Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/11.6TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
EXECUÇÃO SUCESSIVA VÁRIAS PENAS
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61º E 63º CP
Sumário: 1.- Nos casos em que o condenado cumpre sucessivamente penas de prisão, a aferição do momento em que deve ser ponderada a concessão da liberdade condicional deve observar as seguintes regras:
- A primeira regra a observar é a de que a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar se interrompe logo que se atinja metade do respectivo cumprimento, iniciando-se então o cumprimento da pena seguinte, e assim sucessivamente;
- Depois, o tribunal deve apreciar a concessão da liberdade condicional quando o possa fazer, em simultâneo, relativamente a todas as penas ou seja, quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, ou quando todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão da referida alínea a).
2.- Se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos de prisão, o condenado é colocado em liberdade condicional, se ainda o não tiver sido, cumpridos que sejam cinco sextos daquele somatório.
3.- O juízo de prognose favorável para a concessão da liberdade condicional relativo ao futuro comportamento do condenado deve ser feito tendo-se em consideração:
- As circunstâncias do caso;
- A vida anterior do condenado; e,
- A sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena.
4.- A existência de parecer favorável [unânime ou maioritário] à concessão da liberdade condicional por parte do Conselho Técnico, não é condição, nem necessária, nem suficiente, para que a mesma seja concedida.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO


No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra corre termos o processo de concessão da liberdade condicional nº 165/11.6TXCBR-A, relativo ao recluso A..., onde, a 24 de Maio de 2011, foi proferida decisão que lhe negou a liberdade condicional.

