Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3911/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: JUNTA DE FREGUESIA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Data do Acordão: 02/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º E 9º DO CPC ; LEI Nº 169/99, DE 18/9 .
Sumário: I – A Junta de Freguesia não é mais do que o órgão representativo/executivo da pessoa colectiva territorial ( autarquia local ) que é a freguesia .
II - Uma Junta de Freguesia ao demandar fá-lo como legal representante da freguesia, pelo que se deve entender que é a Freguesia a propor a acção , a qual tem personalidade e capacidade judiciárias .
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A «A...», Tomar, propôs contra B..., C..., D... e E..., acção declarativa sob a forma ordinária, pedindo a condenação dos RR. a: reconhecerem o caminho referido na p.i. como um caminho público; a retirarem a vedação de arame farpado, bem como os respectivos prumos que colocaram no referido caminho público; a reporem o caminho no estado em que se encontrava antes de ser vedado; a absterem-se da prática de qualquer acto que prejudique a normal passagem da população pelo mesmo caminho, quer a pé, quer com veículos.
Para tanto e em síntese, alegou que pelo prédio dos RR., que descreve, passa um longo caminho que está no uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais, sendo que é através dele que as pessoas se deslocam para as suas propriedades agrícolas e para localidades próximas, e que os RR. em Dezembro/01 vedaram o referido caminho, colocando arame farpado fixo entre vários prumos, impossibilitando a passagem da população, quer para as propriedades e estradas municipais, quer para os vários terrenos agrícolas para onde esse caminho possibilita o acesso.
Contestaram os RR. (à excepção do R. António Maria), sustentando, em resumo, que não é correcta a trajectória do caminho descrita pela A., que se os habitantes usavam o caminho tal se deve a um mero acto de tolerância por parte do pai dos RR., e que esse caminho não pode ser considerado público, mas de uso público.
A A. replicou, e findos os articulados, dispensada a realização da audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador no qual se entendeu não ter a autora personalidade judiciária, absolvendo-se, em consequência, os RR. da instância.
I.2- Inconformada, interpôs a autora recurso de agravo, formulando na alegação apresentada, estas conclusões:
1ª- A agravante pretende, com a acção interposta, condenar os RR. a reconhecerem determinado caminho como público, pelo que, em representação da freguesia pretende a prossecução dos interesses próprios da população;
2ª- Pelo que tem legitimidade activa para instaurar a acção, como aliás resulta da Lei 169/99 de 16.9, art.34º/1-c), como tem também personalidade judiciária, podendo assim demandar;
3ª- Além de que, ao tratar-se de um erro ou lapso escrever-se na p.i. “junta de freguesia” em vez de “freguesia”, sendo completamente inteligível qual a parte interveniente, poderia o Mmº Juiz considerar que se tratava de um simples erro de escrita e assim proceder à sua rectificação, ou então providenciar pelo suprimento da eventual excepção dilatória;
4ª- Foram violados os arts.5º/1, 7º/1, 24º, 265º/2 e 508º/1-a), todos do C.P.C..
I.3- Em contra-alegações os RR. defendem o improvimento do recurso e a manutenção do despacho agravado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
# #
II - FUNDAMENTOS
Como decorre das transcritas conclusões da alegação recursiva, é questão – única – colocada à Relação a de saber se falta ou não á A. personalidade judiciária.
Afirma-se na decisão recorrida que a lei (DL nº100/84, de 29.3) atribui personalidade apenas à Região Administrativa, ao Município e à Freguesia, e que quem devia demandar era esta, representada pelo seu presidente da junta, e não a junta de freguesia que, conclui-se, não tem personalidade jurídica e consequentemente não tem também personalidade judiciária.
Com o devido respeito, não temos por correcto esta posição.
O citado diploma foi revogado pela Lei nº169/99, de 18.9, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias.
Pelo art.2º, os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia. Esta é, segundo o art.23º, o órgão executivo colegial da freguesia, sendo a junta constituída por um presidente e por vogais.
De harmonia com o art.34º/1-c), compete à junta de freguesia no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, bem como no da gestão corrente, “instaurar pleitos e defender-se neles, podendo confessar, desistir ou transigir, se não houver ofensa de terceiros”.
Conforme estabelece o art.38º/1-a), compete ao presidente da junta de freguesia representar a freguesia em juízo e fora dele.
Por sua vez, estabelecem os arts.235º e 236º da Const.Rep.Port. que as freguesias são autarquias locais, sendo estas pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.
Exposto o quadro legal que interessa ao caso, é seguro que tendo a acção sido proposta pela «A...», esta não passa do órgão representativo/executivo da pessoa colectiva territorial (autarquia local) que é a freguesia.
Em conformidade com a lei, quem de facto deveria propor a acção era a «Freguesia da Madalena», representada pelo presidente da Junta respectiva.
Mas dúvidas não podem restar de que uma Junta ao demandar o é como representante da Freguesia. Embora tecnicamente incorrecta, a propositura de uma acção pela junta de freguesia que, como se viu, só pode representar a freguesia, significa que é a freguesia respectiva a propor a acção.
Conforme se observou no Ac.R.P. de 20.6.91, “(…)demandar o Município representado pela Câmara Municipal ou demandar a Câmara Municipal como representante do Município tem o mesmo significado (o mesmo valendo para a Junta e para a Freguesia)”. Cfr. CJ tomo III/91, pág.262. Em idêntico sentido, Ac.STJ de 28.5.92 (BMJ 417-630), e Ac.STJ de 19.6.97 (BMJ 468-356).
Por conseguinte, afigura-se-nos irrelevante que a autora se tenha apresentado como «A...» que representa a «Freguesia da Madalena», em vez desta. Aliás, a procuração forense é passada pelo presidente daquela Junta, que, de acordo com o citado art.38º/1-a), representa a freguesia em juízo e fora dele.
Quando muito, podia o tribunal no uso do poder/dever conferido pelo art.508º/2, C.P.C., ter convidado a autora a corrigir a forma como identificou erroneamente e através dela, a Freguesia.
Contudo, entendemos que embora formalmente incorrecta a propositura da acção pela «A...», esta não deixa de ter personalidade e capacidade judiciárias.
Segundo o art.5/C.P.C., a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte (pessoa, singular ou colectiva, pela qual e contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária). De acordo com o disposto no art.9º/1, do mesmo diploma, a capacidade judiciária consiste na possibilidade de estar, por si mesmo, em juízo. No caso das pessoas colectivas, elas intervêm na acção por meio dos representantes legais (art.21º/1,C.P.C.).
Ora, se a lei atribui competência ás juntas de freguesia para instaurar pleitos e defender-se neles, e aos respectivos presidentes a representação da freguesia em juízo e fora dele, daqui parece resultar, quanto a nós, que a «A...» ao instaurar a presente acção, o fez em representação da «Freguesia da Madalena». Parte activa na acção é, pois, e consoante antes se salientou, a dita freguesia que tem personalidade e capacidade judiciárias. A Junta respectiva intervém apenas em representação daquela.

# #
III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em conceder provimento ao agravo, considerando-se a «A...» mera representante da «Freguesia da Madalena» a qual goza de personalidade judiciária, e revogar nessa medida o despacho saneador agravado, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pelos RR./agravados.
##
COIMBRA,