Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3279/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
DENÚNCIA DE CONTRATO
ARRENDATÁRIO
VÍCIOS DA COISA LOCADA
CULPA DO LOCADOR
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1032º E 1055º DO C. CIV. ; 63º DO RAU .
Sumário: I – O arrendatário pode denunciar o contrato de arrendamento urbano, impedindo a sua prorrogação para além do prazo contratado ou da sua renovação, com determina antecedência, fixando a lei o prazo mínimo de pré-aviso – artº 1055º do C. Civ. .
II – A resolução do contrato de arrendamento urbano por parte do arrendatário terá que Ter na sua base o incumprimento contratual do senhorio, nos termos gerais de direito – artº 63º, nº 1, do RAU – ou, independentemente da sua responsabilidade, uma das situações previstas no artº 1050 do C. Civ .

III – Tendo-se apurado que após a assinatura do contrato de arrendamento urbano o local começou a ficar cheio de infiltrações e com entrada de água da chuva, o que ocorreu devido ao mau estado em que o local se encontrava, tendo os autores sido avisados de tal situação sem que tenham diligenciado pela solução do problema, dúvidas não restam de que a coisa locada apresentou vício, por culpa do locador, que permite ao inquilino resolver o contrato, dado o disposto no artº 1032º, al. b), do C. Civ..

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A... e mulher B... intentaram acção declarativa com processo ordinário contra “C...”, alegando em síntese:
Os Autores deram de arrendamento à Ré um prédio urbano, com a renda actual de € 2.126,76, que a Ré depois rescindiu a partir do final do mês de Junho de 2002, mas que apenas desocupou o local em Outubro de 2002, sendo que a Ré não pagou aos Autores a diferença da renda do mês de Maio no valor de €111,84, bem como as rendas do mês de Junho a Dezembro de 2002, no valor mensal de € 2.126,76;
A Ré deixou o chão do local totalmente sujo de cola, pelo que os Autores gastaram na sua remoção uma elevada quantia e do sistema de iluminação foram retiradas armaduras e lâmpadas fluorescentes, pelo que na reposição desse material o Autor gastou a importância de € 444,33;
Foi necessário reparar um aro da porta e colocar cinco novas fechaduras, gastando os Autores em tal reparação a importância de € 279,00;
As paredes interiores do armazém estavam cheias e cravejadas de buracos, cuja reparação e pintura custou € 2.677,50.
Concluíram pedindo a condenação da Ré a pagar a quantia de € 18.625,53 e os juros vencidos e vincendos.
Regularmente citada, a Ré contestou e reconveio, dizendo fundamentalmente:
Autores e Ré acordaram que a chave seria levantada pelo senhorio nas novas instalações da Ré, mas aquele não o fez;
Todos os danos causados pela ocupação do imóvel foram por ela reparados.
Em reconvenção disse:
Houve, por deficiência das instalações, infiltrações de águas da chuva que entraram no locado danificaram vários bens da Ré, causando danos que especificou, sem que o senhorio tivesse feito alguma coisa para os evitar.
Concluiu a Ré pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores a pagar a quantia de € 5.605,84, com juros desde 31-3-2003.
Responderam os Autores dizendo, em suma, serem falsos os factos alegados na contestação-reconvenção.
Elaborou-se o saneador e organizou-se a matéria assente e a base instrutória, os quais não foram objecto de qualquer reclamação.
Procedeu-se à realização do julgamento com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença na qual se decidiu da seguinte forma:
“Julga-se parcialmente procedente e provada a acção, condenando assim a Ré a pagar aos Autores a quantia de Euros 3.022,14, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento.
Julga-se procedente e provada a reconvenção, condenando os Autores a pagarem à Ré a quantia indemnizatória de € 5.605,73”.
Inconformados com tal sentença vieram os Autores recorrer da mesma tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiram as seguintes conclusões:

A. Considerando a factualidade provada nos autos, a recorrida não tinha qualquer fundamento válido para resolver o contrato de arrendamento, celebrado com os recorrentes em 02 de Novembro de 1999.

