Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2562/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 01/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 201.º, 202.º E 668.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 3.º, N.º, AL. A) DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL
Sumário: A omissão do registo da acção ou da reconvenção, por força do art. 3.º, n.º 1- a) do Código do Registo Predial, não constitui nulidade. Trata-se de uma irregularidade sanável nos termos gerais;
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... demandaram, na comarca de Sever do Vouga C... e mulher D..., pedindo que se declare serem os proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial e se condenem os réus a tapar três janelas e uma porta e colocar o parapeito de um terraço em condições legais, porque tudo está em violação do disposto no artigo 1360.º, n.º 1 do Código Civil
Alegam, em síntese que são donos do prédio supra referido, que confina com outro prédio dos réus, no qual estes abriram três janelas e uma porta que deitam directamente para o seu prédio e distam dele menos de metro e meio. Na mesma situação mantém os réus um terraço com um parapeito que não ultrapassa a altura de 1, 30 m.

3. Os réus contestaram, opondo, também em síntese, que as alegadas aberturas e terraço estão a uma distância superior a metro e meio da linha divisória dos prédios. Que existe ainda um pequeno trato de terreno entre essa linha e a face exterior da parede da sua casa que lhe pertence e que tem vindo a ser ilegalmente ocupada pelos autores.
Por isso pedem, em reconvenção, que se declare que faz parte integrante do seu prédio e se condenem os autores a respeitar o direito dos réus e a desocupar essa porção de terreno e bem assim a indemnizá-lo de prejuízos que essa ocupação lhes tem causado.

4. No prosseguimento da causa veio a proceder-se a audiência de discussão e julgamento, posto o que foi proferida sentença que julgou a acção apenas procedente quanto ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o terreno indicado em 1 da petição inicial e improcedente quanto ao restante, e ainda procedente quanto à reconvenção, excepto no que se refere à indemnização.

