Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
680/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: INVENTÁRIO
LICITAÇÕES
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 1377º DO CPC
Sumário: 1. O interessado a quem haja de caber tornas deverá requerer a composição do seu quinhão em abstracto, sem concretizar bens, mas nada obsta a que, logo no seu requerimento, indique a verba ou verbas que desejaria para preenchimento do seu quinhão, e apenas até ao limite do seu quinhão, mas tal indicação não vincula o devedor de tornas.
2. É ao interessado que haja licitado bens excedendo a sua quota que cabe escolher, de entre as verbas que licitou, as necessárias para preencher a sua quota.

3. Mas se o interessado que licitou em excesso, uma vez notificado para os fins previstos no n.º3 do art. 1377º do CPC, não exerceu o direito de escolha, caberá então ao Juiz determinar quais os bens, bem podendo atender à concreta indicação de verbas por parte do credor de tornas, desde que a indicação de verbas licitas em excesso não implique ultrapassagem do seu quinhão, por forma a que o credor de tornas não se torne ele próprio devedor de tornas.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I)- RELATÓRIO

A... requereu, no Tribunal da Figueira da Foz, inventário para partilha da herança aberta por óbito do seu marido B..., havendo desse casamento 5 filhos, todos maiores, entre eles o Apelante.
Foi a Requerente designada cabeça de casal, abrindo-se licitação na conferência de interessados, por falta de acordo nos termos do n.º1 do art. 1353º do CPC.
Após despacho determinativo da partilha, pela secretaria foi lançada no processo informação, sob a forma de mapa, sobre excesso de bens licitados, excedendo estes as quotas dos interessados C..., D..., E... e F....

Foram as interessadas A... e G..., a quem eram devidas tornas, notificadas para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento de tornas, tal como determinam os n.sº 1 e 2 do art. 1377º do CPC.
Só a interessada e cabeça de casal A... veio requerer que lhe fosse adjudicada, pelo valor resultante das licitações, e para composição do seu quinhão, a verba n.º 11, que fora licitada, na conferência, pelo interessado C....
Tal verba vem relacionada como parte indivisa (3/6) de um prédio rústico composto de terra de cultura.

Seguidamente, foram notificados nos termos e para efeitos do disposto no n.º3 do art. 1377º do CPC, os interessados devedores de tornas à Requerente, C... e F..., aquele devendo tornas no montante de € 7.634,29 e este no montante de € 1.726,29.

O interessado C... que licitara tal verba, respondeu, dizendo que estava vedado à interessada A... a adjudicação da pretendida verba, correspondente a 3/6 de um prédio indiviso, e requerendo a realização de uma nova conferência de interessados.
Foi indeferida a pretendida realização da conferência, e novamente foram notificados os interessados devedores de tornas para exercerem, no prazo de 10 dias, o direito de escolha dos bens licitados, direito esse previsto no n.º3 do art. 1377º do CPC.

Não tendo nenhum deles exercido tal direito, seguidamente foi proferido despacho a adjudicar à interessada A... a verba n.º 11, que fora indicada no seu requerimento de composição de quinhão.

Pelo interessado C... foi interposto recurso de agravo contra tal despacho, admitido correctamente com subida diferida e com efeito devolutivo.

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, com organização do mapa da partilha, foi, por fim, proferida sentença a homologar o mapa da partilha.

Com tal decisão não se conformou o interessado C..., dela apelando, e rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª- A cabeça de casal veio requerer a composição do seu quinhão na verba n.º 11 da relação de bens;
2ª-O direito de escolha das verbas licitadas é privativo do devedor de tornas - ora licitantes;
3ª-Não tendo nenhum dos licitantes optado pelo direito de escolha, não pode o Juiz optar pela escolha antecipada do credor, prejudicando o Recorrente em benefício de outro licitante que não escolheu verbas e vê-se beneficiado por tal inércia, sendo a intenção da cabeça de casal apenas escolher aquela verba, prejudicando o Recorrente que dela não se quer ver despojado;
4ª-Como o direito de escolha é sempre exclusivamente privativo do licitante a única solução possível é a prevista na parte final do n.º 4 do artigo 1377º do CPC “podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar” e o que se reclama;
5ª-Esta a solução introduzida com a reforma processual de 1961 quanto à composição dos quinhões que, repete-se, obedeceu a um propósito humano e justo;
6ª-Além disso, aquela verba assim indevidamente adjudicada à cabeça de casal, é uma verba indivisa e o herdeiro não licitante não pode pedir a adjudicação de parte indeterminada de verba indivisa licitada por outro, antes tem que o fazer em relação na verbas quantitativamente definidas em si mesmas, conforme jurisprudência referida;
7ª- Mostram-se, assim, violadas entre outros, os comandos legais contidos no art. 1377º, n.º3 e 4.

A cabeça de casal não contra-alegou no tocante ao recurso de apelação, mas contra-alegou relativamente ao recurso de agravo acima referido, interposto contra o despacho que lhe adjudicara a verba n.º 11, em consequência do requerimento que formulara ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art. 1377º do CPC. Defendeu a manutenção do despacho impugnado.

Foi mantido o despacho impugnado pelo recurso de agravo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II)- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL

Tendo o recurso de agravo subido com o recurso de apelação, o seu julgamento será feito de acordo com a sua ordem de interposição (n.º1 do art. 710º do CPC).
Verifica-se, porém, que o recurso de apelação interposto contra a sentença homologatória do mapa da partilha, destinou-se apenas a assegurar a subida do recurso de agravo, suscitando-se a mesma questão em ambos os recursos, como iguais são as conclusões extraídas num e noutro recurso.
Portanto, o julgamento a que se procede vale para os recursos de agravo e de apelação, importando dilucidar se, face à posição assumida pela cabeça de casal, credora de tornas, que ao requerer a composição do seu quinhão, desde logo indicou uma verba licitada, e tendo, ainda, em conta posição assumida pelo interessado, devedor àquela de tornas, que notificado não exerceu o direito de escolha, poderia o Tribunal, desde logo, adjudicar a verba indicada pela credora de tornas ou antes deveria o Tribunal proceder de harmonia com o disposto no n.º4 do art. 1377º do CPC.

Vejamos.
A factualidade com interesse ao julgamento dos recursos decorre dos autos e já acima foi relatada.
O Tribunal a quo, face ao silêncio dos licitantes e devedores de tornas, que devidamente notificados nos termos e para efeitos do n.º 3 do art. 1377º do CPC, não exerceram o direito de escolha, decidiu que era de atender à composição do quinhão tal como fora requerido pela credora de tornas.

Ora, o artigo 1377º aplicável quando ocorre excesso de bens licitados, é do seguinte teor:
1- Os interessados a quem haja de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
2- Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe seja adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
3- O licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do n.º2 do artigo anterior.
4- Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, decide o juiz, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar.”

Estamos de acordo, tal como unanimemente vem sufragado na doutrina e na jurisprudência, que a escolha cabe ao licitante devedor das tornas e não ao interessado credor de tornas que haja requerido a composição do seu quinhão. Pela licitação, o licitante adquire o direito de ver preenchido o seu quinhão com os bens licitados e pelos respectivos valores. O credor de tornas deverá até limitar-se a formular o pedido de composição do seu quinhão, ou seja, a composição do quinhão em abstracto (cfr. Partilhas Judiciais, vol. 2º, p. 399, de Lopes Cardoso; Do Inventário, p. 231, de Carvalho e Sá; acórdãos do STJ no BMJ n.º 336º, p. 378, na CJ 2001, 2º, p. 87, acórdão desta Relação, na CJ 1979, 4º, p. 1421, acórdão da Relação de Lisboa, na CJ 1988, 1º, p. 131, acórdão da Relação do Porto, sumariado no BMJ 285, p. 374).
Mas nada obsta a que o credor de tornas, logo no seu requerimento, indique a verba ou verbas que desejaria para o preenchimento do seu quinhão, e apenas até ao limite do seu quinhão, mas tal indicação não vincula o devedor de tornas (cfr. acórdãos do STJ, na CJ 2001, 2º, p. 87, no BMJ 462, p. 356 e acórdão desta Relação na CJ 1989, 5º, p. 66).

Na hipótese sub judice, a credora de tornas, como vimos, logo concretizou uma verba que fora licitada pelo interessado C..., e que pretenderia para a composição do seu quinhão. Mas este interessado, apesar de notificado, até com cópia do requerimento, não exerceu o direito de escolha a que se refere o n.º 3 do citado art. 1377º. E se não exerceu tal direito, escolhendo de entre as verbas licitadas em excesso, as necessárias para preencher a sua quota, podendo, pois, excluir a verba n.º 11 de que não desejaria ser despojado, é porque lhe era indiferente, podendo, assim, a composição do quinhão da credora de tornas ser preenchido com quaisquer verbas que o devedor licitara em excesso, desde que não ultrapassem o quinhão daquela. E de nada vale argumentar que a credora de tornas beneficia um outro interessado, também seu filho, (o Paulo Jorge) igualmente devedor de tornas, porque aquela não sugeriu nenhuma verba por este licitada.

A concreta indicação de verbas em excesso ou de algumas delas por parte do credor de tornas é, pois, de atender, caso o devedor de tornas não exerça o direito de escolha, e desde que a concreta indicação de verbas licitadas em excesso não implique ultrapassagem do seu quinhão, por forma a que o credor de tornas não se torne ele próprio devedor de tornas (cfr. acórdão do STJ, no BMJ 471, p. 401). E no caso presente, tal verba sugerida pela credora de tornas e que fora licitada pelo valor de € 2.050,60, estava muito longe de preencher a sua quota, no montante de € 44.184,78, tendo, ainda, posteriormente, reclamado o pagamento de tornas, ficando a cargo do Apelado tornas no montante de € 5.583, 69, como se vê do depósito de fls. 247. Caberia ao licitante de tal verba, ao ora Apelado, com prioridade de escolha, contrariar tal pretensão, optando por essa verba e repondo outras verbas que licitara.



E caso não houvesse indicação ou sugestão por parte da credora de tornas em conjugação com a falta de escolha ou opção por parte do devedor, então seria o próprio Tribunal a substitui-se ao licitante ou devedor de tornas, escolhendo entre as verbas licitadas em excesso as necessárias para preencher o quinhão da credora de tornas, fazendo a sua adjudicação e determinando a organização do mapa da partilha em conformidade.

E não procede o argumento vertido na conclusão 6ª, repudiando a adjudicação da citada verba, porque correspondente a parte indivisa (3/6) de um prédio rústico, uma vez que não se trata de requerer a composição do quinhão com fracção de uma verba ou uma parte indeterminada de uma verba indivisível licitada. Não se trata de requerer a adjudicação em comum de verba licitada por outro interessado, porque se requer o preenchimento com a totalidade de uma verba que fora apenas licitada pelo Apelado ou preenchimento com uma verba quantitativamente definida em si mesma (cfr., este respeito, o acórdão da Relação de Lisboa, publicado na CJ 1976, 2º, p. 445). Aliás, a jurisprudência está dividida sobre a possibilidade da composição do quinhão por parte do credor de tornas ser feita através da fracção de qualquer das verbas licitadas, não havendo acordo (cfr. acórdãos do STJ publicados na CJ 2001, 2º, p. 87 e no BMJ 347, p. 336).

Diga-se, por fim, e diversamente da tese preconizada pela Apelante na conclusão 4ª, que é de reputar inaplicável o preceituado no n.º4 do citado art. 1377º. Com efeito, como claramente decorre do seu texto, tal normativo supõe a existência de vários credores de tornas, duma pluralidade de requerentes da composição, não havendo entre eles acordo sobre a adjudicação de bens. E o problema só surge se o o sujeito da obrigação é o mesmo em relação a todos eles (cfr. “Partilhas Judiciais”, obra acima citada, vol. 2º, p. 408). No caso ajuizado, apenas a cabeça de casal, credora de tornas, apresentou requerimento de composição do seu quinhão. Nada tem a ver a previsão de tal norma com o facto verificado na hipótese ajuizada de ambos os devedores de tornas não terem exercido o direito de escolha após notificação para o efeito.

Em suma, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o despacho sob exame que adjudicou à credora de tornas a verba n.º 11 que fora licitada pelo Apelado, não merece censura, tendo feito boa aplicação do art. 1377º do CPC. Mantém-se, pois, o mapa da partilha e a sentença que a homologou.

III)- DECISÃO

Nos termos e pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento aos recursos de agravo e de apelação.
2-Confirmar as decisões impugnadas.
3-Condenar o Recorrente nas custas de ambos os recursos.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)