Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1045/08.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INCAPACIDADE ACIDENTAL
INABILITAÇÃO
PRESUNÇÃO
PROVA PERICIAL
RECURSO
Data do Acordão: 10/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 150, 257, 349, 351 CC, 389, 591, 655 CPC
Sumário: 1. A sentença de inabilitação, para o efeito da verificação da incapacidade acidental do artº 257º do CC, constitui mera presunção judicial, de facto ou de experiência (praesumptio factiou hominis), valendo como um simples princípio de prova e podendo ser contrariada ou posta em dúvida por outros elementos de probatórios.
2. Versus o que sucede em sede penal: artº 163º nº2 do CPP, em sede civilística a prova pericial é livremente apreciada pelo julgador podendo, assim, ela ser contrariada por outros elementos probatórios –artºs 389º do CC, 591º e 655º do CPC.
3. Considerando os princípios da imediação e da oralidade, algum grau de subjetividade admissível ao julgador de 1ª instancia na apreciação e valoração da prova e a margem de álea em direito permitida, a decisão sobre a matéria de facto, máxime quando dimana de uma plêiade complexa e antinómica de meios probatórios na qual a prova testemunhal assumiu relevância, só pode ser censurada se se evidenciar meridianamente desacobertada e contrária a tal prova.
4. O recurso destina-se apenas à reapreciação de questões decididas pelo tribunal a quo e não à apreciação de questões ou pedidos novos por ele não apreciados.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

JP (…) intentou contra NM (…), MF (…), HI (…), SA, JM (…), AM (…) e FM (…), ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediu:

a) seja anulado, na totalidade, o contrato de aumento de capital e alteração do pacto social da sociedade ré, H (…), S.A., celebrado em 10 de Agosto de 2007, em que intervieram todos os sócios da referida sociedade, por absoluta incapacidade de facto permanente do ora autor no momento da sua celebração.

b) subsidiariamente, seja o mesmo contrato anulado por incapacidade acidental do autor no momento da sua celebração, nos termos do artigo 257° do Código Civil;

c) sejam os réus condenados a restituir imediatamente ao autor as seguintes quantias por ele realizadas:

- € 160,000.00, a título de participação social;

- € 640.000,00, como prémio de emissão;

- € 700.000,00, a título de “Prestações Suplementares” não remuneradas à sociedade; bem como respetivos juros contados à taxa legal a partir da data de citação, tudo no total de € 1.500.000,00.

Alegou:

Após a morte do seu pai, em 18.12.1997, começou a demonstrar estados de tristeza, desorientação e abandono, tendo-lhe sido diagnosticado, em meados de 2000, um quadro clínico próprio de um “Transtorno Esquizo-Afetivo” de tipo depressivo, ministrada medicação e sujeito a vários internamentos hospitalares.

Entre final de 2006 e o primeiro semestre de 2007 e  conhecedores da sua  situação, JM (…) e NM (…) propuseram-lhe que participasse num investimento/aumento de capital na sociedade B (…) Lda.

Assim, em 10 de Agosto de. 2007 foi celebrado um “contrato de aumento de capital e alteração do pacto social”, em que intervieram todos os sócios e o autor, em resultado do que o capital social foi aumentado para €360.000,00, mediante a entrada em dinheiro no montante de €160,000.00 realizada pelo novo sócio, o ora autor. O autor pagou também um prémio de emissão de €640.000,00, tendo logo realizado, quer o valor da sua participação, quer o valor do prémio. O autor comprometeu-se, ainda a efetuar “Prestações Suplementares” à sociedade no montante de €700.000,00, no prazo limite de 90 dias, tendo logo realizado € 200,000.00.

Porém, a sociedade tinha resultados e valor patrimonial sofríveis, a quantia  que pagou não era de modo algum comparável à que todos os outros acionistas pagaram e ficou onerado com a obrigação de efetuar prestações suplementares de elevadíssimo montante (sem direito a juros remuneratórios e correndo elevado risco de impossibilidade de restituição), não detendo qualquer poder de decisão na empresa pelo que verificou-se um desequilíbrio das prestações assumidas pelos diversos intervenientes, pois o autor pagou uma quantia exorbitante para deter 44,44%.

Em 20 de Setembro de 2007, apercebeu-se que a empresa em que investira se encontrava, em momento imediatamente anterior à sua entrada no capital, em situação de falência técnica, e ficou de tal forma transtornado que se tentou suicidar.

Aquando da celebração do negócio encontrava-se em estado de anomalia psíquica, pois que apresentava uma afetação grave das faculdades intelectuais, afetivas e volitivas, não tendo capacidade e aptidão para  avaliar e decidir, reger a sua pessoa e os seus bens, estando extremamente vulnerável e influenciável por terceiros na gestão do seu património, sem noção dos atos jurídicos que pratica, razão porque a sua mãe instaurou uma ação destinada à sua interdição/inabilitação.

