Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2011/06.3YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
DENÚNCIA
ABALROAÇÃO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ARRENDATÁRIO
CONSENTIMENTO
CÔNJUGE
FALTA DE CONSENTIMENTO
ANULABILIDADE POR FALTA DE CONSENTIMENTO
LEGITIMIDADE PARA ARGUIR
Data do Acordão: 09/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNDÃO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 287º, Nº 1; 1682º -B, AL. A), E 1687º, DO C.CIV.
Sumário: I. A anulabilidade é a consequência da violação do disposto no artº 1682º-B, al. a), do C. Civ. – falta do consentimento do cônjuge na denúncia do contrato de arrendamento da casa de morada de família .

II. A pessoa dotada de legitimidade para arguir essa anulabilidade é apenas o cônjuge que não deu o consentimento necessário, não qualquer interessado, designadamente o senhorio .

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
I- RELATÓRIO
I.1- A..., propôs em 19.2.01 acção de despejo sob a forma sumária contra B... e marido, C..., pedindo, com fundamento na falta de pagamento de rendas desde Setembro/00 e abandono do arrendado pelos RR., que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento que na qualidade de senhorio celebrou com a ré para habitação desta e do marido, tendo por objecto o prédio urbano sito na rua da Quinta nº9 no Fundão, e os RR. condenados a despejar de imediato o prédio e a pagar as rendas vencidas no montante de 150.000$00 e vincendas até efectiva entrega do locado.
Apenas contestou a ré Luísa, alegando que saiu do arrendado em Setembro de 2000, tendo, nesse mesmo mês, tentado entregar as chaves respectivas ao José Pio que se recusou a recebê-las e enviou carta a este último, datada de 10 de Novembro desse mesmo ano, onde denunciava o contrato de arrendamento.
Respondeu o A. reconhecendo ter recebido a carta de 10 de Novembro de 2000 e respectivo conteúdo, acrescentando ter respondido à ré comunicando-lhe a validade do contrato de arrendamento com fundamento na norma do art. 1682º-B, al.a), do C.C.,
Pediu, em simultâneo, o despejo imediato do locado, nos termos do art. 58º/ 1 e 2, do R.A.U..
Foi proferido despacho-saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto relevante, por despacho que não foi objecto de reclamação.
No mesmo despacho ordenou-se o despejo imediato do locado, nos termos do citado art.58º.
Tendo entretanto falecido o A., foram julgados habilitados como seus únicos e universais herdeiros para nessa qualidade prosseguirem a acção em sua substituição, Alberto e Maria Cristina Novo Pio e Natália Pio Almeida.
Realizado o julgamento em 21.9.04 e decidida a matéria de facto controvertida em 22.11.04, sem reparos das partes, foi proferida em 6.12.05 sentença a julgar totalmente procedente a acção, condenando-se os RR. a pagar aos AA., as rendas vencidas desde Setembro a Dezembro de 2000, e desde Janeiro a Junho de 2001, no valor mensal de 25 000$00.
I.2- Apelou a ré, concluindo assim a sua alegação de recurso:
1ª- A denúncia de arrendamento feita pela recorrente sem o consentimento do co-réu marido, foi-no contra o disposto no art.1682º-B/al.a) do C.C.;
2ª- Porém, por força das disposições combinadas dos arts.1687º e 287º do mesmo diploma, só o co-réu marido tinha legitimidade para arguir aquela anulabilidade, uma vez que esta foi estabelecida apenas no interesse dele e não de terceiros, nomeadamente dos AA.;
3ª- Não se mostrando nos autos a arguição dessa anulabilidade por parte do co-réu, a referida denúncia é válida e produz os seus efeitos no dia 30.11.00;
4ª- Daí que a presente acção deve improceder quanto ao pedido de pagamento de rendas do mês de Dezembro de 2000 e dos meses de Janeiro a Junho de 2001.
I.3- Não houve contra-alegação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
A sentença assentou na seguinte factualidade não posta em causa:
1- Por contrato celebrado a 5.4.99, A... deu de arrendamento aos RR., casados entre si e para habitação destes, o 1º andar do prédio urbano sito na Rua da Quintã, nº9, Fundão;
2- Entre as partes foi convencionado que a renda anual seria de 300 mil escudos, a ser paga em duodécimos de 25 mil escudos, no 1º dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse, em casa do senhorio;
3- Em 10.11.2000, a ré. enviou ao A. uma carta com o seguinte teor:
“Venho, por este meio, na qualidade de inquilina e ao abrigo do disposto no artigo 1055º/1 alínea d) do Código Civil, comunicar a V. Exa., na qualidade de senhorio, que denuncio o arrendamento entre nós vigente e que tem por objecto o primeiro andar do prédio urbano sito na Rua da Quintã, nº9, nesta cidade do Fundão e que teve o seu início em 1 de Abril de 1999, denúncia esta para ter os seus efeitos no termo da presente renovação ou seja no dia 30 do corrente mês de Novembro, data a partir da qual poderá dispor do arrendado”;
4- A..., com data de 2811.2000, por carta dirigida à R. B..., respondeu à carta acima referida da seguinte forma: “Acuso a recepção da carta de V.Exa., datada de 10 de Novembro de 2000.
Na mesma, tinha intenção de denunciar o contrato de arrendamento entre nós celebrado, do prédio sito na Rua da Quintã, nº9, na cidade do Fundão.
No entanto, essa mesma carta e portanto a respectiva denúncia, estava assinada apenas pela senhora, não sendo por esse motivo válida, como o obriga o preceituado no art. 1682º-B, al. a) do Código Civil.
Mantém-se, assim, válido o contrato de arrendamento entre nós celebrado, continuando V. Exa. devedora das rendas já vencidas e a vencer”;
5- Os RR. não procederam ao pagamento ao A. das rendas relativas aos meses de Setembro a Dezembro, ambos inclusive, de 2000, e de Janeiro a Junho, ambos inclusive, de 2001;
6- Em 01.06.2001, A... procedeu à substituição da fechadura do prédio identificado em 1), passando o mesmo a ficar fechado desde então.
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II.2 - de direito
A questão colocada no recurso é puramente jurídica, tratando de saber-se se o A. tinha legitimidade para arguir a anulabilidade da denúncia por violação do disposto no art.1682º-B/al.a), C.C..
Adianta-se que a razão está do lado da recorrente.
Tal como a mesma afirma, não se discute que a carta datada de 10.11.00 que enviou ao senhorio a denunciar o contrato de arrendamento, não traduzia o consentimento do co-réu marido como prescreve o citado art.1682º-B/al.a), e dúvidas não se suscitam de que a anulabilidade é a consequência da violação do sobredito normativo, atento o que se determina no art.1687º/C.C.. Também não vem questionado o despejo já decretado.
Restando as rendas em cujo pagamento foram os RR. condenados, há que apurar se o contrato se mantinha eficaz como entendeu a 1ª instância.
Considerando o facto assente de que o arrendamento foi-o aos RR., casados entre si, para a respectiva habitação, e bem assim o disposto nos arts.1682º-B/al.a) e 1054º, entendeu a sentença que o dito contrato continuou operante, por se ter julgado que a denúncia operada pela arrendatária ficou sujeita à sanção (anulabilidade) prescrita no art.1687º.
Pelo citado art.1054º o contrato de arrendamento, findo o prazo, renova-se se nenhuma das partes o denunciar dentro dos prazos referidos no art.1055º, sendo que nos arrendamentos de prédios urbanos a denúncia é apenas permitida ao arrendatário (art.1095º).
Porém, conforme regra estabelecida no apontado art.1682º-B/-a), situando-se a morada de família em casa arrendada, a denúncia do contrato de arrendamento carece do consentimento de ambos os cônjuges. Como explicam P. Lima e A. Varela em anotação a esse preceito, “o pensamento transparente da lei é o de proteger o interesse de qualquer dos cônjuges (e do agregado familiar, em geral) à habitação contra os actos de disposição do outro cônjuge, a título de (cônjuge) arrendatário”[ in «C.C. anotado», Vol.IV, pág.306].
Realizada a denúncia contra o disposto nesse artigo, a sanção prescrita é a de mera anulabilidade, de acordo com o regime fixado no nº1 do art.1867º.
Na situação vertente, ao denunciar o contrato nos termos em que o fez, a ré não tinha a legitimidade necessária, por falta do consentimento do co-réu marido. Seria, em princípio, um acto válido se não fosse anulado, no prazo legal e pelas pessoas com legitimidade.
Ora, a pessoa dotada de legitimidade para arguir a anulabilidade seria o cônjuge que não deu o consentimento. Não qualquer interessado, nomeadamente o senhorio.
Com efeito, resulta do critério geral fixado no art.287º/1,C.C., que só têm legitimidade para arguir a anulabilidade os titulares do interesse para cuja específica tutela a lei a estabeleceu. Trata-se, como diz Mota Pinto, de uma directiva de carácter genérico que deverá ser tomada em conta nos casos em que a lei não faça a indicação concreta das pessoas legitimadas. Em muitos casos o Código faz essa indicação[ in «Teoria Geral do Direito Civil», 2ª ed., pág.598]. Entre eles no art.1687º.
A esta luz, carecia o A. de legitimidade para invocar a anulabilidade da denúncia por falta do consentimento de ambos os cônjuges. Só ao co-réu era lícito exercer o direito de anulação que o art.1682/B-a) lhe confere.
Não o tendo feito, o acto afectado por ilegitimidade conjugal ficou sanado, tornando-se eficaz.
Nesta conformidade, os efeitos visados com a denúncia produziram-se, com a cessação do arrendamento em 30.11.00 (arts.50º e 68º/1, R.A.U.), e em vista disto apenas são devidas as rendas que não foram pagas relativas aos meses de Setembro a Novembro de 2000.
Isto posto, o recurso merece provimento.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar procedente a apelação, revoga-se a sentença, e julgando em parte procedente a acção, condenam-se os RR. a pagar aos AA. as rendas vencidas com referência aos meses de Setembro a Novembro de 2000, no montante total de 374,10 € (75.000$00).
Custas da apelação pelos AA..
Na 1ª instância as custas ficam a cargo dos AA. e dos RR. na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que a ré goza.
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COIMBRA,