Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2012/08.7TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INSTAURAÇÃO
EXECUÇÃO
DÍVIDA
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 483º, Nº 1, C.CIV.
Sumário: I – Tendo sido incorrectamente instaurada uma acção executiva contra o A., com base num pretendido crédito bancário dito resultante de um contrato de mútuo, crédito esse que se veio a verificar ser já inexistente, por ter sido pago, à data de propositura da execução, de tal circunstância resulta que o Banco Réu incorreu na obrigação de indemnizar o A., pelos danos causados, nos termos do artº 483º, nº 1, C. Civ. – responsabilidade por factos ilícitos.

II - O Banco Réu violou o direito do A. de dispor das suas contas bancárias como lhe aprouvesse, com a penhora das suas contas, conduta que é censurável, porquanto o Banco Réu não usou da diligência e dos cuidados que lhe cumpria usar na sua actividade, mormente face às sucessivas chamadas de atenção do próprio A. no sentido de que não estava em dívida o montante pretendido pelo Banco Réu na dita execução, como se veio a verificar em sede de oposição à execução.

III - Responde nos termos gerais da responsabilidade civil o exequente que baseie a execução em título referente a obrigação já extinta, por pagamento ou outro facto do seu conhecimento ou de que podia conhecer se usasse a diligência do bom pai de família.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra, A..., residente na ...., instaurou contra banco B...., com sede na......, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação do Réu no pagamento ao A. da indemnização de € 24.950,00, por danos patrimoniais e danos não patrimoniais causados, com o acréscimo de juros de mora desde a citação do R..

            Para tanto e muito em resumo, alega que por contrato de 12/02/1997, o R. celebrou com C..., na qualidade de mutuário, filho do A., um contrato de financiamento de despesas pessoais, no valor de Esc. 1.315.870$00, no qual o Autor e seu cônjuge foram avalistas do dito empréstimo.

            Que o Réu, em 19/05/2003, resolveu o referido contrato, declarando como vencidas obrigações no montante de € 988,74, relativamente às quais instaurou acção executiva para pagamento dessa quantia, nos Juízos Cíveis do Porto.

            Que tal acção, com o nº 32364/03.9RJPRT, foi julgada extinta por sentença já transitada em julgado, tendo o Banco/Exequente sido ainda condenado a restituir ao A. todas as importâncias que foram penhoradas no âmbito dessa execução.

            Que, porém, em 2006 o A. foi surpreendido pela penhora efectuada sobre todos os saldos bancários das suas contas, designadamente o saldo de € 11.000,00 de uma conta poupança, efectuado a favor do Banco Réu, penhora que se arrastou durante dois meses, período durante o qual ficou sem qualquer soma nas suas contas, tendo passado por sérias dificuldades para lograr prover à sua subsistência e da sua mulher.

            Que o A., por tal ocorrência, também ficou humilhado e viu-se vexado no meio onde reside, tendo sido alvo de comentários desabonadores, como o de ser chamado caloteiro.

            Que, por isso, tem o A. direito a ser ressarcido pelo Réu, como pede nesta acção.


II

            Contestou o Réu alegando, muito em resumo, que a responsabilidade pela penhora de montante superior aquele que o Banco entendia ser-lhe devida pelo A., não lhe pode ser imputada, mas sim ao solicitador da execução.

            Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.


III

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como processualmente regular a tramitação seguida na acção, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto alegada, para efeitos de instrução e de discussão da causa.

            Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos testemunhais prestados, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

            Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação do Réu no pagamento ao A. da quantia de   € 4.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais causados ao A., com o acréscimo de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação do Réu até efectivo pagamento.


IV

            Dessa sentença interpôs recurso o A., recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou o Apelante concluiu, com utilidade, do seguinte modo:

            1ª - O A. teve danos patrimoniais, devido à impossibilidade de comprar ração para dar a animais que criava, como ficou provado.

            2ª - Donde se impor a fixação de uma indemnização por danos patrimoniais.

            3ª - A fundamentação jurídica da sentença recorrida não acolhe a materialidade dos factos provados, designadamente no que respeita à fixação do montante devido por danos não patrimoniais.

            4ª - Tal montante deve ser revisto e deve ser atribuída ao A. uma indemnização total no montante peticionado.

            5ª - A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 494º e 496º, nº 3, C. Civ..

            6ª - Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, fixando-se uma indemnização a favor do A. no montante peticionado.


***

            Também o Réu interpôs recurso subordinado da mesma sentença, recurso que foi igualmente admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.

            Nas correspondentes alegações este Apelante concluiu, também com utilidade, da seguinte forma:

            1ª - O Réu/Exequente não praticou qualquer atitude imprudente e imprecavida, geradora da danos para o A..

            2ª - O que aconteceu foi um excesso de penhora, ou seja, uma conduta não imputável ao R., tendo sido penhorados saldos de valor manifestamente superior ao do débito.

            3ª - A ter existido qualquer agressão ao património do A., a mesma foi produzida pelo comportamento culposo da D... de Coimbra, onde o A. tinha a sua conta bancária, tendo sido esta instituição quem teve a iniciativa de cativar um saldo superior àquele que lhe havia sido solicitado, em cumprimento da execução instaurada pelo Banco Réu.

            4ª - Não há nexo causal entre a conduta provada do Réu e a penhora de valores das contas bancárias do A., pelo que não pode haver danos resultantes daquela.

            5ª - Termos em que deve ser julgado procedente o recurso subordinado e ser revogada a sentença recorrida, com a absolvição do Réu do pedido.


V

            Nesta Relação foram aceites ambos os recursos interpostos e tal como foram admitidos em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento dos seus objectos, os quais se resumem à reapreciação da sentença recorrida, no sentido de se apurar se ficaram ou não provados factos que revelem um comportamento do Réu que se possa considerar como ilícito, culposo e causador de danos ao A. e, caso assim se entenda, em que medida fixar o ressarcimento de tais danos provados.

            Para o efeito e tendo em conta que pelas partes não foram impugnados os factos dados como assentes e como provados, nem se alcançando razões para a sua alteração oficiosa, importa que aqui se enunciem tais factos, que são os seguintes:

1. Por contrato datado de 12 de Fevereiro de 1997, o Réu celebrou com C...., filho do A., na qualidade de mutuário, um contrato de financiamento de despesas pessoais, no valor de Esc. 1.315.870$00 (al. a) da esp.).

2. O A. e o seu cônjuge foram intervenientes no referido contrato, na qualidade de avalistas desse empréstimo (al. b) da esp.).

3. O Réu desde Abril de 2001 que começou a enviar cartas de avisos de incumprimento por alegadas prestações em atraso do supra referido financiamento (al. c) da esp.).

4. O R., em 19.05.2003, continuando a alegar prestações em atraso, optou por resolver o referido contrato, declarando vencidas as obrigações do mesmo, no montante de Esc. 198.223$00 (al. d) da esp.).

5. O Réu, em 11 de Junho de 2003, deu entrada nos Juízos Cíveis do Porto de requerimento executivo para pagamento de quantia certa, com valor de execução de      € 988,74, que deu origem ao processo nº 32364/03.9TJPRT, 2º juízo, 2ª sec. (al. e) da esp.).

6. O Réu, em 19.07.2006, na sequência do mencionado processo de execução, ordenou a penhora dos saldos bancários do executado, ora A., e do seu cônjuge, nos valores a cada de € 995,00 (al. f) da esp.).

7. O A., quando recebeu uma carta do R., datada de 21 de Novembro de 2001, deslocou-se à agência bancária do Banco Réu (resposta dada ao ponto1 da base instrutória).

8. Ali chegado e na presença de um funcionário da agência bancária do R., o A. reclamou da carta, afirmando nada dever, que estava tudo em dia (resp. ao ponto 2).

