Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6659/12.9TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
MÚTUO
HIPOTECA
EXIGIBILIDADE
DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 45, 46 CPC, 781, 1144 CC
Sumário: 1.-Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
2.- Isto porque face ao disposto nesse dito art. 781º do C.Civil, deve-se considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade).

3.- Mas nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação.

4.- Sem embargo, nunca ocorreria a inexigibilidade da obrigação exequenda, na medida em que no âmbito da execução instaurada teve lugar a citação dos executados, o que sempre consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.

Decisão Texto Integral:
           
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

L (…) veio interpor a presente oposição à execução contra “BANCO B (...) , S.A.”, alegando, sinteticamente, que a quantia exequenda não se encontra vencida, não sendo exigível, tendo de haver interpelação ao devedor, a qual não ocorreu, mais não havendo no requerimento executivo menção da data do incumprimento, o que põe em causa também os juros.

Conclui pela extinção da instância executiva.

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Notificada para contestar, a Exequente apresentou contestação, impugnando o alegado pela Opoente, dizendo que os autos se baseiam em escrituras públicas de mútuo com hipoteca e cujas quantias foram disponibilizadas aos executados, não tendo estes efectuado o pagamento da prestação vencida a 31/10/2010 quanto a um dos mútuos e a 30/11/2010 quanto a outro, sendo que os contratos e documentos complementares identificam as obrigações a que os mutuários estavam vinculados e montantes a ser pagos, concluindo pela exequibilidade das escrituras. Tais incumprimentos determinaram o vencimento antecipado das demais prestações mantendo-se o incumprimento à data de hoje, independentemente de interpelação já que a obrigação era cumprida em prestações mensais e sucessivas com dia certo; apesar disso, a executada foi contactada telefonicamente e por cartas. Alega ainda que no requerimento executivo se especificavam quanto a cada contrato as quantias de capital em dívida e juros.

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Foi apresentada resposta dizendo que a exequente não podia vir invocar factos omissos no contrato de mútuo e no requerimento executivo, negando as interpelações alegadas pela exequente, mantendo, no mais, o já alegado.

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Foi elaborado despacho saneador, fixando o valor à acção, considerando improcedente a questão da inexigibilidade da dívida e da ausência de título executivo, seleccionando-se a matéria assente e a que, estando controvertida, interessa à decisão da causa.

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Foi apresentado recurso que foi considerado extemporâneo e ordenado o seu desentranhamento.

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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, após o que se respondeu à matéria controvertida nos termos do despacho de fls. 114 a 118, que não foi objecto de quaisquer reclamações.

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Na sentença, decidiu-se julgar totalmente improcedente a oposição, absolvendo-se a Exequente do pedido contra ela formulado e, consequentemente, determinar o prosseguimento da execução.

                                                           *

   Inconformada com essa decisão, apresentou a co-Executada/Opoente L (…) recurso de apelação contra a mesma, dizendo que também versava ele o despacho saneador que conhecera da excepção de inexigibilidade da quantia exequenda que havia deduzido em sede de oposição à execução, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

Por sua vez, apresentou a Exequente as suas contra-alegações a fls. 142-144, das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- desacerto da decisão que julgou improcedente a excepção de inexigibilidade e inexistência de título executivo?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a apreciação das conclusões do recurso, temos os seguintes factos:

A) Com data de 29 de Dezembro de 2012 a exequente intentou acção executiva contra J (…9 e L (…), requerendo a condenação daqueles a pagar-lhe a quantia de € 68.723,07 [alínea A) dos Factos Assentes];

B) O oposto/exequente deu à execução como título, dois documentos apelidados de  “título de mútuo com hipoteca” acompanhados cada um deles por “anexos I- outras cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca”, invocando expressamente que “apesar de instados para procederem à regularização dos mútuos em incumprimento, até à presente data, os executados não lograram regularizar a sua situação devedora junto do Banco exequente” [alínea B) dos Factos Assentes, ora aditada com a reprodução literal de um outro segmento igualmente constante do requerimento executivo];

C) No primeiro dos acima referidos “título de mútuo com hipoteca”, assinados pelos  representantes dos exequentes e pelos executados, em 23 de Julho de 2009 no posto de atendimento dos registos de Santarém, deixou-se escrito, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido: - “…O banco, representado dos primeiros, pelo presente título, concede um empréstimo aos segundos no montante de trinta e um mil trezentos e noventa e sete euros e quatro cêntimos ao abrigo do crédito à habitação praticado pelo mesmo, nos termos do decreto/lei 349/8, de 11 de Novembro, Regime Geral. ... A parte mutuária aceita o presente empréstimo e confessam-se e constituem-se devedores solidários ao Banco mutuante, dito Banco B (...) (Portugal) S.A., ora representado pelos primeiros da quantia mutuada de trinta e um mil trezentos e noventa e sete euros e quatro cêntimos, respectivos juros, mesmo os moratórios, despesas e demais encargos. … Que em caução e garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada de trinta e um mil trezentos e noventa e sete euros e quatro cêntimos, respectivos juros à taxa anual para efeitos de registo de um vírgula oitocentos e setenta e oito por cento, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento em caso de mora e a título de cláusula penal, despesas e demais encargos, que tão somente para efeitos de registo se fixam em mil duzentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos, num montante máximo de capital e acessórios de trinta e oito mil cento e oitenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos, constituem a favor do Banco mutuante, ora representado pelos primeiros outorgantes, hipoteca voluntária, com toda a plenitude legal e sem determinação de prazo, abrangendo todas as construções e benfeitorias, presente e futuras, sobre a fracção autónoma atrás identificada, a que atribuem o valor de noventa e nove mil e novecentos euros. … Que o incumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações e responsabilidades estipuladas no contrato de empréstimo celebrado neste título implica o reembolso da globalidade das responsabilidades assumidas e constantes de todos os contratos de mútuo celebrados entre os mutuários e o Banco B (...) (Portugal) S.A.” [alínea C) dos Factos Assentes];

D) Anexo ao título acima referido, e assinado na mesma data pelos Opoentes encontra-se o designado “anexo I- outras cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca” o qual é composto por 20 cláusulas, cujo seu exacto conteúdo se dá aqui por integralmente  reproduzido [alínea D) dos Factos Assentes];

E) No segundo dos acima referidos “título de mútuo com hipoteca”, assinados pelos representantes dos exequentes e pelos executados, em 23 de Julho de 2009 no posto de atendimento dos registos de Santarém, deixou-se escrito, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido: - “…O banco, representado dos primeiros, pelo presente título, concede um empréstimo aos segundos no montante de trinta e sete mil e oitocentos euros que já receberam … Que o capital emprestado se destina conforme proposta dos mutuários à aquisição de bens de consumo... A parte mutuária aceita o presente empréstimo e confessam-se e constituem-se devedores solidários da quantia mutuada, respectivos juros, incluindo os de mora, despesas e demais encargos. … Que em caução e garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada de trinta e sete mil e oitocentos euros, respectivos juros à taxa anual para efeitos de registo de um vírgula oitocentos e setenta e oito por cento, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento em caso de mora e a título de cláusula penal, despesas e demais encargos, que tão somente para efeitos de registo se fixam em mil quinhentos e doze euros, num montante máximo de capital e acessórios de quarenta e cinco mil novecentos e setenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos, pela presente escritura constituem uma hipoteca voluntária, a favor do Banco mutuante, ora representado pelos primeiros outorgantes, sobre a fracção autónoma atrás identificada, a que atribuem o valor de noventa e nove mil e novecentos euros. … Que o incumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações e responsabilidades estipuladas no contrato de empréstimo celebrado neste título implica o reembolso da globalidade das responsabilidades assumidas e constantes de todos os contratos de mútuo celebrados entre os mutuários e o Banco B (...) (Portugal) S.A.” [alínea E) dos Factos Assentes];

F) Anexo ao título acima referido, e assinado na mesma data pelos Opoentes encontra-se o designado “anexo I- outras cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca” o qual é composto por 20 cláusulas, cujo seu exacto conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido [alínea F) dos Factos Assentes];

G) Sobre a fracção C) correspondente ao rés-do-chão esquerdo para habitação, descrita na CRP de Leiria sob o nº (...) /19880608, e aí constando como adquirida pelos  executados pela ap. 12 de 1999/05/12 provisória por natureza, convertida em definitiva pela ap. 62 de 1999/07/05, encontram-se inscritos os seguinte ónus: i- ap. 1422 de 2009/07/23 hipoteca, sendo sujeito activo da mesma o banco exequente e sujeitos passivos os executados, a qual garante o capital de € 37.800,00 sendo o montante máximo assegurado de € 45.977,65 (relativa ao título de mútuo com hipoteca indicado em e); ii- ap. 1423 de 2009/07/23 hipoteca, sendo sujeito activo da mesma o banco exequente e sujeitos passivos os executados, a qual garante o capital de € 31.397,04 sendo o montante máximo assegurado de € 38.189,47 (relativa ao título de mútuo com hipoteca indicado em c) [alínea G) dos Factos Assentes];

H) No requerimento executivo, para além de ter sido alegado que “Os executados não cumpriram com as prestações adstritas aos contratos de mútuo celebrados, encontrando-se em incumprimento com os termos desses mesmos contratos”, na parte relativa à liquidação da execução o banco exequente deixou escrito: “Mútuo junto sob o doc. nº1: Capital em dívida - € 29.415,57; Juros Remuneratórios - € 1.329,79; Juros de Mora - € 325,70; Subtotal - € 31.071,06; Mútuo junto sob doc. nº2: Capital em dívida - € 35.559,46; Juros Remuneratórios - € 1.600,95; Juros de Mora - € 411,42; Impostos - € 80,18; Subtotal - € 37.652,01; Total : 68.723,07; Ao capital em divida acrescem ainda os respectivos juros vincendos, às taxas contratualmente acordadas, desde 26.12.2012 até integral e efectivo pagamento” [alínea H) dos Factos Assentes, ora aditada com a reprodução literal de um outro segmento igualmente constante do requerimento executivo];

I) Os executados relativamente ao título de mútuo com hipoteca referido em C) deixaram de cumprir com as prestações a 31.10.2010 [art. 1.º da Base Instrutória];

J) E relativamente ao título de mútuo com hipoteca referido em E) deixaram de cumprir com as prestações a 30.11.2010 [art. 2.º da Base Instrutória];

K) Após as datas indicadas em I) e J) o banco Exequente, interpelou os executados para a falta de cumprimento, fazendo-o primeiro telefonicamente [art. 3.º da Base Instrutória];

L) O Banco tem como procedimento o envio de cartas aos clientes que deixam de pagar as prestações 15, 30 e 60 dias após o primeiro momento em que deixam de cumprir  [resposta ao art. 4.º da Base Instrutória].

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar na apreciação da questão suscitada no recurso e que consiste na discordância frontal relativamente ao entendimento perfilhado no despacho recorrido no sentido da improcedência da excepção de inexigibilidade e inexistência de título executivo, sustentando a co-Executada/Opoente precisamente o inverso.

 No despacho recorrido – aliás, como do mesmo flui literalmente – invocou-se no essencial e decisivamente a seguinte linha de fundamentação:

«Em primeiro lugar refira-se que a opoente, lendo todo o seu articulado, em lado algum alega que tem vindo a cumprir com as prestações a que se obrigou em virtude dos contratos de mútuo com hipoteca por si celebrados com o banco oposto.

Pelo que se terá que concluir que está em incumprimento.

É que a execução tem por base dois títulos de mútuo com hipoteca, nas quais a ora opoente se confessa devedora (com o co-executado) do valor correspondente aos empréstimos concedidos.

(…)

Do teor do requerimento executivo consta expressamente que “ apesar de instados para procederem à regularização dos mútuos em incumprimento, até à presente data, os executados não lograram regularizar a sua situação devedora junto do Banco exequente”

Ora resulta então de forma expressa que houve interpelação, (a provar-se a mesma é certo) sendo que, e realce-se, do teor da cláusula 14º do anexo I (fls. 11 e seguintes e fls. 35 e seguintes dos autos principais) aos referidos contratos, se expõe:

“Sem prejuízo de outros direitos que lhe são expressamente atribuídos nas cláusulas anteriores, ao banco é expressamente atribuído o direito de considerar imediatamente vencidas independentemente de interpelação, a totalidade das dívidas dos mutuários decorrentes deste contrato, ainda que vincendas, com a consequente exigibilidade do seu pagamento imediato, quer em capital, quer em juros e demais  encargos legalmente exigíveis, e, bem assim o direito de executar a(s) garantia(s) ora prestada(s), caso:

a) Não sejam pontualmente cumpridas pelos mutuários quaisquer obrigações assumidas neste contrato – ou em qualquer outro celebrado ou a celebrar com o banco nomeadamente o não pagamento, na data do respectivo vencimento, de quaisquer juros, comissões ou outros encargos”

E igualmente nos “títulos de mútuo com hipoteca” (fls. 6 e seguintes e fls. 31 e seguintes dos  autos principais) é expressamente referido (fls. 9 e fls. 33) “ que o incumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações e responsabilidades estipuladas no contrato de empréstimo celebrado neste título implica o reembolso da globalidade das responsabilidades assumidas e constantes de todos os contratos de mútuo celebrados entre os mutuários e o Banco B (...) (Portugal) S.A.”

Mas mesmo não tendo havido interpelação conforme refere a opoente, sempre a citação para a  execução tornaria exigível a totalidade da dívida.

(…)

Insurge-se ainda a opoente/executada com o facto de o banco opoente, não ter indicado de modo expresso quando ocorreu o incumprimento, ou seja, o momento temporal em que as prestações deixaram  de ser pagas.

E de facto relativamente a tal questão temos que no requerimento executivo quanto a tal matéria apenas é alegado o seguinte: “os executados não cumpriram com as prestações adstritas aos contratos de mútuo celebrados, encontrando-se em incumprimento com os termos desses mesmos contratos”

Todavia em sede de resposta à oposição a opoente vem a indicar as concretas datas em que tais prestações deixaram de ser pagas.

A opoente/executada protesta quanto a tal, referindo que não podia o banco opoente fazê-lo em  sede de resposta à oposição já que o momento processual próprio para o efeito era no requerimento executivo. Será assim?

Entendemos que não, já que alegado foi o não cumprimento das prestações, como acima se referiu, ainda que não tenha sido indicado quando tal concretamente ocorreu.

Mas tal facto pode ser trazido ao conhecimento processual do tribunal em momento ulterior, mormente em sede de resposta à oposição, não se vislumbrando qualquer impedimento para tal, tanto mais que a opoente vem a impugnar esses factos.

Realce-se ainda que no requerimento executivo e na parte relativa à liquidação da obrigação aí é referido de modo expresso o montante de capital em dívida relativamente a cada um dos contratos, os  juros remuneratórios, e bem assim os juros de mora.

Concluindo que a prestação é exigível, liquida é certa, e o título executivo é idóneo (sendo  complexo – constituído pelo título de mútuo com hipoteca e condições especiais do mútuo onde figuram as cláusulas especificas do mesmo), nos termos dos artigos 45º, 46º, 802º a 805º do CPC.»

Que dizer?

Desde logo importa sublinhar que o despacho recorrido assenta, afinal, no pressuposto de que qualquer dos títulos executivos apresentados, sendo necessário, era igualmente suficiente – como veio a ser sublinhado na sentença final.

Isto porque quando no art. 45º do C.P.Civil[2] se estatui que “Toda a execução tem por base um título executivo pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”, quer-se com tal significar que o título executivo é condição necessária da acção executiva (já que sem título não pode ser instaurada acção executiva); e que, por outro lado, o título executivo é também condição suficiente da acção executiva (dado que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação).

Ora, estando como estavam em causa escrituras públicas de mútuo com hipoteca (outorgadas ambas em 23.07.2009), logo títulos executivos à luz do disposto no art. 46º, nº1, al.b) do C.P.Civil (isto é, enquanto documentos exarados por notário que importem reconhecimento de uma obrigação), não vislumbramos como questionar o acerto e correcção de todos e cada um dos argumentos aduzidos pela Exma. Juíza a quo em fundamentação do seu despacho.

Na verdade, enquanto documentos/escrituras exarados pelo notário, estavam assim os executados colocados na posição de mutuários e, por isso, adstritos quer à obrigação (principal) de restituir idêntica quantia/capital à emprestada quer à obrigação (acessória) de pagar uma retribuição (os juros) pelo capital emprestado – tudo tal como definido legalmente pelo art. 1144º do C.Civil, a saber, ficar o mutuário adstrito a pagar a retribuição (os juros), e a restituir o tantundem (isto é, coisa do mesmo género, quantidade e qualidade).

            Donde, é perfeitamente desajustado deduzir-se a uma execução fundada em semelhante título executivo oposição fundada na inexistência de título executivo.

            É que, conforme douto entendimento doutrinal, “o título executivo tem a natureza jurídica de condição formal da realização coactiva da prestação[3]  

            Neste conspecto, como fundadamente sustentar que inexistia título executivo no caso vertente?

            Salvo o devido respeito, não o vislumbramos de todo…

Com o que cremos estar dada resposta ao aspecto da inexistência de título executivo.

Passando ao aspecto da inexigibilidade do título executivo apresentado.

Numa definição clarificadora, a exigibilidadeé a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor[4].

No caso vertente, se bem compreendemos o sustentado pela co-Executada/recorrente, a mesma entende que ocorria a dita inexigibilidade, por a Exequente não evidenciar ter ocorrido o vencimento do conjunto das prestações, mormente por não ter tido lugar uma interpelação dando nota do incumprimento e do correspondente vencimento.

Face ao que importa aferir se a sentença recorrida violou o disposto no art. 781º do C.Civil., por se dever considerar que a Exequente apenas podia exigir as prestações vincendas (bem como os juros e penalizações), após a interpelação dos Opoentes, que não demonstrou ter sido efectuada.

Entendemos que não lhe assiste qualquer razão neste ponto, soçobrando a linha de argumentação da co-Executada/recorrente, pela seguinte ordem de razões.

Desde logo, por via da oportuna/prévia inserção nos contratos em causa, aquando da sua celebração, de uma válida dispensa da interpelação (comunicando que estava vencido todo o crédito, ocorrendo um incumprimento).

Com efeito, ficou oportunamente clausulado em ambos os contratos de mútuo ajuizados, que “Sem prejuízo de outros direitos que lhe são expressamente atribuídos nas cláusulas anteriores, ao banco é expressamente atribuído o direito de considerar imediatamente vencidas independentemente de interpelação, a totalidade das dívidas dos mutuários decorrentes deste contrato, ainda que vincendas, com a consequente exigibilidade do seu pagamento imediato, quer em capital, quer em juros e demais  encargos legalmente exigíveis, e, bem assim o direito de executar a(s) garantia(s) ora prestada(s), caso:a) Não sejam pontualmente cumpridas pelos mutuários quaisquer obrigações assumidas neste contrato – ou em qualquer outro celebrado ou a celebrar com o banco nomeadamente o não pagamento, na data do respectivo vencimento, de quaisquer juros, comissões ou outros encargos”, e bem assim que “(…) o incumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações e responsabilidades estipuladas no contrato de empréstimo celebrado neste título implica o reembolso da globalidade das responsabilidades assumidas e constantes de todos os contratos de mútuo celebrados (…)”.

Temos então que se convencionou desta forma, através destas cláusulas, que o incumprimento determinava, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considerava em mora a globalidade do crédito.

Isto é, as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora.

Temos presente o entendimento doutrinário pacífico[5] no sentido de que estando em causa no art. 781º do C.Civil[6] um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.

Contudo, merece-nos total acolhimento, o que, neste quadro, vem sendo doutamente sustentado jurisprudencialmente, a saber, que tal “não significa que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta (art. 405º do C.C.), não possam regular a situação em termos diversos, dispensando a realização da interpelação e convencionando, desde logo, que a falta de pagamento de uma das prestações implica, de forma automática, a constituição do devedor em mora relativamente a todas as prestações.[7]

Tendo sido precisamente isso que aconteceu no caso sub iudice.

Sendo certo que não se verifica a invocada nulidade de uma tal cláusula – enquanto “cláusula contratual geral” – por via da violação da proibição constante do art. 12º do DL nº 446/85 de 25 de Outubro[8].  

Pois que, ao invés estava aqui em causa a dispensa, justificada, do “dever” de interpelar…

Sem embargo, ainda que assim se não entendesse, sempre teríamos que se teria de considerar que ocorreu a interpelação em causa, com a citação dos Executados na Execução, o que igualmente corresponde a um entendimento jurisprudencial que cremos ser inatacável.[9]

Por último, se bem se compulsar o requerimento executivo, temos que a Exequente muito clara e expressamente invocou aí que procedeu à interpelação dos Executados na sequência do incumprimento por parte dos mesmos.

Na verdade, logo no requerimento executivo ficou sustentado que “apesar de instados para procederem à regularização dos mútuos em incumprimento, até à presente data, os executados não lograram regularizar a sua situação devedora junto do Banco exequente”

Assim, se a co-Executada/recorrente impugnou/questionou essa factualidade, tal só tinha a virtualidade de influir na data do vencimento dos juros, que não na circunstância da exigibilidade, pois que esta última sempre resultava já inquestionável, mais não seja pela citação para a execução.

Noutro plano, a co-Executada/recorrente discorda, ou melhor, diz não estar perceptível/esclarecida a liquidação efectuada.

Efectivamente, importa reconhecer que a Exequente podia ter logo no requerimento executivo indicado de forma concreta e perfeitamente individualizada a data de incumprimento do pagamento prestacional de cada um dos contratos de mútuo ou qual era o número da prestação em que se dera o incumprimento.

Teria seguramente evitado a linha de argumentação que com referência a essa omissão veio a ser deduzida na oposição apresentada…

Contudo, salvo o devido respeito, a Exequente expôs suficientemente a situação do incumprimento, sendo uma questão de se fazer contas!

Mas ainda que se verificasse, designadamente quanto ao aspecto do momento temporal/data do incumprimento de cada um dos dois contratos de mútuo, alguma deficiência de alegação, temos que tal veio a ser suprido no articulado posterior pela Exequente.

O que decorreu do exercício do contraditório, e da tramitação normal da fase dos articulados, sem possibilidade de intervenção oficiosa do julgador até tal fase processual, pelo que, na fase do saneamento dos autos, não subsistia seguramente nenhuma deficiência que pudesse consubstanciar a declaração de improcedência da excepção da inexigibilidade do título executivo apresentado.

Dito de forma breve: na linha de entendimento perfilhada, afigura-se-nos como inquestionável e insofismável que na fase do saneamento dos autos encontrava-se  devidamente liquidada a quantia em divida, mediante a indicação do capital em divida, dos parciais de juros remuneratórios e moratórios vencidos (até 26.12.2012), tudo em função das datas de incumprimento em relação a cada um dos dois contratos de mútuo em causa, donde depender de simples cálculo aritmético aferir e certificar a data do incumprimento que fora considerada e a taxa de juros aplicada a cada um dos empréstimos em execução.

Em todo o caso, este aspecto concernia mais concretamente à “determinação” do pedido, e, nessa medida, mais pressuposto processual atípico[10], pelo que sem virtualidades para influir na declaração de improcedência da excepção da inexigibilidade do título executivo apresentado.

O que tudo serve para dizer que improcedem as alegações recursivas no que à censura da decisão que teve lugar no despacho saneador dizia respeito.

                                                           *

Dito isto, impõe-se agora para finalizar, aferir se ocorre algum desacerto de decisão no que à sentença propriamente dita concerne.

Sucede que a co-Executada/recorrente não lhe assaca nenhum vício autónomo, sendo que também nós não o vislumbramos.

Na verdade, face ao factualismo apurado complementarmente com a instrução da causa, e assente que ficou – nos termos vindos de decidir supra – que nenhum desacerto ocorrera quanto à decisão sobre as excepções de inexigibilidade e inexistência de título executivo, quanto a nós resulta inabalável a conclusão a que se chegou na sentença recorrida – no sentido da total improcedência da oposição deduzida.

Termos em que improcede claramente toda a argumentação aduzida pela co-Executada/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.

II – Isto porque face ao disposto nesse dito art. 781º do C.Civil, deve-se considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade).

III – Mas nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação.

IV – Sem embargo, nunca ocorreria a inexigibilidade da obrigação exequenda, na medida em que no âmbito da execução instaurada teve lugar a citação dos executados, o que sempre consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se as decisões recorridas, quer, primeiramente, a de improcedência das excepções de inexigibilidade e inexistência de título executivo, quer, a final, a da total improcedência da oposição deduzida.

            Custas pela co-Executada/recorrente.

                                                                       *

                                                                                   Coimbra, 27 de Maio de 2015

                                   Luís Filipe Cravo( Relator )

                                   António Carvalho Martins

                                   Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Sendo certo que é aplicável o Código de Processo Civil na redacção anterior à conferida pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, atento o disposto no art. 5º, nº1 desta última, como, aliás, sublinhado ficou como “questão prévia” no despacho saneador (cf. fls. 50 dos autos).

[3] Assim RUI PINTO, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, a págs. 148, estabelecendo nesse contexto a contraposição com o aspecto de a obrigação ser exigível – o que tem a natureza jurídica de “condição material da realização coactiva da prestação”.
[4] Citámos o mesmo RUI PINTO, in obra pré-citada na nota anterior, a págs. 227.
[5] Assim ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., a págs. 53-54.
[6] Onde se dispõe que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
[7] Vide o acórdão do T. da Rel. de Coimbra de 04-06-2013, no proc. nº 5366/09.4T2AGD-A.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[8] Na medida em que se estabelece no art. 19º de tal normativo que “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente as cláusulas contratuais gerais que: (…)j) limitem sem justificação a faculdade de interpelar.
[9] Assim no acórdão do T. da Rel. de Lisboa de 15-05-2012, no proc. nº 7169/10.4TBALM-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

[10] Assim o define o já citado RUI PINTO, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, a págs. 229.