5. Os autores não se conformam e apelam de decisão, concluindo:
1) E certo que os AA. alegaram na PI que os RR. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano ali identificado, e levado à al. e) dos Factos Provados da Sentença de fls. 264, mas logo alegaram nos artigos 11°, 13°, 14° e 15°, da mesma P.I., que a extrema entre o prédio dos AA. e RR. se faz a Norte do prédio dos AA. rigorosamente pela parede Sul do prédio dos RR., que nada tem para fora daquela parede. E, por isso, as obras referidas nos artigos 15° a 37°, constituem violação dos direitos de propriedade e posse dos AA.
2) Por seu turno os RR./ Reconvintes alegam na sua Contestação - Reconvenção, que lhes assiste o direito a uma parcela de terreno fora da sua parede Sul, representada pela área assinalada a vermelho no croquis de fls. 61, e que é com essa parcela que os AA. confinam a norte com o prédio dos RR.
3) Isto é os autores e réus não estão de acordo quanto aos limites e confrontações exactas dos respectivos prédios, defendendo cada uma das partes o direito a ver inclusa nos respectivos prédios a parcela em apreço, sendo a decisão quanto à propriedade dessa parcela que define o objecto e influência nos demais pedidos formulados na petição inicial. É que, sendo aquela parcela dos AA., não oferece dúvidas que as obras executadas pelos RR. e Reconvintes violam direitos dos autores e, sendo aquela parcela dos réus, não se verifica tal violação.
4) Posta a questão nestes termos, é manifesto que está em causa nos Autos, e quanto ao pedido Reconvencional, não só o prédio em si, identificado no art°. 8° da petição inicial e levado à al. E) dos Factos Provados da Sentença de fls. 264, mas uma parcela (a vermelha do croquis de fls. 61), que os AA. não reconhecem como fazendo parte daquele imóvel dos RR. (os AA. dizem que ela lhes pertence), e portanto não lhes (aos RR.) reconhecem o direito de propriedade sobre a mesma. Assim, é pressuposto do pedido reconvencional, a obtenção pelos RR. do reconhecimento pelos AA. do direito de propriedade da dita parcela como fazendo parte integrante do prédio do art°. 8° da petição inicial e al. e) dos Factos Provados da Sentença de fls. 264 ...O que, aliás, condiciona os demais pedidos deduzidos pelos RR. a título reconvencional.
5) Estão sujeitos a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície e servidão – artigo 2° nº. 1 al. a) do C. Reg. Predial... Como estão igualmente sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior –artigo 3° n.º 1 al. a) do C. Reg. Predial.
6) As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência – artigo 3° n.º 2 do C. Reg. Predial.
7) Considerando que o que se leva a registo não é a petição inicial, mas o pedido formulado na acção, e que a Reconvenção (modalidade do sistema de economia processual) é uma acção nova que se processa na primitiva, com um pedido próprio e autónomo, nada obsta à sua sujeição a registo quando disso seja susceptível (neste sentido, V. Catarino Nunes, Cód. Registo Predial Anotado, pp. 190 e 191), sendo que, «quando, pelo Réu, for levantada na contestação, a questão do direito de propriedade, será este pedido reconvencional que ficará obrigatoriamente sujeito a registo» -Parecer do Conselho Técnico da D.G. R.N., Proc. n°. 23/86, Liv. RP3, in Boletim dos Registos e do Notariado, n°. 15, Setembro de 1986, p. 7.
8) No caso dos Autos não foi ordenado, nem efectuado, o registo da Reconvenção, sendo verdade que a instância deveria ter sido suspensa até que se mostrasse efectuado o registo do pedido reconvencional, e não sendo este efectuado no prazo fixado deveriam os AA./ Reconvindos serem absolvidos da instância - art°. 501° n°. 3 do Código de Processo Civil.
9) Consequentemente é nulo todo o processado após os articulados oferecidos pelas partes, o que determina a nulidade da Sentença nos termos do art°. 668° n.º 1 al. d), 3 e 4, do Código de Processo Civil.
10) Ao fazer prosseguir os Autos sem que previamente fosse ordenado e efectuado o Registo da Reconvenção, o Tribunal "A Quo" extrapolou manifestamente do que lhe era admissível, ao arrepio do disposto nos art°s. 264° n.ºs. 1, 2 e 3, e violou o disposto nos art°s. 2° n.º. 1 al. a); 3° no. 2 do C. Reg. Predial e art°. 501° n.º 3 do C. P. Civil.
11) O Tribunal "A Quo" não deu cumprimento ao disposto no art°. 659° n.º. 3, e extravasou dos limites impostos pelo disposto no artigo 660° n.º 2, que violou, o que determina a nulidade da Sentença nos termos do art°. 668° n.º 1 als. c) e d), todos do C. P. Civil.
12) Sem prescindir, facto é que os meios probatórios constantes do Processo, o registo e gravação nele realizada, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto constantes das respostas dadas aos artigos 4°, 5°, 6°, 7°, 9°, 10°, 12°, 24°, 29°, 31 °, 32°, 33°, 34°, 35°, 36°, 37°, 38°, 39°, 41 °, 42°, 43°, 44°, 45°, 46°, 47°, 48°, 49°, 50° e 51 °, da Base Instrutória, diversa da Recorrida.
13) Os artigos 4°, 5°, 6°, 7°, 9°, 10° e 12°, da Base Instrutória mereciam a resposta incondicional e sem restrições de provados os artigos 24°, 29°, 31°, 32°, 33°, 34°,37°,38°,39°,41°,42°,43°,44°,45°,46°,47°,48°,50° e 51°, da Base Instrutória mereciam a resposta de não provados os artigos 35° e 36° da Base Instrutória mereciam a resposta de provados, com o esclarecimento que aquela parcela de terreno pertence ao prédio dos autores os artigos 49° e 51° da Base Instrutória mereciam a resposta de provado que os AA. sempre utilizaram e fruíram da parcela em questão, desde há mais de 20 anos, como seus donos e legítimos proprietários, exercendo-se esse direito até à parede sul do prédio dos RR.
14) Os quesitos supra mencionados em 12° e 13°, encontram-se incorrectamente julgados, e, em consequência, encontram-se também incorrectamente julgados os factos tidos por provados nas als. V), X), Z), AA), AB), AG), AH), AJ), AL), AM), AN), AQ), AS), A T), AV), AV), AX), AZ), BA), BC), BE) e BF), da Sentença de fis. 263 a 266.
15) É o que, aliás, se extrai (além dos documentos, factos aceites, inspecção ao local) dos depoimentos das seguintes testemunhas: Da testemunha José Luís Pereira Ribeiro -Acta de Os. 224, de 01/10/2004, Cassete 18, Lado A, da rotação 566 a 2475 (Respondeu aos artigos 1°, 4° a 7°, 9° a 12°, 21°, 24° a final da Base Instrutória), Transcrição de Os. 4 a 23; Da testemunha Herminio Martins- Acta de Os. 224 verso e 225, de 01/10/2004, Cassete 18, Lado B, da rotação 001 a 1470 (Respondeu aos artigos 1° e 24° a final da Base Instrutória), Transcrição de fls. 23 a 34; Da testemunha Isidro da Graça Gonçalves -Acta de Os. 225, de 01/10/2004, Cassete 18, Lado B, da rotação 1471 a 2509 (Respondeu aos artigos 4° a 7°, 9° a 12° e 21° da Base Instrutória), Transcrição de Os. 34 a 45; Da testemunha Rosa Maria Pereira Ribeiro -Acta de Os. 225, de 01/10/2004, Cassete 18, Lado B, da rotação 2510 à 2540, Cassete 28, Lado A, da rotação 001 à 2231 (Respondeu aos artigos 1°,4° a 7°, 9° a 12°,21°,24° a final da Base Instrutória), Transcrição de Os. 46 a 61.
16) Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal "A Quo" violou o disposto nos art°s. 340°; 483°; 1293°; 1305°; 1360° nos. 1,2 e 3; 1362°; 1363°, todos do C. Civil; 412° e ss.; 471°; 659° no. 3; 660° n°. 2, do C. P. Civil... Sendo manifesto o erro na apreciação da prova (art°. 690° A n°. 1 do C. P. Civil), tudo a determinar os termos do art°. 712° n.º 1 als. a) e b), nos. 2, 3, 4 e 5, do C. P. Civil... A Sentença em recurso está ferida das nulidades previstas no art°. 668° n.º 1 als. c) e d) do mesmo diploma legal.
17) Deve ser revoga a douta Sentença recorrida, anularem-se todos os actos subsequentes ao oferecimento dos articulados, incluindo o Registo da Reconvenção, e ordenar-se a repetição do julgamento, ou julgar-se a acção inteiramente procedente, por provada, com a condenação dos RR. nos pedidos formulados na PI, julgando-se a Reconvenção improcedente, por não provada, dela se absolvendo os AA.

6. Contra-alegaram os autores no sentido da confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir, tendo em conta os seguintes factos que vêm provados da 1ª instância, respeitando a ordem e numeração da sua proveniência:

Dos factos considerados assentes

A) Os Autores são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano: "casa de 2 andares, dependência e pátio, a confrontar a Norte com Dulcínea Pereira de Almeida, a Sul com Manuel Martins da Silva, a Nascente com a estrada nacional e a Poente com Maria da Conceição Pereira de Almeida, com área coberta de 110m2 e área descoberta 70 m2, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Pessegueiro do Vouga, sob o art. 1.267° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o n° 00623/910 111" -cfr. doc. de fls. 7 a 11, que se dá por integralmente reproduzido;
B) Este prédio adveio à sua titularidade por herança deixada por morte de Rosa Pereira e José Luciano Valente de Almeida;
C) Os Autores, por si e antecessores, vêm habitando a referida casa, benfeitorizando-a, nela dormindo, comendo, recebendo os seus amigos e familiares, cuidando do quintal e plantando aí os mais diversos produtos hortícolas;
D) Todos estes actos possessórios têm sido efectuados, quer pelos Autores quer pelos seus antecessores, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja ou contra a vontade de terceiros, convencidos que não prejudicam o direito de ninguém, sem qualquer paragem ou interrupção, no convencimento de que exercem um direito legítimo próprio de quem é dono e há mais de 1,5, 10, 15,20 e mais anos;
E) Os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano seguinte: "casa de cave, rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, confrontando a Norte com a estrada velha, a Sul com José Henriques Ribeiro, Nascente Estrada Nacional 328 e Poente caminho e Manuel Martins da Silva", inscrito na matriz da freguesia de Pessegueiro do Vouga sob o art. 1.3140 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o n° 00625/910114 -cfr. doc. de fis. 13 a 15, que se dá por integralmente reproduzido;
F) Este prédio adveio à titularidade dos Réus por o haverem adquirido à sociedade "Martins & Almeida, Lda", da qual são sócios os primeiros proprietários do referido imóvel - cfr. doc. de fls. 13 a 29, que se dá por integralmente reproduzido;
G) Os primitivos proprietários procederam as respectivas alterações estruturais desse prédio, sendo esta alteração registada em 12.05.1997 -cfr. doc. de fls. 13 a 15, que se dá por integralmente reproduzido;
H) Na parede sul da referida casa, os Réus (antecessores) abriram três janelas e uma porta;
I) Há cerca de 5 anos (com referência à data da propositura da acção);
J) Duas das suas janelas situam-se ao nível do rés-do-chão;
L) A janela que se encontra do lado esquerdo do observador virado para a fachada tem 73 cm, e a do lado direito 69 cm;
M) A porta existente encontra-se a 40 cm do chão de terra exterior;
N) A altura da porta é de 1,97 m e a sua largura é de 82 cm;
O) Ao nível do 10 andar edificaram uma janela com 1,22 m de largura por 1,05 m de altura;
P) O parapeito da janela edificada ao nível do 10 andar, situa-se a 3,93 m do chão de terra;
Q) Essa janela que não tem qualquer gradeamento de ferro ou em outro metal;
R) A porta não tem vidros por ser "fechada", as janelas do R/chão possuem vidros translúcidos e a janela do 10 andar possui vidros transparentes;
S) O parapeito do terraço tem a altura de 79 cm;
T) Tais obras efectuadas pelos Réus (antecessores) ocorreram há menos de 10 anos;

