Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO REPARAÇÃO DE VEÍCULO VALOR SUBSTITUIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 12/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.342, 483, 566 CC | ||
Sumário: | I - O lesado tem direito à reparação do veículo (restauração natural) excepto quando esta é excessivamente onerosa (não bastando para concluir pela excessividade o facto de se te tratar de um valor muito superior ao valor de substituição ou ao valor de mercado no caso de falta de prova do valor de substituição). II – Não tendo o direito à reparação, o direito à indemnização por equivalente não é o direito de ser pago do valor da compra de um novo veículo não usado, nem o de ser pago apenas pelo valor de mercado do veículo antes do acidente. III – É antes o direito de ser pago pelo valor que terá de pagar para comprar “um veículo da mesma marca, tipo, idade e estado de conservação do veículo sinistrado”, valor de substituição que é normalmente superior ao daquele valor de mercado. IV - Mas para se valer deste valor superior o lesado tem de alegar e provar os factos respectivos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
C (…), Lda, e L (…) propuseram a presente acção ordinária contra a Companhia de Seguros (…) SA, pedindo que esta seja condenada a: Note-se desde já: ao menos formalmente, não há aqui qualquer pedido relativo ao dano da privação do uso. E o valor da acção dado pelos autores é igual ao valor da soma do pedido a), c) e d). Alegam, em síntese, que no dia 30/09/2004 no cruzamento dos Carvalhais, existente na EN nº 1, no sentido Cernache => Coimbra, o ligeiro da autora, conduzido pelo autor, que é seu sócio-gerente, embateu num pórtico metálico que havia sido derrubado minutos antes e se encontrava a obstruir a faixa de rodagem, sem qualquer sinalização, fruto do despiste de um pesado segurado na ré, sendo que o autor, também face à ausência de iluminação no local, não teve qualquer possibilidade de evitar tal embate, donde a culpa do acidente ser do condutor do veículo segurado; desse acidente resultaram danos para o ligeiro, cuja reparação orça em 17.000€ + 7.500€, a que acresce o montante de 1.335,90€ respeitante ao seu parqueamento na oficina reparadora; na aquisição de uma viatura nova substitutiva da anterior a autora veio a despender o montante de 21.786,70€; falam ainda do dano da privação do veículo que quantifica em 21.350€ (= 427 x 50€/dia); e dizem que em consequência do acidente, o autor também sofreu graves danos, de que ainda não foram ressarcidos os morais. Citada a ré contestou, invocando a prescrição do direito dos autores e impugnando a culpa do acidente, bem como, também por desconheci-mento, os danos e consequentes prejuízos invocados pelos autores, conclu-indo no sentido de que deve a acção ser julgada improcedente ela absolvida do pedido. Replicaram os autores, pugnando no sentido da improcedência da excepção deduzida. * Feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente, condenando a ré a pagar à autora 5.200€ [= 4.250€ (= valor de venal do veículo deduzido do valor dos salvados) + 950€ pelo dano da privação do veículo] e a pagar ao autor 7.500€, do demais indo a ré absolvida. * Anote-se desde já o seguinte: a autora não formalizou nenhum pedido pelo dano da privação do veículo, mas sentença concedeu uma indemnização pelo mesmo. Não tendo havido recurso quanto a tal, a questão não pode ser discutida. Mas tem o seguinte reflexo: o valor da privação do uso do veículo, como referido acima, era de 21.350€. Se tal “pedido”, metido nos articulados, tem de ser atendido, então o valor respectivo tem de acrescer ao valor dos pedidos formulados pela autora, passando pois o processo a ter o valor de 57.185,90€. E as custas terão que ter em conta este valor. * A autora recorreu desta sentença, com o fim de que a ré seja condenada a pagar-lhe o valor que a autora pagou na aquisição da viatura, valores pagos na reposição e reparação do sistema de frio [pelos valores em causa a autora está-se a referir ao pedido B da petição inicial], e privação