Os intervenientes no negócio e sócios da referida sociedade H (..), S.A., ora réus, bem sabiam da extrema debilidade psíquica do autor,

Conclui que deve ser aplicado ao negócio o disposto acerca da incapacidade acidental, conforme determina o artigo 150º e 257° do C.Civil, devendo ser anulado o aludido contrato de aumento de capital e alteração do pacto social.

Contestaram  os réus AM (…) e FM (…)

Por exceção invocaram a sua ilegitimidade uma vez que foram demandados na qualidade de sócios/acionistas da ré, H (…), S.A., qualidade que já não detêm, por terem alienado as suas participações sociais ao acionista JM (…).

Que apenas participaram de forma residual no capital da ré H (…), S.A., o que ocorreu para que fosse preenchido o mínimo legal de sócios necessários à transformação da ré, H (…), S.A., em sociedade anónima. À data ficou acordado que a sua participação no capital social da ré, H (…), S.A. seria temporária e apenas pelo período necessário à conclusão da operação de aumento de capital e transformação da ré, H (…), S.A., em sociedade anónima, sem qualquer direito a participação nos lucros da mesma, o que se verificou.

Que são também partes ilegítimas para o pedido deduzido sob a alínea c), já que nunca receberam qualquer quantia do autor ou mesmo ou da sociedade ré, H (…), S.A..

Por impugnação disseram que o autor está a peticionar a restituição daquilo que, manifestamente, não prestou/realizou, já que pretende ser restituído de valores superiores àqueles que efetivamente transferiu, prestou ou realizou, como o mesmo reconhece no art.º 83º da petição inicial.

Negando que tivessem conhecimento da incapacidade do autor ou que a mesma fosse percetível por qualquer pessoa de diligência média.

A ré MF (…) arguiu também a sua ilegitimidade,  dizendo que, nos termos em que a ação é configurada pelo autor, apenas a sociedade detém legitimidade passiva.

No que respeita ao pedido de condenação formulado sob alínea c), os montantes prestados pelo autor foram por conta da sua participação social/entrada no capital da 6ª ré e transferidos para esta ré e não para qualquer os seus acionistas. Não tendo  ela recebido do autor qualquer quantia relativamente à entrada deste no capital social da 6ª ré.

Mais alega que no contacto que teve com o autor por via do negócio objeto dos presentes autos o mesmo não aparentava estar incapacitado, nem a ora ré alguma vez teve conhecimento de que essa situação de incapacidade existia, pois de outro modo recusava-se a aceitar a entrada do ora autor para a sociedade.

A ré H (…)S.A. impugnou os factos que não se suportam em documentos, bem como aqueles que não são do seu conhecimento pessoal.

Contextualizou a entrada do autor no capital social da ré, o que ocorreu por não ter sido concretizada a operação de Private Equity com o BANIF CAPITAL, bem como a relevância da participação do autor na estrutura acionista da ré.

Deduziu, ainda, pedido reconvencional, peticionando a condenação do autor a pagar o valor de €212.152,90, atinente às prestações em falta, a que o autor se obrigou, acrescidas de juros, bem como indemnização no valor que se liquidar em execução de sentença.

Alegou que, no contexto do contrato de aumento de capital e alteração do pacto social que o ré celebrou, este obrigou-se ainda a efectuar Prestações Acessórias de Capital no valor de €700.000 no prazo limite de 90 dias, tendo apenas realizado o valor de €487.847,10. Por causa de tal incumprimento a ré sofreu

prejuízos, cujos montantes ainda não é possível contabilizar.

O réu JM (…)  arguiu a sua  a sua ilegitimidade passiva  dizendo que, ele, o réu, como pessoa singular, nada lhe deve restituir, pois nada recebeu, sendo a sociedade quem recebeu as quantias entregues pelo autor a título de aumento de capital. Assim a ação apenas deveria ter sido instaurada contra a sociedade e não contra demais réus na qualidade de acionistas.

Por impugnação nega  que o autor sofra de incapacidade permanente ou que à data em que o contrato foi outorgado se encontrasse em situação de incapacidade acidental. O autor tinha perfeita compreensão do negócio jurídico em causa, quer por via de observação própria, quer através de um técnico habilitado que para o defeito mandatou. Foi informado relativamente à situação da empresa, em cujo capital social e administração iria participar e esteve assessorado por um ROC de sua confiança pessoal que foi destinatário de informação de igual natureza, tudo de modo a tornar compreensível o relevante para uma decisão negocial consciente inclusive ex vi da relação pessoal que de há muito ligavam o autor e o réu contestante.

O autor não prestou as quantias que se refere na alínea c) do pedido  tendo apenas transferido para a ré a quantia de €1.287.847,10.

E inexistindo desequilíbrio de prestações, dado o relevo da participação societária do autor.

NM (…) também arguiu a sua ilegitimidade, na medida em que a ação, nos termos do disposto no artº 45º, nº 2 e 47º do Código das Sociedades Comerciais deveria apenas ser instaurada contra aquela sociedade.

Que não recebeu do autor qualquer quantia relativamente à entrada deste no capital daquela sociedade H(…), S.A.

