Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1111/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FORMALIDADES
Data do Acordão: 06/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 364º DO C. CIV. E 7º DO RAU.
Sumário: I – O contrato de arrendamento para habitação, para ser válido, necessita de ser celebrado através de documento escrito – artº 7º, nº 1, do RAU -, pelo que se trata de uma formalidade ad substantiam, não podendo, por isso, a respectiva declaração ser substituída por qualquer meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior – artº 364º, nº 1, do C. Civ. .
II – Em sede de esclarecimento do teor e alcance do documento do contrato de arrendamento já é possível prova testemunhal, como decorre do disposto no artº 393º, nº 3, do C. Civ., pelo que é possível averiguar-se, por esse meio probatório, se um dado contrato de arrendamento é ou não de duração limitada por 5 anos .
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A... e mulher B..., residentes na Rua dos Ferreiros, 39, 1º Castelo Branco, por apenso à execução para entrega de coisa certa que lhes movem C... e mulher D..., residentes no Alto da Lousa, Castelo Branco e E... e mulher F..., residentes na Rua de Angola, nº 2, 3º B, no Cacém, propõem os presentes embargos de executado, pedindo o indeferimento liminar da execução e, a título subsidiário, a sua absolvição do pedido do requerimento inicial de execução por inexistência, no contrato de arrendamento em apreço, de cláusula válida de duração limitada e ainda a sua absolvição do pedido do requerimento inicial de execução por prevalência do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Junho de 1985, nem tácita nem expressamente revogado.
Fundamentam estes pedidos, em síntese, sustentando a manutenção da relação locatícia que os exequentes queriam ver cessada.
1-2- Os embargados contestaram invocando, também em síntese, que o contrato de arrendamento que revogou o anterior, foi de duração limitada, razão porque cessado o prazo de vigência do contrato, a relação locatícia terminou.
Terminam pedindo, em suma, a improcedência dos embargos.
1-3- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, fixado os factos assentes e a base instrutória, realizado a audiência de discussão e julgamento e respondido àquela base, após o que foi proferida a sentença.
1-4- Nesta julgaram-se totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos e, consequentemente, ordenou-se que a execução, à qual se mostram apensos, seguisse os seus trâmites legais.
1-5- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os embargantes, recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.
1-6- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
(…)
1-7- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta à base instrutória, fixou-se a seguinte matéria de facto:
A) Os embargados C... e E..., são os únicos universais herdeiros de G..., que faleceu no dia 6 de Janeiro de 2000, no estado de divorciado.
B) O G..., por contrato de arrendamento urbano, datado de 29 de Janeiro de 1998 e na qualidade de proprietário e senhorio, deu de arrendamento ao primeiro embargante, A..., o 1º andar da casa sita na Rua dos Ferreiros, nº 39, em Castelo Branco.
C) Os aqui embargados C... e mulheres deram entrada, a 20.12.2001, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco de um pedido de notificação judicial avulsa dos embargantes para efeitos de denúncia de um contrato de arrendamento incidente sobre o prédio referido na al. A) da Matéria de Facto Assente, a qual veio a ser efectuada a 22 de Janeiro de 2001.
D) O contrato de arrendamento celebrado entre o falecido G... e o embargante marido é pré-impresso de modelo comum à venda nas papelarias, com espaços de preenchimento em branco o qual se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
E) Na cláusula segunda do contrato de arrendamento está aposto que o contrato teve o seu início em 01.01.1998 e terminou a 31.01.1998, sendo admissíveis prorrogações como se prevê na cláusula anterior e que consta no cabeçalho de tal documento “Contrato de Arrendamento” ( para habitação por período limitado = mínimo 5 anos).
F) Em 1 de Junho de 1985, o executado marido outorgou com o G... e também com H..., um contrato de arrendamento para habitação, tendo como objecto o 1º andar do prédio onde se encontra o objecto do contrato de arrendamento referido na al. B) da Matéria de Facto Assente.