da viatura desde a data do acidente até há conclusão do processo por parte da ré, em Janeiro de 2005, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: Questões que importa decidir: se há factos a serem alterados; se a autora deve ser indemnização do valor que pagou pela aquisição de um novo veículo não usado; bem como dos valores pagos na reposição e reparação do sistema de frio e pela privação da viatura deste a data do acidente até há conclusão do processo por parte da ré, em Janeiro de 2005. * Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos (com interesse para a decisão; daí que não se transcrevam os factos relativos aos danos alegados pelo autor, nem os relativos à culpa do acidente e às circunstâncias do mesmo): I Quanto aos factos: (…) Em suma: nada há a alterar quanto aos factos provados. II Do valor venal do ligeiro ou do valor da reparação A autora quer, neste recurso, o resultado final de ser paga, em dinheiro, pelo valor da aquisição da nova viatura que, dizia na petição inicial (e ficou provado…), ser de 21.786,70€ e que agora diz ser de 18.300€… Por outro lado, fala insistentemente do seu direito à reconstituição natural. Ora, a indemnização em dinheiro, leva à indemnização por equivalente. A reconstituição natural teria a ver com a reparação do ligeiro. Por isso, a alternativa que a posição da autora, neste recurso, coloca é, de imediato, apenas entre o valor de mercado do ligeiro ou o valor de uma coisa nova. A situação é pois esta: Antes do acidente a autora tinha um ligeiro que valia então 5.500€ (valor venal ou de mercado). Depois do acidente o ligeiro passou a valer apenas 1.250€ (que é o valor dos salvados) e não pode circular. A autora comprou, 19 dias depois, um veículo, de características similares ao ligeiro, que custou 21.786,70€. A questão é então: a autora tem direito só aos 4.250€ que lhe deu a sentença, valor que é igual à diferença do valor daquilo que ela tinha relativamente ao valor da coisa que passou a ter? Ou a autora tem direito, ao valor pelo qual adquiriu o veículo novo/não usado (21.786,70€)? Falar-se em reconstituição natural implicaria que as alternativas afinal fossem quatro, ou seja, mais estas duas: ou a autora tem direito à reparação do veículo (que não faria muito sentido, pois que já adquiriu um outro para substituir o antigo) ou ao valor da sua substituição (que é de 16.887,40€) - mas agora já não estaria em causa, em sentido próprio, a reconstituição natural… Seja como for… A sentença optou pela 1ª solução, invocando jurisprudência que acolheu tal solução, que diz ser a mais actual, embora reconheça que existe jurisprudência contrária (a que invoca são os acórdãos do TRE de 08/07/1986, na CJ.86.IV,.66 [este nega que seja excessiva a desproporção de um pouco mais de 3 vezes entre o valor da reparação e o valor venal do veículo], e o ac. do TRL de 04/06/1998, CJ.1998.III, 123 [este nega a excessividade num caso em que a desproporção é de 1 para 10; mas note-se que se admite a possível relevância do facto – se tivesse ficado provado – que com o montante do valor de mercado do veículo, o autor poderia adquirir no mercado um veículo em tudo idêntico ao sinistrado]. A autora, por sua vez, cita os acs. do TRP de 16/06/1994 sumariado no BMJ 438/556 [no qual existem referências àquilo que se poderia dizer o valor de substituição], e do TRC 10/02/1998, CJ.1998,V.40 [mas aqui a diferença pouco ultrapassava a metade do valor venal do veículo e o ac. também admite o relevo que poderia ter a alegação da possibilidade de, com o valor venal se adquirir um veículo semelhante]). Defende que é mais correcta aquela, por força do princípio da proibição do enriquecimento sem causa. É que, se a autora recebesse o valor do novo veículo, tinha passado a ter no seu património um bem que valia 21.786,70€ em vez dos 5.500€ que valia antes. Mas a solução contrária também não se pode dizer, sem mais, justa, pois que não é garantido que com o valor que a autora receberá, mesmo que consiga vender os salvados pelo valor por que eles foram avaliados e o adicione àquele, conseguisse adquirir um ligeiro no mesmo estado. Por isso, a solução que é mais correcta, não é ter em conta o valor venal (= de mercado) do veículo sinistrado, nem o valor de um veículo novo/não usado, mas sim o valor de substituição do antigo veículo, ou seja, o valor necessário à compra de um veículo da mesma marca, tipo, idade e estado de conservação idêntico ao do sinistrado, que normalmente será superior ao valor de mercado do veículo sinistrado (tudo isto tem em conta os ensinamentos que se tiram da anotação do Prof. Júlio Manuel Vieira Gomes, com ampla fundamentação, na sua anotação ao ac. do STJ de 27/02/2003, Rev. 4016/02, publicada sob o título custo das reparações, valor venal ou valor de substituição? nos Cadernos de Direito Privado, nº. 3 Julho / Setembro 2003, e do próprio acórdão, embora com as devidas ressalvas, já que no caso do acórdão do STJ o que se estava a discutir era apenas a alternativa entre valor venal e o valor de substituição, e no caso dos autos o que se está a discutir, agora, no recurso, é a alternativa entre o valor venal e o valor de um novo veículo/não usado. (No mesmo sentido, de valor de substituição, vejam-se os acórdãos do STJ de 16/11/2000, CJ.STJ.2000, III, págs. 124/125, 07/07/1999, CJ.STJ.99, III, págs. 16/19, e de 21/02/2006, CJ.STJ.2006, págs. 83/85, e do TRL de 09/02/2006, CJ.2006.I, págs. 98/101 – todos citados pelo Prof. Paulo Mota Pinto, no seu Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, nota 1641, pág. 570, que ainda cita no mesmo sentido uma anotação de Vaz Serra, a um ac. do STJ, publicada na RLJ). Ou seja, se o veículo, com 10 anos, valia à data do acidente 5.500€ e os salvados têm o valor de 1.250€, o valor a indemnizar não será necessariamente o de 4.250€, nem o de 21.786,70€ de um veículo novo, nem o valor da reparação do anterior (16.887,40€), se esta for excessivamente onerosa (art. 566/1, parte final, do CC - como o é quando for superior a mais de 3 vezes o valor do antigo veículo, sem que existam quaisquer outros factos que possam ser tomados em consideração – neste sentido, a sentença recorrida cita o acórdão de 21/04/2010 do STJ, 17/07.4TBCBR.C1.S1, num caso em que não se considerou a onerosidade excessiva: o valor da reparação era de mais cerca de 58,33% do valor do veículo; no caso dos autos o valor é superior a 300%), mas o valor de, por exemplo, 7, 8 ou 10.000€ necessários para, agora, neste momento e nestas circunstâncias concretas, comprar um veículo com 10 anos, da mesma marca e tipo e no mesmo estado conservação que o sinistrado. Note-se aliás que no art. 41/2 do Dec. Lei 291/2007, de 21/08, fala-se agora em valor de substituição e já não se utiliza a expressão valor de venda no mercado que se utilizava no art. 20-J/2 do Dec. Lei 522/85, de 31/12, na redacção do Dec. Lei 83/2006, de 03/05, uma das expressões que levava a que Paulo Mota Pinto, na obra citada, notas 1639 a 1641, págs. 568/571 falasse de “medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais. * Diz a autora (por exemplo, conclusões 27, 30 e 31) que, para se chegar à conclusão da excessiva onerosidade (art. 566/1 parte final), a comparação não é entre o valor venal e o valor da reparação, mas sim entre esta e o valor de substituição. E assim é, como se viu. Só que o valor de substituição é um valor a que se tinha que se chegar com base em dados de facto que tinham que ser alegados e provados pela autora, no caso de esta entender que era superior ao valor de mercado. Pois que, se não, tendo ficado provado um valor de mercado do veículo e não havendo quaisquer outros dados em contrário, é este o valor de substituição do mesmo. Ou seja, como se trata de um valor que depende de uma série de factos que têm a ver a esfera patrimonial da autora, é a ela que os caberia alegar (arts. 342/1 e 483/1 do CC). Só ela é que pode saber, e por isso alegar, factos que, provados, permitam a conclusão de que apesar de o valor de mercado do veículo ser um, dadas as circunstâncias particulares só seria possível adquirir um outro por um valor superior. Não faz sentido pensar que seria a