 Ainda que assim se não entenda, a obrigação de restituição sempre teria que ser reduzida à quantia efetivamente prestada à sociedade, ou seja, para a quantia de €. 1.287.847,10.

 Em nenhum momento, mesmo   quando o autor esteve presente para a formalização do negócio, o réu teve a perceção de que o autor tivesse perdido a sua noção da realidade, nem muito menos a capacidade para gerir a sua pessoa ou os seus bens.

 

Replicou o autor ,pugnando pela improcedência das pretensões dos réus.

Mais reduzindo o pedido para o valor de €1.287.847,10.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou os pedidos iniciais do autor bem como os pedidos reconvencionais dos réus, improcedentes, por não provados, e, em consequência, absolveu os réus e o autor dos mesmos.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegaram os réus JM (…), MF (…) e H (…) SA

(…)

E, a título subsidiário, recorreram os réus, NM (…), AM (…), FM (…),requerendo a ampliação do âmbito do recurso do autor.

Concluindo nos seguintes termos:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência do pedido inicial de anulação do negócio  com condenação dos réus a restituirem ao autor as quantias por ele realizadas ou condenação da quantia de 127.847,00 euros  que o autor pagou a título de prestações acessórias por exceder o limite do capital social da ré sociedade.

3ª- Julgamento a questão da (i)legitimidade dos 1º, 5ª e 6º  Réus  relativamente ao pedido efetuado pelo Autor na al. c) da sua PI.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.

 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.

Antes querendo dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

5.1.2.

Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Efetivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjetiva, do facto – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.

Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença  convencer os interessados diretos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.

5.1.3.

Nesta perspetiva há que considerar que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação.

É que «A garantia de um duplo grau de jurisdição de recurso em sede de matéria de facto não é a repetição por inteiro das audiências, o que se harmoniza inteiramente com o princípio de que não está consagrado no nosso direito um direito ilimitado ao recurso.» - Ac. do STJ de  21.03.2012, dgsi.pt., p130/10.0JAFAR.F1.S1.

A função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de  3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05,  dgsi.pt.

«Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de  18.08.04, dgsi.pt.

Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos,  pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente –Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

5.1.4.

(…)

Já o recorrente funda a sua pretensão desde logo no facto de a sentença de inabilitação constituir uma presunção iuris tantum que não foi ilidida e, ainda e determinantemente, no exame médico-pericial de fls.684 e segs. bem como nas testemunhas por si arroladas.

Vejamos.

 5.1.4.3.1.

Quanto à invocação da sentença de inabilitação como presunção, nos termos do artº 349º e segs. importa atentar que não nos encontramos perante presunção legal, pelo que apenas se poderá estar perante presunção judicial, simples, de facto ou de experiência (praesumptio factiou hominis).

As presunções judiciais, mais do que meios de prova são um processo mental que, com base em juízos de probabilidade, as regras da experiência e os princípios da lógica, permite o desenvolvimento da matéria de facto a partir de um facto conhecido,cfr. Artº 349º e sgs. do CC e Acs. do STJ de 06.05.97, de 08.09.98 e de 12.04.05, dgsi.pt, p. 96A730, 98B560 e 05A830, respectivamente.

Efectivamente as presunções judiciais, na tipificação do artigo 349.º do Código Civil são «ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

Assim, integram a sua estrutura jurídica:

-a denominada base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova;

-os elementos de racionalidade lógica e técnico-experiencial actuando por indução sobre os mesmos factos;

- e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais.

Estando verificados os dois primeiros elementos, é licito ao julgador concluir pelo terceiro, ou seja, tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam o desenvolvimento e a consequência lógica daqueles – cfr. Neste sentido os Acs. do STJ de 25.03.2004  e de 24.005.2007 in dgsi.pt. p.03B4354 e 07A979.

Importa, assim, por um lado, ter presente que as ilações a tirar pelo julgador não se lhe impõem inexoravelmente, restando sempre a este uma margem de sensata e razoável discricionariedade para contrariar a conclusão que, em princípio, lógicamente resultaria de um facto presuntivo – base da presunção - em função da análise e valoração  que opere de outros meios probatórios e da contra-prova ou prova em contrário que estes efetivem relativamente aquele facto.

 E, por outro lado, que as presunções só são admissíveis se não contrariarem factos dados como não provados.

Na verdade: «Tendo sido quesitada factualidade integradora da existência de tal nexo (causal) e não tendo a mesma ficado provada, não pode a Relação alterar as respostas dadas aos respectivos quesitos com base em presunções judiciais.» - Acs. do STJ de 09.06.2009 e de 07.07.2010, dgsi.pt, p. 1582/04.3 e 2273/03.8.

Destarte a invocada sentença apenas relevará como documento a valorar conjugada e concatenadamente com os outros elementos de prova.