9. Tal funcionário tratou o A. como se de um caloteiro se tratasse, proferindo frases como “se não pagar a bem paga no tribunal” (resp. ao ponto 3).

10. O mandatário do A. enviou, em 09.06.2003, carta ao R., dirigida aos seus serviços de contencioso, questionando o porquê da referida dívida (al. g) da esp.).

11. Em 15.07.2003, recebe fax de resposta, no qual, em resumo, o R. mantinha a exigência de liquidação da dívida de € 988,74 (al. h) da esp.).

12. O A., através do seu mandatário, em 11.06.2004, voltou a enviar fax ao Réu, refutando a dívida e comprovando um crédito, em 09.12.1999, na conta do mutuário do referido empréstimo, de Esc. 644.215$00 e um débito, em 26.12.1999, de Esc. 548.593$00, sob a descrição “Pagamento de amortização/renda” (al. i) da esp.).

13. Que o Réu, no seu fax de 15.07.2003, afirmava não se terem verificado (al. j) da esp.).

14. Mais dizia o mandatário do A., naquele fax, que “é convicção dos meus clientes que nada devem ao exequente, mas se assim não for assumirão o pagamento dos montantes comprovadamente em dívida” (al. l) da esp.).

15. Por sentença proferida no supra referido processo de execução, foi julgada procedente a oposição apresentada pelos executados, ora A. e seu cônjuge e, em consequência, foi declarara extinta, quanto aos mesmos, a execução intentada pelo ora R., que foi ainda condenado a restituir de imediato todas as importâncias que aos executados, ora A. e cônjuge, foram penhoradas no âmbito da execução (al. m) da esp.).

16. O A. reside com o seu cônjuge numa pequena localidade nos arredores de Coimbra, onde todos se conhecem (resp. ao ponto 4).

17. O Autor sempre foi considerado pessoa de bem, sério, honesto e trabalhador (resp. ao ponto 5).

18. Após a sua reforma, o A. dedicou-se à criação de leitões e galinhas para consumo próprio, procedendo à venda do excedente (resp. ao ponto 6).

19. No dia 19.06.2006, o A. deslocou-se ao talho da localidade para comprar carne (resp. ao ponto 7).

20. Quando entregou para pagar o seu cartão Multibanco, afecto à sua conta da D...., a funcionária do talho informou-o de que o cartão dava a informação de transacção recusada, pelo que não devia ter saldo na conta (resp. ao ponto 8).

21. Da surpresa e estupefacção, sentida pelo Autor, passou a vergonha pelo sucedido (resp. ao ponto 9).

22. Nessa ocasião o A. entregou todo o dinheiro que levava consigo (resp. ao ponto 10).

23. De imediato deslocou-se à D...., para saber o que se passava com o saldo da sua conta (resp. ao ponto 11).

24. O funcionário respectivo informou-o de que o respectivo saldo não estava disponível, porque o banco tinha recebido uma ordem de penhora de saldos (resp. ao ponto 12).

25. Informando-o ainda de que todo o saldo existente nessa conta tinha ficado cativo (resp. ao ponto 13).

26. Tendo entregue no talho as últimas moedas que lhe restavam, ficou sem qualquer dinheiro para comer, para si e para a sua esposa, nem para dar comida aos animais (resp. ao ponto 14).

27. Tendo ficado igualmente sem saldo no seu telemóvel (resp. ao ponto 16).

28. Neste desespero viu-se obrigado a pedir dinheiro a pessoas amigas (resp. ao ponto 17).

29. Tal situação penosa e dramática arrastou-se durante dois meses (resp. ao ponto 18).

30. Com a consequente humilhação pública que o A. vivenciou (resp. ao ponto 19).

31. Tendo sido alvo de conversas e comentários vexatórios nos cafés e ruas da localidade onde reside (resp. ao ponto 20).

32 – Apesar de o A. ter reclamado, apenas passados dois meses lhe foi desbloqueado o restante valor do saldo da sua conta poupança, na parte não atingida pela penhora (resp. ao ponto 22).

33. O A. tem 70 anos de idade.

Prosseguindo a nossa abordagem, refira-se que na sentença recorrida se considerou que “...o Réu nem sequer alegou quaisquer factos que possam justificar o seu erro e a persistência do mesmo, apesar do inúmeros apelos e comunicações do A.

Como tal e não logrando afastar a presunção de culpa que sobre si impende, é o R. responsável pelos prejuízos causados ao A., em sede de responsabilidade civil contratual.

Contudo, ainda que não existisse qualquer relação contratual entre o R. e o A., ao instaurar uma execução injusta sempre incorreria em responsabilidade extracontratual, nos termos do artº 483º do C. Civ..

... O artº 819º do CPC (na redacção do DL nº 38/2003, de 8/03) veio consagrar a responsabilidade do exequente pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo executado com uma execução injusta.

Nesta hipótese de responsabilidade civil extra-contratual, a ilicitude consiste na ilegitimidade da pretensão do exequente, demonstrada através da procedência da oposição à execução.

No caso concreto é patente que só por falta de diligência exigível é que o R. não se deu conta que as quantias em causa se encontravam há muito pagas, ..., pelo que dúvidas não há de que o R. incorreu em responsabilidade civil, respondendo pelos danos causados ao A.”.

E na sequência de tal entendimento foi atribuída ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais de € 4.000,00, contra o que se manifestam ambas as partes.

Cumpre, pois, sanar tal desentendimento.

            Dos supra referidos factos provados resulta que na sequência de um contrato de mútuo celebrado entre o Banco R. e C...., filho do A., na qualidade de mutuário, no valor de Esc. 1.315.870$00, o A. e o seu cônjuge nele foram intervenientes, na qualidade de avalistas desse empréstimo.

            E como se verificaram prestações em atraso no pagamento do supra referido financiamento, o R., em 19.05.2003, optou por resolver o referido contrato, declarando vencidas as obrigações do mesmo, no montante de Esc. 198.223$00.

            É na sequência desta resolução que o Réu, em 11 de Junho de 2003, instaura uma acção executiva para pagamento de quantia certa, com valor de execução de           € 988,74.

            Porém, dos factos apurados também se verifica que ainda antes da propositura de tal acção executiva, o mandatário do A. enviou (em 09.06.2003) uma carta ao R., dirigida aos seus serviços de contencioso, questionando o porquê da referida dívida, ao que, em 15.07.2003, recebe fax de resposta, no qual, em resumo, o R. mantinha a exigência de liquidação da dívida de € 988,74.

            Nessa sequência, o A., através do seu mandatário, em 11.06.2004, voltou a enviar fax ao Réu, refutando a dívida e comprovando um crédito, em 09.12.1999, na conta do mutuário do referido empréstimo, de Esc. 644.215$00 e um débito, em 26.12.1999, de Esc. 548.593$00, sob a descrição “Pagamento de amortização/renda”, que o Réu, no seu fax de 15.07.2003, afirmava não se terem verificado.    

            É na sequência deste diferendo e já no decurso da referida acção executiva que, por sentença proferida no supra referido processo de execução, foi julgada procedente a oposição apresentada pelos executados, ora A. e seu cônjuge e, em consequência, foi declarara extinta, quanto aos mesmos, a execução intentada pelo ora R., que foi ainda condenado a restituir de imediato todas as importâncias que aos executados, ora A. e cônjuge, foram penhoradas no âmbito da execução.

            Portanto, de tal conjunto de factos resulta ou parece resultar (o que o próprio Banco Réu aceita quer na sua contestação quer nas suas alegações de recurso) que foi incorrectamente instaurada a referida acção executiva contra o aqui A. e outros, com base no pretendido crédito bancário dito resultante do contrato de mútuo supra referido, pelo qual o A. e sua mulher também seriam responsáveis, na medida em que foram avalistas no mesmo, na medida em que tal crédito não existia, por ter sido totalmente pago anteriormente, como bem resulta da sentença que os veio a absolver da execução, em acção de oposição à dita.

            Mas o que os factos também nos evidenciam é que apesar de o próprio Autor ter diligenciado junto do B.... pelo reconhecimento do efectivo pagamento de tal pretenso crédito bancário, diligências que tiveram lugar praticamente em simultâneo com a propositura da dita acção executiva, é manifesto que o Banco não deu a decida atenção a tal chamada de atenção e insistiu na sua senda executória, tendo, passados 3 anos da data de propositura dessa execução (em 19.07.2006) requerido a penhora dos saldos bancários do executado, ora A., e do seu cônjuge, nos valores a cada de € 995,00.

            E é face a esta diligência que efectivamente ocorrem as penhoras das contas bancárias do A., face ao que se veio a verificar toda a demais situação apurada nos autos, designadamente a verificada impossibilidade de proceder a levantamentos das suas contas, por lhe terem sido considerados cativos pela diligencia promovida nesse sentido.

            Ora, daqui resulta que o A. foi efectivamente sujeito a um processo judicial executivo, indevidamente instaurado pelo Banco Réu, já que nenhuma dívida então existia que justificasse a tal recurso a meios judiciais.

            Mas se tal meio foi usado, embora indevidamente, o que é mais censurável é que, passados 3 anos e apesar das diversas diligências do A. no sentido de alertar e convencer o Banco Réu de que tal dívida não existia, como de facto se veio a verificar em Tribunal, posteriormente, o Banco Réu diligenciou em obter a penhora das contas bancárias do A., como conseguiu.

            Donde resulta, claramente, que o Banco Réu violou o direito do A. de dispor das suas contas bancárias como lhe aprouvesse, com a referida intromissão que penhorou as suas contas, conduta que é censurável, porquanto o Banco Réu não usou da diligência e dos cuidados que lhe cumpria usar na sua actividade, mormente face às sucessivas chamadas de atenção do próprio A. no sentido de que não estava em dívida o montante pretendido pelo Banco Réu na dita execução, como se veio a verificar em sede de oposição à execução.

            Como entender, pois, a referida insistência do Banco Réu na penhora das contas bancárias do A., decorridos 3 anos da propositura da acção executiva e quando já estava pendente a oposição a tal execução, com base no efectivo pagamento da alegada dívida bancária?

            Ora, de tal comportamento do Banco Réu resultaram danos para o A., como bem resulta dos factos apurados e supra referidos nos pontos 19 a 32, o que faz incorrer o Banco Réu na obrigação de indemnizar o A., pelos danos causados, nos termos do artº 483º, nº 1, C. Civ. – responsabilidade por factos ilícitos.

            Ver, neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. 3º, notas ao artº 819º, pg. 331, onde escreve: “Responde nos termos gerais da responsabilidade civil o exequente que baseie a execução em título referente a obrigação já extinta, por pagamento ou outro facto do seu conhecimento ou de que podia conhecer se usasse a diligência do bom pai de família.

            …a manifesta improcedência, que o exequente não podia razoavelmente ignorar, da pretensão executiva, …, e o erro grosseiro de cálculo das verbas da liquidação por simples cálculo aritmético, de que resulte um pedido líquido significativamente superior ao que é devido, constituem também situações em que o exequente – e, nas duas últimas, também o agente de execução que proceda à penhora – incorre no dever de indemnizar os danos causados com a penhora ilicitamente efectuada”.

            Do que resulta que o acto ilícito cometido pelo Banco Réu foi não só ter instaurado uma execução sem razão para tal, pois que não havia o alegado crédito invocado, uma vez que a pretensa dívida já então estava paga (tal pagamento terá ocorrido em 26.12.1999, no montante de Esc. 548.593$00), mas muito em especial ter requerido a penhora das contas bancárias dos A. e sua mulher em 2006, na pendência da execução proposta e quando já estava em curso uma oposição à dita execução.

            Não é, pois, o facto de se ter penhorado a totalidade das contas bancárias do A. que gera tal responsabilidade civil, como defende o Réu, para daí retirar ou fazer vingar uma pretensa inexistência de nexo causal entre os danos e a sua conduta.

            Tal facto apenas veio agravar as consequências da conduta ilícita do Banco Réu para o A..

            Face ao que temos de concluir como na sentença recorrida, isto é, de que o Réu está obrigado a reparar os danos causados ao A., nos termos dos artºs 483º, nº 1, e 563º, do C. Civ..

            E que danos são esses?

            Desde logo também entendemos, como o entendeu a 1ª instância, que nenhuns danos patrimoniais foram causados ao A., ao contrário do pretendido por este, o que é bem evidente no conjunto dos factos provados, tanto mais que o A. recorreu a amigos para poder fazer face às suas despesas imediatas, quando se deu conta da penhora das suas contas bancárias.

            Mas não deixou de padecer incómodos sérios, arrelias, desgosto e vexame face ao sucedido, apesar de ter diligenciado junto do Banco Réu pelo esclarecimento da situação em questão, o que logrou provar e ver confirmado em sede de processo judicial de oposição à execução.

            Tais danos não patrimoniais, no contexto em que foram causados e pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, como também o entendeu a 1ª instância - artº 496º, nº 1, C.Civ.

            E na fixação do montante reparador deve ter-se em conta regras de equidade – artºs 496º, nº 3, 1ª parte, e 566º, nº 3, do C. Civ..

            Ora, face aos factos provados, afigura-se que a penhora a que o Réu sujeitou o A. e o lapso de tempo em que o A. esteve sujeito a que tivesse as suas contas cativas (2 meses), com as dificuldades daí decorrentes e com todos os incómodos assim sofridos, justificam o montante atribuído em 1ª instância, que se afigura proporcional e equitativo, tanto mais que importa, através dessa indemnização, censurar e punir o Banco Réu pela sua conduta seriamente negligente a tratar deste assunto.

            Mas não se justifica que o montante indemnizatório seja maior, como pretende o A./Recorrente, pois, mediante o recebimento de tal verba, um homem de 70 anos, reformado, residente num meio rural, pode e deve considerar-se verdadeiramente ressarcido dos danos que lhe foram, assim, causados.

            Face ao que se considera deverem improceder ambos os recursos interpostos, havendo que confirmar a sentença recorrida nos seus termos decisórios, como também entendemos.


VI

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedentes ambos os recursos interpostos, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pelos Recorrentes, cada qual pelo recurso por si interposto.


***


            Nos termos do artº 713º, nº 7, do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

            I – Tendo sido incorrectamente instaurada uma acção executiva contra o A., com base num pretendido crédito bancário dito resultante de um contrato de mútuo, crédito esse que se veio a verificar ser já inexistente, por ter sido pago, à data de propositura da execução, de tal circunstância resulta que o Banco Réu incorreu na obrigação de indemnizar o A., pelos danos causados, nos termos do artº 483º, nº 1, C. Civ. – responsabilidade por factos ilícitos.

            II - O Banco Réu violou o direito do A. de dispor das suas contas bancárias como lhe aprouvesse, com a penhora das suas contas, conduta que é censurável, porquanto o Banco Réu não usou da diligência e dos cuidados que lhe cumpria usar na sua actividade, mormente face às sucessivas chamadas de atenção do próprio A. no sentido de que não estava em dívida o montante pretendido pelo Banco Réu na dita execução, como se veio a verificar em sede de oposição à execução.

            III - Responde nos termos gerais da responsabilidade civil o exequente que baseie a execução em título referente a obrigação já extinta, por pagamento ou outro facto do seu conhecimento ou de que podia conhecer se usasse a diligência do bom pai de família.