Da base instrutória
U) O imóvel identificado em A) situa-se a Sul do prédio referido em E);
V) As janelas e a porta permitem ver o imóvel dos Autores;
X) Uma das janelas da casa dos Réus, a que se encontra mais a Poente na parede Sul da casa destes, está voltada na direcção de um terreno que não dos Autores;
Z) Essa janela está próxima do prédio dos Autores;
AA) A janela que se encontra mais a Poente na parede Sul da casa dos Réus encontra-se a 1,40 m acima da soleira da porta;
BB) A janela que se encontra mais a Nascente na parede Sul da casa dos Réus encontra-se a 1,45 m acima da soleira da porta;
CC) Os Réus, ao nível do primeiro andar, edificaram uma zona plana que não é acessível por porta e encontra-se coberta por telhas A Sul da casa dos Réus e a Norte da casa dos Autores existe um rego foreiro;
DD) O rego foreiro é proveniente na EN 328;
EE) Que se desenvolve no sentido nascente-poente;
FF) O rego foreiro era, até há cerca de oito a dez anos, utilizado por pessoas para a rega dos campos;
GG) Paralela ao rego foreiro, existe uma passagem proveniente na EN 328 e que, quando o rego era utilizado para as regas, as pessoas passavam junto dele a acompanhar a água;
HH) Os Autores acedem ao seu prédio por escadas existentes na passagem proveniente da EN 328
II) Algumas pessoas podem aceder aos seus terrenos por essa passagem;
LL) Os donos de terrenos que tinham direito à água passavam pelo local, bem como limpavam e conservavam o leito do rego;
MM) Esse rego e caminho sempre serviram de limite aos prédios dos Autores e dos Réus (referidos em A) e E) supra);
NN) Entre a parede sul da casa dos Réus e o rego foreiro existe um espaço de forma trapezoidal no sentido poente-nascente;
OO) Medindo cerca de 5 m no seu lado poente, junto à estrema com Manuel Martins da Silva e José Carlos Pereira de Almeida;
PP) E termina em bico, do lado nascente, junto do aludido rego foreiro;
QQ) Entre a parede Sul da casa dos Réus e o rego foreiro existe uma faixa de terreno que, na parte mais ampla, apresenta uma largura superior a 3 m;
RR) A parte de terreno com forma trapezoidal situa-se entre a casa dos Réus e o rego foreiro;
SS) O rego sempre foi utilizado como limite dos imóveis dos Autores e Réus, tendo sido alinhado pelos herdeiros aquando das partilhas efectuadas por óbito dos pais da Autora;
TT) Que se situa a um nível superior em cerca de 1 m em relação ao leito do caminho e rego referidos;
UU) Quando foram feitas as partilhas, houve acordo entre os herdeiros, incluindo a Autora, relativamente à delimitação dos terrenos;
VV) Foi edificado um muro de suporte de terras no imóvel dos Réus;
XX) Os Autores assistiram à marcação do muro a construir;
ZZ) E concordaram com a respectiva implantação junto ao rego foreiro e a norte deste;
AAA) Os anteriores proprietários do imóvel dos Réus mandaram construir o muro de suporte e de vedação, em alvenaria, com blocos e argamassa;
BBB) E concluíram a alteração da estrutura do prédio, que passou a ter a composição e configuração actual;
CCC) As aberturas na parede Sul da casa dos Réus distam mais de 1,5 m do rego foreiro;
DDD) A zona plana coberta de telha que existe ao nível do primeiro andar da casa dos Réus se encontra alinhado com as paredes da habitação;
EEE) Pelo menos a partir de 1997, os Autores passaram a afirmar-se donos do terreno entre a casa dos Réus e a sua;
FFF) Em data posterior a 13 Agosto de 1996, os Autores destruíram o muro, derrubando os blocos e a argamassa;
GGG) Apenas mediante o recurso ao Tribunal e mediante acordo com os Autores os anteriores donos do imóvel identificado em E) puderam proceder aos acabamentos no imóvel dos Réus;
HHH) Os Autores plantaram árvores no espaço de forma trapezoidal que existe entre a casa dos Réus e o rego foreiro;
III) Os Autores têm objectos no espaço situado entre a parede Sul da casa dos Réus e o rego foreiro;
JJJ) E plantaram nele árvores de fruto e legumes.


7. Considerando que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como se intui do disposto nos artigos 684.º, 2 e 3 e 690.º, 1, 2 e 4 do Código de Processo Civil, teremos de concluir que são as seguintes questões que nos ficam para apreciar aqui e agora: i)nulidade da sentença por violação do art. 668.º, 1, c) e d) do Código de Processo Civil; ii) anulação de todo o processo após os articulados, por falta de registo da reconvenção; iii) erro de julgamento da matéria de facto.
Sobre a primeira dir-se-á que não se colhe da sentença que os seus fundamentos apontem em sentido diverso da decisão, é nisso que consiste a referenciada nulidade. Na verdade, em causa estava a questão de saber se as aberturas e o terraço na casa dos réus violavam o disposto no artigo 1360.º, 1 e 2 do Código Civil, por distarem menos de metro e meio do prédio dos autores. Como se provou que esta distância foi respeitada, só havia que retirar a conclusão de improcedência do pedido. Logo os fundamentos não estão em oposição com a decisão e por isso não ocorre a nulidade.
O que os apelantes naturalmente querem dizer é que os fundamentos seriam outros, que não estes, por outra dever ser a decisão sobre a matéria de facto, mas essa é outra questão: é a questão do erro de julgamento de facto, de que já nos ocuparemos.

8. Também se não vê onde esteja a nulidade da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º referido, por não se descortinar onde esteja a omissão ou excesso de pronúncia. É que nem se identificam questões que tivessem ficado sem apreciação, nem decisões ou apreciação de questões não colocadas ao tribunal pelas partes. A referência é apenas feita no corpo das alegações dos apelantes (fls. 313), onde se refere que “o tribunal “a quo” não deu cumprimento ao disposto no artigo 659.º, n.º3, e extravasou dos limites impostos pelo disposto no artigo 660.º n.º 2, que alegadamente violou… e determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 668, n.º 1, als. c) e d), todos do Código de Processo Civil”.
Sinceramente não percebemos o argumento. É que por um lado essa afirmação surge como corolário da exposição sobre a alegada nulidade por falta de registo da reconvenção; por outro aponta o incumprimento do n.º 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, e por outro ainda diz que se extravasou dos limites impostos pelo artigo 660, n.º 2 do mesmo diploma.
Admitimos, no entanto, que tenham querido dizer que o facto de o juiz não ter conhecido da alegada nulidade e ter consentido o prosseguimento da causa com o consequente conhecimento das questões de fundo, integra, em si mesma, as ditas nulidades. Se assim é, como se nos afigura, então a questão transita para a sede de conhecimento da nulidade por falta de registo. Não é necessário (e nem é assim) que tudo o que está mal (quando está) se reporte à figura das nulidades. Basta saber o que é uma nulidade. Está na lei.

9. Sobre esta questão – nulidade de todo o processado por falta de registo da reconvenção – diremos que, sem olvidar que o artigo 3.º, n.º 1, -a) e 2.º, n.º 1 – a) do Código do Registo Predial sujeita a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação a extinção do direito de propriedade (entre outros) e que o n.º 2 do art 3.º diz que não têm seguimento essas acções após os articulados, sem se comprovar a sua inscrição, convirá retirar da lei as consequências da não observância deste dispositivo legal.
A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que a suspensão da instância fundamentada nos artigos 2.º, 1-a) e b) e 2 do Código do Registo Predial se destina a permitir que os serviços do registo predial se pronunciem sobre se é ou não necessário o registo da acção ( Cfr. C. Rel. Porto, de 2-4-1991, CJ, 1991, II, 251).
Ora, fora dos casos dos artigos 193.º a 200.º do Código de Processo Civil, onde o caso dos autos se não revê, só produz nulidade a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, quando a lei o declara ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (artigo 2001.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Se o objectivo da suspensão da instância é o que acima apontámos e se o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio imobiliário (art. 1.º do Código do Registo Predial), então a omissão do registo da acção ou da reconvenção não tem qualquer influência no exame e decisão da causa. Logo, só poderia produzir nulidade se a lei o declarasse. Como o não declara, só há que concluir que a omissão do registo da acção, por força do art. 3.º, n.º 1- a) do Código do Registo Predial não constitui nulidade. Trata-se de uma irregularidade sanável nos termos gerais.
E mesmo que constituísse nulidade também ela estaria sanada, por não ter sido arguida atempadamente, conforme resulta dos artigos 205.º, n.º 1 e 206.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
De resto, não se tratando (caso fosse nulidade) de uma nulidade de conhecimento oficioso (artigo 202.º do Código de Processo Civil) também não se incluía na al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil e não seria fundamento de recurso, por não se integrar no n.º 3 do artigo. Logo, só haveria recurso da decisão que a tivesse apreciado em 1.ª instância, como resulta do disposto no art. 205, 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil.

10. Resta, por fim, apreciar o recurso sobre o alegado erro de julgamento da matéria de facto. E convirá, desde já, adiantar, para simplificar as coisas, que basta apreciar os factos referentes à identificação da linha divisória dos dois prédios, uma vez que em causa está apenas a questão de saber se as aberturas (janelas e porta) e terraço (?) construído no prédio dos réus respeitaram a distância de metro e meio, imposta no artigo 1360.º, n.º 1 do Código Civil.
O cerne da questão está aqui Os autores entendem que aquelas janelas e dito terraço estão a menos de metro e meio do seu prédio e por isso pretendem que se tapem as aberturas e se coloque o terraço em conformidade à lei, no que respeita à altura do parapeito.
Os réus, por sua vez, entendem que entre essas aberturas e terraço existe uma distância superior a metro e meio e as suas obras estão legais. Então provou-se que a linha divisória dos prédios é constituída por um rego foreiro (cfr. ponto 33 da base instrutória) e que as aberturas na casa dos réus distam mais de metro e meio desse rego (cfr. ponto 47), sendo que o alegado terraço também se encontra alinhado com as paredes da casa de habitação (ponto 48). Depois também está igualmente provada a forma como resulta essa delimitação (pontos 39 a 46).
Como fundamento da convicção do julgador são indicados os depoimentos das testemunhas Dulcínia e Albertina Almeida, Licínio Martins, Alfredo Silva e António Silva, que se afiguraram verosímeis e convincentes, a par da observação do local.
Pelo contrário já o não foram os depoimentos das testemunhas José e Rosa Ribeiro, em que os apelantes fundamentam a sua própria convicção, para uma resposta em sentido contrário. E assim sendo, temos a convicção do julgador e dos apelantes em confronto e em sentidos opostos, na apreciação de provas de igual valor, que são, como sabemos, livremente apreciadas pelo tribunal. Só que é a própria lei (cfr. art 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) que elege a convicção relevante: é a do julgador, que aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, e não a das partes.
Além do mais é preciso ter a noção de que o facto de os depoimentos estarem registados em suporte magnético, não lhes confere a natureza de documento autêntico, que se imponha, sem mais, à convicção do juiz. Logo, o que se dirá é que, na sindicância do julgamento de facto, não se nos afigura existir qualquer comportamento a repreender, de tal modo que se imponha uma alteração da respectiva decisão de facto.
E sendo assim deve manter-se o quadro factual delineado, na medida em que a decisão sobre os factos relevantes para a decisão da causa não merecem censura. E como o julgamento de direito, para além da alegada nulidade de falta de registo da reconvenção, nem sequer é posto em causa, deverá manter-se, na medida em que também subscrevemos tais fundamentos, para os quais remetemos, nos termos do art. 713.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
Concluindo: i) a omissão do registo da acção ou da reconvenção, por força do art. 3.º, n.º 1- a) do Código do Registo Predial, não constitui nulidade. Trata-se de uma irregularidade sanável nos termos gerais; ii) o princípio da liberdade de julgamento conduz à confirmação dos factos provados em 1.ª instância, apesar da divergência de convicção de qualquer das partes, sobre o sentido das mesmas provas.
São, pois, de improceder as conclusões, não resultando violados os preceitos legais citados.

11. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, para confirmarem a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Coimbra,