Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
261/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
Data do Acordão: 03/08/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 381º, N.º 1, 383º, N.º1 E 279º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A suspensão da acção executiva apenas pode ter lugar ao abrigo do determinado no art. 818º, n.º1 do CPC, após recebimento da oposição à execução, podendo ser requerida após a petição dos embargos.
2. A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na prejudicialidade de uma outra acção.

3. O procedimento cautelar comum não é meio processual adequado para através dele o executado obter a suspensão da acção executiva.

4. Apenas o exequente pode requerer procedimento cautelar como preliminar ou incidente da acção executiva.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I)- RELATÓRIO

A... requereu, no Tribunal Judicial de Vagos, mediante procedimento cautelar comum, a suspensão do processo executivo que lhe foi movido por B... e C..., dando sem efeito a data da abertura das propostas apresentadas em carta fechada para aquisição do património da sociedade Requerente.
Como fundamento da providência, a Requerente alegou, em síntese:
-Contra a sociedade Requerente foi movida acção executiva, por apenso à acção de despejo contra si intentada por B... e C...;
-Foi a Requerente, Ré nessa acção, apenas condenada a pagar as rendas vencidas e vincendas;
-Sucede que o contrato de arrendamento comercial, celebrado no dia 15.01.1997 e invocado como causa de pedir na acção de despejo, é ineficaz em relação à sociedade Requerente, porque nesse contrato em que outorgou como inquilina, a direcção do negócio, face à Requerente, foi assumida por uma gestora, tendo sido depois ratificado por B... e D...;
-Consta do instrumento de ratificação, lavrado no mesmo dia, que as referidas B... e D... são sócias e gerentes da sociedade, mas, embora sendo ambas as únicas sócias, apenas é gerente a B..., como resulta do registo comercial;
-Assim, o contrato, em que interveio aquela B... como usufrutuária do locado, não se considera ratificado;
-Só agora se apercebeu do teor do instrumento de ratificação e do contrato de arrendamento comercial;
-Não tendo a outra sócia e única gerente B... pago as rendas em que a sociedade, ora Requerente, foi condenada na acção de despejo, e contra quem foi movida a execução pela B... e seu filho C..., este na qualidade de titular da nua propriedade, há sérios riscos de o direito ao trespasse e arrendamento, incluindo o recheio do estabelecimento comercial, vir a ser vendido na acção executiva, causando danos irreparáveis à sociedade.

Citados, apenas deduziu oposição o Requerido C..., concluindo pelo indeferimento da providência requerida e pedindo a condenação da Requerente como litigante de má fé.

Notificada para se pronunciar, a Requerente manteve a posição inicialmente assumida.

Seguidamente, e sem necessidade de realizar a audiência final para inquirição das testemunhas apenas arroladas pela Requerente, foi proferido despacho a indeferir a providência.

Inconformada, a Requerente agravou, insistindo na sua tese, e rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª-A acção executiva deve ser suspensa sempre que esteja pendente questão prejudicial que colida com o seu andamento;
2ª-A decisão a proferir sobre a validade e eficácia do contrato de arrendamento outorgado em nome da Recorrente e que esta não ratificou, é uma questão prejudicial ao andamento da execução em curso;
3ª-O Tribunal deve declarar a suspensão da instância executiva até haver decisão final transitada em julgado sobre a legalidade do contrato de arrendamento que se põe em causa como válido, na providência cautelar comum apresentada;
4ª- Deferindo o requerido na providência cautelar de que ora se recorre, o Tribunal evitará a concretização de danos irreparáveis para a Recorrente;
5ª-Se a instância executiva não for por ordem judicial suspensa, após o requerido pela Recorrente poderá ocorrer lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito de propriedade sobre os bens que foram objecto de penhora e que constituem todo o seu património;
6ª- A decisão proferida violou o disposto nos arts. 381º, 279º e 814º do CPC.

Os Requeridos contra-alegaram, preconizando a manutenção do julgado.

Foi mantido o despacho impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II)- OS FACTOS

Com interesse ao julgamento do recurso emerge dos autos a seguinte factualidade:
1-Por sentença proferida em acção de despejo, no Tribunal Judicial de Vagos, no dia 02.06.2000, e já transitada em julgado, foi a ora Requerente, aí Ré, condenada a pagar aos AA. (B... e C...), as rendas vencidas e vincendas desde Maio de 1997 (doc. de fls. 118 a 123);
2-Aí se deu como assente que, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos, em 15.01.97, aqueles AA. na qualidade, respectivamente, de usufrutuária e proprietário da nua propriedade, deram de arrendamento à ora sociedade Requerente uma fracção autónoma, destinando-se o arrendamento a um salão de cabeleireiro;
3- Nessa escritura outorgou Maribel Tomé da Conceição, na qualidade de gestora de negócios da sociedade comercial, ora Requerente (doc. de fls. 14 a 18);
4-No mesmo dia 15.01.97, foi lavrado instrumento de ratificação da gestão, aí se consignando que intervieram B... e D..., “na qualidade de únicas e actuais sócias e gerentes” da ora Requerente sociedade (doc. de fls. 19);
5-Nessa data, a gerência da sociedade estava apenas confiada à sócia B... que, também, outorgara o contrato de arrendamento comercial na qualidade de usufrutuária do locado (doc. de fls. 58 a 61);
6-Não tendo sido pagas as rendas em que a sociedade fora condenada na acção de despejo, foi movida execução sumária n.º 388-A/1997, contra a ora Requerente;
7-No dia 21.05.2003, foi penhorado o estabelecimento comercial pertencente à ora Requerente (doc. de fls. 23 a 28).

III)- O DIREITO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, nº 3 e 660º, n.º2, parte final, todos do CPC), importa apenas resolver a questão de saber se deve ou não ser deferida a providência cautelar visando a suspensão da acção executiva movida contra a sociedade Requerente.

Como vimos, pela ora Agravante foi requerida, mediante procedimento cautelar, a suspensão da instância executiva, dando sem efeito a data designada para abertura das pospostas apresentadas em carta fechada para aquisição do património da Requerente.
A este respeito, preceitua o n.º1 do art. 381º do CPC nos seguintes termos:
“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
E de harmonia com o n.º2 do mesmo artigo, “o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor”.
Ainda, nos termos do n.º1 do art. 383º, “ o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva”.
Daí que destinando-se a providência a acautelar ou antecipar o efeito útil da acção, reveste a providência decretada uma natureza provisória, estando os seus efeitos dependentes do resultado a obter na acção definitiva, podendo até a providência caducar nos termos do art. 389º do CPC.

E, desde logo, qual o direito que se arroga a Requerente?
Alegando que a sentença, já transitada em julgado, que serve de base à execução contra si movida, se baseia num contrato de arrendamento comercial que é ineficaz ou não produz efeitos em relação a si. Ou seja, um direito que apenas pode resultar da procedência de um recurso de revisão (art. 671º e 771º, ambos do CPC), porque, conforme alega, só agora teve acesso aos documentos que comprovam tal ineficácia contratual. Recurso previsto na lei adjectiva, pondo, excepcionalmente, em causa o caso julgado da decisão, quando os imperativos da justiça sobrelevam às imposições da segurança jurídica.
Portanto, uma providência requerida apenas como preliminar de um recurso de revisão, e jamais de uma acção executiva, não tendo sequer a interposição daquele recurso extraordinário a virtualidade de suspender a execução da sentença. Com efeito, nos termos do art. 777º do CPC, “se estiver pendente ou for promovida a execução da sentença, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago em dinheiro ou em quaisquer bens sem prestar caução, nos termos do art. 819º”. Deste modo, prosseguindo a Requerente com o presente procedimento cautelar um objectivo (a suspensão da instância executiva) que o recurso de revisão não pode legalmente garantir. Obviamente, julgado procedente o recurso de revisão ou declarada a rescisão da sentença deixa o título executivo de ter existência.
Aliás, é a própria lei (n.º1 do art. 383º) que afasta a instrumentalidade entre o procedimento cautelar e um recurso, restringindo apenas à acção declarativa ou executiva, pelo que é inconcebível um procedimento cautelar como preliminar ou incidente de um recurso de revisão ou mesmo de oposição de terceiro. Também o recebimento do recurso de oposição de terceiro não suspende a execução da decisão recorrida (n.º3 do art. 781º do CPC).
Consequentemente, mesmo que à ora Agravante assistisse fundamento a conduzir à procedência de um recurso de revisão, sempre lhe era vedado o recurso a um procedimento cautelar comum para acautelar o direito a ver revista ou revogada a sentença transitada em julgado e que foi dada em execução. Aliás, para obter a suspensão da execução, o executado terá que lançar mão de outros meios processuais, como abaixo se verá, e jamais do procedimento cautelar (cfr., a este respeito, o acórdão da Relação do Porto, publicado na CJ 1981, 1º, p. 167).

Dir-se-á, também, tal como reconhece o despacho impugnado, que a matéria alegada pela Requerente tão pouco consubstancia qualquer dos fundamento do recurso de revisão, taxativamente enumerados no art. 771º do CPC. Na verdade, tendo intervindo no contrato de arrendamento comercial uma gestora de negócios, foi a gestão regularmente ratificada ou aprovada pelo “dominus negotii”, no caso a ora sociedade Agravante. Tratando-se de uma sociedade por quotas pode ser representada por um ou mais gerentes (n.º1 do art. 252º do Código das Sociedades Comerciais). Resultando dos autos que, no momento em que foi lavrado o instrumento de ratificação, aliás, no mesmo dia em que foi celebrado o contrato de arrendamento comercial, era a gerência exercida apenas pela sócia e Requerida B.... E nesse instrumento interveio a referida B..., sendo de todo irrelevante, em nada afectando a validade, que, nesse instrumento, conste ter a outra sócia (D...) que não era gerente, ter, também, ratificado e aprovado a gestão na qualidade de gerente. A intervenção desta era manifestamente injustificada. E regularmente ratificada a gestão, os negócios jurídicos concluídos pelo gestor produzem os seus efeitos na esfera jurídica do “dominus”.

Visando a sociedade Requerente com a presente providência cautelar suspender provisoriamente a execução que lhe foi movida, por C... e pela dita B..., que acumula a qualidade de sócia gerente da sociedade Requerente, diga-se que a suspensão da instância executiva apenas poderia ter lugar ao abrigo do determinado no art. 818º do CPC, como efeito do recebimento da oposição à execução.
Embora não alegada pela Requerente a pendência de uma outra acção declarativa a tirar a razão de ser à existência da acção executiva, acrescenta-se que também não poderia ser requerida a suspensão da acção executiva em apreço com fundamento na pendência de acção prejudicial, ou seja, no pressuposto de a decisão da causa estar dependente do julgamento de outra já proposta, tal como prevê a primeira parte do n.º1 do art. 279º do CPC. Trata-se de prejudicialidade de acção e não de procedimento cautelar. E conforme Assento do STJ proferido em 24.05.1960, publicado no BMJ n.º 97º, p. 173, “a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284º (redacção de 1939) do CPC”, ou seja, com fundamento na prejudicialidade de uma outra acção (cfr. acórdãos do STJ, publicado no BMJ n.º 466, p. 466, na CJ 1993, 1º, p. 59, BMJ n.º 298º, p. 266, desta Relação, sumariado no BMJ 340º, p. 449, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, p. 271, de Alberto dos Reis e Manual da Acção Executiva, p. 184, de Lopes Cardoso). Tal artigo corresponde ao actual artigo 279º do CPC e o assento tem o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC, como estabelece o n.º2 do art. 17º do DL n.º 329-A/95, de 12.12.
Mas, tal como escreve Rodrigues Bastos, nas “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, p. 45, “ não se vêem razões para advogar a inaplicabilidade do art. 279º, mesmo quanto à sua primeira parte, no que respeita às fases declarativas que, por vezes, se enxertam no processo executivo, nem, quanto à segunda parte, em relação a todo o processo de execução”, opinião essa acolhida nos acórdãos do STJ, publicados na CJ 1996, 2º, p.149, BMJ n.º 293º, p. 228 e no BMJ n.º 253º, p. 227.

De qualquer modo, a Agravante não tendo deduzido oposição à execução, também não requereu no próprio processo executivo a suspensão deste ao abrigo do art. 279º do CPC, limitando-se a requerer, mediante procedimento cautelar, a suspensão provisória como preliminar de recurso de revisão visando a revogação da sentença exequenda, já transitada em julgado. E já se demonstrou que tal requerimento carece de respaldo legal.
A decisão sob exame, ao indeferir a requerida providência, não merece, pois, qualquer censura, tendo observado com rigor a lei adjectiva.



IV)- DECISÃO

Pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao Agravo.
2-Confirmar o despacho impugnado.
3-Condenar a Agravante nas custas do recurso.
COIMBRA,