Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1767/05.5TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: APELAÇÃO
Sumário: I – Nos termos e para os efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial, nos termos do art. 272º do n.C.P.Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

II – De referir que esse normativo alude expressa e literalmente a «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra (…)».

III – Donde, não se vislumbra onde é que a presente causa – autos de execução – tem uma “decisão da causa” para ser proferida, posto que, não se olvide, a execução tem por base um título já definido/existente – cf. art. 10º, nº 5 do n.C.P.Civil.

IV – Até acrescendo que, tendo o direito de crédito do credor reclamante sido reconhecido e graduado por sentença já transitada em julgado no respetivo apenso, independentemente de sobre tal se ter formado caso julgado material ou formal, não há qualquer decisão ainda por proferir sobre tal nestes autos de execução.

Decisão Texto Integral:








                Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                1 – RELATÓRIO

Em autos de execução comum instaurados em 22 de agosto de 2005 em que era exequente “I..., AG”, sendo executados J... e mulher M... e estando os autos a prosseguir por via de renovação da instância pelo credor reclamante “P..., S.A.”, requereu o executado a suspensão da tramitação destes autos até que fosse proferida decisão definitiva no âmbito do proc. n.º ... que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 4, sustentando para o efeito que na referida ação declarativa em processo comum contra a dita credora “P..., S.A.”, requereu que fossem dadas sem efeito as ações pendentes e futuras com base nesse título executivo alegando que não deu aval à livrança que legitima o crédito desta nos presentes autos.   

De referir que a 10 de novembro de 2016 a “P..., S.A.” reclamou créditos no montante global de €7.447,19 referente a uma livrança subscrita por L... e avalizada pelo aqui executado J..., em virtude da sua execução própria n.º ... ter sido sustada.

Ora, o executado J..., em 30 de novembro de 2016, deduziu oposição, impugnando o crédito reclamado pela “P..., S.A.” com fundamento, nomeadamente, na prescrição da livrança, na extemporaneidade da reclamação de créditos e na falsidade da assinatura constante do aval.

Em 23 de outubro de 2017 o Tribunal de 1ª instância proferiu sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada, entendendo que o direito de impugnação do executado se encontrava precludido por não ter sido deduzida oposição à Execução n.º ...

De tal o executado J... apresentou recurso de apelação, o qual veio a ser julgado improcedente em 27 de fevereiro de 2018, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra entendido que:

«1. O termo do prazo para a dedução de oposição faz precludir o direito de o executado invocar, na execução, os meios de defesa que nela pudesse opor, para o efeito de a extinguir, total ou parcialmente.

2. Vindo a ser sustada tal execução por efeito de existência de penhora anterior, e reclamado tal crédito na execução da penhora prioritária, o executado não pode aí impugnar a reclamação mediante a invocação de algum meio de defesa de que se pudesse ter socorrido na execução.»

Em 30 de novembro de 2020 o Executado J... invocou então que intentou contra a “P..., S.A.” uma ação declarativa no âmbito do dito processo n.º ..., onde alegou que não deu aval à livrança aqui reclamada, pedindo que sejam dadas sem efeito as ações pendentes e futuras com basse nesse título executivo; mais invocou que, na referida ação, foi inicialmente proferida sentença na qual o tribunal de 1.ª instância julgou estar perante uma exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, absolvendo a “P..., S.A.” da instância, face à sentença de verificação e graduação proferida nos presentes autos.

Contudo, após ter sido apresentado recurso, o Tribunal da Relação entendeu que a referida sentença de verificação e graduação de créditos não tinha força obrigatória fora do processo e, como tal, determinou o prosseguimento dos autos.

Como tal, o executado J... requereu a suspensão da presente instância executiva até existir decisão judicial transitada em julgado proferida no Processo n.º ..., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa.

Em 28 de dezembro de 2020 a “P..., S.A.” invocou que havia recorrido do referido Acórdão do Tribunal da Relação, encontrando-se a aguardar decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

Em 19 de fevereiro de 2021 o executado J... juntou aos presentes autos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que julgou improcedente o recurso de revista interposto pela “P..., S.A.”, entendendo que a sentença de verificação e graduação de créditos proferida não tem eficácia de caso julgado material.

A 8 de julho de 2021 o Tribunal de 1ª instância veio a proferir despacho decidindo pela suspensão da presente execução até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo que corre termos sob o n.º ... que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 4, mais concretamente do seguinte teor:

«(…)

Nessa medida, atento tudo quanto se expôs, decide-se suspender a presente execução, por se verificar no caso em apreço a pendência de causa prejudicial até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo que corre termos sob o n.º ... que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 4.»

Inconformada com um tal despacho, apresentou a credora “P..., S.A.” recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

                ...

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº 4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº 2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: desacerto do despacho que declarou suspensa a execução com o fundamento da pendência de causa prejudicial, mais concretamente «até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo que corre termos sob o n.º ... que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 4».

                3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é, essencialmente, a que consta do relatório que antecede.

                4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar sem mais na apreciação do acerto da decisão judicial que declarou suspensa a execução com o fundamento da pendência de causa prejudicial, a saber, uma ação declarativa que corre termos em tribunal diverso.

E vamos fazê-lo começando por rememorar o teor literal dos normativos com pertinência para aferir uma tal questão, constantes do capítulo do Código de Processo Civil referentes à “Suspensão da Instância”, a saber:

                                                              «Artigo 269.º

                                                                    Causas

1 — A instância suspende-se nos casos seguintes:

a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais;

b) Nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, quando este falecer ou ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato. Nos outros processos, quando falecer ou se impossibilitar o representante legal do incapaz, salvo se houver mandatário judicial constituído;

c) Quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes;

d) Nos outros casos em que a lei o determinar especialmente.

2 — No caso de transformação ou fusão de pessoa coletiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efetuando, se for necessário, a substituição dos representantes.

3 — A morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide.» [sublinhado nosso]

                                                                               ¨¨

                                                               «Artigo 272.º

       Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes

1 — O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 — Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

3 — Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.

4 — As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.» [sublinhado nosso]

Como é bom de ver, e até pelo que foi concretamente invocado/citado na decisão recorrida, está mais concretamente em causa o disposto no art. 269º, nº 1, al.c) e o art. 272º, nº 1 em referência.

Vejamos então.

De referir que a decisão recorrida – enquanto fundada na pendência de causa prejudicial – no fundo deferiu ao que havia sido suscitado/requerido pelo Executado, visando este obstar à prossecução da execução que contra o mesmo e mulher corria termos, mais concretamente a impulso do credor reclamante “P..., S.A.”, o qual havia reclamado e visto graduado um crédito sobre o executado nos autos de reclamação de créditos que são o apenso B dos presentes autos.

Sucede que, quanto a nós, a solução da questão recorrida reveste manifesta simplicidade, sendo caso de manifesta procedência do recurso, sem embargo de essa procedência decorrer de razões basicamente diversas das que foram suscitadas nas alegações recursivas.

Na verdade, a resposta para o recurso é-nos logo dada pelo elemento literal da norma em causa.

Senão vejamos.

O citado art. 272º, nº 1 do n.C.P.Civil alude a que «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra (…)». [sublinhado nosso]

Ora se assim é, não vislumbramos onde é que a presente causa – autos de execução – tem uma decisão da causa para ser proferida!

É que, não se olvide, a execução tem por base um título já definido/existente –cf. art. 10º, nº 5 do n.C.P.Civil, onde se preceitua que «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.»

Dito de outra forma: o direito de crédito do credor reclamante “P..., S.A.” foi reconhecido e graduado por sentença já transitada em julgado, pelo que, independentemente de sobre tal se ter formado caso julgado material ou formal, não há qualquer decisão ainda por proferir sobre tal nestes autos.

Até acrescendo que tendo tido lugar a dita sentença no apenso de reclamação de créditos [cf. art. 788º, nº 8 do n.C.P.Civil], muito menos se compreenderia que nestes autos de execução sobre essa questão pudesse ser tomada uma “decisão” sobre essa matéria…

Esta linha de entendimento parece-nos inequívoca e insofismável, sendo que da mesma decorre que a suspensão que foi decretada pelo Tribunal a quo apenas se compreenderia ou aceitaria se fosse proferida no apenso de verificação e graduação de créditos – mormente face a ainda se encontrar pendente ação respeitante à dívida reclamada – mas sempre, obviamente, para a hipótese de a sentença de verificação e graduação de créditos ainda não ter sido proferida.

Situação esta que até se encontra salvaguardada pelos concretos termos com que o legislador dispôs sobre tal [cf. art. 792º, nº 1 do mesmo n.C.P.Civil]. 

Acontece que não é isso manifestamente o que está em causa na situação ajuizada!

De referir que uma tal linha de entendimento é, ao que cremos, aceite nemine discrepante pela doutrina e jurisprudência, tendo sido a este propósito já doutamente sustentado o seguinte:

«A ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão duma causa e pressupondo o título a existência da obrigação exequenda, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito. Isso mesmo foi decidido, na pendência do CPC de 1939, por Assento de 24.5.60 (…), se manteve com o CPC de 1961 (até ao DL 329-A/95), dado que o preceito interpretado não teve nele alteração (não o altera tão-pouco o CPC de 2013). Mas a questão da suspensão pode pôr-se para os embargos de executado (…), para os embargos de terceiro (…) e para o apenso de de verificação e graduação de créditos (pendência de ação respeitante à dívida reclamada). Neste último caso , a própria lei determina os termos em que pode ter lugar a suspensão da graduação dos créditos (art. 792-1).(…)»[2]  

Ademais, outra conclusão não se alcança, se ponderada a questão sob o ponto de vista da dogmática substantiva do instituto da suspensão por “pendência de causa prejudicial” ou por ocorrência de “outro motivo justificado”.

Com efeito, «Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada. A ação de nulidade dum contato é, por exemplo, prejudicial relativamente à ação de cumprimento das obrigações dele emergentes.»[3]

Na mesma linha de entendimento, já foi sustentado que «entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.»[4]

A esta luz, salvo o devido respeito, é fazer apelo a um circunstancialismo puramente lateral e hipotético o que se invocou – na e para fundamentar a decisão recorrida –, a saber, que «o desfecho definitivo da ação declarativa que corre termos sob o n.º ... que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 4 poderá contender com a essência e com a subsistência do crédito reconhecido ao credor reclamante e nessa medida alterar substancialmente a graduação dos créditos»…

Sendo certo, em todo o caso, que também não é caso para deferir a suspensão por “motivo justificado” [cf. art. 272º, nº 1, in fine, do n.C.P.Civil].

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, procede o recurso.

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Nos termos e para os efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial, nos termos do art. 272º do n.C.P.Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

II – De referir que esse normativo alude expressa e literalmente a «O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra (…)».

III – Donde, não se vislumbra onde é que a presente causa – autos de execução – tem uma “decisão da causa” para ser proferida, posto que, não se olvide, a execução tem por base um título já definido/existente – cf. art. 10º, nº 5 do n.C.P.Civil.

IV – Até acrescendo que, tendo o direito de crédito do credor reclamante sido reconhecido e graduado por sentença já transitada em julgado no respetivo apenso, independentemente de sobre tal se ter formado caso julgado material ou formal, não há qualquer decisão ainda por proferir sobre tal nestes autos de execução.

                                                                                              *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação interposta procedente por provada, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que proceda ao normal prosseguimento da instância.

Sem custas.

                                                                                               Coimbra, 23 de Novembro de 2021

Luís Filipe Cravo

          Fernando Monteiro

    António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Citámos J. LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, 2014, a págs. 536-5375.
[3] Citámos novamente ao utores em obra e local referidos na nota precedente, ora a págs. 535.
[4] Assim no acórdão do TRP de 18.12.2018, proferido no proc. nº 6090/15.4T8LOU-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, no qual mais se sublinhou que «A razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão».