Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
585/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: SUBEMPREITADA
OBRAS PÚBLICAS
RESPONSABILIDADE DO DONO DA OBRA PARA COM O SUBEMPREITEIRO
ACÇÃO DIRECTA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - VARA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 267º, Nº 1, DO DL 59/99, DE 2/3 ( RJEOP) .
Sumário: I – A norma do artº 267º, nº 1, do DL nº 59/99, de 2/3 (RJEOP) consagra legalmente a chamada acção directa, através da qual o subempreiteiro de obras públicas (credor) pode exigir do dono da obra (subdevedor) o pagamento da dívida do empreiteiro (devedor imediato) .

II – Neste caso, a acção directa não depende da retenção facultativa que o dono da obra faça das quantias por si em dívida para com o empreiteiro .

III – Como facto extintivo (artº 342º, nº2, do C.Civ.) , ao dono da obra incumbe demonstrar que nada deve ao empreiteiro ou que este já pagou (excepção de liberação) .

IV – É solidária a responsabilidade do dono da obra e a do empreiteiro perante o subempreiteiro, ainda que se trate de uma solidariedade imperfeita .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO

1.1. - A Autora – A... - instaurou na Comarca de Coimbra acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus - B... e MUNICÍPIO DE AVEIRO.
Alegou, em resumo:
No exercício da sua actividade, realizou para a 1ª Ré, em regime de subempreitada, os trabalhos de reforço das fundações em “ jet grouting “ no âmbito da empreitada de obra pública de reabilitação e recuperação do edifício da Capitania do Porto de Aveiro, cujo dono da obra é a Câmara Municipal de Aveiro.
Acordaram que as facturas eram pagas dois dias após a Rré ter recebido do dono da obra, ou, independentemente, no prazo máximo de noventa dias.
A Ré não pagou as facturas discriminadas nos artigos 4º, 5º e 6º da petição inicial ( estas referentes aos encargos bancários relativos aos aceites da Ré ).
A Câmara Municipal de Aveiro é responsável nos termos do artigo 267º do Decreto-lei 59/99, de 2 de Março, pois em 11/8/03 reclamou que lhe pagasse directamente as quantias devidas pela Ré( empreiteira ) e que exercesse o direito de retenção.
Pediu a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de 81.022,77 euros, acrescida de juros vencidos, no valor de 13.4750 euros, e vincendos, à taxa anual de 12%.

1.2. - Contestou a 1ª Ré, defendendo-se, em síntese:
Muito embora aceite a realização dos trabalhos referidos nas facturas n.ºs 175, 264 e 367, foi acordado com a Autora que a cada factura eram deduzidos 10% para garantia de cumprimento do contrato, deduções que poderiam ser substituídas pela prestação de garantia bancária, garantia que a Autora não prestou, tendo ambas acordado ainda que esta prescindia dos juros, rejeitando suportar os encargos bancários.
A acção deve ser julgada parcialmente procedente e a Ré absolvida do pedido na parte em que excede o valor de 51.957,48 euros, referente às facturas nº175, 264 e 367.
1.3. - Contestou o 2º Réu, em síntese:
Arguiu a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade do processo, com base na falta de pedir, visto não ter contratado com a Autora. O direito invocado por esta é um simples direito de retenção que, não exercendo, nenhuma responsabilidade lhe é assacada. Concluiu pela absolvição da instância.
1.4. - Replicou a Autora, reiterando incidir sobre a Câmara Municipal de Aveiro o dever de reter as quantias que a Ré lhe deve.
1.5. - No saneador foi o Réu Município de Aveiro absolvido da instância apenas quanto ao pedido respeitante aos encargos bancários ( mencionados no art.6º da petição inicial ), afirmando-se, quanto ao mais, a validade e regularidade da instância.
1.6. - Realizado o julgamento foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
Condenar a Ré B..., a pagar à Autora a quantia de 80.741,20 euros (oitenta mil, setecentos quarenta e um euros, vinte cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 12% desde as datas fixadas para a sua constituição em mora até efectivo pagamento, e solidariamente o Réu Município de Aveiro até à quantia de 68.841,12 euros (sessenta e oito mil, oitocentos quarenta e um euros, doze cêntimos).

1.7. - Inconformado, o Município de Aveiro recorreu de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º) - Enquanto facto constitutivo do seu direito, cabia à Autora ( como subempreiteira ) alegar e provar que o apelante ( dono da obra ) procedera efectivamente à retenção de valores por si devidos à co-Ré “ B... “ ( empreiteira ), ou, no mínimo, que aquele ainda estava em condições de o fazer aquando da propositura da acção.
2º) - Ao condenar o apelante por este não ter demonstrado que já tinha pago os valores em causa, a M.ma Juiz decidiu à margem da factualidade apurada e com base numa inversão do ónus probatório que a lei não prevê.
3º) – O art.267 do RJEOP ( aprovado pelo DL 59/99 de 2/3 ) não tem carácter vinculativo, não constituindo qualquer obrigação entre o dono da obra e o subempreiteiro quando, como é o caso, aquele não procede à retenção dos valores devidos ao empreiteiro.
4º) – Do mesmo modo, não se estabelece entre o dono da obra e o empreiteiro, em relação ao subempreiteiro, qualquer relação de solidariedade passiva.
5º) - Ao condenar o apelante solidariamente com a 1ª Ré, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o art.267 do RJEOP e arts.342, 344, 397, 405 e 513 do CC e art.516 do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:

a) - A natureza jurídica do direito exercido pela Autora ( subempreiteira ) contra o Réu Município de Aveiro ( dono da obra ), face à interpretação da norma do art.267 do DL n.º 59/99, de 2 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 163/99, de 14 de Setembro ( Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas );
b) - As regras do ónus da prova;
c) - Se o Réu/apelante deve ser condenado solidariamente com a 1ª Ré ( empreiteira ).

2.2. – Os factos provados:
1.) - A autora é uma empresa de construção civil e obras públicas (a).
2.) - A autora, no exercício da sua actividade, realizou para a ré B..., a pedido desta, os trabalhos de reforço das fundações em “jet grouting” no âmbito da reabilitação e recuperação do edifício da Capitania do Porto de Aveiro, da Câmara Municipal de Aveiro (b).
3.) - No contrato estabelecido entre a autora e a ré B..., elas acordaram que o pagamento das facturas seria efectuado 2 dias após a esta ter recebido do dono da obra ou, independentemente disso, no prazo máximo de 90 dias (c)
4) - Nesse contrato, cláusula 6ª, n.ºs 6 e 7, as partes estabeleceram que a cada factura serão deduzidos 10% para garantia do cumprimento do contrato, deduções que poderão ser substituídas por garantia bancária, que a autora não prestou. No âmbito do contrato referido em a), a autora executou para a ré os trabalhos a que aludem a factura nº 175, de 28.02.2002, referente aos trabalhos executados durante o mês de Fevereiro de 2002, de acordo com o auto de vistoria e medição de trabalhos nº 1, com vencimento em 29.05.2002, no montante de 14.727,17 euros, a factura nº 264, de 29.03.2002, referente aos trabalhos executados durante o mês de Março de 2002, de acordo com o auto de vistoria e medição de trabalhos nº 2, com vencimento em 27.06.2002, no montante de 34.810,06, e a factura nº 367, de 30.04.2002, referente aos trabalhos executados durante o mês de Abril de 2002, de acordo com o auto de vistoria e medição de trabalhos nº 3, com vencimento em 29.07.2002, no montante de 19.584,74 euros. Às facturas nºs 175 e 264 foi efectuada a correcção constante da nota de crédito nº 158 de 30.07.2002, com vencimento em 29.08.2002, no montante de 280,85 euros. Facturas que a ré não pagou à autora (d).
5) - Em 08.08.2003 a autora reclamou do réu Município de Aveiro que lhe pagasse directamente as quantias referida em d) e que exercesse o direito de retenção, carta por ele recebida em 11.08.03. Nessa data, o réu Município de Aveiro tinha por pagar àquela ré valores superiores ao valor das facturas aludidas em d) (e).
6) - Em 22.08.03, o Município de Aveiro remeteu ofício à ré B... para comprovar, em 15 dias, se liquidou as facturas mencionadas em d) (f).
7) - A ré B..., acordou com a autora pagar os encargos bancários respeitantes aos aceites por ela subscritos para pagamento das facturas emitidas no âmbito do contrato aludido em a) (1º).
8) - Nesse domínio, a autora remeteu à ré a Nota de Débito nº200, de 30.08.2002, com “vencimento” em 29.09.2002, no montante de 2.451,47 euros (2º).
9) - A factura nº240, de 30.09.2002, com “vencimento” em 30.10.2002, no montante de 4,15 euros (3º).
10) - A factura nº315, de 14.11.2002, com “vencimento” em 14.12.2002, no montante de 1.269,87 euros (4º).
11) - A factura nº363, de 16.12.2002, com “vencimento” em 15.01.2003, no montante de 2.058,04 euros (5º).
12) - A factura nº419, de 31.12.2002, com “vencimento” em 30.01.2003, no montante de 794,52 euros (6º).
13) - A factura nº042, de 31.01.2003, com “vencimento” em 02.03.2003, no montante de 156,99 euros (7º).
14) - A factura nº066, de 19.02.2003, com “vencimento” em 21.03.2003, no montante de 797,85 euros (8º).
15) - A factura nº100, de 28.02.2003, com “vencimento” em 30.03.2003, no montante de 198,66 euros (9º).
16) - A factura nº104, de 13.03.2003, com “vencimento” em 12.04.2003, no montante de 69,62 euros (10º).
17) - A factura nº126, de 27.03.2003, com “vencimento” em 26.04.2003, no montante de 321,12 euros (11º).
18) - A factura nº154, de 31.03.2003, com “vencimento” em 30.04.2003, no montante de 290,35 euros (12º).
19) - A factura nº159, de 14.04.2003, com “vencimento” em 14.05.2003, no montante de 92,33 euros (13º).
20) - A factura nº174, de 17.04.2003, com “vencimento” em 17.05.2003, no montante de 307,03 euros (14º).
21) - A factura nº179, de 22.04.2003, com “vencimento” em 22.05.2003, no montante de 346,64 euros (15º).
22) - A factura nº195, de 30.04.2003, com “vencimento” em 30.05.2003, no montante de 351,47 euros (16º).
23) - A factura nº214, de 19.05.2003, com “vencimento” em 18.06.2003, no montante de 77,96 euros (17º).
24) - A factura nº225, de 23.05.2003, com “vencimento” em 22.06.2003, no montante de 770,82 euros (18º).
25) - A factura nº239, de 31.05.2003, com “vencimento” em 30.06.2003, no montante de 259,79 euros (19º).
26) - A factura nº251, de 16.06.2003, com “vencimento” em 16.07.2003, no montante de 568,09 euros (20º).
27) - A factura nº281, de 30.06.2003, com “vencimento” em 30.07.2003, no montante de 246,06 euros (21º).
28) - A factura nº296, de 30.06.2003, com “vencimento” em 30.07.2003, no montante de 467,97 euros (22º).

2.3. – 1ª QUESTÃO / A natureza jurídica do direito da Autora:
Como se justificou na sentença recorrida, o contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a Câmara Municipal de Aveiro ( dona da obra ) e a sociedade B...( empreiteira ), bem como o contrato de subempreitada entre esta e a Autora ( subempreiteira ) estão sujeitos ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas, aprovado pelo DL n.º 59/99, de 2 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 163/99, de 14 de Setembro.
Não só porque as partes do contrato de subempreitada remeteram para o regime jurídico do DL nº59/99 ( cf. cláusula 12 nº2 ), como pela definição constante do art.266 nº1 deste diploma, visto tratar-se de um contrato de empreitada subsequente a uma empreitada de obra pública, directa ou indirectamente, ajustada pelo primeiro empreiteiro.
A condenação do Réu Município de Aveiro a pagar solidariamente ( com a 1ª Ré / empreiteira ) até ao montante de 68.841,12 euros fundamentou-se na norma do art.267 nº1 do DL nº59/99, que a sentença qualificou, não como “ acção directa “, mas como garantia específica do pagamento, baseada no direito de retenção.
A este respeito, escreveu-se na sentença recorrida:
“ Embora o direito de retenção em análise não apresente as características típicas de tal direito, é sabido que o legislador consagra casos especiais de direito de retenção em que não existe ou, pelo menos, se dilui a conexão objectiva entre a coisa e o crédito. Por isso, o direito de retenção conferido ao dono de obra pública para pagamento a subempreiteiro corresponde a uma dessas situações específicas. Resulta directamente da lei e, tal como o direito de retenção previsto no artigo 754º, trata-se de um instituto jurídico que desempenha uma função de garantia e que é concedido em atenção às particularidades do crédito garantido “.
Por estar em causa a interpretação/aplicação daquele preceito, procede-se à sua integral transcrição:

Artigo 267
Direito de retenção
1 – Os subempreiteiros podem reclamar junto do dono da obra pelos pagamentos em atraso que sejam devidos pelo empreiteiro, podendo o dono da obra exercer o direito de retenção das quantias do mesmo montante devidas ao empreiteiro e decorrentes do contrato de empreitada de obra pública.
2 – As quantias retidas nos termos do número anterior serão pagas directamente ao subempreiteiro, caso o empreiteiro notificado para o efeito pelo dono da obra, não comprove haver procedido à liquidação das mesmas nos 15 dias imediatos á recepção de tal notificação.

A primeira questão que se coloca é a de saber se a norma do art.267 do RJEOP consagra, uma verdadeira garantia do pagamento ( direito de retenção ), tal como foi qualificada na sentença, ou antes a chamada “ acção directa”, enquanto benefício concedido a certos credores, permitindo que estes demandem directamente os devedores dos seus devedores imediatos.
A subempreitada é o contrato pelo qual terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra, ou parte dela, a que este se encontra vinculado ( art.1213 nº1 do CC ).
É um contrato de empreitada derivado (subcontrato) de contrato de empreitada, prosseguindo a mesma finalidade no interesse do dono da obra, figurando o subempreiteiro como empreiteiro do empreiteiro.
Não havendo entre o dono da obra e o subempreiteiro uma relação contratual, discute-se se o segundo tem acção directa contra o primeiro ( para as diversas teses em confronto, cf. Ac RL de 16/12/2003, relator Des. António Geraldes, www dgsi.pt ).
Contra a acção directa, argumenta-se com o princípio da relatividade dos contratos, prevista no art.406 nº2 do CC e a regra geral do art.770 segundo a qual a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, e de que ela desrespeitaria os princípios do concurso de credores ( cf., por ex. MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, pág.556 e 557 ).
Os que defendem a admissibilidade, com carácter excepcional, desde que não prevista expressamente na lei, colocam como pressuposto que a subempreitada tenha sido autorizada ou seja necessária, justificando-a com estreita conexão entre os dois contratos, sendo que o principal ( empreitada ) se apresenta como causa do subcontrato, definindo o seu conteúdo, visando a acção para satisfação dos direitos que o empreiteiro se recusa acatar, evitando-se situações de conluio entre ele e dono da obra., aduzindo-se ainda razões de justiça material, a protecção da confiança ou as regras da boa fé.
Como observa PEDRO ROMANO MARTINEZ, “ No subcontrato, o fundamento da acção directa encontra-se por um lado na íntima conexão existente entre os dois contratos e, por outro, numa regra de justiça material. É justo que, por vezes, o credor possa demandar o devedor do seu devedor para não ver frustrado o seu crédito. Porém, a acção directa só é aceite, em certos casos, não se podendo extrair a consagração de algumas acções directas, a existência de um princípio geral “ ( Subcontrato, págs.162: ).
Ainda que possa ser restritiva ou excepcional o recurso da acção directa nas subempreitadas de obras particulares, já o mesmo não sucede quanto às subempreitadas de obras públicas, pois o art.267 do RJEOP consagra tal solução, apesar de epigrafado como “ direito de retenção “, conforme justifica PEDRO MARTINEZ:
“ A nível de subempreitada de obras públicas, a questão encontra-se solucionada, pois a designada acção directa tem uma consagração específica através da figura mal apelidada de “ Direito de retenção “ ( art.267º REOP ), que não obstante o nome, não é um direito real de garantia ( art.754º ss CC ), sendo a expressão enganadora. O subempreiteiro pode reclamar do dono da obra pagamentos em atraso que sejam devidos ao empreiteiro ( art.267º nº1 REOP ). Caso o empreiteiro não proceda ao pagamento nos 15 dias subsequentes à notificação que o dono da obra lhe faça para o efeito, este paga directamente ao subempreiteiro “ ( Direito Das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2ª ed., pág.419 ).
No mesmo sentido, escreve JOSÉ ESQUIVEL – “ Na verdade, o que está em causa neste artigo é, antes de mais, o exercício da acção directa e não o exercício do direito de retenção, na medida em que o mesmo não consagra qualquer garantia de natureza real “ ( O Contrato de Subempreitada de Obras Públicas, pág.61 ).
A norma do art.267 insere-se na regulamentação específica para o contrato de subempreitada de obras públicas e comparando com o regime das subempreitadas previsto no art.1213 do CC, desde logo ressalta uma maior amplitude dos poderes da dono da obra no controlo da subcontratação, conforme resulta do complexo normativo dos arts. 265º nº 6, 269º a), 271º, 266º nº 3 e), 267º nºs 1 e 2, 268º c) e d) e 271º., colocando o dono da obra e o subempreiteiro numa relação jurídica directa.
Ora, é precisamente nesta relação jurídica directa, justificada por interesses de ordem pública, que radica a consagração legal da acção directa.

2.4. – 2ª QUESTÃO / O ónus da prova:
Legitimado o recurso à acção directa, prevista no art.267 do RJEOP, proposta pela Autora ( subempreiteira ) contra o Município de Aveiro ( dono da obra ), suscita o apelante o problema da repartição do ónus das prova ( cf. 1ª e 2ª conclusões ).
Ao discorrer sobre a evolução das regras do ónus da prova, ANTUNES VARELA ( RLJ ano 116, pág.333 e segs. e ano 117, pág.26 e segs. ) ensina que a distinção entre factos constitutivos e os factos impeditivos, modificativos ou extintivos deve partir-se, não no “critério da normalidade”, mas antes na “ teoria da norma “, segundo a qual “ a repartição do ónus da prova entre as partes tem de processar-se de harmonia com a previsão ( geral e abstracta ) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas ( teoria da norma )“.
Nesta medida, ao autor compete provar os factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido, ou seja, terá o ónus de provar os factos constitutivos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão ( art.342 nº1 do CC ).
Ao réu incumbirá a prova dos factos correspondentes à previsão ( abstracta ) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico pretendido pelo autor ( art.342 nº2 do CC ).
Por seu turno, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito ( art.342 nº3 do CC ).
Considerando que o art.267 do RJEOP consagra legalmente a chamada acção directa, esta pressupõe o vencimento de ambas as prestações e o inadimplemento por parte de ambos os devedores, ou seja, o débito da empreiteira para com a subempreiteira e o débito do dono da obra para com o empreiteiro.
Porém, o credor ao exercer a acção directa não poderá exigir do subdevedor um montante superior ao seu crédito e o cumprimento da prestação ao credor do seu credor deverá extinguir o débito do subdevedor na medida da prestação efectuada.
Segundo a “teoria da norma”, como facto constitutivo do seu direito ( art.342 nº1 do CC ) competia à Autora ( subempreiteira ) provar a existência do seu crédito perante a Ré empreiteira, ou seja, “ os pagamentos em atraso que seja devidos pelo empreiteiro “.
Como facto extintivo ( art.342 nº2 do CC ) ao dono da obra incumbe demonstrar que nada deve ao empreiteiro ou que este já pagou ( excepção de liberação ).
Sendo assim, afora a redacção algo equívoca do art.267, a acção directa não depende, nestes casos, da retenção efectuada pelo dono da obra, visto ser facultativa, como resulta, desde logo, do argumento literal ( “ podendo o dono da obra exercer o direito de retenção de quantias do mesmo montante devidas ao empreiteiro e decorrentes do contrato de empreitada de obra pública “ ).
A possibilidade de retenção conferida ao dono da obra não consubstancia uma condição da acção directa, e muito menos um facto constitutivo do direito ao pagamento, nela exercitado pelo subempreiteiro, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Ou seja, mesmo que o dono da obra, depois da reclamação do pagamento pelo subempreiteiro, não haja feito a retenção das quantias em dívida de igual montante devidas ao empreiteiro, o subempreiteiro não está inibido de exercer a acção directa, pelo que, ressalvando o devido respeito, não subscrevemos a posição adoptada por JOSÉ ESQUIVEL ( loc.cit.,pág.69 ).
Cremos ser esta a ratio legis do art.267 do RJEOP, pois fazer depender a acção directa da discricionariedade da retenção equivaleria a deixar nas mãos do dono da obra o direito ao pagamento reclamado pelo subempreiteiro, o mesmo é dizer uma forma de negar esse direito.
No regime jurídico de empreitadas de obras públicas, a lei impõe determinadas garantias para o cumprimento do contrato por parte do empreiteiro, designadamente para o pagamento de créditos reclamados por terceiros, como a caução ( art.112 ) e o desconto para garantia ( art.211 nº1 ).
As quantias retidas pelo dono da obra, para reforço da caução, pertencem ao empreiteiro, embora estejam afectas por disposição especial à garantia do contrato, destinando-se ao pagamento de créditos reclamados durante o inquérito administrativo, nomeadamente o preço de quaisquer trabalhos que o empreiteiro haja mandado efectuar por terceiros ( arts.223 a 225 ), sendo extinta a caução e restituídas as quantias retidas com a recepção definitiva da obra, nos termos do art.229 nº1.
Mas o direito de retenção previsto no art.267 não se insere neste tipo de garantias, já que é conferido ao dono da obra, podendo ou não exercê-lo, quando confrontado com a reclamação do pagamento feita pelo subempreiteiro.
Pois bem, comprovou-se que o crédito da Autora sobre a Ré B... ( empreiteira ) é de 68.841,12 euros ( descontando os encargos bancários ).
Em 8/8/2003, reclamou do Réu Município de Aveiro que lhe pagasse directamente esse montante, sendo que em 11/8/2003 este devia à Ré empreiteira valores superiores à dívida reclamada.
Sabe-se que, em 22/08/03, o Município de Aveiro remeteu ofício à Ré B... para comprovar, em 15 dias, se liquidou o valor em causa, mas não demonstrou, como se impunha, o respectivo pagamento das facturas, por se tratar de facto extintivo do seu direito ( art.342 nº2 do CC ).

2.5. – 3ª QUESTÃO / O problema da responsabilidade solidária:
O apelante contesta a condenação solidária, objectando que entre o dono da obra e o empreiteiro, em relação ao subempreiteiro, inexiste qualquer relação de solidariedade passiva, visto que não foi convencionada, nem resulta da lei ( art.513 do CC ).
A obrigação diz-se solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e a todos libera ( art.512 nº1 do CC ), caracterizando-se, assim, por dois requisitos fundamentais: (1) o dever de prestação integral que recai sobre qualquer um dos devedores, e (2) o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer dos devedores ao direito do credor.
Segundo determinado entendimento, a lei civil consagrou o conceito amplo de solidariedade, não condicionado pelas relações existentes entre os vários devedores, como decorre do nº2 do art.512 ao estatuir que “ a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles “.
Por outro lado, a identidade de causa ou fonte da obrigação não é requisito indispensável da solidariedade, podendo a obrigação solidária nascer em momentos sucessivos e de fontes diferentes, pois como acentua ANTUNES VARELA - “ Nada há na lei, nem na lógica dos bons princípios que exclua a possibilidade de a solidariedade ( perfeita ) vigorar entre pessoas que se obriguem em momentos sucessivos, através de causas distintas “ ( Das Obrigações Em Geral, 2ª ed., pág.618 ).
Ao dissertar sobre a acção directa, escreve a propósito PEDRO MARTINEZ:
“ Em caso de acção directa há uma espécie de solidariedade passiva; o devedor intermediário e o subdevedor são ambos responsáveis, embora a títulos diversos, perante o credor(…).
“ Não é todavia uma verdadeira solidariedade, pois os débitos exigíveis ao devedor directo e ao subdevedor podem ser de montante diferente; o subdevedor não é responsável por quantia superior ao seu débito. Por outro lado, não há direito de regresso do subdevedor que efectua a prestação em relação ao seu credor mediato e é necessária a mora do devedor directo para se poder demandar o subdevedor; há um escalonamento sucessivo da responsabilidade. Por último, as dívidas do devedor directo e do subdevedor têm por fundamento negócios jurídicos distintos; há uma diferença qualitativa. Trata-se, pois, de uma complexidade subjectiva imperfeita “ ( O Subcontrato, pág.163 ).
No mesmo sentido JOSÉ ESQUIVEL, para quem a acção directa permite sujeitar dois patrimónios ( o do dono da obra e o do empreiteiro ) ao pagamento do mesmo crédito, pressupondo algo próximo da figura da “ solidariedade passiva “ ( loc.cit., pág.66 ).
Deste modo, e uma vez que segundo o regime do DL nº 59/99 o dono da obra e o subempreiteiro entram em relação jurídica directa, como já se explicitou, poder-se-á configurar aqui uma situação específica de solidariedade imperfeita, até porque o art.524 do CC não se opõe ao art.516, mas tão-somente regula o caso mais vulgar de a solidariedade na obrigação respeitar a vários devedores com comparticipações diferentes ou iguais na dívida.
Não há qualquer razão para que o conceito legal de solidariedade acima definido, não compreenda também o que vem sendo chamado de “solidariedade imperfeita “ ou seja, quando um só dos devedores responsáveis é o principal devedor, isto é, quando um só deles, nas relações internas, deve suportar o encargo da dívida na sua totalidade, visto que o conceito de solidariedade é um só, o do art.512 nº1 do CC.
Em resumo, improcede a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida, embora com fundamentação diversa.

Síntese conclusiva:
a) - A norma do art.267 nº1 do DL 59/99 de 2/3 ( RJEOP ) consagra legalmente a chamada acção directa, através da qual o subempreiteiro de obras públicas ( credor ) pode exigir do dono da obra ( subdevedor ) o pagamento da dívida do empreiteiro ( devedor imediato );
b) - Neste caso, a acção directa não depende da retenção facultativa que o dono da obra faça das quantias por si em dívida para com o empreiteiro;
c) - Como facto extintivo ( art.342 nº2 do CC ) ao dono da obra incumbe demonstrar que nada deve ao empreiteiro ou que este já pagou ( excepção de liberação ).
d) - É solidária a responsabilidade do dono da obra e o do empreiteiro perante o subempreiteiro, ainda que se trate de uma solidariedade imperfeita.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.
2)
Sem custas, por o apelante delas estar isento.
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Coimbra, 31 de Maio de 2005.