Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/15.1GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: DANO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCURSO EFECTIVO
CONCURSO APARENTE
RELAÇÃO DE CONSUNÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SECÇÃO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA CENTRAL DE VISEU - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º, 212.º E 152.º, DO CP
Sumário: I - O crime previsto no artigo 212.º do CP só é consumido pelo crime de violência doméstica quando o arguido destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tomar não utilizável coisa alheia, apenas com o intuito de assustar, humilhar, diminuir, a pessoa da vítima.

II - Se, independentemente dessa intenção, houver uma vontade específica do arguido de danificar, estragar, atentar contra o património da ofendida, então o crime de dano revela autonomia em relação ao crime de violência doméstica.

Decisão Texto Integral:


I. RELATÓRIO

1. A assistente, A... deduziu acusação particular contra B... imputando-lhe a prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, nº1, do Código Penal, acusação essa acompanhada pelo Ministério Público que, também acusa o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. a) e nº2, do Código Penal.

 2. O arguido, não se conformando com as acusações contra si deduzidas requereu a abertura de instrução com vista à não pronúncia dos crimes pelos quais foi acusado.

3. Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia em relação ao crime de dano e de pronúncia pela prática de um crime de violência doméstica.

4. Inconformada com o despacho de não pronúncia, dela recorre a Assistente, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões

«1 - Vem o presente recurso interposto da douta decisão instrutória que pugnou pela não pronúncia do arguido quanto ao crime de dano p. e p. pelo artigo 212.º do CP.

2 - Para tanto considerou, a Mma. Juiz a quo, que “os factos que integram o crime de dano, constantes da acusação particular, não devem nem podem ser autonomizáveis, sendo que os mesmos integram parte da factualidade que consta da acusação pública e que preenche o tipo legal de crime de violência doméstica”. (cfr. Decisão instrutória).

3 - Em 18 de Janeiro de 2016 foi proferido despacho de acusação pelo MP, acusando o arguido pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º n.º 1. Alínea a) e n.º 2 do CP.

4 - Dado haver indícios suficientes da prática do crime de dano a assistente elaborou a devida acusação particular quanto ao referido crime, tendo o MP acompanhado a mesma pelos factos e crime aí imputados ao arguido, tendo disso sido a assistente notificada em 4 de Abril de 2016.

5 - Não concordando o arguido com o teor das acusações pública e particular, requereu abertura de instrução, a qual veio a ser admitida.

6 - Não obstante, da prova testemunhal apresentada pelo arguido não resultaram factos/indícios que colocassem em causa a prática dos referidos crimes, tendo as testemunham apresentadas, pelo contrário e, segundo a Mma. Juiz a quo “corroborado os factos da acusação” (cfr. Decisão instrutória)

7 - Porém, in fine, a Mma. Juiz a quo decidiu não pronunciar o arguido pela prática do crime de dano por entender que o mesmo se encontra absorvido pelo crime de violência doméstica, havendo assim um concurso aparente de crimes, concluindo que o arguido não pode “ser acusado duas vezes pela mesma factualidade” (cfr. Decisão).

8 - A Mma. Juiz a quo elenca o Ac. do TRP de 4.11.2004, Proc. 8948/2004-9 para sustentar o seu entendimento e justificar a não pronuncia do arguido quanto ao referido crime, não obstante, o referido acórdão não pode servir de base de sustentação a tal entendimento conforme infra se explanará.

9 - Após análise do acórdão verifica-se que de facto o mesmo elenca vários tipos legais de crime que devem ser consumidos pelo crime de violência doméstica, não havendo assim concurso entre eles mas não menciona em parte alguma que tal aconteça com o crime de dano.

10 - Além disso, o trecho de texto que a Mma. Juiz a quo inseriu na decisão instrutória, encontra-se deslocado da sua contextualização, pois a existência da relação de especialidade não integra o tipo legal do crime de dano.

11- Salienta-se também que o referido crime não se encontra integrado nos crimes de maus-tratos conforme a Mma. Juiz a quo menciona na douta decisão instrutória, pois se atendermos à anotação do CP ao artigo 152.º o mesmo refere que os “maus tratos físicos” correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os “maus tratos psíquicos” aos crimes de ameaça simples ou agravada, coação simples, difamação e injúrias simples ou qualificadas” (comentário do código penal de Paulo Pinto de Albuquerque, ed. 2008. pág. 405 anot. 7), sendo também isto que o douto acórdão refere.

12 - Aliás, nem podíamos falar numa absorção do crime de dano pelo crime de violência doméstica quando neste o bem jurídico protegido é a saúde quer física, psíquica e mental enquanto no crime de dano o bem protegido é a propriedade pelo que terá necessariamente de se referir sempre a existência de um concurso real e não aparente entre estes dois crimes.

Não obstante e sem prescindir,

13 - O crime de dano in casu consistiu em o arguido dar pontapés e com tal acto danificar um veículo automóvel pertença da assistente, sendo o arguido na altura da consumação do referido crime, cônjuge da assistente, pelo que e atenta a relação próxima entre os agentes o procedimento criminal depende de acusação particular, não tendo o MP

5. O Ministério Público, em primeira instância, defende o provimento do recurso.

6. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto, secundando a posição referida em 5, pronunciou-se no sentido da revogação da decisão recorrida.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II. THEMA DECIDENDUM

A questão a decidir traduz-se em saber se os factos constantes na acusação particular integram, um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal em concurso efectivo com o crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, do Código Penal.

III. A DECISÃO RECORRIDA

A decisão instrutória objecto deste recurso tem o seguinte teor:

«I - Relatório:

Em Processo Comum, com Intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público acusou:  

B... , casado, nascido a 31-12-68, natural de (...) - Viseu, filho de (...) e de (...), titular do CC nº (...) , residente na Rua (...) Viseu;

Imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p.p. artigo 152, nº1, al.a) e nº2 do CP, conforme acusação de fls. 116 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

Por seu turno a assistente acusou o mesmo arguido pela prática de um crime de dano, p.p. artigo 212 do CP, conforme acusação de fls.158 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

O MP acompanhou a acusação particular.

Inconformado com esse despacho veio o arguido requerer a abertura de instrução.

Nega a prática dos factos, e requer a sua não pronúncia.


***

II - Fundamentação da decisão:

Cabe agora proferir a decisão a que alude o art. 307º do CPP.

Tal como refere o art. 286º, nº1 do CPP “ A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

De acordo com o artigo 308º, nº1 do mesmo diploma preceitua que: “ Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Por sua vez o art. 283º, nº 2 refere que: “ Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Assim, sendo este o entendimento legal em que deve assentar a prolação de despacho de pronúncia ou de não pronuncia, do mesmo resulta que o despacho de pronúncia só deve ser proferido se se poder formular um juízo de probabilidade de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança”.


*

O arguido encontra-se acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código Penal.

Do crime de violência doméstica:

De acordo com o referido preceito legal:

“1- Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

 a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

 b) A pessoa (…) com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro.

(…);

É punido com pena de prisão de um a cinco anos (…).

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco ano”.

Esta redação está em vigor desde a Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro.

Antes disso estava em vigor a Lei 59/2007, que igualmente previa na uma alínea a) o cônjuge ou ex. cônjuge.

No fundo a Lei 19/2013 apenas veio introduzir a relação de namoro, que para a situação concreta não tem relevância.

 O tipo em causa, mais concretamente o seu elemento objetivo “inclui as condutas de violência física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica, Lisboa, 2008, pág. 405, anotação 4).

 O mesmo autor, na mesma obra escreve ainda : “Os ‘maus tratos físicos’ correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os ‘maus tratos psíquicos’ aos  crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas”.

Além disso, este tipo, o que era duvidoso na redação anterior, existindo posições contrárias na doutrina e na jurisprudência, não exige uma conduta reiterada.

Contudo, quando um ato integra simultaneamente o tipo do artigo 152º (violência doméstica) e o tipo ou tipos dos artigos 143º (ofensa à integridade física) e 153º (ameaça), o agente não é punido pelos vários crimes, existindo entre estes crimes uma relação de concurso aparente.