5.1.4.3.2.
Já quanto à prova pericial urge ter presente  que ela se destina a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de certos factos, no pressuposto que a sua natureza e complexidade técnica exijam conhecimentos e apetrechos técnico-científicos especiais que escapam ao juiz, pelo que se impõe o seu contributo para uma decisão justa e conscienciosa. – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 17.10.1996, dgsi.pt,p.0074676 e Ac. do STJ de 26.09.1996, BMJ, 459º, 513.
Sendo ainda de considerar que tal meio probatório  não se reporta apenas à perceção dos factos, podendo ainda os peritos proceder à sua valoração e apreciá-los, ie. emitir antes um juízo de valor  sobre eles.
Ainda que tal juízo não vincule o julgador pois no que tange à formulação de juízos jurídico-normativos e à estrita subsunção dos factos ao direito, a lei reserva tal tarefa ao juiz, o qual pode apreciar e valorar livremente tal meio probatório: «atribuindo-lhe o valor que entenda dever dar-lhe» – – cfr. artºs 389º do CC,  591º do CPC e Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV, 185/186.
O que é tanto mais de relevar quanto é certo que tal livre apreciação se contrapõe à valoração de tal prova em sede de processo penal para a qual o julgador se encontra mais vinculado pois que, se dela divergir, expressamente está adstrito a fundamentar a divergência – artº 163º nº2 do CPP.

Ora: «O ordenamento civilístico não tem normação similar à que foi incluída no ordenamento processual penal, pelo que a prova pericial não adquire naquele ordenamento uma força probatória acrescentada ou incrementada relativamente à prova testemunhal» - Ac. do STJ de 17.01.2012, dgsi.pt, p. 1876/06.3TBGDM.P1.S1.
Ou seja, e em resumo, os resultados da peritagem não são inexoravelmente vinculativos para o julgador o qual a eles pode, ou não, aderir, em função da sua apreciação e valoração de todo o acervo probatório, livremente efetivadas nos termos do artº 655º do CPC.
5.1.4.4.

(…)

5.1.4.6.

Decorrentemente os factos a considerar são os seguintes:

1. O autor, JP (…), é filho de ME (…) e de HS (…) (al. A).

2. Em 18 de Dezembro de 1997, ocorreu o falecimento do pai do ora autor (al. B) .

3. A sociedade actualmente denominada H (…), S.A., pessoa colectiva número 504151517, com sede no Complexo Industrial Monte das Devesas, Lote 9 -122, na freguesia de Seroa, concelho de Paços de Ferreira, resulta da transformação em sociedade anónima de uma sociedade por quotas, denominada «B (…), Lda.» (al. C).

4. Entre 1997 e 2001, a sociedade foi alternando entre resultados positivos e negativos dos sucessivos exercícios económicos; a partir de 2002, passou a ter de resultados – €8,217.19, em 2002; € 44,261.18 em 2003; € 30,630.70 em 2004; € 17,303.96 em 2005; e €9,999.95 em 2006 (al. D).

5. A sociedade começou por ter como sócios JM (…) e MF (…) e um capital social de 400,000$00 (al. E).

6. Em 8 de Outubro de 2001, o capital social foi redenominado para Euros, passando a ser de €50,000.00, distribuído da seguinte forma: uma quota com o valor nominal de €45,000.00, pertencente ao sócio JM (…); uma quota com o valor nominal de € 5,000.00, pertencente à sócia MF (…) (al. F).

7. O capital manteve-se com esta expressão e distribuição até 7 de Junho de 2007, data em que reuniu a Assembleia Geral da sociedade para deliberar, inter alia:

- O aumento do capital social por incorporação de reservas e resultados transitados, bem como por entradas em dinheiro, contemplando a entrada de três novos sócios;

- A transformação da sociedade em sociedade anónima, com adopção de novos estatutos;

- A alteração da denominação social, para a actual firma (al. G).

8. Na reunião da Assembleia Geral referida no número anterior foi efectivamente deliberado um aumento do capital social em € 150,000.00, realizado nos seguintes termos (al. H):

- Mediante a incorporação de reservas livres e resultados transitados, na proporção das participações dos então sócios, cabendo, assim, ao sócio JM (…) uma entrada no valor de € 90,000.00 e à sócia MF (…) uma entrada no valor de € 10,000.00;

- Mediante entrada em dinheiro no montante de € 37,000.00 efectuada pelo sócio JM (…)

- Mediante entrada em dinheiro no montante de € 11,000.00 efectuada por um novo sócio, NM (…), que foi acrescida de um prémio de € 9,000.00, também realizado;

- Mediante entrada em dinheiro no montante de € 1,000.00 efectuada por uma nova sócia, AM (…);

- Mediante entrada em dinheiro no montante de € 1,000.00 efectuada por um novo sócio, FM (…).

9. A alteração ao contrato de sociedade, aumento de capital, transformação em sociedade anónima efectuada em 7 de Junho de 2007 e referida em H) foi levada ao registo através da apresentação 23, de 30.7.2007 (artº 46º).

10. Em consequência deste aumento e da transformação em Sociedade Anónima, o capital social passou a ser de € 200,000.00 e ficou distribuído da forma seguinte (al. I):

- JM (…): 172.000 acções com o valor nominal de €1cada, representando 86% do capital;

- MF (…): 15.000 acções, com o valor nominal de €1 cada, representando 7,5% do capital;

- NM (…): 11.000 acções, com o valor nominal de €1 cada, representando 5,5% do capital (note-se que por estas 11.000 acções este accionista pagou € 20.000);

- AM (…): 1.000 acções, com o valor nominal de €1 cada, representando 0,5% do capital;

FM (…): 1.000 acções, com o valor nominal de €1 cada, representando 0,5% do capital.

11. No artigo 7º do contrato de sociedade consta que: “Por deliberação da Assembleia Geral poderão ser exigidas aos accionistas que o aceitem prestações acessórias de capital até ao limite do capital social, a serem efectuadas gratuita ou onerosamente, também como deliberado na Assembleia Geral.” (doc. de fls. 78 e ss).

12. Antes da entrada do autor como accionista esteve prevista uma operação de aquisição de participação e/ou investimento por parte do Banif Banco de Investimentos, SA e Banif Capital, SCR, que não se chegou a concretizar (artºs 71º, 126º a 131º).

13. A Auren - Auditores, tendo em vista uma eventual operação de aquisição de participação e/ou investimento por parte do Banif Banco de Investimentos, SA e Banif Capital, SCR, elaborou o relatório de auditoria de fls. 86 e seg, datado de 1 de Junho de 2007; tal relatório foi elaborado na óptica daquele investidor (Banif), com limitações, encontrando-se o seu âmbito e limitações de âmbito expressamente consignadas no mesmo; nele foram equacionadas várias possibilidades no âmbito fiscal que constituem a antecipação de cenários não confirmados pela auditoria; na referida auditoria, no contexto da finalidade a que o relatório se destinava, dos procedimentos adoptados e das restrições de âmbito, concluiu-se que a sociedade à data de 31 de Dezembro de 2006, tinha capitais próprios de €156,488.00, apresentava capitais próprios sobrevalorizados em €123,397,00 e foram-lhe detetados frequentes incumprimentos de obrigações fiscais relativamente aos exercícios de 2003 a 2006  (artºs 43º a 44º).

14. No referido relatório de auditoria é apresentado o valor do EBITDA que foi indicado aos auditores como constituindo a base de valorização, no âmbito da operação que o Banif se propunha efectuar (133.689) e que da sua confrontação com as conclusões da auditoria efectuada foram detectadas diferenças de auditoria que afectam negativamente o EBITDA que decorre das contas de 2006 no valor de 28.362 euros (artº 45º).

15. Em 10 de Agosto de 2007 (ou seja, cerca de dois meses depois da anterior Assembleia Geral), foi celebrado um «contrato de aumento de capital e alteração do pacto social», em que intervieram todos os sócios e o autor (al J).

16. Tal contrato foi registado em 6.9.2007 (doc. de fls. 39).

17. Após tal aumento, o capital social passou a ser de €360,000.00, representado por 360.000 acções com o valor nominal de € 1 cada, e distribuído da seguinte forma (al. M):

- JM (…): 172.000 acções, representando 47,78% do capital;

- JP (…): 160.000 acções, representando 44,44%;

- MF (…): 15.000 acções, representando 4,17% do capital;

- NM (…): 11.000 acções, representando 3,06% do capital;

- AM (…): 1.000 acções, representando 0,28% do capital;

- FM (…): 1.000 acções, representando 0,28% do capital.

18. O autor pagou também um prémio de emissão de €640.000,00, tendo logo realizado, quer o valor da sua participação, quer o valor do prémio (al. L).

19. Do mesmo documento consta que o autor se comprometeu a efectuar «Prestações Suplementares» à sociedade no montante de €700.000,00 no prazo limite de 90 dias, tendo logo realizado €200,000.00. No dia 22-08-2007 foi celebrada a adenda que consta do documento nº11 (al. N).

20. Pelo mesmo contrato, os sócios da H (…) S.A., deliberaram alterar diversos artigos do pacto social, nomeadamente, o art. 14.º-A (que foi aditado e no qual se estabelece que a sociedade se obriga validamente pelas assinaturas de «dois Administradores» ou do «Presidente do Conselho de Administração») e o art. 22.º (Disposição Transitória que passou a estabelecer que JM (…) como Presidente do CA e o JP (…) Vogal) (al.O).

21. O autor é vogal do Conselho de Administração da sociedade, sendo sócio com 44,44% de capital (al. P).

22. A sociedade vinculava-se pela assinatura de ambos os administradores ou do Presidente do Conselho de Administração (al. Q).

23. A sociedade tem apenas dois administradores, o Presidente tem sempre voto de qualidade (art.º 395.º, n.º 3, do CSC) – al. R.

24. Em 22 de Agosto de 2007 foi outorgada uma adenda ao contrato de aumento de capital e alteração do paço social referido em J, junto a fls. 131 a 133, no qual se consigna que neste se tinha erroneamente feito consignar “prestações suplementares” quando se queria dizer “que se compromete a efectuar gratuitamente prestações acessórias de capital, nos termos do artº 287º do CSC, no montante de €700.000, no prazo limite de 90 dias contado desde 10 de Agosto de 2007, tendo já realizado destas a quantia de €200.000,00 (artº 132º). 25. O autor pagou à sociedade as seguintes quantias (al. U).