seguradora que teria que alegar estes factos… de que não poderia ter conhecimento. * Por fim, o juiz não pode atribuir o valor de substituição, se só tem a alternativa do valor venal do veículo ou do valor, 3 ou 4 vezes superior, da reparação necessária do veículo sinistrado ou de um veículo novo, que o juiz sabe que vai dar origem a um enriquecimento sem causa. Nem mesmo tem a alternativa de condenar no que se liquidar (art. 566/3 do CC) como valor de substituição (como se fez no caso acima referido do ac. do STJ de 27/02/003, confirmando a posição do TRP), se nem sequer se fala neste e se não há elementos para supor que, no caso, esse valor fosse, em concreto superior ao valor de mercado atribuído. III Valores pagos na reposição e reparação do sistema de frio Apesar de não se terem alterado os factos devido às razões supra referidas, na parte I, veja-se agora a questão de outra perspectiva. Tendo em conta o agora – neste recurso - alegado pela autora conclui-se que ela sugere, neste recurso, que o valor dos 5.500€ seria só o valor de mercado do ligeiro antigo, sem o sistema de frio. Ora, diz a autora a reposição do sistema de frio no novo veículo, teria custado o valor de 3.486.70€. Valor de que a autora também deveria ser ressarcida. Mas a autora nunca referiu estes factos nem esta questão foi levantada na 1ª instância, sendo que os recursos não se destinam a discutir questões novas, mas sim a ver se uma dada decisão de uma questão posta na 1ª instância está ou não errada. III Quanto ao dano da privação do veículo: Fala a autora da privação da viatura deste a data do acidente até à conclusão do processo por parte da ré, em Janeiro de 2005. O acidente ocorreu no dia 30/09/2004. Até Janeiro de 2005, vão, no máximo, 92 dias, incluindo feriados e fins-de-semana. À razão de 50€/diários invocados pela autora, isto daria, quando muito 4600€. A autora fala de 21.350€…. Seja como for… Os factos com relevo são os sob A), B), J), K), 7 e 10 dos quais apenas resulta que a autora esteve, no máximo, privada de um veículo seu que fizesse o mesmo serviço que o veículo sinistrado, de 30/09/2004 a 19/10/2004, não se sabe se inclusive, e que o custo diário de aluguer de um veículo similar é de 50€ diários. Note-se que se trata de factos a provar pela autora (art. 342/1 do CC). Se a autora diz, sem mais, que comprou um veículo substituto em 19/10/2004, tem que se partir do princípio que a partir desse dia, já não lhe fazia falta o aluguer de um outro. A sentença recorrida atribui uma indemnização de 19 dias x 50€. Dir-se-ia pois que, a haver erro na indemnização pela privação, seria por excesso, já que se está a abranger dias não úteis… No entanto, a autora insiste no pedido de indemnização de, já se viu, 21.350€, o que corresponde a 427 dias (x 50€/dia). Parte pois do princípio que esteve impossibilitada de utilizar veículo próprio desde 30/09/2004 até depois de 01/12/2005. Não há prova nenhuma disto. * Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso. * Sumário: I - O lesado tem direito à reparação do veículo (restauração natural) excepto quando esta é excessivamente onerosa (não bastando para concluir pela excessividade o facto de se te tratar de um valor muito superior ao valor de substituição ou ao valor de mercado no caso de falta de prova do valor de substituição). II – Não tendo o direito à reparação, o direito à indemnização por equivalente não é o direito de ser pago do valor da compra de um novo veículo não usado, nem o de ser pago apenas pelo valor de mercado do veículo antes do acidente. III – É antes o direito de ser pago pelo valor que terá de pagar para comprar “um veículo da mesma marca, tipo, idade e estado de conservação do veículo sinistrado”, valor de substituição que é normalmente superior ao daquele valor de mercado. IV - Mas para se valer deste valor superior o lesado tem de alegar e provar os factos respectivos. * Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. Valor da acção para efeitos de custas: 57.185,90€. Custas do recurso pela autora.
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