Como salienta o Prof. Pinto de Albuquerque, “O crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, o crime de coacção simples, entre outros, em que a punição do crime de violência doméstica afasta a destes crimes.

Tratando-se de crimes puníveis com pena mais grave do que a prisão até 5 anos, a violência doméstica encontra-se numa relação de subsidiariedade expressa (“se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”) ( in, Comentário do Código Penal, págs. 406-407, anotações 19 e 20).

No entanto, pode acontecer que os factos integrem os crimes de ofensa à integridade física e de injúria e, não obstante, não satisfaçam o tipo da violência doméstica, por não revelarem o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” (Maria Manuela Valadão e Silveira, “Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais”, in Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Do Crime de Maus Tratos, Lisboa, 2001, pág.21) que fundamentam a especificidade deste crime.

A este respeito escreve-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/05/2010, in www.dgsi.pt, “convém assim recordar o posicionamento da nossa jurisprudência, mormente daquela que já antes de 2007 se encaminhava no sentido de que bastava um único acto para que houvesse um crime de maus-tratos.

Tal sucedeu com o Ac. STJ de 1997,CJ, III, pág. 235 segundo o qual “Só as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da parte do agente é que cabem na previsão do art. 152.º do Código Penal”.

No entanto, não existem dúvidas que no crime de violência doméstica a ação típica tanto pode consistir em maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como em maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou outros maus tratos, com sejam as ofensas sexuais e as privações da liberdade.

Contudo como se escreve no ac. da RP 28/9/ 2011, in www.dgsi.pt, “No ilícito de violência doméstica é objetivo da lei assegurar uma ‘tutela especial e reforçada’ da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima”.

E, mais recentemente, em sentido idêntico, decidiu o TRC, no acórdão de 20.2.2016, in www.dgsi.pt que: I - No crime de violência doméstica, o bem jurídico protegido pela incriminação e, como vem referido no ac do STJ de 30/10/2003, proferido no Proc. nº 3252/03-5ª, in CJSTJ, 2003, III, pg 208 e segs, é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar. II - Para a realização do crime torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo, admitindo-se, porém, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela consideração do outro como pessoa, isto é, quando o comportamento singular só por si é claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge.

Do crime de dano:

Encontra-se, ainda, o arguido acusado da prática de um crime de dano, p.p.p artigo 212º do CP:

 O crime de dano encontra-se previsto no art.º 212ºdo CP:

 Dispõe o referido artigo que:

“ 1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (...)”.

 São elementos objetivos do tipo os seguintes:

 - O destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável uma coisa;

 - Que essa coisa seja alheia.

 Além disso, para que se verifique o tipo torna-se, ainda, necessário que o agente tenha atuado com dolo, em qualquer das suas modalidades (direto, necessário ou eventual), não sendo a conduta punida a título de negligência.

O crime de dano é um crime material verificando-se com a efetiva destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa.

 Contudo, é também um crime de cariz subjetivo em que se exige que o agente atue com a intenção de destruir ou danificar a coisa ( não obstante o crime ser punível a titulo de dolo eventual), bem sabendo que a mesma não lhe pertence; caso contrário, age sem consciência da ilicitude.

 Como já referimos e necessário, para o preenchimento do tipo, que se destrua ou danifique coisa alheia.

 Segundo o artigo 202º, n.º1 do CC “ Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”.

 Alem disso, a qualificação da coisa como alheia e determinada pelos princípios da lei civil.

 Acontece que só pode ser objeto do crime de dano a coisa corpórea e autónoma, isto e a coisa “terá de constituir objeto autónomo de relação jurídica (neste sentido Comentário ao Código Conimbricense, T.II, pag. 210).

Dos indícios:

 Iniciaram-se os presentes autos com o auto de denúncia de fls. 4 em que a ora assistente relata que é casada com o ora arguido e que este há cerca de um ano começou a apelidá-la de “égua”, dizendo ainda que anda com outros homens e que é uma bêbada.

