselho de 30.12.83;
8ª-O dispoto no n.º 1 do art. 508º não pode ser posto em causa, na medida em que se reporta não só à responsabilidade pelo risco em acidentes de viação, como a outras situações (arts. 499º a 503º, 509º e 510º);
9ª-Os limites do art. 508º do CC estão, de momento, plenamente em vigor, pelo que deverão ser observados;
10ª- Ao condenar a Ré para além desse limite, o qual repostado à data do acidente, e porque se trata de danos em coisa, era de 2.000.000$00, o Tribunal a quo violou o n.º1 do art. 508º do CC;
11ª- Estando já fixada na sentença a quantia de 438.531$00, a responsabilidade da Recorrente não poderá exceder 1.561.469$00, o que equivale a € 7.788,57;
12ª-Foi a Ré condenada a pagar juros de mora desde a data da citação sobre montante a liquidar em execução de sentença, mas a mora só ocorre quando o crédito se tornar líquido, e a liquidez não é imputável à Recorrente;
13ª-Assim, o Tribunal violou o disposto nos arts. 566º, n.º1 e 805º, n.º3, 1ª parte, ambos do CC;
14ª-Os juros de mora só deverão ser contabilizados após a data da prolação da sentença que liquidar o montante porventura devido.

Contra- alegou o Autor no sentido da confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

III)- O DIREITO

Delimitado objectivamente o recurso pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, coloca a Apelante/Ré a julgamento deste Tribunal as seguintes questões:

1ª-Saber se, em acidente automóvel, os limites máximos da indemnização da responsabilidade pelo risco fixados no art. 508º do CC devem corresponder aos montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório.
2ª- Definir a data a partida da qual devem ser contados os juros de mora sobre o montante da indemnização a liquidar em execução de sentença.

III-1)- Vejamos a 1ª questão.

Consta da sentença sob exame, transcrevendo, que “os limites máximos da indemnização para efeitos do art. 508º do Código Civil são os montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório, que actualiza os constantes do art. 508º. Esta interpretação resulta do preâmbulo do D.L n.º 522/85, de 31.12, que pretende interligar os dois limites ( máximos da responsabilidade objectiva e mínimos do seguro obrigatório), sendo certo que estes mínimos têm sofrido alteração”.
Ou seja, partindo desse princípio, e assentando na responsabilidade objectiva, foi arbitrada uma indemnização que excedeu os limites máximos previstos no n.º1 do art. 508º do CC. Com efeito, atenta a parte final desse normativo, tendo o acidente ocorrido em 18.12.97, e tratando-se, no caso, de danos causados em coisas, o montante máximo da indemnização deveria corresponder à alçada do Tribunal da Relação, que, na altura, estava fixada em 2.000.000$00, por força do n.º1 do art. 20º da Lei n.º 38/87, de 23.12. Diga-se que esta é uma questão já muito debatida na jurisprudência e na doutrina, tendo sido objecto de vários arestos do STJ. Confrontam-se duas teses, uma no sentido de respeitar integralmente os limites máximos da indemnização fundada em responsabilidade pelo risco, tal como se prevê no art. 508º do CC, enquanto a outra tese defende que os limites máximos da indemnização baseada no mesmo tipo de responsabilidade e emergente de acidente de viação, coincidem com os valores mínimos do seguro obrigatório automóvel.
Vejamos.
A adesão de Portugal à então CEE obrigou o nosso país a adaptar às normas comunitárias o regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, já instituído pelo DL n.º 408/79, de 25.09. Já então vigorava a 2ª Directiva do Conselho 84/5/CEE, de 30.12.1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis. Dando sequência aos princípios dessa Directiva foi publicado o DL n.º 522/85, de 31.12, explicitando-se no preâmbulo desse diploma ser esse o objectivo primordial. Como um dos princípios basilares dessa Directiva salienta-se o estabelecimento de montantes mínimos uniformes para os capitais seguros (art. 1º, n.º2). Tal Directiva implicou, ainda, a publicação do DL n.º 14/96, de 06.03, que deu nova redacção ao n.º2 do art. 504º do CC. Portugal deu cumprimento a essa Directiva, de forma progressiva, no tocante ao estabelecimento de montantes mínimos do seguro obrigatório automóvel, já que lhe era permitido até 31.12.95 aumentar os montantes das garantias até aos montantes previstos no n.º2 do art. 1º da Directiva, conforme resulta do art. 5º da mesma Directiva na redacção conferida pelo Anexo I, Parte IX, F, do Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino de Espanha e Portugal e às Adaptações dos Tratados. Com a publicação do DL 3/96, de 25.01, com efeitos reportados a 01.01.96, o capital mínimo obrigatório seguro é para a generalidade dos veículos 120.000$00 para danos corporais e materiais, qualquer que seja o número de vítimas ou a natureza dos danos, e, com a introdução da moeda única, foi publicado o DL n.º 301/01, de 23/11 que fixou aquele montante em € 600.000,00. Mas apesar dos verificados aumentos impostos pela 2ª Directiva, através de sucessivos diplomas que alteraram a redacção do art. 6º do DL n.º 522/85, manteve-se inalterada a redacção do art. 508º do CC, introduzida pelo art. 1º do DL n.º 190/85, de 24.06, tendo entrado em vigor no dia 01.01.86, ou seja, no mesmo dia em que entrou em vigor o DL 522/85. Por interpretação dessa Directiva, onde não se distingue entre responsabilidade civil subjectiva e objectiva, conclui-se haver desconformidade entre os seus arts. 1º, nº2 e 5º, n.º3 e o art. 508º do CC. Tal foi reconhecido no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades, datado de 14.12.2000, no Proc. n.º C-348/98, originado por um pedido de reenvio prejudicial feito pelo Tribunal de Setúbal, onde a dado passo se escreve que “os arts. 1º, n.º2 e 5º, n.º3, na redacção que lhe foi dada pelo Anexo relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, da Segunda Directiva obstam à existência de uma legislação nacional que prevê montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por esses artigos quando, não havendo culpa do condutor do veículo que provocou o acidente, só haja lugar a responsabilidade pelo risco”.
Mas os efeitos desse acórdão prejudicial apenas se repercutem dentro do processo que lhe deu origem, quer se trate de um acórdão interpretativo, quer de um acórdão de apreciação de validade. Tratando-se de interpretar um preceito de direito comunitário o juiz do processo terá de respeitar o sentido da interpretação conferido pelo TJCE. Todavia, este Tribunal não diz se é de aplicar, no caso concreto, o direito comunitário. Como é de respeitar os efeitos do acórdão do TJCE noutros processos, como precedente interpretativo de normas comunitárias (vidé “Guia Prático do Reenvio Prejudicial”, p. 106 a 112, de Almeida Andrade). Portanto, tal acórdão, interpretando a citada Directiva, não impõe, fora dos processos onde é chamado a pronunciar-se, a observância ou aplicação da mesma no âmbito da responsabilidade pelo risco, e no que toca aos limites mínimos das garantias.
Diga-se, também, que as Directivas não gozam do chamado efeito directo, tal significando que, em certas condições, a vigência na ordem interna das normas comunitárias não fica dependente de qualquer acto de recepção ou transposição a cargo das autoridades nacionais (obra citada, p. 17). Efectivamente, as Directivas, fazendo parte do direito comunitário derivado, vinculam qualquer Estado Membro destinatário quanto ao resultado ( um direito e ou uma obrigação) a atingir, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e quanto aos meios. Carecendo de transposição para o direito interno, porque não gozando da aplicabilidade directa, como acontece com os Regulamentos, pode, em certos casos, a directiva gozar do efeito directo vertical, na medida em que ao particular é permitido invocar o direito previsto na directiva contra o Estado em tribunal nacional. Todavia, falece à mesma o efeito directo horizontal porque jamais o particular pode invocar o direito previsto na directiva contra outro particular. Consequentemente, não gozando a dita Directiva do chamado efeito directo horizontal, não pode prevalecer sobre o regime do art. 508º do CC, num conflito entre particulares, como é o caso. Não produzindo quaisquer efeitos no direito interno a citada Directiva, porque mantido inalterado o art. 508º do CC. relativamente aos limites máximos da responsabilidade objectiva, nessa parte, pois, irrelevante o apelo ao seu normativo. Carece, pois, de força jurídica para se substituir ao art. 508º.

De qualquer modo, poderá considerar-se tacitamente revogado o art. 508º do CC pelo art. 6º do DL n.º 522/85?
Como se viu, esta última norma vem, expressa e sucessivamente, dando cumprimento aos n.º2 do art. 1º e n.º3 do art. 5º da citada 2ª Directiva, actualizando o capital mínimo obrigatoriamente seguro por sinistro. Atenta essa circunstância poderá concluir-se que há incompatibilidade entre essas normas? Pode, na verdade, como flui do n.º2 do art. 7º do CC, a revogação da lei resultar quer de declaração expressa, como da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior. Se bem se notar, o legislador ao fazer publicar o DL n.º 522/85 tinha bem presente o art. 508º do CC, como decorre do preâmbulo daquele diploma, não interferindo com os limites máximos fixados para a responsabilidade objectiva que iriam passar a vigorar a partir de 01.01.86. Aceitou, pois, uma diferenciação entre o capital mínimo obrigatoriamente seguro por sinistro e os limites máximos da responsabilidade objectiva. E não se coibiu o legislador de, mais tarde, conferir nova redacção ao n.º2 do art. 508º, através do DL n.º 423/91, de 30.10, sempre fazendo apelo à alçada da Relação (cfr., a este respeito, “Revogação Tácita do art. 508º do Código Civil?”, de Nuno Manuel de Oliveira, na Scientia Juridica, Tomo LI, n.º 292, Janeiro-Abril de 2002, págs. 97 a 109). E a incompatibilidade não se surpreende uma vez que reportam uma e outra norma a situações não inteiramente coincidentes, posicionando-se em planos diferentes, como vem escrito no acórdão do STJ, publicado na CJ 2002, 2º, p. 57 e no acórdão do STJ, publicado na CJ 2002, 3º, p. 167. Como se adverte no primeiro aresto, “ ... as normas sobre responsabilidade civil, designadamente quanto ao montante indemnizatório, visam a definição dos direitos do lesado sobre o lesante e que as normas sobre o seguro, ainda que obrigatório, visam estabelecer em que moldes uma terceira entidade responde para com o lesado por virtude da responsabilidade do lesante e na mediada desta”. E mais adiante “... em nosso entender, a regulamentação do seguro quanto ao montante da cobertura legalmente imposta não contende, por si só, com as limitações resultantes do regime de responsabilidade civil”.
Aliás, o regime do art. 508º tem por base a consideração de que, para além de certo limite, também o lesado deve suportar o risco da sua actividade. E, por outro lado, há o sentimento de que não é justo, quando não haja culpa, condenar em indemnização exagerada (cfr. “Código Civil Anotado”, vol. 1º, p. 353, de Pires de Lima e Antunes Varela). Portanto, em tal hipótese, o legislador optou por uma responsabilidade limitada, consubstanciando, pois, uma norma de direito substantivo. E se o propósito do legislador foi estabelecer uma responsabilidade limitada, que não penalize tanto o responsável, sem culpa, do acidente, à redacção do art. 6º em apreço, e sucessivas actualizações, não subjaz tal finalidade, porque tem em vista fixar o capital mínimo obrigatoriamente seguro duma responsabilidade ilimitada. Não se pode concluir, sem mais, que ao capital mínimo obrigatoriamente seguro constante do art. 6º, e imposto pela 2ª Directiva, o legislador quisesse fazer corresponder os limites máximos da responsabilidade objectiva. Bem pode acontecer que pretendesse até limitar a indemnização por um patamar superior ao capital mínimo obrigatório.
E também não se esqueça a remissão operada para o art. 508º pelo art. 510º do CC, que fixa a limitação da responsabilidade pelo risco decorrente dos danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás. Paralelamente, pois, coexistindo no nosso sistema normativo, no domínio do acidente de viação, uma responsabilidade ilimitada, com um capital mínimo obrigatoriamente seguro, e uma responsabilidade limitada, em caso de risco, com os limites máximos do art. 508º, sem que o art. 6º tenha revogado o art. 508º no tocante àqueles limites. Sem dúvida extremamente desactualizados tais limites, face à inflação e desvalorização da moeda, acarretando gravosas consequências a nível social. Mas esse é um problema de política legislativa, sendo certo que, na interpretação dada à Directiva pelo TJCE, o Estado está vinculado a fazer corresponder, pelo menos, os limites máximos da indemnização previstos no art. 508º ao capital mínimo obrigatoriamente seguro, sob pena de ver contra ele proposta acção por incumprimento, nos termos dos arts. 226º a 229º do Tratado de Amesterdão.
Acrescente-se, ainda, que a aceitar-se a aludida revogação tácita do art. 508º, ficaria posto em causa o princípio da confiança nos contratos de seguro celebrados, quando as seguradoras contrataram no pressuposto de que a indemnização pelo risco só funcionaria nos limites do art. 508º, como vem salientado no acórdão da Relação de Guimarães, publicado na CJ 2002, 3º, p. 292.
Não se desconhece que, na doutrina, o Prof. Calvão da Silva vem defendendo a apontada revogação tácita, como pode ver-se na RLJ, ano 134º, n.ºs 3924 e 3925, p. 118 a 124 e na RLJ, ano 134º, n.ºs 3927 e 3928, p. 197 a 202. Encontrando-se, por outro lado, a esse respeito, dividida a jurisprudência, quer das Relações, quer do STJ (cfr., para além dos já citados, o acórdão do STJ, publicado na CJ 2002, 3º, p. 46, e os acórdãos das Relações publicados na CJ 2002, 4º, p. 278, CJ 2002, 2º, p. 183 e CJ 2003, 2º, p. 170). No STJ foi publicado um acórdão, em 13.02.2003, no sentido da aludida revogação (vidé RLJ, ano 134º, n,ºs 3927 e 3928, págs. 192 a 197).
Admitindo, deste modo, que vigoram os limites máximos da indemnização previsto no art. 508º, no caso, a indemnização a arbitrar ao Autor não poderá exceder 2.000.000$00, porque os danos apenas foram causados em coisas e o acidente ocorreu quando a alçada do Tribunal da Relação estava fixada naquele valor (parte final do n.º1 do art. 508º).
Consequentemente, não pode ser mantida a sentença na parte, em que aderindo à revogação tácita, condenou em montante superior a essa quantia. A condenação em quantia a liquidar em execução de sentença não pode exceder € 7.788,58, uma vez condenada a Ré, ora Apelante, na quantia líquida de € 2.178, 38.
Procedem, pois, as conclusões 3ª a 11ª.


III-2)- Atentemos, agora, na 2ª questão.
Tendo a Ré sido condenada a pagar uma quantia liquidar em execução de sentença devem os juros de mora ser contados a partir da data da citação para a acção declarativa?
Na sentença impugnada foi a Ré condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, a partir da citação para a acção declarativa, a acrescer às quantias líquida e ilíquida, mas a Apelante defende que os juros, no tocante à quantia ilíquida, devem ser contados a partir da sentença de liquidação.
Vejamos.
Conforme determina a segunda parte do n.º3 do art. 805º do CC, “tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste numero”. Prevendo a alínea b) do n.º 2 do mesmo normativo, que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito. Tal significa, em conjugação com o estatuído na primeira parte do n.º3, que na responsabilidade baseada em facto ilícito ou pelo risco, a mora conta-se sempre, quer a quantia indemnizatória seja líquida ou ilíquida, pelo menos, desde a citação para a acção declarativa. Se a quantia for ilíquida, a mora conta-se a partir do facto ilícito, independentemente, pois, de interpelação, se a falta de liquidez for imputável ao lesante ou responsável pelo facto ilícito. Todavia, conforme acórdão uniformizador n.º 4/2202, datado de 09.05.2002, publicado no DR , I Série-A, de 27.06.2002, se a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º2 do art. 566º do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º, n.º3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º1, também do CC, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
Portanto, se condenado o Réu em quantia ilíquida com base na responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, os juros de mora contam-se, pelo menos, a partir da citação para acção declarativa. Neste sentido se pronunciou esta Relação, no acórdão datado de 14.11.95, publicado na CJ 1995, 5º, p. 34 e o STJ, no acórdão datado de 06.12.2001, na CJ 2001, 3º, p. 136.
Correctamente, pois, foi a seguradora Ré condenada a pagar juros de mora a contar da data da citação para a acção declarativa até integral pagamento, não sendo de acolher a tese da Apelante vertida nas conclusões 12ª a 10ª, não devendo, assim, os juros de mora sobre a quantia ilíquida ser contados desde a data da sentença que, em execução, proceda à liquidação.


IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
1-Conceder parcial provimento ao recurso.
2-Em consequência, revogar, em parte, a sentença impugnada, indo a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 2.187,38 e, ainda, a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao prejuízo sofrido pelo Autor em consequência da paralisação da máquina n.º 5618-2 para reparação dos estragos sofridos em consequência da colisão a que se reportam estes autos, mas nunca superior a € 7.788,58. No mais decidido, vai a sentença confirmada.
3- Custas em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, custeando a Autora provisoriamente as custas atinentes à indemnização a liquidar em execução de sentença.