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Inconformado com o assim decidido, recorre o recluso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
1. A decisão objecto do presente recurso violou o disposto nos art. 42º e 61º, nº 2 do CP.
2. O arguido viu a liberdade condicional ser apreciada no decorrer do mês de Maio, seis meses após ter atingido o meio das penas que se encontra a cumprir.
3. A pena de prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a que venha a ser aplicada.
4. A decisão em apreço não valorou devidamente o percurso prisional positivo do recorrente, a idade do mesmo, o apoio familiar que possui, as perspectivas de trabalho que tem, ressaltando uma incorrecta ponderação de todos os circunstancialismos.
5. Reunido o Conselho Técnico para apreciação da liberdade condicional emitiu parecer maioritariamente favorável à sua concessão.
6. Baseou-se a decisão recorrida no fraco sentido crítico patenteado pelo arguido relativamente às suas condutas anteriores, bem como no comportamento prisional irregular do mesmo.
7. Ora, não se conforma o recorrente com tal decisão, porquanto o mesmo assume os crimes por si praticados (o que resulta da acta do Conselho Técnico), beneficia de apoio familiar no exterior, tem perspectivas de trabalho, e durante o período de reclusão tem procurado obter mais competências, frequentando a escola com assiduidade e êxito.
8. Além do mais, o recluso já beneficiou de medida de flexibilização da pena, tendo a mesma decorrido sem qualquer incidente.
9. Assim, pelo exposto entende o recorrente ser possível formular o juízo de prognose favorável, no sentido de que uma vez em liberdade, o mesmo se absterá da prática de crimes, levando uma vida conforme ao direito, pelo que lhe deveria ter sido concedida a liberdade condicional.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, assim sendo feita Justiça.
(…)”.
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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
“ (…).
1- A decisão recorrida mostra-se coerente e fundamentada e, havendo apreciado, os requisitos formais e materiais da concessão da liberdade condicional, recusou, por não suficientemente verificados os últimos, essa medida.
2- Essa decisão, como é manifesto, não enferma de qualquer vício processual que afecte a sua eficácia.
3- Por outro lado, a mesma decisão não atenta contra qualquer preceito legal e, sem deixar de ter em linha de conta o princípio orientador da execução da pena, previsto no artigo 42º, do Código Penal, faz correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 61º, n.º 2, desse mesmo Código, apontado na motivação de recurso.
Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, decidindo pela improcedência do recurso e, em consequência, confirmando a decisão recorrida, será feita Justiça.
(…)”.
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Na vista a que a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a posição do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluindo pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.
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Para a resolução da questão proposta importa ter presente o teor da decisão recorrida que é o seguinte:
“ (…).
1. RELATÓRIO
Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado A..., já identificado nos autos.
O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.
O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.
Foram juntos aos autos os relatórios e parecer exigidos pelo artigo 173.º, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade.
Nos termos do disposto no artigo 485.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado (fls. 658 a 662).
O Conselho Técnico, reunido em 18.05.2011, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu parecer maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional ao condenado (cfr. Acta de fls. 657).
Ouvido o recluso, não requereu a produção de qualquer prova e prestou o seu consentimento à concessão da liberdade condicional.
Não se mostra junto aos autos o Certificado de Registo Criminal do recluso, todavia, porque o meio da soma das penas já há muito se mostra ultrapassado não se aguardará pela sua junção uma vez que retardaria, ainda mais, a decisão a proferir.
*
O tribunal é competente.
O processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
A) O recluso encontra-se a cumprir, sucessivamente, uma pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, aplicada no PCC n.º 61/06.9PANZR, do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, e de um crime de detenção ilegal de arma, uma outra pena única de 2 anos e 11 meses de prisão, imposta por cúmulo jurídico de penas, operado no PCS n.º 1353/08.8T ALRA, do 1.º Juízo Criminal de Leiria, pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada, de injúria agravada, de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de detenção ilegal de arma, uma pena de 33 dias de prisão subsidiária, em que foi convertida a pena pecuniária imposta no PCS n.º 19/06.8PANZR, pela prática de um crime de condução de veiculo motorizado sem habilitação legal, cujo cumprimento do meio dessas duas penas únicas com a totalidade da pena subsidiária ocorreu em 22.11.2010, atingindo os 2/3 (daquelas duas penas, com a totalidade da terceira) em 02.05.2012, os cinco sextos em 07.10.2013 e terminando as penas em 23.03.2015.
B) O recluso revela fraco sentido critico face à sua conduta passada e fraca interiorização do desvalor dessas suas conduta e das consequências dela geradas para as vítimas, embora assuma os crimes praticados e pelo quais cumpre pena, todavia, no que toca aos crimes de homicídio na forma tentada e de tráfico de menor gravidade persiste numa versão desculpabilizante.
C) Tem mantido um comportamento irregular, que motivou a aplicação de diversas sanções disciplinares, designadamente, repreensões em Janeiro, Abril e Junho de 2008, a medida de internamento em cela disciplinar, pelo período de 20 dias, em Junho de 2008, um internamento em cela disciplinar, pelo período de 15 dias, em Setembro de 2009 e, uma repreensão escrita, em Outubro de 2010, conforme ficha biográfica de fls. 622 a 624.
D) Preteriu a actividade laboral em favor da sua valorização escolar, tendo concluído o EFA B2 no ano de 2010 e, no presente ano lectivo está a frequentar o EFA B3, com assiduidade e aproveitamento.
E) Beneficiou no decurso deste mês de Maio da primeira medida de flexibilização da pena, saída jurisdicional por 4 dias, não sendo conhecidos incidentes.
F) Não participa em actividades socioculturais ou desportivas.
G) Reconhece ter consumido estupefacientes (cocaína), porém, afirma que já ultrapassou os seus hábitos de toxicodependência e rejeita qualquer tipo de intervenção terapêutica nessa área.
H) Conta com apoio familiar, designadamente da mulher, mãe e irmãos, com quem tenciona residir em Leiria.
I) Perspectiva trabalhar como vendedor ambulante de roupas, em feiras.
J) No meio de residência não são conhecidos sinais de hostilidade ou rejeição à sua presença.
K) Tem antecedentes criminais.
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2.2. Motivação
Os factos dados como provados resultam do teor dos documentos de suporte a que se fez referência, com inserção nos autos nas páginas referidas nos factos assentes e do teor dos relatórios da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino de fls. 638 a 641 e de fls. 646 a 650, bem como das percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico.
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3.Os FACTOS E O DIREITO
O instituto da liberdade condicional assume "um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – e ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção politico-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 528).
A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.
Nos termos do disposto nos artigos 61.º e 63.º, ambos do Código Penal, são pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado;
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas;
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas.
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:
a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42.º, n.º 1, do Código Penal).
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 2/3 da pena:
a) Somente o juízo de prognose favorável referido em a) supra.
A liberdade condicional quando referida a 5/6 da pena (liberdade condicional obrigatória) trata-se já de um dever do tribunal não vinculado aos pressupostos materiais estipulados no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, sendo concebida como uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade de forma a obstar às dificuldades na reinserção social do condenado, o qual, designadamente quando estejam em causa penas maiores, e não obstante o trabalho de socialização levado a cabo no estabelecimento prisional, no regresso à sociedade sofre, regra geral, de uma grande desadaptação à vida em liberdade.
Tal liberdade condicional depende apenas e só do cumprimento de grande parte da pena de prisão, independentemente de o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (ou seja, a apreciação relativa à prevenção especial positiva) ser positivo ou negativo, (neste sentido, Figueiredo Dias, obra citada, pág. 527 a 554).
O condenado encontra-se a cumprir, sucessivamente, uma pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, aplicada no PCC n.º 61/06.9PANZR, do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, e de um crime de detenção ilegal de arma, uma outra pena única de 2 anos e 11 meses de prisão, imposta por cúmulo jurídico de penas, operado no PCS n.º 1353/08.8TALRA, do 1.º Juízo Criminal de Leiria, pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada, de injúria agravada, de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de detenção ilegal de arma, uma pena de 33 dias de prisão subsidiária, em que foi convertida a pena pecuniária imposta no PCS n.º 19/06.8PANZR, pela prática de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, cujo cumprimento do meio dessas duas penas únicas com a totalidade da pena subsidiária ocorreu em 22.11.2010, atingindo os 2/3 (daquelas duas penas, com a totalidade da terceira) em 02.05.2012, os cinco sextos em 07.10.2013 e terminando as penas em 23.03.2015.
No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino, as percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico e os elementos documentais a que se fez referência supra, resulta dos factos provados que o recluso revela fraco sentido critico face à sua conduta passada e fraca interiorização do desvalor dessas suas conduta e das consequências dela geradas para as vítimas, embora assuma os crimes praticados e pelo quais cumpre pena, todavia, no que toca aos crimes de homicídio na forma tentada e de tráfico de menor gravidade persiste numa versão desculpabilizante.
Tem mantido um comportamento irregular, que motivou a aplicação de diversas sanções disciplinares, designadamente, repreensões em Janeiro, Abril e Junho de 2008, a medida de internamento em cela disciplinar, pelo período de 20 dias, em Junho de 2008, um internamento em cela disciplinar, pelo período de 15 dias, em Setembro de 2009 e, uma repreensão escrita, em Outubro de 2010, conforme ficha biográfica de fls. 622 a 624.
Preteriu a actividade laboral em favor da sua valorização escolar, tendo concluído o EFA B2 no ano de 2010 e, no presente ano lectivo está a frequentar o EFA B3, com assiduidade e aproveitamento.
Beneficiou no decurso deste mês de Maio da primeira medida de flexibilização da pena, saída jurisdicional por 4 dias, não sendo conhecidos incidentes.
Não participa em actividades socioculturais ou desportivas.
Reconhece ter consumido estupefacientes (cocaína), porém, afirma que já ultrapassou os seus hábitos de toxicodependência e rejeita qualquer tipo de intervenção terapêutica nessa área.
Conta com apoio familiar, designadamente da mulher, mãe e irmãos, com quem tenciona residir em Leiria e perspectiva trabalhar como vendedor ambulante de roupas, em feiras. No meio de residência não são conhecidos sinais de hostilidade ou rejeição à sua presença.
Tem antecedentes criminais.
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Ouvido pelo tribunal, em sede de Conselho Técnico, o condenado autorizou a colocação em liberdade condicional e admitiu a prática dos crimes pelos quais foi condenado.
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Dos autos e da análise dos factos resulta não ser de conceder a liberdade condicional.
Como factores positivos podemos considerar a existência de apoio familiar, o facto de, ao longo do período de reclusão, ter procurado valorizar-se em termos escolares, perspectivar trabalhar, não serem conhecidos sinais de hostilidade ou rejeição à sua presença no meio de residência, assumir os crimes praticados e pelo quais cumpre pena e ter beneficiou no decurso deste mês de Março da primeira medida de flexibilização da pena, saída jurisdicional por 4 dias, não sendo conhecidos incidentes.
Todavia, contra si, tem o facto de revelar fraco sentido critico face à sua conduta passada e fraca interiorização do desvalor dessas suas conduta e das consequências dela geradas para as vítimas, designadamente porque, no que toca aos crimes de homicídio na forma tentada e de tráfico de menor gravidade, persiste numa versão desculpabilizante.
Também o facto de ter mantido um comportamento irregular ao longo da reclusão, com a aplicação de diversas sanções disciplinares, designadamente, repreensões em Janeiro, Abril e Junho de 2008, a medida de internamento em cela disciplinar, pelo período de 20 dias, em Junho de 2008, um internamento em cela disciplinar, pelo período de 15 dias, em Setembro de 2009 e, uma repreensão escrita, em Outubro de 2010 são factores negativos a considerar.
Para além destes factos, temos também que ponderar que, embora reconheça ter consumido estupefacientes (cocaína), o certo é que afirma que já ultrapassou os seus hábitos de toxicodependência e rejeita qualquer tipo de intervenção terapêutica nessa área, assim, tal poderá constituir factor de risco, em meio não contentor.
Ora, atenta a natureza, a gravidade e o número de crimes praticados, designadamente, o crime de homicídio, na forma tentada, de ofensa à integridade física qualificada e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, mostram-se acentuadas as exigências de prevenção geral que conferem carácter excepcional à libertação antecipada, pelo meio da pena, neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.06.2010, disponível em www.dgsi.pt.
Com efeito, a concessão da liberdade, verificados os requisitos formais, depende ainda do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração – e, não apenas do comportamento do arguido dentro do Estabelecimento Prisional.
Como pode ler-se na Exposição de Motivos da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que alterou o Código Penal: "Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão."
Tal posição era, igualmente, defendida pelo Prof. Figueiredo Dias in, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 538 e 539, que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional escrevia "decisivo deveria ser, na verdade, não o "bom" comportamento prisional "em si" – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais – mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade".
Assim, embora seja importante a evolução comportamental do condenado ao longo da reclusão, que in casu nem é assim tão excepcional, o certo é que, também, não se podem olvidar as demais circunstâncias do caso e os critérios legais legalmente estabelecidos para a libertação antecipada, designadamente, a vida anterior do agente, a sua personalidade manifestada aquando da prática do crime e o sentimento geral de vigência da norma penal violada com a prática do crime.
A este respeito, escreve o Prof. Figueiredo Dias in as Consequências Jurídicas do Crime, página 851, "o reingresso do condenado ao seu meio social, apenas cumprida metade da pena a que foi condenado, pode perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada".
Esta ideia vem também confirmada pela Comissão Revisora do Código Penal (acta 7, pág. 62), onde se diz: "com o requisito da alínea b) do n.º 2 (…) pretendeu-se (…) preservar a ideia de reafirmação e vigência da norma penal violada com a prática do crime, tendo-se assim em vista a realização do fim de prevenção geral (de integração)" (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in Código Penal anotado, 2.a Edição, pág. 507.
Donde, não ser suficiente, sem mais, a evolução da personalidade do recluso manifestada no seu comportamento ao longo da execução da pena de prisão, pois que, o que conta é o efeito dissuasor resultante do efectivo cumprimento da pena pelo autor do crime, ou seja, a expectativa geral da comunidade de que as penas previstas na lei são cumpridas quando a lei é tão frontalmente infringida, como foi o caso dos autos.
Consequentemente, in casu, para além das acentuadas exigências de prevenção especial que resultam da personalidade evidenciada pelo arguido, face aos crimes cometidos, designadamente pelo seu número e gravidade, mormente os de homicídio na forma tentada, de ofensa à integridade física qualificada e de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, a fraca consciência do desvalor dessas condutas e a persistência colocada na prática do crime de detenção e uso ilegais (duas condenações) e de crimes contra as pessoas, mostram-se também acentuadas as exigências de prevenção geral, de defesa da ordem jurídica e da paz social que, no caso e manifestamente, se não mostram asseguradas e que, fundadamente, afastam um juízo de prognose favorável de que, se restituído à liberdade, executada pouco mais de metade da pena fixada, o recluso viesse, por agora, a conduzir a sua vida de modo socialmente adequado.
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4. DECISÃO
Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.
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Notifique e Comunique ao EP e à DGRS.
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Comunique ao processo da condenação.
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Renovação da instância pelos 2/3 da pena – 02.05.2012 –, nos termos previstos no artigo 61.º, n.º 3, do Código Penal, cumprindo-se oportunamente o disposto no artigo 173.º, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade.
(…)”.
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1. O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno de tal pena e o consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade a que pertencem, terminado que seja o respectivo cumprimento (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 528 e 542). Assim, pode ler-se no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982): «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».
Não se trata, portanto, de um instituto concebido como medida de clemência ou como mera compensação pela boa conduta prisional, mas antes concebido como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais. São pois, razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que estão na base do instituto, aliás, em plena conformidade com as finalidades das penas assinalados no art. 40º, nº 1 do C. Penal.

1.1. A colocação do condenado em liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.
A primeira ideia a reter é a concessão da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado).
Depois, há que distinguir entre o que pode designar-se por liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.
A liberdade condicional não obrigatória ou ope judicis é concedida quando:
a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:
- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável; e
- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2 do artigo citado);
b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do artigo citado).

A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do artigo citado).

1.2. Nos casos, como é o dos autos, em que o condenado cumpre sucessivamente penas de prisão, a lei estabelece um regime especial.
Assim, a primeira regra a observar é a de que a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar se interrompe logo que se atinja metade do respectivo cumprimento, iniciando-se então o cumprimento da pena seguinte, e assim sucessivamente (art. 63º, nº 1 do C. Penal).
Depois, o tribunal deve apreciar a concessão da liberdade condicional quando o possa fazer, em simultâneo, relativamente a todas as penas (art. 63º, nº 2 do C. Penal) ou seja, quando todas elas tenham sido cumpridas em metade e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, ou quando todas elas tenham sido cumpridas em dois terços e no mínimo de seis meses, verificada que seja a previsão da referida alínea a).
Porém, se o somatório das penas a cumprir sucessivamente exceder seis anos de prisão, o condenado é colocado em liberdade condicional, se ainda o não tiver sido, cumpridos que sejam cinco sextos daquele somatório (art. 63º, nº 3 do C. Penal).
Posto isto.
2. Na decisão recorrida considerou-se estarem verificados os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional ou seja, o cumprimento de metade das penas a cumprir sucessivamente e o consentimento do condenado. Mas porque também se entendeu que o condenado revelou fraco sentido crítico e fraca interiorização do desvalor das condutas típicas por si praticadas, tem mantido um comportamento prisional irregular, causa da aplicação de várias sanções disciplinares, e rejeita intervenção terapêutica no âmbito do consumo de estupefacientes, conjugadamente com a natureza, gravidade e quantidade dos crimes praticados [homicídio tentado, ofensa à integridade física qualificada e tráfico de menor gravidade, além de outros], não lhe foi concedida a liberdade condicional.
Contra isto se insurge o condenado, entendendo ser possível a formulação de juízo de prognose favorável uma vez que decisão recorrida não valorou, como devia, o seu percurso prisional positivo, a assunção dos crimes praticados, a sua idade, o apoio familiar que possui e as perspectivas de trabalho de que desfruta, bem como o parecer maioritário do Conselho Técnico à sua libertação e o facto de ter beneficiado já de medida de flexibilização da pena, sem incidentes.

2.1. Vejamos se a 1ª instância formou ou não correctamente o juízo de prognose desfavorável, que está na base da negação da concessão da liberdade condicional ao meio das penas de prisão a cumprir sucessivamente.

Começaremos por dizer que a ultrapassagem, em vários meses, do prazo fixado na lei como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que se lamenta, não tem, no entanto, qualquer reflexo na concessão ou negação do dito instituto.
Por outro lado, a existência de parecer favorável [unânime ou maioritário] à concessão da liberdade condicional não é condição, nem necessária, nem suficiente, para que a mesma seja concedida no caso concreto, da mesma forma que a existência de parecer desfavorável não impede a concessão da medida. E o mesmo se diz relativamente à saída jurisdicional de que o recorrente já beneficiou.
Posto isto.

O juízo de prognose favorável (previsto na alínea a), do nº 1 do art. 61º do C. Penal) relativo ao futuro comportamento do condenado deve ser feito tendo-se em consideração:
- As circunstâncias do caso;
- A vida anterior do condenado; e,
- A sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena.
São estes os elementos que funcionam como índice de (re)socialização e de um comportamento futuro sem o cometimento de crimes (Profª. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Notas Complementares, 2006/07, pág. 26).

Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o tribunal a quo valorou como «factores positivos», o apoio familiar de que beneficia, as perspectivas de trabalho que tem e a assunção dos crimes praticados. Não ponderou efectivamente a sua idade, mas não se descortina qualquer razão objectiva para que o devesse ter feito [o recorrente, atentos os elementos que constam dos autos, nasceu a 25 de Outubro de 1979, estando portanto, a escassos dias de completar 32 anos de idade].
Mas a estes factores positivos contrapôs o tribunal a quo a valoração dos factores negativos, para usarmos a mesma terminologia, que contra o recorrente militam e que àqueles decididamente sobrelevam.

Com efeito, desde logo, as circunstâncias concretas que estão na base de cada condenação pesam contra o recorrente, não podendo esquecer-se que, além de outros, estão em causa dois dos mais graves crimes contra as pessoas, previstos no C. Penal.
Depois, revelando o recorrente uma personalidade violenta, a evolução desta ao longo do cumprimento das penas, longe de ser exemplar, muito deixa a desejar. Na verdade, a procura do recluso em valorizar-se a nível escolar, e com êxito, acaba por muito pouco significar, atenta a notação negativa a atribuir às sucessivas sanções disciplinares que vêm acumulando [cinco entre 2008 e 2010] e que claramente denunciam a sua incapacidade para assumir um comportamento socialmente adequado.
Acresce que a reduzida capacidade de autocrítica revelada pelo recorrente relativamente aos factos praticados e portanto, a ausência de uma efectiva interiorização do desvalor das condutas assumidas [que nada tem a ver, como é evidente, com a admissão da prática dos factos] acentua os traços de uma personalidade mal formada, fazendo duvidar da sua real capacidade para adequar os seus comportamentos futuros aos valores sociais dominantes, tutelados pelas normas penais.
E também não abona o recorrente a recusa em aceitar ajuda sustentada com vista à prevenção de recaída relativamente ao consumo de estupefacientes.

Assim, a análise global dos factores negativos, pelo peso específico que têm, determina a sua valoração em grau que se sobrepõe ao da análise dos factores positivos apontados, daqui resultando a impossibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o recorrente, uma vez libertado, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável.

2.2. Em síntese, o recorrente teria, através do seu comportamento intra muros, de convencer o tribunal de um propósito firme de, uma vez em liberdade, adequar a sua conduta aos padrões sociais, não voltando a delinquir, o que não fez. Com efeito, não se mostra demonstrado nos autos um circunstancialismo que, globalmente considerado, permita a formulação do juízo de prognose favorável relativamente ao recorrente.
Por isso se entende que não se mostra preenchida a previsão da alínea a), do nº 2 do art. 61º do, C. Penal, o que por sua vez, prejudica a questão de saber se está ou não verificada in casu, a previsão da alínea b) do mesmo número.
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Bem andou pois a 1ª instância em não conceder a liberdade condicional ao recorrente.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (art. 8º, nº 5 e Tabela III do R. das Custas Processuais).

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Heitor Vasques Osório (Relator)

Jorge Dias