 Que no passado dia 3 de Agosto de 2014 disse-lhe “para que é que tu serves se não me dás a cona”, dizendo ao filho B... “venho da casa de banho de tocar ao bicho porque a tua mãe não me dá a cona”, agarrando-a por um braço de forma violenta, valendo a intervenção da filha G... .

 Que no dia 17 de Janeiro de 2015 dirigiu-se à denunciante para a agredir, só não o fazendo devido à intervenção de uma prima de nome F... , dizendo-lhe, ainda, “és uma seca”.

 Refere, ainda, que no dia 15 de Março de 2015, o arguido, mais uma vez, encontrava-se em Portugal, disse que a matava, começando ainda a pontapear a viatura da ofendida, de matrícula (...) S.

Inquirida como testemunha a ora assistente confirmou os factos da denúncia (cfr. fls. 29).

 A fls. 34 dos autos consta o auto de inquirição da testemunha H... que confirmou que o arguido lhe disse que se a ora assistente arranjasse outro homem o matava, bem como à vítima.

 A fls. 36 dos autos consta o auto de inquirição da testemunha C... , filho de arguido e assistente, e que mencionou nomeadamente que o pai chamou a mãe de “égua”, “puta”, “que só sabia andar com outros homens” e que ele era um “cornudo”, bem como que por diversas vezes teve de se meter no meio dos dois, para evitar que o seu pai agredisse a sua mãe. Referiu, ainda, que o pai, por diversas vezes, diz à testemunha e à sua irmã, que eles não são seus filhos.

 A fls. 38 dos autos consta o auto de inquirição da testemunha G..... filha de arguido e assistente, e que mencionou que a mãe lhe telefonou a dizer que o pai a tinha chamado de “puta”, que dizia que andava metida com outros homens e lhe tinha danificado o carro.

 Mencionou, ainda que o pai, várias vezes, tentou agredir a mãe, só não o tendo feito porque a testemunha se metia no meio, chegando mesmos a agarrá-la com força no braço.

 Com interesse referiu também que por diversas vezes ouviu o pai chamar a mãe de “puta”, bem como a dizer que não sabia o porquê de ter uma mulher em casa, porque não lhe dava a “cona”, que andava com o Dr. e Engenheiro da ...., dizendo, ainda à testemunha e ao seu irmão, que eles não eram seus filhos.

Quando interrogado o arguido não prestou declarações.

 Em sede de instrução foram inquiridas testemunhas, os pais e uma prima do arguido.

 Acontece que estas testemunhas acabaram por corroborar os factos da acusação.

 Assim, a testemunha F... confirmou que o arguido dirigindo-se à assistente disse: “és uma seca”, acrescentando ainda que, nesse dia foi a assistente que o tentou agredir.

 Por seu turno, a testemunha E... , pai do arguido, acabou por confirmar que o arguido apelidou a assistente de seca e que, no dia 15 de Março, durante uma discussão, o arguido deu um pontapé no carro da assistente na parte da frente.

 Finalmente, foi inquirida a testemunha D... , mãe do arguido e que acabou por confirmar que, em janeiro, o arguido ia “direito” à assistente, mas que não fez nada, pois meteram-no na carrinha, tendo ainda dito que a mesma era uma seca.

 Relatou, ainda, um outro episódio, em que depois da assistente ter atirado com vários objetos ao arguido, este disse-lhe que tinha dado um pontapé no carro da mesma.

Analisada toda esta prova, temos de concluir que os indícios da prática dos factos mencionados na acusação resultam não só do depoimento da ofendida, ora assistente, inquirida em sede de inquérito, como ainda dos depoimentos das restantes testemunhas, quer inquiridas em sede de inquérito, quer inquiridas em sede de instrução.

Tais indícios não foram infirmados, nomeadamente por qualquer meio de prova indicado pelo arguido, sendo certo que este não prestou declarações e as testemunhas por si indicadas acabaram por corroborar os factos que constam da acusação e que já resultavam da prova produzida em inquérito.

Na verdade, da conjugação dos mencionamos elementos de prova concluímos que, nesta fase, existem indícios suficientes dos factos terem ocorrido como descrito na acusação.