- € 160,000.00, a título de participação social;

- € 640.000,00, como prémio de emissão;

- €478.847,10, a título de “Prestações Suplementares” não remuneradas à sociedade.

26. Quando foi celebrado o contrato referido em J) a sociedade já desenvolvia a sua actividade há 10 anos, tinha instalações fabris novas construídas de raiz dois anos antes, 8 lojas em 5 países diferentes, exportava para vários países e a  sua atividade era já notícia, ao longo de  anos,  em  jornais e revistas (artº 134º).

27. O autor, em 2 de Agosto de 2007, deu instruções ao Banco Privado Português, S.A. para resgatar aplicações e promover a “transferência integral do produto liquido do desinvestimento solicitado” a favor da H (…), S.A., bem como o encerramento da conta por si titulada nesse Banco, “logo após o momento em que todos os resgates estejam devidamente liquidados e transferido o produto liquido para NIB indicado”, como consta do documento de fls. 136 (artº 49º).

28. Essas instruções foram dadas através de Pedro Vaz Serra, que não colocou qualquer reserva ou objecção ao cumprimento das mesmas (artº 76º).

29. Em virtude de tais instruções foram transferidas para a conta do BPI 4-3291593.000.004, de que é titular a HIH, SA, as seguintes quantias (artº 50º):

- €1.000.000,00 no dia 3 de Agosto de 2007;

- €139.428,37 no dia 21 de Agosto de 2007 e;

- €148.418,73 no dia 17 de Setembro de 2007.

30. P (…) que à data era funcionário do BPP e tinha a seu cargo a gestão do património do autor que estava confiado àquele banco, é amigo de infância do autor e dos réus JM (…) e NM (…)e filho do Senhor Professor Doutor V (…) (artº 77º).

31. Os réus AM (…) e FM (…) em 27/12/2007 outorgaram o contrato de compra e venda de acções, junto a fls. 245 e 245, tendo alienado as suas acções ao réu JM (…) pelo valor de €1 por cada acção (artºs 120º e 121º).

32. Durante o período em que foram accionistas os réus AM (…) e FM (…) não foram distribuídos dividendos aos accionistas (artº122º).

33. A partir de 27/12/2007, data em que alienaram a sua participação social na ré HIH, S.A., o capital social da mesma, no valor de € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), representado por 360.000 (trezentas e sessenta mil) acções com o valor nominal de €1/cada, passou a estar distribuído da seguinte forma (al. V):

- JM (…)(primeiro Réu): 174.000 acções, representando 48,33% do capital;

- JP (…) (Autor): 160.000 acções, representando 44,44% do capital;

- MF (…) (terceira Ré): 15.000 acções, representando 4,17% do capital;

- NM (…) (segundo Réu): 11.000 acções, representando 3,06% do capital.

34. O réu NM (…) exerceu as funções de Director Financeiro da H (…), SA entre 1.7.2007 e 28.5.2009 (artº 104º).

35. A solicitação do autor foi nomeado (…) com fiscal único da H (…), SA, em substituição da A (…) & Associados SROC (artºs 106º, 111º e 133º).

36. No final do mês de Setembro de 2007 o Professor Doutor (…) comunicou ao autor que tal sociedade se encontrava em situação de “falência técnica” (artº 47º).

37. Em consequência da comunicação referida em 47º o autor, em meados de Setembro de 2007 tentou envenenar-se com Ratak 10.

38. Entre 9 e 27 de Outubro de 2007 o autor esteve internado na Clínica de Montes Claros, por apresentar um quadro de agitação psico-motora; após a data da alta o autor passou a ser assistido pelo Professor Doutor (…), com uma periodicidade de duas em duas semanas até estar estabilizado, sendo posteriormente aumentados em tempo os períodos de observação, continuando actualmente a ser medicado para o transtorno que padece (artºs 28º a 34º).

39. O réu NM (…) é irmão da Professora Doutora (…), que acompanhou clinicamente o autor no período referido em 27º (artº 56º).

40. No período que decorreu entre Janeiro e Agosto de 2007 o autor efectuou uma viagem ao estrangeiro, ao Algarve, compareceu em festas de aniversário de amigos e em almoços em casa de amigos e família, tendo almoçado pelo menos uma vez em casa da ré MF (…) e que nesses eventos demonstrou um discurso fluente e capacidade de entendimento (artºs 58º e 110º).

41. O autor no mês de Agosto deslocou-se às instalações da ré H (…), SA (artº 59º).

42. O autor antes da celebração do contrato referido em J) deslocou-se às instalações da ré H (…), SA, acompanhado pelo Professor Doutor (…), que tinha sido ROC na Probar, sociedade de que o autor foi Presidente do Conselho de Administração, com o objectivo de o aconselhar, a quem foi fornecido o relatório elaborado pela Auren – Auditores e outros elementos financeiros que este solicitou (artºs 65º, 67º, 68º e 105º).

43. Na primeira quinzena do mês de Agosto o autor acompanhou o réu NM (…) nas negociações relativas à aquisição de um terreno (artº 66º).

44. A Professora Doutora (…) também fazia parte do circulo de amizades do autor (artº 82º).

45. O autor é padrinho de casamento do réu NM (…), que teve lugar há mais de 16 anos (artºs 91º e 92º).

46. A mãe do ora autor na qualidade de sua representante, apresentou, junto do Senhor Procurador do Ministério Público de Paços de Ferreira, uma queixa/denúncia contra os referidos JM (…)e NM (…)pela prática dos crimes de usura e burla qualificada (al. S).

47. A mãe do ora autor apresentou um requerimento judicial para a sua interdição/inabilitação, correndo a respectiva acção sob o nº 869/08.0TBCBR, no 3º juízo cível de Coimbra (al. T e certidão de fls. 782).

48. Em meados de 2000 o autor foi consultado pelo Senhor Professor (…), que lhe diagnosticou um quadro de transtorno esquizo-afectivo de tipo depressivo e instaurou tratamento com recurso a fármacos neuropléticos (artºs 5º a 10º).

49. De 23 de Novembro a 7 de Dezembro de 2000 o autor esteve internado na Casa de Saúde de Carnaxide, de onde teve alta em remissão parcial, com diagnostico de esquizofrenia aguda, durante o qual foi mantido com terapêutica neuroléptica antipsicótica bem como terapêutica antidepressora (artºs 11º e 12º).

50. O autor, a partir do ano de 2000 foi-se afastando progressivamente das suas funções profissionais, sendo à data Presidente do Conselho de Administração da Probar, SA, tendo permanecido longos períodos em casa, afastado do convívio social (artºs 3º, 13º e 14º).

51. De 7 a 19 de Março de 2003, o autor esteve internado em Innsbruck, na Áustria, onde foi acompanhado pelo Professor Doutor (…), apresentando queixas de fraqueza, perda de energia e isolamento durante os dois meses antecedentes, tendo-lhe sido diagnosticada uma perturbação esquizoafectiva, em regressão (artºs 15º a 17º).

52. Entre 28 de Novembro de 11 de Dezembro de 2006 o autor esteve internado no Serviço de Psiquiatria Homens dos HUC por quadro de agitação psicomotora e discurso incoerente, tendo sido seguido em consultas de psiquiatria naquele hospital, por apresentar uma perturbação esquizoafectiva, caracterizada por abulia, apatia, desinteresse pelo que o rodeava, isolando-se em casa, desconfiado e com ideias delirantes (artºs 18º e 19º).

53. O autor, no período que decorreu entre finais de 2006 e inícios de 2007 e até Setembro de 2007 foi acompanhado clinicamente pela Professora Doutora (…) (artº 27º).

54. O autor padece de um transtorno esquizoafectivo, com processo de deterioração cognitiva associado, com sintomas esquizofrénicos (ideias delirantes de conteúdo persecutório e de referencia, alucinações auditivas) e afectivas (sintomatologia depressiva, com tristeza, abatimento, descrença, auto-depreciação e delírios de ruína); este contexto psicopatológico (sindromático) está presente desde a terceira década de vida, com carácter crónico e irreversível e deixa perceber a existência (em fase inicial) de um processo de deterioração mental patológica); tal transtorno esquizoafectivo compromete-lhe a capacidade de percepção, entendimento, raciocínio ou de formulação e expressão da sua vontade e torna-o especialmente vulnerável à influencia de terceiros; por sentença proferida e já transitada em julgado, no

âmbito dos autos referidos em T, foi o autor declarado inabilitado por anomalia psíquica, tendo-se aí fixado como data do seu início o dia 1 de Janeiro de 2000 (artºs 1º, 2º e 4º, 20º a 26º, 35º).

55. Na sentença proferida no âmbito dos autos referidos em T) foi ainda decidido: “Nomear como curador o tutor provisório já designado, (…), a este cabendo praticar, ou autorizar, todos os actos indispensáveis ao acautelamento dos interesses patrimoniais do inabilitado, designadamente no âmbito da sociedade H (…), SA, abrangendo a instauração de acções judiciais tendentes à declaração de nulidade ou anulabilidade de todos e quaisquer negócios celebrados ou a celebrar por inabilitado, os actos de disposição de seus bens, o pagamento de quaisquer dívidas e movimentação de contas bancárias da titularidade do inabilitado (certidão de fls. 794 e ss).

56. JM (…) e NM (…) são amigos de infância do autor e, desde então, visitas assíduas das respectivas casas (artº 37º).

57. Os réus JM (…) e NM (…) tinham conhecimento do referido em 3º, 13º e 14º, que o autor tinha acompanhamento médico e de alguns dos internamentos do autor (artºs 38º e 57º).

5.2.

Segunda questão.