B. A resolução do contrato da iniciativa da inquilina, a recorrida, só poderia ter lugar se, por facto imputável ao senhorio, os recorrentes, tivesse ficado impossibilitado do normal exercício da actividade comercial, para a qual o

locado estava destinado, em conformidade com o estabelecido no art.° 63.° do R.A.U. e 1050.º do C. Civil.

C. O invocado vício da coisa locada, não era do conhecimento dos recorrentes, à data da celebração do contrato, não estando alegado sequer quando é que a inquilina deu a conhecer o mesmo vício ao senhorio e não ficou demonstrado que o vício pusesse em causa o exercício da actividade comercial.

D. O ónus de prova destes factos, competia, indiscutivelmente, à recorrida, nos termos estabelecidos no n.° 1 do art.° 342.° do Cód. Civil.

E. Assim, não se verificando o incumprimento do contrato, por parte dos locadores, os recorrentes — tal como está configurado na lei (art.° 63° do RAU e 432.°, 436.°, 801.°, 1033.° e 1050.° do Cód. Civil) — a inquilina, a recorrida, não tem o direito de resolver o contrato, pelo que se constituiu na obrigação de pagar as rendas vincendas até ao termo do período de renovação, em Dezembro de 2002.

F. Consequentemente, para além da condenação no pagamento das rendas de Maio e Junho, como determina a Sentença recorrida, a recorrida deverá ser condenada nas rendas de Junho a Dezembro de 2002.

G. A Douta Sentença excluiu da responsabilidade da recorrida, no que refere ao pagamento de despesas efectuadas com a pintura do locado, sendo que, para o efeito não há qualquer fundamento.

H. Embora o contrato não refira, relativamente ao estado de conservação das ditas paredes, a lei presume a entrega da coisa ao locatário em bom estado de manutenção — cfr. art.° 1043.° do Cód. Civil.

I. Comprovadamente, os recorrentes procederam, após a entrega do imóvel, à reparação da pintura das paredes interiores, devendo, por tal motivo, ser indemnizados, reembolsados das quantias dispendidas.

J. A Douta Sentença recorrida não apreciou o pedido de condenação da recorrida, como litigante de má-fé, oportunamente deduzido pelos recorrentes, no seu articulado, que consubstancia a contestação ao pedido reconvencional.

K. Independentemente de haver ou não fundamento para tal condenação — em nosso modesto entendimento, como atrás se expôs, a conduta da ré é de má-fé, por litigar contra factos que são do seu conhecimento pessoal — a Douta Sentença recorrida não podia deixar de apreciar a questão, pelo que cometeu a nulidade prevista na alínea d), n.° 1, do art.° 668.° do C.P.Civil.

L. A Douta Sentença recorrida, ao calcular o valor dos prejuízos alegadamente verificados e reclamados no pedido reconvencional, secunda um lapso já cometido pela recorrida.

M. Os documentos que quantificam tais danos — pelo valor de aquisição — estabelecem valores inferiores, pelo que deverão ser reduzidos, procedendo-se à correcção do lapso.

N. Por outro lado, a matéria provada, relativamente aos bens, refere que foram danificados, o que não quer significar que foram inutilizados ou totalmente perdidos para o fim a que se destinavam, pois, só neste caso, seria legítima a indemnização pelo seu valor total (de aquisição).

O. Todavia, a matéria provada nos autos não é bastante para determinar se os danos são da responsabilidade dos recorridos, designadamente não foi alegado qualquer facto relativamente à data em que ocorreram os danos e se previamente os recorrentes foram avisados dos vícios do locado, factos que, obviamente tinham de alegar e provar — cfr. art.° 342.° do Cód. Civil.

P. Assim, não tendo decidido a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, foram violadas as disposições legais supra mencionadas e cometidas as nulidades a que se referem as alíneas b) e d) do art.° 668.° do Cód. Proc. Civil.

A recorrida apresentou as suas contra-alegações nas quais sustentou a bondade da decisão proferida no Tribunal a quo, pugnando pela manutenção da mesma.
Foram colhidos os vistos legais.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as várias questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Vejamos então quais as questões a conhecer:

a) Da resolução do contrato de arrendamento por iniciativa da arrendatária
b) Da indemnização aos Autores pelos danos por estes sofridos derivados do mau estado de conservação do locado
c) Da nulidade derivada do não conhecimento da má fé da Ré, alegada pelos Autores
d) Da indemnização pelos danos sofridos pela Ré – seus pressupostos e valor da mesma

III - FUNDAMENTOS

1. De facto

São os seguintes os factos que foram dados como provados na sentença:
1. Por contrato celebrado em 2 de Novembro de 1999, os Autores deram de arrendamento à Ré um prédio urbano designado por armazém n°. 10, sito na rua da paz - Cacia Park, Lugar de Ervideiros, freguesia de Cacia, concelho de Aveiro.
2. O referido contrato teve o seu início em 01.01.00 e foi sucessivamente renovado por períodos de um ano.
3. Na última renovação ocorrida em 01.01.02 a renda, em consequência das actualizações, cifrava-se no montante de € 2.126,76 (esc. 426.378$00).
4. A Ré, através de comunicação efectuada em 5 de Junho de 2002, informou o Autor que por "problemas no nosso escritório (infiltrações, chuva, etc.), fomos visitados pelo nosso importador, recentemente, que nos obrigou a mudar de instalações para umas com melhores condições, pelo que nos vemos obrigados a rescindir o contrato de arrendamento”.
5. Nessa ocasião informou que as instalações objecto do contrato de arrendamento ficariam disponíveis a partir do final do mês de Junho.
6. Nos termos da cláusula segunda, ponto 2, do contrato junto aos autos a fls. 7 e ss. "a denúncia do contrato é feita por carta registada, com a antecedência mínima de noventa dias".
7. O Autor, em 11 de Junho de 2002, enviou à Ré a comunicação constante de fls. 55, informando que se considerava credor de, pelo menos, mais dois meses de renda.
8. A Ré desocupou o local no final do mês de Junho de 2002, após ter mudado para as suas actuais instalações, e que o senhorio (Autor) ficou na posse das chaves do local em Outubro de 2002
9. A última renda paga pela Ré ocorreu em 29.07.02, através de transferência bancária, e era referente a parte do mês de Maio de 2002, no valor de € 1.691,91.
10. A Ré não pagou aos Autores a diferença da renda do mês de Maio no valor de € 111,84, bem como as rendas do mês de Junho a Dezembro de 2002, no valor mensal de € 2.126,76.
11. A Ré deixou o chão do local totalmente sujo de cola devido ao facto de nele terem sido colocadas alcatifas, pelo que os Autores tiverem de contratar uma empresa para proceder à sua limpeza, no que gastaram a importância de € 504,54.
12. O Autor gastou a importância de € 444,33 na instalação eléctrica do local após a saída do mesmo da Ré, designadamente em armaduras e lâmpadas fluorescentes.
13. Duas portas dos sanitários estavam danificadas, pelo que foi necessário reparar um aro e colocar novas fechaduras, no que gastaram os Autores em tal reparação a importância de € 279,00.
14. O Autor procedeu à pintura das paredes, gastando esc. 2.677,50.
15. Após o envio da comunicação dita em 4. os Autores e a Ré acordaram que a chave seria levantada pelo senhorio nas novas instalações da Ré. O Autor dirigiu-se às novas instalações da Ré para levantar as chaves mas tal não aconteceu uma vez que a sócia-gerente da Ré estava impedida numa reunião, e o Autor não quis esperar
16. A Ré contratou uma empresa para proceder à limpeza do local.
17. O imóvel apenas tem individualizado com porta a parte das instalações sanitárias, sendo que as divisórias para o escritório e demais compartimentos foram colocadas e pagas pela Ré.
18. Após a assinatura do contrato, no início de 2000, o local começou a ficar cheio de infiltrações e entrada de água da chuva, o que ocorreu devido ao mau estado em que o local se encontrava.
19. O Autor responsabilizou-se pela impermeabilização e arranjo do referido local.
20. As infiltrações e águas da chuva que entraram no locado danificaram vários bens da Ré, nomeadamente: três máquinas Rainbow, no valor de € 933,13 cada; central telefónica BSE, no valor de 2.246,84; Audio-visuais ( écran e projector de slides ), no valor de 310,5; carpetes e alcatifas "SAFINA", no valor de 249,00.
21. Tais factos foram comunicados ao senhorio e foi solicitado novamente pela Ré a reparação do locado.
22. A Ré após ter recebido a visita do Presidente da firma Importadora Rainbow recebeu do mesmo ordens para deixar o locado dado que não estavam reunidas as condições para aí continuar.
23. O local objecto do contrato é de construção recente e nunca tinha sido usado para qualquer outra finalidade quando foi ocupado pela Ré.

2. De direito

Apreciemos agora, de direito, as questões supra elencadas:

a) Da resolução do contrato de arrendamento por iniciativa da arrendatária

Defendem os recorrentes que tendo sido celebrado com a recorrida um contrato de arrendamento para comércio, o qual teve o seu início de vigência em 1/1/2000 e tinha validade anual, renovável por igual período de tempo, terá o mesmo sido rescindido por aquela antes do seu termo normal, sem fundamento legal, razão pela qual entende que lhe serão devidas as rendas até esse termo.
Na sentença recorrida o Senhor Juiz considerou válida a rescisão feita pela arrendatária tendo condenado esta no pagamento aos Autores das rendas que se mostravam então em dívida (até à libertação do arrendado) e não já as que se venceriam até ao termo da renovação do contrato em causa (Dezembro de 2002).
Interessará começar por apurar se a referida denúncia terá sido válida nos termos em que a acolheu o Senhor Juiz, ou se, pelo contrário, como tal não poderá ser considerada.
Nos termos do disposto no art.º 50.º da RAU, O arrendamento urbano pode cessar por acordo entre as partes, por resolução, por caducidade, por denúncia ou por outras causas determinadas na lei.
A denúncia define-se como o poder exercido por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculado, de extinguir ex nunc e dentro de certos prazos um contrato duradouro.
O arrendatário pode denunciar o contrato, impedindo a sua prorrogação, com determinada antecedência, fixando a lei prazo mínimo de pré-aviso (art.º 1055.º do Código Civil [Diploma a que nos referiremos de ora em diante, sempre que expressamente não indicarmos outro].), tratando-se dum negócio jurídico extintivo da relação locatícia, ou seja, dum negócio jurídico unilateral receptício [Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág. 266]..
A denúncia por parte do arrendatário, por via do disposto no art.º 68.º, n.º 1 do RAU concretiza-se nos termos do estatuído no art.º 1055.º, sendo que o n.º 2 estipula que a antecedência a que se reporta o n.º 1 do preceito respeita ao fim do prazo do contrato ou da renovação.
No caso, terminando em Dezembro de 2002 o prazo de vigência do contrato (por efeito da sua anterior renovação), e estipulando esse mesmo contrato que a denúncia do mesmo deveria ser feita com antecedência mínima de noventa dias (vd. ponto 6 da matéria dada por provada), a comunicação feita pela arrendatária em 5 de Junho de 2002, seria válida para o termo da renovação pois que foi feita dentro dum prazo superior aos indicados noventa dias.
Sucede que nessa comunicação a arrendatária informou o Autor que por “problemas no nosso escritório (infiltrações, chuva, etc.), fomos visitados pelo nosso importador, recentemente, que nos obrigou a mudar de instalações para umas com melhor condições, pelo que nos vemos obrigados a rescindir o contrato de arrendamento (ponto 4 da matéria dada por provada).
Através dessa mesma comunicação a Ré informou ainda o Autor que as instalações objecto do contrato de arrendamento ficariam disponíveis a partir do final do mês de Junho (ponto 5 da matéria dada por provada).
O Autor (senhorio), por seu turno, em 11 de Junho de 2002, enviou à Ré a comunicação constante de fls. 55, informando que se considerava credor de, pelo menos, mais dois meses de renda (ponto 7 da matéria provada), alusão essa que é feita após referir expressamente em tal escrito que “Como V. Ex.ªs sabem nos termos da cláusula Segunda 2 a denúncia do contrato tinha de ser efectuada com uma antecedência mínima de noventa dias.”
Após a Ré (arrendatária) ter enviado a comunicação de 5/6/2002, ela e os Autores acordaram que a chave seria levantada pelo senhorio nas novas instalações da Ré. O Autor dirigiu-se às novas instalações da Ré para levantar as chaves mas tal não aconteceu uma vez que a sócia gerente da Ré estava impedida numa reunião, e o Autor não quis esperar (ponto 15 da matéria dada por provada).
Apurou-se ainda que A Ré desocupou o local no final do mês de Junho de 2002, após ter mudado para as suas actuais instalações, e que o senhorio (Autor) ficou na posse das chaves do local em Outubro de 2002 (ponto 8 da matéria provada).
A comunicação realizada pela arrendatária não pode pois ser entendida como a interpelação normal para efeitos da denúncia do contrato para o seu termo inicial ou renovação deste, pois que como se referiu tal ocorreria só em Dezembro de 2002, sendo que a arrendatária manifestou a sua vontade no sentido do contrato cessar desde logo em finais do mês de Junho.
Como entender então tal comunicação,
A resposta só poderá ser uma, atenta a natureza do escrito – onde se refere que devido aos problemas surgidos no escritório (infiltrações, chuvas, etc.), o seu Importador a obrigou a mudar de instalações para umas com melhores condições, pelo que se viam obrigados a rescindir o contrato de arrendamento – pretendia a Ré a resolução do contrato do locado.
Ora, a resolução do contrato por parte do locatário, terá que ter na sua base o incumprimento contratual do senhorio, nos termos gerais de direito (art.º 63.º, n.º 1, da RAU) ou, independentemente da sua responsabilidade, uma das situações previstas no art.º 1050.º.
Atenta a matéria provada, é inquestionável não estarmos perante qualquer das situações previstas neste último normativo, importando por isso debruçarmo-nos sobre a eventualidade de existir uma qualquer outra situação de incumprimento contratual por parte do senhorio.
Para se apurar de tal, necessariamente teremos de ter presente quais as obrigações que recaem sobre o locador.
Ora, estipula o art.º 1031.º que são obrigações do locador: a) entregar ao locatário a coisa locada; b) assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.
O art.º 1032.º (vício da coisa locada) prevê igualmente situações tidas como incumprimento contratual por parte do locador, quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador…: a) se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; b) se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.
Ora, pelos elementos factuais provados consideramos que nos encontramos efectivamente face a uma situação de incumprimento contratual prevista neste normativo, designadamente o que se encontra previsto na alínea b).
Com efeito, tendo-se apurado que Após a assinatura do contrato, no início de 2000, o local começou a ficar cheio de infiltrações e entrada de água da chuva, o que ocorreu devido ao mau estado em que o local se encontrava (ponto 18 do probatório) e que As infiltrações e águas da chuva que entraram no locado danificaram vários bens da Ré, nomeadamente: três máquinas Rainbow, no valor de € 933,13 cada; central telefónica BSE, no valor de 2.246,84; Audio-visuais ( écran e projector de slides ), no valor de 310,5; carpetes e alcatifas "SAFINA", no valor de 249,00 (ponto 20 do probatório), sendo que os Autores foram avisados dessas situações sem que no entanto tivessem diligenciado pela solução do problema (conclusão que se extrai dos pontos 19 e 21 da matéria dada por provada), dúvidas não nos ficam de que estamos face a uma coisa locada que apresentou vício que lhe não permitia realizar cabalmente o fim a que se destinava, por culpa do locador.
Com efeito, é um dado objectivo e do senso comum que será insustentável a manutenção duma situação, como a aqui comprovada, em que se registam infiltrações e entrada de água da chuva que levam à danificação de bens. Tal situação implica a conclusão óbvia de que o vício em causa não permitirá realizar cabalmente o fim a que é destinado o arrendamento celebrado, tenha este o fim que tiver.
No que concerne à imputação culposa, ela existe desde logo porquanto se apurou que tais infiltrações e a entrada de água da chuva ocorreram devido ao mau estado em que o local se encontrava, sendo certo que competiria ao senhorio a obrigação de manter o seu prédio em boas condições de conservação, como resulta designadamente dos artgs. 11.º e 12.º do RAU.
Com efeito, o seu comportamento indicia uma postura de algum desinteresse (negligência) sobre o bem locado, na medida em que tendo sido sabedor, algum tempo após a celebração do contrato, de que o arrendado apresentava infiltrações e deixava entrar água no seu interior não tomou quaisquer medidas tendentes a superar a situação, sendo certo que foi mesmo informado de que parte do equipamento que se encontrava no interior das instalações terá ficado danificado.
Por estas razões entendemos que assistia ao arrendatário o direito a resolver o contrato de arrendamento à luz do citado art.º 1032.º, al. b) (o que o mesmo fez) tendo-o manifestado através da carta que enviou ao senhorio (ora recorrente), a qual respeita a exigência prevista no art.º 436.º, n.º 1 e 53.º, n.º 2 do RAU.
Daqui há pois que concluir que nenhuma censura há a fazer à decisão proferida na 1.ª instância, que considerou válida a rescisão do contrato realizada pela inquilina, com fundamento em factos geradores do direito à resolução daquele [Apenas será de referir que a decisão foi algo parca na caracterização jurídica da situação, não tendo sequer nomeado um único normativo legal a sustentar a sua posição.].
Improcede assim esta questão.

b) Da indemnização aos Autores pelos danos por estes sofridos derivados do mau estado de conservação do locado

Os recorrentes sustentam que na indemnização em que a Ré foi condenada, não foi contemplada a quantia que eles terão dispendido com a pintura do arrendado, sendo certo que terá resultado provado terem realizado tal despesa.
Constitui efectivamente obrigação do locatário não fazer dela (coisa locada) uma utilização imprudente (art.º 1038.º, al. d)) e … manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato (art.º 1043.º, n.º 1).
Por seu turno o n.º 2 deste último preceito estabelece a presunção de que a coisa terá sido entregue inicialmente ao arrendatário em bom estado de manutenção, quando não haja documento onde as partes tenham descrito o estado em que ela se encontrava.
Ora, no caso em apreço, sendo válida tal presunção, não resultou no entanto provado que a coisa restituída se encontrasse em mau estado de conservação, ou, pelo menos, que tenha sido restituída em estado pior do que seria admissível face a uma normal utilização.
Com efeito, o único facto que resultou provado relacionado com a pintura foi o resultante do ponto 14 do probatório que reza assim: O Autor procedeu à pintura das paredes, gastando € (na sentença escreveu-se esc., sendo que se trata de lapso manifesto que aqui se corrige) 2.677,50.
Não se provou qual o estado em que as paredes se encontravam quando o locado foi restituído ao locador, de forma a fazer-se a necessária análise sobre se se estaria perante situação enquadrável numa normal utilização, ou se, pelo contrário, o estado delas era de forma a ultrapassar essa utilização prudente, caso em que recairia sobre o inquilino a obrigação de indemnizar.
Com efeito, como também é referido na sentença, o locador não comprovou, como lhe competia, os factos que sustentariam esse seu eventual direito à indemnização (art.º 342.º, n.º 1), sendo que nesse particular foi dado como não provado, designadamente, o art.º 10 da base instrutória (As paredes interiores do armazém estavam cheias e cravejadas de buracos, provenientes do uso e fixação de materiais, designadamente prateleiras e outros dispositivos?).
Desta forma, sendo insuficiente aquele facto para sustentar o direito à indemnização pelas despesas resultantes da pintura, reivindicado pelos recorrentes, há igualmente aqui que manter a decisão recorrida e julgar improcedente esta questão.

c) Da nulidade derivada do não conhecimento da má fé da Ré, alegada pelos Autores

Sustentam os recorrentes que a sentença proferida na 1.ª instância enferma do vício de nulidade, previsto na alínea d) do n.º 1, do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil (CPC), pois que não apreciou a litigância de má fé da Ré, por eles alegada na resposta à reconvenção.
Afigura-se-nos que aqui assiste inteira razão aos apelantes.
Com efeito, na sua resposta à reconvenção os AA./apelantes pedem a condenação da Ré como litigante de má, sustentada na alegação de que esta terá falseado a verdade quando:
- referiu no art.º 8.º da sua contestação (e também na impugnação genérica constante do art.º 11 desse articulado) que É falso que a Ré tenha revelado incapacidade para o pagamento das rendas, sendo certo que todas as rendas foram pagas…;
- apresentou pedido reconvencional baseado em factos que sabia não correspondiam à realidade.
Verifica-se que na realidade o Senhor Juiz do Tribunal a quo não apreciou este pedido, sendo que tal omissão representa efectivamente a prática da nulidade prevista nos artgs. 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Não tendo o Senhor Juiz suprido tal nulidade (art.º 668.º, n.º 4) e verificando-se que foi cumprido o contraditório quanto à questão em apreço, cumpre a este Tribunal de recurso apreciá-la em obediência ao disposto no art.º 715.º (regra da substituição ao tribunal recorrido).
Vejamos pois se assiste razão aos recorrentes quanto ao seu pedido de condenação da Ré. como litigante de má fé.
A resposta surgirá como afirmativa, não com base nos factos que sustentavam o pedido reconvencional - pois que como se pode ver os mesmos resultaram na sua essência provados - mas sim com base na afirmação feita pela Ré, na sua contestação, de que todas [Sublinhado nosso] as suas rendas se encontravam pagas. Tanto mais grave é tal resposta genérica, quanto é certo que a mesma pretendia impugnar a afirmação formulada pelos AA. nos artgs. 7.º e 8.º da petição inicial em que no segundo se dizia expressamente que a última renda paga ocorreu em 29/07/2002 e relativa a parte [Sublinhado nosso] do mês de Maio/02….
Ora, o art.º 456.º, n.º 2, classifica como litigante de má fé, aquele que, com dolo ou negligência grave:
“a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
“b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
“c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
“d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Resulta pois do preceito, que a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave, consubstanciada, objectivamente numa das diversas situações previstas nas quatro alíneas de tal n.º 2.
No fundo, pode afirmar-se que “a má fé se traduz na violação do dever de probidade que os artigos 266º-A e 266.º-B do C. Proc. Civil impõem às partes – dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias”. [Ac. do STJ de 30/09/2004, in, www.dgsi.pt]
Há porém que ter presente que a interpretação a dar ao art.º 456.º do CPC não poderá nunca ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório.
Na realidade, a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual.
A este propósito escrevia-se: “… a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave.” [Ac. do STJ de 16/01/2002, in, Rec. Agravo n.º 3520/01 – 4.ª Secção, Sumários, pág.57]
Não é esta porém a situação que se verifica neste caso, pois que se denota com profunda clareza que a Ré deduziu oposição inverídica, no que às rendas diz respeito, sendo certo que não poderia ignorar tal realidade, uma vez que se tratava de facto do seu conhecimento pessoal (o pagamento das rendas).
Há assim que concluir que a Ré/recorrida deverá ser condenada como litigante de má fé (art.º 456.º n.º 2, als. a) e b)).
Desta forma, atenta a natureza e o valor da causa, bem como a intensidade da lesão do interesse de realização da Justiça e do Direito, julga-se adequado cominar-lhe a pena processual de multa em 3 UC (art.º 102.º, al. a) do CCJ) e condená-la a pagar aos AA. indemnização no valor de 200€ (duzentos euros).
Procede assim esta questão.

d) Da indemnização pelos danos sofridos pela Ré – seus pressupostos e valor da mesma

Os recorrentes, no tocante à indemnização em que foram condenados, fruto dos danos que terão causado à Ré, entendem que os mesmos se encontram sobrevalorizados, pois que revelam quantitativo superior ao que consta dos docs. em que se suportam.
Por outro lado, tendo os mesmos ficado danificados e não inutilizados, não poderia a indemnização ser calculada com base no valor de aquisição dos mesmos, pois que haveria que proceder a um abatimento fruto da sua utilização.
Ora estas objecções não podem ser agora aqui sindicadas na medida em que conflituam com a matéria de facto dada por provada sendo certo que os recorrentes não utilizaram os mecanismos processuais previstos nos artgs. 690.º-A e 712.º do CPC, para lograrem modificar tal factualidade provada.
Com efeito, no tocante à primeira objecção, há que referir que o Senhor Juiz do Tribunal a quo no seu despacho de resposta à matéria de facto, fundamentou a resposta positiva que deu aos quesitos 13 a 25 (precisamente aqueles onde se insere a factualidade atinente à indemnização ora em discussão) da seguinte forma:
Para dar as respostas positivas, restritivas e explicativas que antecedem, o tribunal ponderou os seguintes meios de prova e as seguintes razões determinantes da convicção:

- quesitos 13 e sgs.: nas declarações objectivas e coerentes de Olga Barbosa, Mário Gouveia e João Fita, todos funcionários da Ré e conhecedores dos factos.

Ora, tendo sido esta a fundamentação apresentada para as respostas exibidas, as quais não foram sequer alvo de qualquer reclamação a quando da sua leitura e não tendo, repito, os recorrentes utilizado o mecanismo legal que lhes permitia impugnar a matéria de facto (art.º 690.º-A e 712.º, do CPC), e não sendo caso de aplicação do disposto no n.º 5 daquele último preceito, está-nos vedada a possibilidade de modificar essa mesma matéria.
E o mesmo se diga quanto à segunda objecção.
Com efeito, a interpretação que os recorrentes pretendem fazer da expressão danificar em confronto com a de inutilizar, não colhe.
Na realidade danificar tem como sinónimo causar dano; deteriorar; prejudicar. [Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2001]
Ora na sentença, ao terem-se arbitrado os valores que se arbitraram, como passíveis de ressarcirem a Ré pelos danos sofridos, fixou-se o quantitativo que resultou provado (resposta positiva ao quesito 22), o qual derivou da prova produzida, sendo que foram esses os facto indicadores do prejuízo que a Ré sofreu (sendo irrelevante se o bem se perdeu em absoluto ou não).
Certo é que por via da prova (designadamente da testemunhal) se obtiveram esses valores, eles próprios factos provados, os quais não podem ser por nós reapreciados pois que como se disse os recorrentes não lançaram mão do art.º 690.º-A do CPC.
Há assim que reconhecer que a sentença não pode ser modificada neste particular.
Ainda no que concerne à indemnização que lhes foi fixada, defendem os apelantes que não se verificarão todos os pressupostos que poderiam conduzir à sua condenação, designadamente a circunstância de não se ter provado a data em que tais danos se terão verificado e se previamente os recorrentes tinham sido avisados dos vícios do locado.
Sem necessidade de entrar em grandes explicitações doutrinais sempre se dirá que também aqui não assiste a razão aos apelantes.
Desde logo, há que registar o facto de não corresponder à realidade a afirmação por si proferida no sentido de não terem os apelantes sido avisados do vício do locado, pois que resulta da conjugação dos pontos 18 e 19 do probatório que o mesmo tinha conhecimento dessa realidade (Após a assinatura do contrato, no início de 2000, o local começou a ficar cheio de infiltrações e entrada de água da chuva, o que ocorreu devido ao mau estado em que o local se encontrava – 18; O Autor responsabilizou-se pela impermeabilização e arranjo do referido local - 19).
Por outro lado, foram ainda os apelantes informados dos danos causados nos bens da Ré, altura em que lhes foi reafirmada a necessidade do arranjo do locado, o que traduz o conhecimento real e efectivo de toda a situação.
No que concerne à data precisa em que se terão registado os danos nos bens da Ré, a mesma não assume pressuposto fundamental da responsabilidade do locador pelos danos causados ao locatário desde que esteja balizada temporalmente, como acontece no caso, e desde que trais balizas não ponham em causa, como aqui não põem, a possibilidade de se encontrar prescrito o direito invocado.
Assim, tendo presente toda a matéria dada por provada, podemos concluir que os referidos danos terão ocorrido no período compreendido entre 1/01/2001 (data em o contrato teve início) e o final do mês de Junho de 2002 (data em que a Ré saiu do locado).
Desta forma, entendemos que também esta questão não merece provimento.

IV – DECISÃO

Face a todo o exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa conformidade:
a) condena-se a Ré como litigante de má fé, na multa de 3 UC e na indemnização aos AA./apelantes na quantia de 200€ (duzentos euros);
b) mantém-se o demais decidido na sentença recorrida.

Custas por apelantes e apelada na proporção de ¾ por aqueles e ¼ por esta.

Coimbra,