 É certo que os depoimentos mencionados não são 100% coincidentes, o que, atentas as regras da experiência, é perfeitamente plausível. Contudo, conjugando todos os depoimentos extraem- se os factos que constam da acusação.

 A circunstância dos factos relatados pela assistente não terem sido confirmados, na totalidade, pela prova testemunhal, não significa, nem pode significar que não tenham ocorrido, ou que inexistam indícios de tal.

 As declarações da assistente podem e devem ser valoradas, sendo que, na situação dos autos foram em grande parte corroboradas pela prova testemunhal, nomeadamente pelas testemunhas indicadas pelo arguido e inquiridas em sede de instrução, o que torna tais declarações mais credíveis.

 As declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas têm de ser analisados em conjunto, sendo coincidentes no essencial, completando-se.

 Tal como se escreve no ac. da RL de 9.4.2012 , in CJ, 2013, T2, pág.145: “I. Em sede de pronúncia, o juízo sobre a suficiência dos indícios deverá passar pela bitola da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente á formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação, a qual num juízo de prognose, deve ter a potencialidade de vir a ultrapassar a barreira do in dubio pro reo na fase de julgamento”.

 Ora, na situação concreta, tendo em conta os elementos de prova mencionados, temos de concluir que a convicção de que o arguido virá a ser condenado pelos factos em causa é elevada.

 Acresce que os factos cometidos pelo arguido são de tal maneira graves e violentos que traduzem um especial desvalor da acção” e uma “particular danosidade social do facto”,

Pelo exposto, entendemos estarem verificados indícios suficientes para sujeitar o arguido a julgamento pelo crime de violência doméstica.

 Contudo, entendemos que os factos que integram o crime de dano, constante da acusação particular, não devem nem podem ser autonomizáveis, sendo que os mesmos integram parte da factualidade que consta da acusação pública e que preenche o tipo legal do crime de violência doméstica, sendo certo que ninguém pode ser acusado duas vezes pela mesma factualidade.

 Na verdade, como já analisamos as condutas previstas e punidas pelo tipo do artigo 152 do CP podem revestir várias espécies como maus-tratos físicos, psíquicos, incluindo humilhações, provocações, ameaças.

 O conceito de maus-tratos engloba toda a ação ou comportamento agressivos, violentos que ofendam bens jurídicos como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade, a honra e integridade moral, entre outros.

As condutas descritas, integrantes do tipo objetivo do crime de violência doméstica e, isoladamente consideradas, podem constituir outros crimes, nomeadamente ofensa à integridade física simples, ameaça, injúria, difamação ou mesmo dano.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.11.2004, Proc. 8948/2004-9, em www.dgsi.pt, “de acordo com a razão de ser da autonomização deste tipo de crime, as condutas que integram o tipo de ilícito não são individualmente consideradas enquanto integradoras de um tipo de crime para serem atomisticamente perseguidas criminalmente, são, antes, valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento repetido que signifique maus tratos sobre o cônjuge ou sobre menores”.

Entre o crime de violência doméstica e os crimes acima enumerados existe uma relação de especialidade, sendo que a razão de ser que subjaz à punição mais agravada do primeiro reside na relação que liga o agente à vítima, que cria naquele uma particular obrigação de não infligir maus tratos ao familiar, onde nomeadamente se inclui a violência contra as coisas quando o objetivo é humilhar e rebaixar outrem, pretendendo-se, inclusive, intimidar através da violência que não tem, obrigatoriamente de ser física.

Pelo exposto, não deve o arguido ser acusado pelo crime de dano».

IV. DO MÉRITO DO RECURSO

O Tribunal a quo não pronunciou o arguido pela prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, do Código Penal, porquanto em seu entender, «os factos que integram o crime de dano, constante da acusação particular, não devem nem podem ser autonomizáveis, sendo os mesmos que integram parte da factualidade que consta na acusação pública e que preenche o tipo legal de violência doméstica».

Já a assistente e o Ministério Público defendem que os danos causados pelo arguido nas coisas propriedade da ofendida constituem um crime de dano autónomo em relação ao crime de violência doméstica.

Em causa está o enquadramento jurídico-penal dos factos alegados na acusação particular como um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, do Código Penal em concurso real ou aparente com o crime de violência doméstica.

Sobre o concurso de crimes, estabelece o artigo 30º, nº1, do Código Penal:

«O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».

É sabido, que, no regime do concurso de crimes, se distingues entre o concurso legal aparente ou impuro e o concurso efectivo, real ou puro.

No primeiro, existem várias normas penais que, em abstracto, integram a conduta do agente, sendo que a aplicação de uma delas exclui a aplicação de outra ou de outras. Um dos tipos penais abrange a acção (ou omissão) do agente, afastando os demais. De entre as várias previsões penais, uma prevalece, excluindo a aplicação das restantes.

Especialidade, consunção e subsidiariedade constituem três das categorias do concurso aparente de normas penais.

Duas normas mantêm entre si uma relação de especialidade, quando, partindo, dos mesmos elementos típicos, uma delas caracteriza o facto ou o agente, através de elementos específicos que a distingue e particulariza.

A relação de consunção dar-se-á, quando «o conteúdo de um facto ilícito típico inclui normalmente o de outro facto ilícito típico e a punição do primeiro esgota o desvalor de todo o acontecimento.

A consunção tem o designativo de consunção pura quando o crime mais grave consome um facto concomitante/posterior menos grave e será consunção impura quando o facto concomitante/posterior é mais grave, casos em que os crimes em concurso são punidos com a pena mais grave» - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 2.ª edição, pág. 156.

Já a subsidiariedade significa que certas normas penais intervêm só de forma auxiliar ou subsidiária, quando o facto não seja punido por uma outra norma mais grave.

«A ideia fundamental comum a este  grupo de categorias ou formas de concurso legal, aparente ou impuro de crimes é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração e, consequentemente, sendo uma das disposições penais violadas a condenação será só pela sanção que ela contém.

Se entre os tipos penais violados não se dá uma relação de exclusão, então estamos perante o chamado concurso efectivo, verdadeiro ou puro.

O artigo 30º não regula o concurso aparente de crimes, mas apenas o concurso efectivo, tal como resulta da expressão “tipos de crime efectivamente cometidos”.

O Prof. Eduardo Correia justificou a ausência no direito positivo da regulação do concurso aparente de crimes, referindo que “…quanto á explicitação das regras da especialidade e da consunção, não se julga ser ela oportuna, uma vez que se trata, por um lado, de regras doutrinais e não legislativas, e, por outro, de regras gerais de interpretação do tipo legal de crime e não regras privativas do problema da unidade ou pluralidade de infracções “Actas do Código Penal”, 1965, pág. 213”.

De acordo com art.30.º, n.º1, do Código Penal, o concurso efectivo tanto pode envolver a aplicação de diferentes normas incriminadoras (concurso heterogéneo), como a aplicação plúrima de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo). Por outro lado, o preceito não distingue o concurso ideal (um único ato viola vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações) e o concurso real (uma pluralidade de actos violam vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações).

Uma vez que o concurso efectivo, verdadeiro ou puro consiste na subsunção dos factos a diversas incriminações ou “tipos de crime” impõe-se concretizar o que seja um “tipo de crime” para efeito de concurso de crimes.

O bem jurídico é o cerne do tipo e da valoração que este exprime. A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados.

Há concurso efectivo de crimes quando os factos se subsumem a tipos de crime que protegem bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas, pois neste caso indicia-se que houve uma pluralidade de resoluções criminosas.

No caso dos crimes tutelarem bens jurídicos eminentemente pessoais, haverá tantos crimes quantas as vítimas, independentemente de a conduta do agente se analisar em um único ato ou numa pluralidade de actos, atento o estatuído no n.º3 do art.30.º do Código Penal» - Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Setembro de 2016 (www.dgsi.pt).

Posto isto, importa agora verificar, em concreto e através da comparação dos bens jurídicos, se estamos perante concurso efectivo entre os crimes de dano e de violência doméstica.

Neste particular, saliente-se, como refere a Digna Procuradora na Resposta à Motivação de recurso:

«Na sua concepção teleológico-funcional e racional, o bem jurídico, como critério e fundamento de tutela penal, assume um conteúdo material de corporização de valores que possam servir de indicador útil do conceito material de crime.

O bem jurídico constitui a expressão de um interesse da pessoa ou da comunidade na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante, e por isso juridicamente reconhecido como valioso (cf. FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª ed., p. 114, ss).

Tal conceito teleológico-normativo, tradicionalmente seguido pelo nosso legislador, conduz à fixação do bem jurídico a partir da identificação dos valores ínsitos ou promovidos pela norma penal, onde o interesse público ou comunitário se apresenta sempre como prioritário ou prevalecente.

Assim, a identificação do bem jurídico de um crime depende essencialmente da análise rigorosa dos seus elementos típicos, e não da sua inserção sistemática ou do seu nome, elementos que deverão também ser considerados.

O artigo 212.º, inserido no capítulo II, do Título II da Parte Especial do Código Penal (referente aos «crimes contra a propriedade»), dispõe que «quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».

A inserção do artigo 212º do Código Penal revela, pelas indicações semânticas que identificam o seu lugar sistemático, que o bem jurídico protegido pela incriminação do dano é a propriedade, como conceito que terá o sentido que for decorrente dos valores e bens que a categoria referencial possa comportar.

Alguma doutrina considera que «o bem jurídico protegido no crime de dano é a propriedade, em relação à qual a infracção configura, «o atentado mais intensivo» (…). A incriminação do dano protege a propriedade (alheia) contra agressões que atingem directamente a existência ou a integridade do estado da coisa. Deve, contudo, precisar-se que - salvo nos casos extremados de destruição da coisa - o direito de propriedade qua tale não é atingido. O que é atingida é apenas uma dimensão ou direito decorrente daquele: o domínio exclusivo sobre a coisa (...), isto é, o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa (e de lidar com ela como) o que quiser, retirando dela, no todo ou em parte, as gratificações ou utilidades que ela pode oferecer (…).», pelo que nos parece pacífico afirmar que o bem jurídico tutelado no crime de dano é a propriedade alheia.

Já no crime de violência doméstica, está em causa a protecção da pessoa individual, da sua dignidade humana, podendo dizer-se, com Taipa de Carvalho, que “o bem jurídico protegido é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos”.

O tipo objectivo de ilícito, no caso em apreço, preenche-se com a acção de infligir “Maus tratos físicos” (que se traduzem em ofensas à integridade física, incluindo simples) ou “Maus tratos psíquicos” (que podem consistir, como diz Taipa de Carvalho, em “humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça”) ao ex-cônjuge do agente. Por sua vez, o tipo subjectivo de ilícito exige o dolo (nesta particular situação, trata-se de crime de mera actividade - está em causa o infligir de “maus-tratos psíquicos” - bastando o dolo de perigo de afectação da saúde, aqui o bem estar psíquico e a dignidade humana do sujeito passivo).

Os maus tratos previstos pelo crime de Violência Doméstica, do art. 152.º do Cód. Penal, têm subjacente um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, capaz de eliminar ou limitar claramente a sua condição e dignidade humanas.

Com a Reforma de 1995, os maus tratos psíquicos passaram a estar contemplados com um leque mais alargado de condutas, como humilhações, provocações, ameaças (de natureza física ou verbal), insultos, privações ou limitações arbitrárias da liberdade de movimentos, ou seja, condutas que revelam desprezo pela condição humana do parceiro, podendo provocar sentimentos de culpa ou de fraqueza ainda que não se exija necessariamente que causem um sofrimento psicológico.

O relevante é que os maus-tratos psíquicos estejam associados à posição de controlo ou de dominação que o agressor pretenda exercer sobre a vítima, de que decorre uma maior vulnerabilidade desta.

Encarando a vítima na sua plenitude, a incriminação da violência doméstica o que tutela é a pessoa individual e a sua dignidade humana (…).

Como ensina O Professor Costa Andrade (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, pág. 206 e ss.), «A incriminação [do dano] não protege directa e tipicamente o património, podendo, por isso, sustentar-se que o Dano não configura um crime contra o património». Dependendo, porém, da diversidade das constelações típicas, das modalidades da acção e do resultado sobre as utilidades relevantes atingidas, o bem jurídico protegido pode coincidir com a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica.

Nesta dimensão, o dano corresponde a uma certa forma de agressão, ilegítima e, por isso, susceptível de censura jurídico-penal, ao estado actual das relações correctamente estabelecidas, dos homens com os bens materiais, valendo, nesta perspectiva, o valor de uso (mais relevante no domínio das coisas móveis, onde existe uma proliferação acentuada de tipos contratuais), de forma que, existindo um dano, quem sente o sacrifício da privação da coisa é quem dela podia retirar utilidades.

Por outro lado, não somos alheios ao facto de que os maus tratos punidos no crime de violência doméstica não se restringem às ofensas causadas na pessoa ofendida (no seu corpo e na sua consideração), podendo estender-se às coisas.

Porém, entendemos que os danos causados pelo arguido nas coisas propriedade da ofendida apenas serão consumidos pelo crime de violência doméstica quando o arguido assim agir apenas com o intuito de assustar, de humilhar, de diminuir a pessoa da vítima.

Já se para além dessa intenção, se pudermos dizer que houve uma vontade autónoma do arguido de danificar, de estragar, de atentar contra o património da ofendida, então necessariamente teremos de considerar autónomo o crime de dano relativamente ao de violência doméstica.

Uma qualquer construção jurídica diferente da presente abriria a porta para que o arguido pudesse praticar quaisquer factos contra a vítima de violência doméstica que, desde que não punidos com pena mais grave, se veria sempre e tão só punido pelo crime de violência doméstica (pensemos por exemplo, além do dano, num crime de furto, ou de falsificação da assinatura da ofendida em documento de reconhecimento de dívida, etc).

Deste modo, e considerando a forma como se encontram nos autos descritos os factos, inevitável se torna concluir haver fortes indícios de que o arguido agiu com verdadeiro “animus nocendi”, que, aliás, concretizou ao danificar o carro da assistente, extrapolando pois a vontade de tratar de forma degradante a sua esposa.

E havendo esta intenção acrescida, intuito aliás concretizado com os estragos causados no veículo, é outro o bem jurídico que o arguido pretende, e consegue violar – precisamente a propriedade ou o património da assistente – pelo que outra não poderia ser a decisão do Tribunal a quo que autonomizar esta sua conduta das demais e assim pronunciar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica em concurso real com um crime de dano, p. p. pelos arts. 152.º, n.º1 e 2 e 212.º, n.º1 ambos do Código Penal, tanto mais que processualmente se encontrava solucionada a única questão que tal situação poderia levantar, já que a assistente atempadamente deduzira acusação particular por tais factos, sendo mesmo acompanhada pelo Ministério Público (…)».

No caso dos autos, a conduta do arguido descrita na acusação particular – pontapeou o veiculo automóvel de marca Peugeot e matrícula (...) S, que estava estacionado em frente ao referido terreno, estragando o pára-choques frontal, partindo os suportes de fixação, assim, como a grelha frontal e a pintura do veiculo, com intenção de estragar como estragou o dito veículo – não se resume ao conceito de «maus-tratos físicos e psíquicos» referido no artigo 152º, do Código Penal.

A intenção do arguido não foi apenas e só a de humilhar a vítima, mas foi mais além, quis estragar-lhe, como estragou o veículo.

Deste modo, podemos concluir que perante os factos constantes das acusações públicas e particular - suficientemente indiciados – o arguido violou os dois bens jurídicos distintos, tutelados pelo crime de dano (o património) e pelo crime de violência doméstica (a pessoa e a sua dignidade).

O mesmo é dizer que assiste razão á assistente.

V - DECISÃO

Nos termos expostos, os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal, julgando procedente o recurso, revogam o despacho recorrido e, em consequência, determinam que, na 1.ª instância, o arguido B... , seja pronunciado, tendo por base os factos descritos na acusação particular, pela prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º, do Código Penal.

Sem tributação

Coimbra, 9 de Janeiro de 2016

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta)