Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/15.2T9CDN.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL;
REFORMA DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS
Data do Acordão: 10/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J C GENÉRICA DE CONDEIXA-A-NOVA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 523.º DO CPP; ART. 527.º DO CPC; ART. 1.º, N.ºS 1 E 2 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário:
I - Em sentido técnico-jurídico, são custas as despesas ou encargos com processos judiciais, independentemente da sua natureza cível, criminal, administrativa ou outras ou seja, o gasto necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação de facto (cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 129).
II - À responsabilidade por custas relativas ao pedido cível deduzido no processo penal são aplicáveis as normas do processo civil (art. 523º do C. Processo Penal).
III - O primeiro critério a considerar para determinar a responsabilidade pelas custas é o do princípio da causalidade segundo o qual, suportará as custas a parte que lhes deu causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem.
IV - O critério subsidiário é o do princípio do proveito processual obtido.
V - Nos processos em que não há vencimento e portanto, em que não há parte vencida, pagará as custas do processo quem dele tirou proveito.
VI - Excepcionalmente, quando a decisão em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido deve suportar as custas quem lançou mão do procedimento recursivo, precisamente porque, só em termos estritamente formais, obteve vencimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I
Por acórdão de 8 de Maio de 2018 desta Relação, proferido em recurso interposto pela demandada civil X – Companhia de Seguros, SA, da sentença de 11 de Outubro de 2017, rectificada por despacho de 19 de Outubro de 2017 [que, no seguimento do acórdão desta Relação de 26 de Abril de 2017, condenou o arguido…, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 2 do C. Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, a contar do trânsito, com regime de prova e sujeita a condição, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de onze meses, e pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 81º, nºs 1 e 6, a) do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses e pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 81º, nºs 5 e 6, b) do mesmo código, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de catorze meses, declarou a ilegitimidade da demandada X – Companhia de Seguros, SA., e consequente absolvição da instância, condenou, solidariamente, o C e o arguido no pagamento aos assistentes e demandantes civis da quantia global de € 158.000 (cento e cinquenta e oito mil euros), por danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos à taxa legal fixada para os juros civis, desde a sentença e até integral pagamento, e no pagamento da quantia de € 3.318 (três mil, trezentos e dezoito euros), por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal fixada para os juros civis, desde a notificação do pedido e até integral pagamento, e condenou, solidariamente, o C e o arguido no pagamento ao demandante civil D, EPE, da quantia de € 17.576,27 (dezassete mil, quinhentos e setenta e seis euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal fixada para os juros civis, desde a notificação do pedido e até integral pagamento], foi decidido:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.
Em consequência, declaram suprimidas e portanto, não escritas:
- As alíneas a) a f) da Parte criminal [responsabilidade penal e contra-ordenacional do arguido] do Dispositivo da sentença recorrida; e,
- A alínea a) da Parte cível [ilegitimidade da X – Companhia de Seguros, SA], do Dispositivo da sentença recorrida.
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Custas pela recorrente (arts. 523º do C. Processo Penal e 527º, nº 1, parte final, do C. Processo Civil).
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Veio a demandada civil e recorrente X – Companhia de Seguros, SA, discordando da condenação em custas, requerer a reforma do acórdão quanto a elas, apresentando, em síntese, os seguintes argumentos:
- Tendo o recurso por si interposto sido julgado procedente, a recorrente não devia ter sido condenada nas custas devidas, pois houve vencimento do recurso;
- Ainda que os recorridos não tenham respondido ao recurso, tendo havido vencimento neste, não há lugar à aplicação do segmento do art. 527º, nº 1 do C. Processo Civil, que determinou a sua condenação no acórdão a reformar;
- Fere o sentido de justiça e o princípio da adequação e não tem cabimento na interpretação do elemento literal da lei que, tendo havido vencimento no recurso, seja a recorrente a suportar as custas;
- Tendo o recurso obtido provimento, deveria ser responsabilizado pelo pagamento das custas respectivas a parte vencida a final.
E concluiu pela reforma do acórdão quanto a custas, condenando-se nestas a parte vencida a final.
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Notificados os demais sujeitos processuais, ninguém respondeu.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II
1. Em sentido técnico-jurídico, são custas as despesas ou encargos com processos judiciais, independentemente da sua natureza cível, criminal, administrativa ou outras ou seja, o gasto necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação de facto (cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 129).
À responsabilidade por custas relativas ao pedido cível deduzido no processo penal são aplicáveis as normas do processo civil (art. 523º do C. Processo Penal).

A regra geral em matéria de custas, encontra-se prevista no art. 527º do C. Processo Civil que dispõe:
1 – A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte a que elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
2 – Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 – No caso de condenação por obrigação solidária a solidariedade estende-se às custas.

O primeiro critério a considerar para determinar a responsabilidade pelas custas é o do princípio da causalidade segundo o qual, suportará as custas a parte que lhes deu causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem. O critério subsidiário é o do princípio do proveito processual obtido.
Suportará, portanto, as custas a parte que não tem razão ou que usa injustificadamente o processo. Já nos processos em que não há vencimento e portanto, em que não há parte vencida, pagará as custas do processo quem dele tirou proveito.

2. A recorrente X – Companhia de Seguros, SA, através do recurso que interpôs, logrou que a Relação alterasse a sentença recorrida no sentido por si pretendido, de serem eliminadas três alíneas do dispositivo da sentença, sendo que apenas uma delas, a que declarou a sua ilegitimidade e a absolveu da instância da parte civil, era susceptível de a afectar.
Nem o Ministério Público, nem os assistentes e demandantes civis, nem o arguido, nem o C tomaram posição sobre o recurso pois ao mesmo não responderam nem por qualquer outra forma sobre ele se pronunciaram.
Para além desta total omissão por parte dos outros sujeitos processuais, a decisão tomada pela Relação no recurso em questão, em nada afectou, directa ou indirectamente, a posição de qualquer deles. Com efeito, a decisão da Relação apenas afastou a posição assumida pela 1ª instância [de notar que a recorrente X – Companhia de Seguros, SA requereu, sem êxito, junto do tribunal a quo, a correcção da sentença quanto à sua absolvição da instância], sem que se tenha negativamente reflectido na esfera das outras partes do pedido de indemnização civil ou seja, não tendo o decidido pela Relação afectado qualquer uma das outras partes do pedido, não há perdimento de causa e por isso, não há vencidos.
Parece-nos, assim, inquestionável que nos autos, relativamente ao recurso decidido pelo acórdão de 8 de Maio de 2018, há um vencedor mas não há um vencido.

Nesta situação, à luz dos critérios referidos, o vencedor, precisamente porque obteve vencimento, não pode ser responsabilizado pelas custas precisamente porque a existência de vencimento afasta o princípio do princípio do proveito processual. E qualquer outra parte – contrária ou não –, precisamente porque não é parte vencida, não pode ser responsabilizada pelas custas, já que não se verifica o princípio da causalidade.
Como resolver então a questão, sabido que, como resulta do disposto no art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, são devidas custas pelo recurso?

3. No acórdão da R. de Lisboa de 11 de Janeiro de 2011, processo nº 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, in www.dgsi.pt, no qual a recorrente suporta a sua argumentação, escreveu-se, «Se a decisão permitir encontrar um vencedor, mas não um vencido, a dívida de custas deve ser distribuída à semelhança daquelas que sejam devidas pelo próprio processo, acrescendo aquelas a estas – é o que se chama responsabilidade pela parte vencida a final». Acontece que a questão decidida neste acórdão tinha por objecto uma decisão interlocutória, o que não sucede nestes autos.

Por outro lado, no mesmo acórdão da R. de Lisboa também se lê, «Se, nem no final, for possível descobrir quem seja o vencedor e o vencido no processo, é a quem tomou a iniciativa de desencadear o funcionamento da máquina judiciária – em regra, o autor – que se deve reconhecer a dívida de custas», reconhecendo-se, ainda que a título excepcional, a possibilidade de ter que suportar a dívida de custas determinada pelo procedimento judicial quem o desencadeou, ainda que tenha obtido vencimento.

Ora, in casu, ainda que a recorrente tenha obtido vencimento no recurso, para além do que supra se deixou dito, não vemos que objectiva vantagem obteve com ele, sendo certo que desencadeou o respectivo procedimento.
Por outro lado, não sendo recurso que tenha tido por objecto decisão interlocutória, não poderiam as custas respectivas ficar a cargo da parte vencida a final, no sentido defendido pela recorrente.

Pelas sobreditas razões, entendemos estar-se perante uma situação em que, excepcionalmente, deve suportar as custas quem lançou mão do procedimento recursivo, precisamente porque, só em termos estritamente formais, obteve vencimento, já que este em nada afectou a posição de qualquer das outras partes do pedido, não nos parecendo pois, nem razoável, nem adequado, que tenha que suportar as custas quem não foi vencido nem deu causa ao recurso, tanto mais que é apenas um remédio para colmatar os erros da decisão e não, um meio de refinamento jurisprudencial (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo penal, 6ª Edição, 2007, Editora Rei dos Livros, pág. 25) pelo que, que deve manter-se a decidida condenação quanto a custas.
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III
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a requerida reforma do acórdão de 8 de Maio de 2018, na parte relativa a custas.
Custas do incidente pela demandada civil e requerente X – Companhia de Seguros, SA, fixando-se a taxa de justiça numa UC (arts. 523º do C. Processo Penal, 527º, nº 1 do C. Processo Civil, e 7º, nº 4 do R. das Custas Processuais e Tabela II, anexa).
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Coimbra, 17 de Outubro de 2018
Heitor Vasques Osório (relator)
Helena Bolieiro (adjunta)