Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
541/11.4PTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MARGEM DE ERRO
PROVA VINCULADA
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÍLHAVO - JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 8º, DA PORTARIA N.º 1556/2007, DE 10/12 E 170º, N.º 4, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: A questão da margem de erro apenas tem significado jurídico no momento da aprovação e verificação dos alcoolímetros, não sendo sustentável voltar a considerá-la no momento da decisão sobre a prova produzida em audiência (cfr. art.º 8º, da Portaria n.º 1556/2007, de 10/12 – “Erros máximos admissíveis”).

E, nos termos do artigo 170º, n.º 4, do Código da Estrada, os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé, até prova em contrário (prova vinculada).

Ou seja, o talão do alcoolímetro faz prova plena sobre a taxa de álcool que dele consta, só podendo esse resultado ser posto em crise através de contra-prova.

A significar que a valoração desse meio prova não pode ser efectuada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, dado que o princípio da livre apreciação da prova apenas é aplicável quando a lei não dispuser diferentemente (cfr. art.º 127º, do C. Proc. Penal).

Decisão Texto Integral:


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5ª Secção (Criminal)
Proc. 541/11.4PTAVR.C1
Pág. 14
I. Relatório
No processo sumário nº 541/11.4PTAVR da Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo, Juízo de Pequena Instância Criminal, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento sob a imputação de haver cometido um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando o arguido pela autoria do citado crime na pena principal de 60 dias de multa à taxa diária de sete euros, no montante de 420 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
I - Os valores determinados pelos aparelhos de medição homologados pelo Instituto Português da Qualidade não são completamente precisos, havendo sempre uma determinada margem de erro que não obsta à aprovação do modelo e à certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações sucessivas;
II - Os Erros Máximos Admissíveis são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, sendo que, tais valores limite, para mais ou para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra;
III - A qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos;
IV - Ainda que a margem de erro legalmente admissível seja levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apensas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites definidos por aquelas margens de erro;
V - o principio do in dúbio pro reo impõe a dedução do erro máximo admissível ao valor registado no talão emitido pelo alcoolímetro.
VI - Ao não considerar para efeito da pena a aplicar, o erro máximo admissível, e considerar, ao contrario, a TAS 1.28g/l, o Tribunal ad quo violou os artigos 40°, nº 1 e nº 2, 71°, nº 1 e 2, 292° nº 1, do código penal, artigo 410, 2 al.c) do CPP, portaria nº 1556/07, de 10 Dezembro e o princípio in dúbio pró reo.
VII - Pelo que, por aplicação das margens de erro admissíveis - previstas na Portaria nº 1556/2007, e 10 Dezembro - sempre deveria ter sido considerado provado que o arguido circulava não com uma TAS de 1,28g/l, mas sim de 1,18 g/l, pelo que efectivamente o arguido não praticou o crime pelo qual foi condenado, mas sim a infracção contra­ordenacional prevista e punida pelo Código da Estrada.
Subsidiariamente:
VIII - Na fixação concreta da pena acessória deve considerar-se que o recorrente/arguido é primário, que o grau de ilicitude e culpa são diminutos, bem como as exigências de prevenção e reprovação, devendo ainda ser levado em consideração que o recorrente/arguido tem carta de condução há mais de vinte anos e que o acidente de viação a que se alude na sentença recorrida não foi causado por este, devendo a proibição de conduzir ser fixada no limite mínimo.
Nestes Termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença, na parte em que considera como provado que o arguido era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1.28g/l, em consequência, dar-se como provada a taxa resultante da dedução do erro máximo admissível, que no caso de integrar ilícito contra-ordenacional, com os efeitos legais, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA!

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:
1. De harmonia com o disposto no artigo 412.° n° 1, do Código de Processo Penal o âmbito do recurso é limitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada.
2. Decorre do preceituado na Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que os erros máximos admissíveis apenas são de considerar nos domínios de aprovação e verificação dos alcoolímetros pelo Instituto Português da Qualidade e não nas medições concretas efectuadas por cada aparelho aprovado e verificado.
3. Também neste sentido, são as opiniões de peritos, quadros do LP.Q., defendendo que, o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição é o mais correcto e a adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações fornecidas pelos alcoolímetros quantitativos ou evidenciais submetidos a controlo metrológico carece de justificação metrológica.
4. In casu, a medição foi efectuada por aparelho aprovado e sujeito às verificações legalmente exigíveis, e não tendo sido posta em causa, pelo arguido, a fiabilidade técnica e funcional do alcoolímetro, não existe motivo fundado para concluir que a TA.S indicada pelo analisador quantitativo e considerada na sentença, ora sob censura, padece de qualquer erro.
5. O recorrente em momento algum pôs em causa o resultado do exame efectuado, mormente através de um pedido de verificação extraordinária do aparelho, apenas tendo, em sede de alegações, após a confissão integral e sem reservas pelo arguido e a consequente renuncia à produção de prova, nos termos do artigo 344°, n° 2, alínea a) do C.P.P., solicitado que o Tribunal procedesse à dedução dos EMA.
6. No que concerne à medida concreta da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido e, apesar de não menosprezarmos o facto do arguido ser primário, não sufragamos os restantes argumentos por si invocados para justificar uma diminuição do período de sanção acessória aplicada.
7. Importa acentuar o facto do arguido ter agido com dolo, na forma directa e o elevado grau de ilicitude da sua conduta atenta a sua intervenção em acidente de viação, em virtude de, como o próprio referiu e consta de prova documental junta aos autos, ter embatido noutro veículo, após ter passado num sinal de Stop.
8. O quanturn da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, situa-se num patamar relativamente elevado, o que reduz, de algum modo, o peso das considerações de prevenção especial (nomeadamente o facto do arguido ser primário), enquanto susceptíveis de fundamentar uma redução da medida concreta da pena.
9. Entendemos que a medida concreta da pena acessória de inibição de conduzir encontra-se ajustada e adequada ao caso em apreço, tendo em atenção as fortíssimas exigências de prevenção, porquanto, os condutores sob influência do álcool, colocam em causa, a segurança da circulação rodoviária e, indirectamente, outros bens jurídicos, como a vida e a integridade física das pessoas.
Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, farão, V. Ex.as, como sempre JUSTIÇA!!

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido que o recurso não merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Na sentença recorrida foi consignada a seguinte fundamentação factual:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1 – No dia 14 de Março de 2011, pelas 23h23m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, pela Rua Dr. …, em Aveiro, tendo embatido num veículo após ter passado um sinal de “Stop”;
2 – Ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest, modelo 7110MK III-P, exame esse efectuado pelas 00h18m, o arguido acusou uma taxa de álcool de 1,28 g/l;
3 – O arguido conhecia as características do veículo e do local por onde o conduzia, não ignorando que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para lhe causar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, resultado esse que previu e com o qual se conformou, querendo, não obstante, conduzir o veículo nessas condições como efectivamente fez;
4 – O arguido agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei;
5 – O arguido é empresário no âmbito da construção civil, obtendo rendimentos mensais que ascendem à quantia de €: 600,00;
6 – Reside em casa própria;
7 – Possui a antiga 4ª classe;
8 – O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas;
9 – Demonstrou arrependimento;
10 – O arguido não tem antecedentes criminais nem processos pendentes;

Motivação
O tribunal assentou a sua convicção na confissão livre e espontânea, integral e sem reservas do arguido dos factos de que vinha acusado, bem como nas suas declarações quanto à sua situação sócio-económica, no certificado de registo criminal de fls. 14, no talão de fls. 3 e na participação de acidente junta aos autos.
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III. Apreciação do Recurso
A documentação dos actos da audiência determina que este Tribunal possa conhecer de facto e de direito como resulta do disposto nos artigos 363º e
Mas, o objecto do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal) sempre sem embargo dos poderes de conhecimento oficioso.
Ora, vistas as conclusões do recurso interposto, as questões que reclama solução são as seguintes:
Se a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal) por não ter considerado na fixação da taxa de álcool obtida através de alcoolímetro qualquer margem de erro;
Se a sanção acessória de proibição de conduzir deve ser fixada no mínimo legal.

Apreciando:

Na tese do recorrente e como decorrência do princípio in dubio pro reo, deveria a decisão recorrida ter considerado a margem de erro prevista e a taxa indicada no talão que foi de 1,28 g/l, corresponderia ao resultado de 1,18 g/l, que por sua vez é um resultado inferior a 1,20 g/l integrando apenas a prática de uma contra-ordenação.
Vejamos em primeiro lugar a pertinência da consideração de margens de erro no momento da fixação dos fundamentos de facto da decisão.
A Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro regulamenta o controle metrológico dos alcoolímetros nos seguintes termos:
Artigo 1º
Âmbito de aplicação
0 presente Regulamento aplica-se a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos, adiante designados por alcoolímetros, nos termos da legislação aplicável.
Artigo 2º
Definição de Alcoolímetro
1- Entende-se por alcoolímetros os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado
2 – Para efeitos do Presente Regulamento, apenas é considerado o álcool etanol.
Artigo 3º
Indicação dos Alcoolímetros
1- A indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro – mg/l, de teor de álcool no ar expirado – TAE.
2 - Os alcoolímetros podem apresentar uma indicação suplementar em gramas por litro – g/l, de teor de álcool no sangue – TAS, desde que evidenciem o respectivo facto de conversão.

Artigo 4º
Requisitos dos alcoolímetros
Os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126.

Artigo 5º
Controlo metrológico
0 controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, IP – IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
Artigo 6º
Aprovação de modelo
1 - 0 pedido de aprovação de modelo será acompanhado de:
a) Um exemplar do alcoolímetro destinado a estudo e ensaios;
b) Toda a documentação referida no Regulamento anexo à Portaria nº 962/90 de 9 de Outubro;
c) Todas as diferentes versões dos programas informáticos utilizáveis no modelo a aprovar.
2 –Durante o prazo de validade da aprovação de modelo, toda ou qualquer alteração aos programas informáticos instalados dá origem a um pedido de aprovação de modelo complementar.
3 - A aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.
Artigo 7º
Verificações metrológicas
1 – A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano.
2 – A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.
3 – A verificação extraordinária compreende os ensaios de verificação periódica e tem a mesma validade.
Artigo 8º
Erros máximos admissíveis
Os erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE, são o constante do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.
Seguem-se os artigos 9º a 11º, descrevendo, o primeiro, as inscrições e marcações que os alcoolímetros devem apresentar, contendo, o segundo, norma transitória e, o último, disposição final prevendo, nomeadamente, a possibilidade de utilização de alcoolímetro aprovado em Estado membro da União Europeia.
Finalmente segue-se o anexo a que se refere o transcrito artigo 8º que contém a indicação dos erros máximos admissíveis.
Como decorre desta regulamentação, é reconhecida a existência de erro no resultado obtido através dos alcoolímetros, mas a aprovação e as verificações a que devem ser sujeitos periodicamente impõem que essa margem de erro não ultrapasse determinados limites, os constantes do citado Anexo. Todavia a aplicação destas margens de erro reporta-se à aprovação do modelo e às verificações dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade.
A definição de erro máximo admissível, neste contexto, visa designar barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais de funcionamento, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.
E não se vislumbra que essa conclusão possa violar o disposto no artigo 32º, nº 1 da CRP quando estipula que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa ou quando estipula que o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença, na vertente de apreciação da prova traduzida no princípio in dubio pro reo.
Na verdade, a questão da desconformidade à constituição nos segmentos mencionados, apenas poderia ser questionada se ao arguido não fosse concedido o direito de contestar o resultado obtido através do meio de obtenção de prova em causa.
Mas a lei contém previsão expressa no sentido de que o arguido pode reagir contra o resultado expresso através desse meio de obtenção de prova, sujeitando-se a contraprova por análise ao sangue, método este a que não se apontam questões de fiabilidade.
Assim, nenhuma compressão do direito de defesa do arguido se pode encontrar no regime mencionado. Marginalmente a lei ainda faculta a possibilidade de o arguido suscitar a verificação extraordinária do alcoolímetro nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 291/90 de 20.9 (Regulamento Geral do Controlo Metrológico).
Assim se concluiu que a questão da margem de erro apenas tem significado jurídico no momento da aprovação e verificação dos alcoolímetros, não sendo sustentável voltar a considerá-la no momento da decisão sobre a prova produzida em audiência, conforme tem sido entendido nesta Relação, citando-se a título de exemplo os Acórdão de 9.4.2008, proferido no processo 106/07.5GACLB.C1, de 1.10.2008, proferido no processo 46/07.8PANZR.C1 e de 28.4.2010, proferidos nos processos 48/09.0GBPMS.C1 e 552/09.0TAGRD.C1, todos publicados em www.dgsi.pt.

O artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal preceitua que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.»

Importa, reter que para o reconhecimento deste tipo de vício importa apenas ter em conta o texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência, como claramente resulta do preceito.
O erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum e pode traduzir-se na violação do princípio contido no artigo 127º do Código de Processo Penal (o tribunal dá como provado facto que afronta ostensivamente as regras da experiência).
Como é sabido, o conceito de erro notório na apreciação da prova tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (v. por ex. Ac. do S.T.J. de 6.4.94 in Col. Jur. Acs. do STJ, II, tomo 2, 186).
Na definição de M. Simas Santos e M. Leal Henriques em Código de Processo Penal Anotado, Volume II, 2ª edição, pag. 740, existe erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão. Mais existe esse erro quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (cfr. também Ac. do S.T.J. de 13.10.99 in C.J., Ano VII, Tomo III, pag. 184 entre outra jurisprudência abundante).
E partindo do segmento acima sublinhado (prova vinculada) importa referir que nos termos do artigo 170º, nº 4 do Código da Estrada os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé, até prova em contrário. Ou seja, o talão do alcoolímetro faz prova plena sobre a taxa de álcool que dele consta, só podendo esse resultado ser posto em crise através de contra-prova. Significa o exposto que a valoração desse meio prova não pode ser efectuada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, dado que o princípio da livre apreciação da prova apenas é aplicável quando a lei não dispuser diferentemente, como se encontra preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Assim, a sentença recorrida ao considerar como provado que o arguido conduzia com a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l não revela a existência de qualquer erro notório na apreciação da prova, antes o revelaria se não o houvesse considerado, não intervindo no caso o princípio in dubio pro reo porque ao Tribunal a quo estava vedado desconsiderar o resultado obtido através do meio de prova em causa.

Da pena acessória

Alega o recorrente que na fixação concreta da pena acessória deve considerar-se que é primário, que o grau de ilicitude e culpa são diminutos, bem como as exigências de prevenção e reprovação, devendo ainda ser levado em consideração que o tem carta de condução há mais de vinte anos e que o acidente de viação a que se alude na sentença recorrida não foi causado por este, devendo a proibição de conduzir ser fixada no limite mínimo.

Na determinação da pena acessória são aplicáveis as mesmas regras que presidem à escolha da pena principal já que não distingue a lei entre umas e outras.

O artigo 40º do Código Penal contém previsão sobre as finalidades das penas que são a trave mestra do respectivo doseamento, estabelecendo um primeiro limite para tal operação qual seja o de que a pena nunca pode exceder a medida da culpa. O artigo 71º do mesmo diploma estabelece o quadro circunstancial que influi nesse doseamento, sempre tendo como pano de fundo as finalidades da punição.

Sintetiza o Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.

É consabido que no domínio dos crimes rodoviários existem especiais exigências quer de prevenção geral, quer de prevenção especial pelo que as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico só em casos excepcionais consentirão que a pena acessória seja fixada no mínimo legal.

Manifesto é que a conduta do arguido não se reveste do grau de culpa diminuto que justificaria a sua condenação em pena acessória correspondente ao mínimo legal. Sendo certo que o tipo de crime de condução de veículo em estado de embriaguez se qualifica doutrinariamente como crime de perigo abstracto, um dos factores que nos indica o seu grau de ilicitude é precisamente se à condução em estado de embriaguez esteve associada a criação de um perigo concreto.

E verificamos que no caso vem provado que o arguido não parou num sinal vertical de Stop e embateu num veículo em circulação com aquele que conduzia. Independentemente da consideração da existência ou não de culpa na produção do acidente, esta factualidade revela que o arguido com a sua conduta criou factores acrescidos de risco à condução.

Ora pena acessória que neste contexto circunstancial foi fixada em cinco meses, ainda muito próximo do limite mínimo legalmente previsto, não pode a qualquer título considerar-se exagerada, antes pelo contrário, apesar do arguido ser delinquente primário, devendo ser mantida.

Improcede, pois, o recurso interposto, devendo manter-se a decisão recorrida.


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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Pelo seu decaimento em recurso condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em três unidades de conta.
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Maria Pilar Pereira de Oliveira (Relatora)
José Eduardo Fernandes Martins