G) Consta do contrato de arrendamento junto a fls. 25 que “Tal renda, a pagar pelo(s) inquilino(s) ao(s) senhorio(s) em duodécimos iguais de 30.000$00 (Trinta mil escudos).
H) O contrato referido na al. B) da Matéria de Facto Assente foi celebrado para ser destinado a habitação por um período de 5 anos, prorrogáveis.
I) Os embargantes nunca procederam à entrega do arrendado referido na al. B) da Matéria de Facto Assente.
J) Nele mantêm a sua residência bem como a do agregado familiar.
K) A renda foi acordada pelo período de cinco anos, período de duração do contrato.
L) A renda seria de 30.000$00 por mês.
M) Os ora embargantes, bem como os seus filhos, desde a altura referida na al. E) da Matéria de Facto Assente que têm residência no 1º andar do referido prédio, que sempre ocuparam.
N) É nesse 1º andar que os ora embargantes pernoitam, fazem refeições, recebem visitas e correio e, em geral, fazem a sua vida.
O) Tudo o que vem referido na al. M) é feito à vista de toda a gente, e pagando os embargantes as respectivas rendas, até à presente data.
P) Os ora embargados e os então senhorios celebraram um novo contrato de arrendamento também para efeitos de fixação de nova renda.
Q ) A renda mais antiga era de 20.000$00.
2-3- Como ponto prévio não poderemos deixar de sublinhar a forma pouco considerada como os apelantes formularam as suas conclusões de recurso, pese embora tenham sido notificados para as apresentarem de forma sintética. Estamos a referirmo-nos, essencialmente, à forma desconexa como os recorrentes formularam a maioria das conclusões em relação à impugnação da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, aí produzindo juízos de valor e de direito, abstendo-se de dizer, em concreto, objectiva e sinteticamente, por que motivo entendem que se deve proceder a essas alterações. Note-se que foi produzida prova testemunhal, sem que os apelantes se tivessem referido, mesmo reduzidamente, a ela.
De qualquer forma, porque entendemos que algumas questões acabaram por ser colocadas para apreciação deste tribunal, iremos responder aos assuntos que levantam as longas alegações e conclusões de recurso.
Somos em crer, assim, que são as seguintes as questões a conhecer:
- Impugnação da matéria de facto;
- Revogação do contrato anterior;
- Consentimento escrito do cônjuge mulher em relação à revogação do contrato.
2-4- Os apelantes dizem que a sua impugnação em relação à matéria de facto, versa sobre os factos constantes das als. E), H), K) e P) do ponto 2.1. ( factos provados ) e dos nºs 3 e 5 do ponto 2.2. da sentença recorrida ( indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes ). Na al. E), segundo os recorrentes, dá-se como provado que o contrato foi celebrado pelo período de cinco anos, sendo que no que a esta alínea diz respeito, de acordo com a douta sentença, a prova relevante constava do contrato de arrendamento apresentado. Porém, não só não consta uma cláusula válida de limitação temporal, como ainda o respectivo subtítulo, assim como a cláusula primeira do contrato, devem ser considerados cláusula contratual geral, nos termos do art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 25/10, com as alterações que lhe foram inseridas pelos Dec-Lei 220/95 e 249/99. Para mais na sentença é referido que os embargantes não lograram provar que desconheciam que o contrato celebrado tinha duração limitada, fazendo recair tal ónus sobre os mesmos, o que constitui prova diabólica, além de que inverte o respectivo ónus sem justificação, atento o facto de terem sido os embargantes a alegar que o conheciam, isto tanto mais que se está ente uma cláusula geral - art. 6º e 5º nº 3 do Dec-Lei 446/85. Pelo contrário, pelo acto voluntário e intencional do não preenchimento da cláusula, os contraentes demonstraram uma clara vontade de não pretenderem a imposição de limite no contrato, ao que acresce o facto de, na cláusula seguinte, terem escrito que o contrato teria a duração de um mês, renovável sucessivamente, pelo que nos termos do art. 342º nº 1 do C.Civil e ainda pelo exposto no art. 5º nº 3 do Dec-Lei 446/85 pertenceria aos recorridos a prova de que os recorrentes conheciam o conteúdo do contrato, não o tendo logrado. Na al. K) da sentença é dado como provado que “a renda foi acordada pelo período de cinco anos de duração do contrato” contrariamente ao que consta na alínea 4ª do contrato de arrendamento ora apreciado, isto apesar de ter, inclusivamente, sido reconhecido pelos recorridos que o valor das rendas foi acordado com base anual e não quinquenal, pelo que se crê que tal facto foi dado como provado por lapso, devendo ser corrigido nesse sentido. A fundamentação apresentada pelo tribunal no ponto 5 da sentença, concluindo, dos factos ali apreciados, que as partes pretenderam sujeitar o contrato a um limite de duração, vai contra a jurisprudência dominante. Isto tanto mais que, como o próprio contrato admite, a estipulação de limite temporal é opcional, como aliás permite o art. 98º do RAU, não sendo admissível que esteja afastado o imperativo legal de indicação do período temporal mínimo pelo qual se desejava a vigência desse contrato, para que o mesmo seja considerado de duração limitada. Pelo contrário, as partes deram a entender, pela cláusula segunda, que consideravam que o contrato tinha o período temporal de um mês, sujeito a prorrogações. Foi ainda desconsiderado, na sentença recorrida, a evidente, subjectiva e objectivíssima relação entre o primeiro dos contratos de arrendamento, celebrado em 1985 e o ora em apreço, bem como o evidente aumento ilícito de renda, assim obtido e claramente pretendido, mais não sendo o contrato em apreço, que um mero aditamento, de actualização de renda, ao primeiro contrato celebrado. A vontade dos apelantes não foi devidamente considerada na situação em apreço, violando-se o disposto no art. 232º do C.Civil, tendo ainda ficado violado quer o clausulado do próprio contrato e o disposto no art. 98º nº 1 do RAU, ao fixar-se que o contrato em apreço é de duração limitada de 5 anos, pelo que se impunha decisão diversa da proferida, devendo a pretensão dos embargantes, ter sido considerada inteiramente procedente. Se assim se não entender, de acordo com o art. 236º nº 1 do C.Civil, consagra-se a teoria da impressão do destinatário, isto é, o sentido normal da declaração que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. De facto, nunca o senhorio havia comunicado ao apelante que era sua intenção estipular um prazo para vigência do contrato de arrendamento, isto tanto mais que no momento do preenchimento do contrato, a cláusula que estipulava tal prazo foi deixada em branco, tendo-se formado, no declaratário, a convicção de que estaria a celebrar contrato em tudo igual ao anterior, excepto na renda, ou mesmo um mero aditamento, do contrato que tinha em seu poder, perfeitamente válido. Pelo que ainda que fosse a vontade encoberta do senhorio, sempre seria de prevalecer, de acordo com o art. 236º nº do C.Civil, a impressão do apelante, então declaratário que seria de que se havia validamente celebrado o contrato de arrendamento sem termo. Ficou assim, também violado na sentença recorrida, o disposto nos arts. 236º e 237º do C.Civil, pelo que se impunha decisão diversa da proferida, devendo a pretensão dos embargantes ter sido, em qualquer caso, considerada procedente.
Através de toda esta argumentação, os apelantes, aliás de maneira não muito clara, pretendem, segundo cremos, impugnar a forma como o tribunal recorrido respondeu aos factos 1º e 4º da base instrutória, onde se perguntava se “o contrato referido na alª B) da Matéria de Facto. Assente foi celebrado para ser destinado a habitação por um período de 5 anos, prorrogáveis” e se “a renda não foi acordada pelo período de cinco anos mas sim pelo período de um ano no montante de 360.000$00”. Também colocam em dúvida os factos dados como demonstrados na sentença sob a al. E). De salientar, porém, que quanto a estes, o tribunal não respondeu a eles, já que os mesmos são provenientes da al. D) dos Factos Assentes. Igualmente salientam, no seu inconformismo, o facto dado como provado na sentença na alínea P), mas em relação a este, a conclusão que os apelantes pretendem retirar é abusiva, porque na resposta respectiva foi acrescentado o vocábulo «também», donde se conclui que não foi exclusivamente para o aumento da renda que o novo contrato foi realizado.
De essencial para a decisão, os apelantes discordam que o tribunal desse como provado que o contrato de arrendamento em causa, fosse por um período de 5 anos prorrogáveis, isto é, que o contrato fosse de duração limitada. Contestam assim, a resposta que o tribunal recorrido deu ao facto 1º da base instrutória.
Como se sabe, este Tribunal da Relação pode alterar as respostas à matéria de facto dada como assente na 1ª instância, nos apertados casos a que se refere o art. 712º nº 1 als. a), b) e c) do C.P.Civil.
Pondo de parte a situação a que alude a al. c), já que não existe, nem os recorrentes fundam a alteração, em qualquer documento superveniente, ficam-nos as hipóteses a que se referem as als. a) e b), isto é, quando do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º A, a decisão com base neles proferida ( al. a)) e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas ( al. b) ).
Os recorrentes não são claros, nem expressa ou tacitamente o dizem, em que disposição se baseiam para sustentar a sua posição.
Como é bom de ver, uma vez que foi produzida prova oral, não constam todos os elementos de prova no processo. Ocorreu a gravação dos depoimentos provados, sendo certo, porém, que os apelantes não fizeram a impugnação, de harmonia com o disposto no art. 690ºA do C.P.Civil. Concretamente não indicam os depoimentos em que fundam a alteração que preconizam, por referência ao indicado na acta de julgamento ( início e termo de gravação de cada depoimento, informação, ou esclarecimento ), nos termos do nº 2 do art. 522º C do mesmo diploma. Não é, pois, possível, controlar, o que as testemunhas ouvidas sobre o assunto disseram. A modificabilidade da resposta não é, por conseguinte, possível, face a esta alínea.
No que respeita à hipótese da al. b), diremos que não existem elementos do processo que imponham decisão diversa em relação a tal ponto, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Concretizando melhor, diremos que o documento que formaliza o contrato, a nosso ver, não é susceptível de, por si só, destruir a materialidade dada como assente no ponto em análise.
Como se sabe, o contrato de arrendamento para habitação para ser válido, necessita de ser celebrado através de documento escrito ( art. 7º nº 1 do RAU ). Trata-se de uma formalidade ad substantiam, pelo que não poderá a respectiva declaração ser substituída por qualquer meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior ( art. 364º nº 1 do C.Civil ).
No caso dos autos existiu documento escrito, razão por que, formalmente e por esse motivo não poderá o contrato ser considerado como inválido.
Mas uma coisa é a exigência de forma escrita para a validade formal do contrato e outra diversa será a interpretação do seu conteúdo. E em sede de esclarecimento do teor e alcance do documento já é possível prova testemunhal, como decorre do disposto no art. 393º nº 3 do C.Civil.
A questão que se debate nos autos diz respeito à interpretação a dar ao documento elaborado pelas partes que formaliza o contrato de arrendamento. Concretamente se se trata de um contrato de duração limitada por cinco anos, como defendem os apelados, ou se se trata de um contrato sem limite de duração, como defendem os apelantes. Por isso se elaborou o ponto 1º da base instrutória.
Sobre este ponto foram inquiridas testemunhas, tendo-o tribunal considerado “provado”. Na própria fundamentação a tal facto, o Mº Juiz justificou a resposta pelos depoimentos de três testemunhas ( fls. 115 ).
Quer isto dizer que tendo sido produzida prova testemunhal, cujo conteúdo não é possível ajuizar, nunca se poderá dizer que os elementos fornecidos pelo processo impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. Note-se que no documento, pese embora se tinha dito que o contrato era realizado nos termos do art. 98º do RAU ( ou seja, no regime de duração limitada ) em relação à duração do contrato, o respectivo espaço foi deixado em branco. Daí a elaboração do ponto 1º da base instrutória e a produção de prova testemunhal. Assim, também perante a dita al. b) do nº 1 do art. 712º, não será possível modificar a resposta a tal ponto ( essencial ) da base instrutória.
Em relação à natureza do contrato como de duração limitada, a nosso ver, não se poderá fazer prova desmentindo a materialidade constante do documento, concretamente a que refere, logo no início do contrato “contrato de arrendamento urbano para habitação por período limitado - mínimo 5 anos - ”. Isto porque, nos termos do art. 394º nº 1 é inadmissível prova por testemunhas, em relação a quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares assinado pelos seus autores, quer as convenções sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento.
A considerar-se esta realidade ( e dada a dita omissão ), apenas competiria efectuar prova sobre a duração real do contrato, circunstância sobre que incidiu o ponto 1º da base intrutória
Com a resposta ( positiva ) a este ponto ( não sendo possível qualquer alteração ) tem que se ter como demonstrado que se tratou de um contrato de arrendamento urbano com período limitado de cinco anos( A referência no contrato ao terminus do contrato como sendo 31 de Janeiro de 1998, deve-se a evidente lapso material, como os próprios recorrentes devem coerentemente aceitar.).
Daqui resulta que toda a argumentação dos apelantes atinente à forma de interpretação do contrato, ao regime de cláusulas contratuais gerais ( não há aqui, patentemente, que falar neste tipo de cláusulas( Isto porque um contrato de arrendamento não poderá ser inserido em contratos cujas cláusulas contratuais sejam elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar ( art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 31/8).) ) é irrelevante no sentido de alterar a matéria dada como assente, concretamente no que diz respeito à resposta dada ao ponto 1º da base instrutória.
Só mais umas notas, ainda que muito breves, sobre o conteúdo do contrato. Remetendo o texto do contrato ( 1ª cláusula ) para o art. 98º do Dec-Lei do RAU, está implicitamente a admitir o negócio, como de duração limitada, pois é destes contratos que trata a disposição. Nos termos do nº 2 da disposição, o prazo não pode ser inferior a cinco anos. Daí que ao deixar-se em branco o respectivo espaço, teve que se proceder à produção de prova para se averiguar qual foi a duração convencionada, sendo que nunca essa duração poderia ser inferior a esses ditos cinco anos( Se constasse esse elemento do contrato, nem sequer se poderia efectuar a prova testemunhal sobre isso, de harmonia com o disposto no art. 394º nº 1 do C.Civil, como já acima dissemos a propósito da natureza do contrato como de duração limitada.
De sublinhar ainda, a respeito da duração do contrato, que Januário Gomes entende, quando as partes clausulem o regime de contrato de duração limitada, que o prazo de cinco anos constitui o prazo supletivo, pelo que em caso de omissão desse elemento no contrato, se deve considerar esse prazo como o convencionado entre as partes ( in Arrendamentos para Habitação, pág. 199 ). A entender-se as coisas assim, o resultado prático, no caso, seria o mesmo.). Sublinhe-se que em virtude da falta desse elemento no contrato, não torna este inválido ou ineficaz, podendo a falta ser suprida nos termos gerais ( de forma a integrar-se a vontade negocial das partes - art. 239º do C.Civil - ) como resulta do art. 8º nº 4 do RAU.
Para além da resposta ao facto do art. 1º da base instrutória, os apelantes também contestam a forma como o tribunal de 1ª instância respondeu aos pontos da base instrutória 4º ( K dos factos dados como provados na sentença ) e 11º ( P dos factos dados como provados na sentença ). Naquele indagava-se, como já se viu, se “a renda não foi acordada pelo período de cinco anos, mas sim pelo período de um ano no montante de 360.000$00” e neste perguntava-se se “os embargados e os então senhorios apenas celebraram um novo contrato de arrendamento para efeitos de fixação da renda”. Àquele ponto foi dada a resposta “provado que foi acordada pelo período de duração do contrato, ou seja, por cinco anos” e a este ponto foi respondido que “celebraram um novo contrato de arrendamento também para efeitos de fixação de nova renda”.
Na resposta a ambos os pontos, o tribunal baseou-se a sua convicção no que as testemunhas disseram.
No que respeita ao ponto 4º, a resposta dada contrairia o conteúdo do documento. Daí que nos termos do art. 394º nº 1 do C. Civil e pelas razões ditas, não será possível desmentir o que no documento sobre o assunto se menciona. Assim na resposta deve ficar a constar o que consta no documento, ou seja, que “as partes convencionaram a renda anual de 360.000$00 para o primeiro ano de vigência do contrato e para os anos seguintes esta renda com os respectivos aumentos legais”.
No que toca ao ponto 11º, a respectiva resposta foi dada com base no depoimento de testemunhas, sendo que sobre essa matéria factual era possível efectuar prova testemunhal. Pelos motivos já ditos acima, não é exequível controlar o depoimento de tais testemunhas e assim, não é possível alterar a resposta à questão.
Os apelantes dizem também não se conformar com o que na sentença recorrida de deu como assente na al. E), ou seja de que “na cláusula segunda do contrato de arrendamento está aposto que o contrato teve o seu início em 01.01.1998 e terminou a 31.01.1998, sendo admissíveis prorrogações como se prevê na cláusula anterior e que consta no cabeçalho de tal documento “Contrato de Arrendamento” (para habitação por período limitado = mínimo 5 anos)”.
Já acima se disse que este facto foi levado aos Factos Assentes ( al. D), sendo que a materialidade exarada corresponde ao conteúdo do documento. Daí que não seja possível proceder a qualquer alteração a tal matéria de facto.
Em síntese:
Em relação à matéria de facto dada como assente, apenas se admite efectuar a modificação indicada ao ponto 4º da base instrutória, ou seja, de que “as partes convencionaram a renda anual de 360.000$00 para o primeiro ano de vigência do contrato e para os anos seguintes esta renda com os respectivos aumentos legais”.
Esta alteração é, porém, irrelevante para modificar a decisão, pois a renda e seu montante não foram objecto de litígio, nem fundamentam esta acção.
2-5- Posto isto, entraremos na apreciação da segunda questão acima identificada.
Segundo os apelantes, nos termos do disposto no nº 1 do art. 62º do RAU, as partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido. Todavia, nos termos do disposto no seu nº 2 do mesmo artigo, tal acordo deve ser reduzido a escrito, sempre que não seja imediatamente executado ou sempre que contenha cláusulas compensatórias ou quaisquer outras cláusulas acessórias. Assim e sempre que se não verifique a imediata execução da revogação, esta deve obedecer a dois requisitos, deve ser expressamente proferida, o que afasta a possibilidade de se proceder a uma revogação tácita e deve ainda ser expressamente proferida por escrito, tal será o sentido do preceituado no nº 2 do mesmo artigo. Por os embargantes terem permanecido no arrendado, num vínculo contratual contínuo desde 1985, aliado ao facto que com a outorga do segundo contrato se pretendeu, efectivamente, proceder a uma actualização das rendas e ao facto de no segundo contrato de arrendamento outorgado não ser feita qualquer menção revogatória do primeiro, deve-se concluir não haver revogação do contrato inicial. Isto porque deveria ter sido efectuada por forma expressa e escrita, o que não sucedeu, sendo certo que nem sequer houve tácita revogação e, mesmo que se entenda ter a mesma existido, não poderia ser, pelo exposto, considerada válida. Pelo exposto, quer se considere que o segundo contrato não passou de um aditamento do primeiro, quer não, o vínculo contratual inicialmente constituído em 1985, aquando da outorga do primeiro contrato, perdurou até à presente data, sendo de considerar que o segundo contrato celebrado nunca produziu validamente efeitos.
Sustentam, pois, os apelantes que, dado que as partes não fizeram a revogação escrita do anterior contrato de arrendamento, este se mantém em vigor.
É certo que, anteriormente ao contrato de arrendamento a que nos vimos referindo, as partes haviam celebrado um outro, em 1985. Por acordo das partes, este contrato foi substituído pelo contrato que fundamenta o presente litígio. Nessa medida revogaram o primeiro contrato, ficando a vigorar o contrato posterior.
Nos termos do art. 62º nº 1 do RAU, as partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato mediante acordo a tanto dirigido. Perante esta disposição, não há dúvidas que a revogação do primeiro contrato poderia ser feita, como foi, sem qualquer entrave legal, por parte dos contratantes.
Acrescenta o nº 2 da disposição que “o acordo referido no número anterior deve ser celebrado por escrito, sempre que não seja imediatamente executado ou...”. Isto é, o acordo de revogação deve ser celebrado por escrito, quando não seja, de imediato, objecto de execução.
É precisamente nesta disposição que os apelantes buscam o seu entendimento, já que a revogação em causa, no seu entender, não foi reduzida a escrito.
Temos para nós que o legislador ao estabelecer esta norma, teve em vista promover a segurança do ajuste entre as partes. Daí que dispense a forma escrita sempre que a desocupação material do prédio acompanhe a revogação. Aqui, dada a consumação material da revogação, não haverá qualquer certificação a diligenciar.
No caso dos autos, a revogação do primeiro contrato, não foi acompanhado de desocupação do prédio, visto que os arrendatários aí continuaram a viver. Assim, face ao nº 2 do art. 62º, terá que existir um escrito onde conste essa revogação. E, a nosso ver, esse escrito existe, que é ( precisamente ) o novo contrato de arrendamento celebrado pelas partes. Desse escrito é possível depreender que, incidindo o arrendamento sobre o mesmo locado e sendo as partes as mesmas, estas entenderam e quiseram revogar o contrato anterior, substituindo-o pelo novo. É certo que nesse escrito não mencionaram, expressamente, que revogavam o contrato anterior. Mas também é certo que a disposição em análise não constrange a que se proceda a uma revogação expressa, mas apenas que essa revogação seja efectuada por escrito, o que as partes fizeram ao celebrar, dessa forma, o novo contrato de arrendamento.
Nesta conformidade a revogação do primeiro contrato, foi válida e formalmente realizada.
Mas mesmo que assim não fosse e se tivesse de considerar nula, por falta de forma, a revogação do anterior contrato, somos em crer que a manutenção do anterior contrato, como defendem os apelantes, constituiria, a nosso ver, um abuso de direito, já que fazia ressuscitar um contrato que as partes já haviam enterrado há mais de seis anos ( contados desde a propositura da acção ), passando a regular as suas relações por novo contrato livremente celebrado entre ambas.
Estabelece o art.334º do C.Civil:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ”.
Para que ocorra o abuso de direito, é necessário que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito.
Para o que aqui nos interessa, haverá a salientar que o comportamento do titular do direito será abusivo, quando do pretenso exercício do seu direito resulta uma violação dos limites impostos pela boa fé.
O princípio geral da boa fé contratual, está estabelecido no art. 762º nº 2 do C.Civil, segundo o qual “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. Significa isto que, no cumprimento dos contratos, não só a actuação do devedor mas também a do credor, devem ser presididas pelos ditames da lealdade e da probidade. Ou como diz o Prof. Antunes Varela “no próprio exercício do direito, diz o nº 2 do art. 762º, o credor deve proceder com boa fé, como quem diz, agir com a diligência, o zelo e a lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte” ( in Col. Jur. 1986, Tomo III, pág. 13 ). Portanto no cumprimento da obrigação, tanto o devedor como o credor, devem agir correctamente, honestamente e com lealdade.
Daqui resulta, a nosso ver, tendo os arrendatários cumprido o ( novo ) contrato por um período tão dilatado de tempo, comportando-se como que o anterior contrato tivesse verdadeiramente cessado, fazendo confiar à outra parte que só as vinculações do novo contrato interessavam, parece-nos absolutamente abusivo e violador do princípios de boa fé acima delineados, vir agora ( quando se já se discute a cessação do novo contrato ) invocar nulidade da revogação, fazendo ressuscitar o primitivo contrato.
Assim sendo, mesmo que se tivesse de considerar a revogação como nula, a invocação da manutenção do primitivo contrato constituiria um abuso de direito, por violação manifesta dos princípios de boa fé contratual que deve presidir às relações entre contratantes e, como tal, não se poderia satisfazer a pretensão dos apelantes.
Sublinhe-se que o abuso de direito poderia ser declarado, pese embora não tenha sido invocado pelas partes, visto que é do conhecimento oficioso, como é jurisprudência pacífica ( entre muitos, Acs. do STJ de 26-3-80, BMJ 295º, 425 e da Rel. de Coimbra 17-11-87 Col. Jur. 1987, 5º, 34 e de 22-2-94, BMJ 434º, 670 ).
Também em relação a este ponto é insubsistente a posição dos apelantes.
2-6- Sustentam, por fim, os recorrentes que, para que uma eventual revogação expressa e escrita produzisse efeitos, deveria ter sido assinada, ou consentida por escrito, pela embargante mulher, o que nunca sucedeu.
A pretensão dos apelantes, mais uma vez, é insubsistente.
Em primeiro lugar porque a objecção constitui uma questão nova que não foi submetida à apreciação do tribunal recorrido ( vide petição inicial dos embargos ). Sabendo-se que os recursos servem para apreciar as decisões tomadas pelo tribunal recorrido, mas não para criar decisões sobre matéria nova, não é lícito, no âmbito do recurso, invocar questões que não tenham sido suscitadas no tribunal a quo e que, por isso, não tenham sido objecto da decisão recorrida. Este princípio não se aplica porém, à matéria de conhecimento oficioso, devendo as questões deste tipo, conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem. Sucede que a matéria em causa não constitui (patentemente ) matéria do conhecimento oficioso, pelo que deveria ter sido invocada em devido tempo, razão por que a respectiva apreciação está vedada a este tribunal de recurso.
Mas mesmo que assim não fosse, para além do abuso de direito que também seria aplicável à situação, diremos, para que não fiquem dúvidas, que a pretensão dos apelantes também é insubsistente, face às disposições legais aplicáveis à situação.
Com efeito, tratando-se da casa de morada da família a revogação do contrato carece de consentimento de ambos os cônjuges e portanto, também, do cônjuge mulher (art. 1682º B al. b) do C.Civil ). Assim, o cônjuge mulher que não deu o seu consentimento ( já que não interveio no novo contrato de arrendamento que revogou o anterior ) poderia pedir a anulação da revogação do contrato, de harmonia com o disposto no art. 1687º nº 1 do mesmo diploma. Porém, o direito que tinha em requerer essa anulação, já há muito que se esgotou, visto que nos termos do nº 2 do mesmo art. 1687º, esse direito deveria ser exercido nos seis meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração. De sublinhar ainda que a caducidade do direito é do conhecimento oficioso, como resulta do disposto no art. 333º nº 1 ainda do C.Civil.
Por tudo o exposto, o recurso é improcedente in totum.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.