A Julgadora, respaldada em doutrina e jurisprudência pertinente, julgou improcedente o pedido do autor aduzindo o seguinte, essencial, discurso argumentativo,:

«A sentença que decretou a inabilitação do autor e que fixou o inicio dessa incapacidade em data anterior à do negócio cuja anulação se peticiona constituía apenas um princípio de prova favorável à incapacidade do autor nesse momento, mas não o dispensava de produzir prova da mesma... A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui, repete-se, citando o acórdão do STJ de 22.1.2009, uma “mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência (praesumptio factiou hominis), da incapacidade da interdita na data da celebração da escritura de compra e venda – é dizer, uma prova prima facie ou de primeira aparência, que os arts. 349º e 351º admitem, enquanto mera dedução ou ilação autorizada pelas regras da experiência (id quod plerumque accidit), mas nada mais do que isso. Não, seguramente, uma presunção legal juris et de jure, absoluta, irrefutável; nem mesmo uma presunção legal juris tantum, a exigir da contraparte, para a sua ilisão, prova em contrário.”…

O transtorno esquizoafectivo de que o autor padece apenas lhe compromete a capacidade de percepção, entendimento, raciocínio ou de formulação e expressão da sua vontade, tornando-o especialmente vulnerável à influência de terceiros, sem lhe retirar a mencionada capacidade. A valoração dessa realidade, à luz da demais prova produzida nos autos, analisada no local próprio quando se fixou a matéria de facto provada, conduziu a que o Tribunal, não obstante a existência da mencionada presunção de facto, não tivesse concluído que o autor, à data da outorga do contrato estava privado da capacidade de entender ou de expressar a sua vontade. Dito de outro modo, o autor não logrou completar “essa prova de primeira aparência com outros factos que demonstrassem a (…) incapacidade de entender o sentido da declaração negocial que emitiu ou a falta do livre exercício da vontade – no momento da outorga da escritura que formalizou o contrato cuja anulação vem pedida.»

Nada há a censurar a esta análise e interpretação.

Na verdade o autor alegou, concretamente, que a sua doença o impediu de percecionar, entender e valorar o negócio e as consequências que para si reputa de prejudiciais, de tal sorte que, não fora tal transtorno psicológico, nunca celebraria o negócio.

Mas como dimana das respostas dadas aos artigos da BI atinentes, não logrou provar tal alegação.

Ora dos factos apurados, devida, razoável e comedidamente interpretados, não se pode concluir pela presença ou verificação de tal doença como causa  necessária e/ ou  essencial da outorga do contrato. Caso contrario estar-se-ia a decidir contra a não prova dos factos essencialmente relevantes ou, no mínimo, a proceder ou incorrer num salto lógico  inadmissível, pois que o acervo fáctico apurado  não é  suficiente para alicerçar tal conclusão.

Aliás do recurso do autor dimana claramente que o deferimento da  sua pretensão tinha como pressuposto a alteração da decisão sobre a matéria de facto, o que não foi concedido com a abrangência necessária para o efeito, não obstante a parcial alteração das respostas aos artºs  43º/44º e 134º da BI nos termos supra expostos.

Já no que tange ao pedido subsidiário de pagamento da mencionada verba de 127.847,00 euros que o autor pagou a título de prestações acessórias, por exceder o limite do capital social da ré sociedade, outrossim não pode ser atendido.

É que tal pedido não foi formulado em 1ª instancia e, como tal, não foi objeto de decisão por parte da Sra. Juíza a quo.

Ora, como é consabido, os recursos destinam-se apenas à reapreciação de questões decididas e não à apreciação de questões ou pedidos novos não apreciados.

Na verdade o pedido reconvencional dos réus, aliás indeferido e não sujeito a recurso, apesar de o ter sido por reporte ao capital social da firma, tal como agora pretende o recorrente, é um pedido autónomo, pelo que tal nexo de conexão não atribui jus ao autor de, apenas nesta sede recursiva, o introduzir em juízo.

 

E julgadas improcedentes as duas primeiras questões, queda prejudicada a apreciação da terceira.

6.

Sumariando:

I – A sentença de inabilitação, para o efeito da verificação  da incapacidade acidental do artº 257º do CC, constitui mera presunção judicial, de facto ou de experiência (praesumptio factiou hominis), valendo como um simples princípio de prova e podendo ser contrariada ou posta em dúvida por outros elementos de probatórios.

II – Versus o que sucede em sede penal: artº 163º nº2 do CPP,  em sede civilística a prova pericial é livremente apreciada pelo julgador podendo, assim, ela ser contrariada por outros elementos probatórios –artºs 389º do CC,  591º e 655º do CPC.

III- Considerando os princípios da imediação e da oralidade, algum grau de subjetividade admissível ao julgador de 1ª instancia na apreciação e valoração da prova e a margem de álea em direito permitida, a decisão sobre a matéria de facto, máxime quando dimana de uma plêiade complexa e antinómica de meios probatórios na qual a prova testemunhal assumiu relevância, só pode ser censurada se se evidenciar meridianamente   desacobertada e contrária a tal prova.

IV – O recurso destina-se apenas à reapreciação de questões decididas pelo tribunal a quo e não à apreciação de questões ou pedidos novos por ele não apreciados.  

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2012.10.09

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço