Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
804/03.2TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
PROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 10/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO E AGRAVO
Decisão: REVOGADA (AGRAVO)
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º Nº3 DO CPC E 493º DO CC
Sumário: Os Autores alegaram a existência de uma relação material de propriedade dos Réus com a fracção de onde proveio a acumulação de água que deu azo à infiltração.
A propriedade de uma fracção de um edifício em regime de propriedade horizontal cria a obrigação de a guardar e conservar com o zelo médio por forma a que da mesma não surjam factos lesivos para os restantes condóminos, comportando essa simples relação real a presunção de culpa in vigilando pelos danos provenientes da coisa.
Os Réus, enquanto proprietários da fracção onde ocorreu uma forte acumulação de águas pluviais, têm legitimidade passiva na acção instaurada pelos lesados que pretendem obter o ressarcimento dos danos causados pela mencionada inundação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível da Relação de Coimbra:

A... e mulher B... e C... intentaram no 2º Juízo da Comarca de Ourém acção declarativa com processo ordinário contra a D..., E... e mulher F..., pedindo a condenação dos Réus a pagarem: aos 1ºs AA., a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes, respectivamente, dos estragos, deteriorações e privação do uso de determinada fracção autónoma de que aqueles AA. são donos, as quantias de € 56.132,57 e 250 mensais; à 2ª A., na qualidade de arrendatária da mesma fracção, € 16.435,39 de danos emergentes e € 222.287,38 + € 30.000 de lucros cessantes e perda de clientela, quantias estas sempre acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Para o efeito, alegaram, em síntese, que em Dezembro de 2000 ocorreu uma forte infiltração de águas pluviais naquela sua fracção, provenientes de acumulação no terraço da fracção dos RR. E...e F..., que lhe serve de cobertura, sita no 1º andar do edifício, causando destruição do tecto, paredes de pladur, instalação eléctrica, rodapés e alumínios, e, bem assim, do material e equipamento informático da arrendatária, a 2ª A.; e que a 1ª Ré por contrato de seguro multi-riscos outorgado com o condomínio do edifício se responsabilizou pelos danos decorrentes de inundações e infiltrações como a que teve lugar.
Citados os RR. contestaram, defendendo-se os RR. E...e mulher com a respectiva ilegitimidade face ao contrato de seguro vigente com a 1ª Ré e com a impugnação dos danos; e a Ré D..., com a exclusão, no risco contratualmente assumido, do sinistro concretamente verificado, além da impugnação da matéria articulada.
Os AA. replicaram, reiterando o pedido inicial, acrescentando-lhe a condenação da Ré D... como litigante de má-fé. Houve ainda tréplica desta última.

No despacho saneador, antes de proceder à selecção da matéria de facto e organizar a base instrutória, o M.mo Juiz, julgando procedente a excepção invocada, declarou os RR. E... e mulher F... partes ilegítimas e absolveu-os da instância.

Irresignados agravaram os AA. de tal decisão.

Nas respectivas alegações formularam as seguintes conclusões:

1a - Sob os Arts. 79° a 83° da petição inicial, articularam os Recorrentes factos, consubstanciadores da legitimidade passiva dos RR.
2a - Está provado por documento autentico que - os RR. E...e mulher são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra " ", correspondente ao 1° andar direito do prédio em causa, registado de aquisição a seu favor - conforme certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos.
3a - Sob a al.ª f) dos factos assentes ficou dado como provado que, em Dezembro de 2000, na sequência da forte pluviosidade que se fez sentir nesse Inverno, as águas da chuva infiltraram-se pela placa do terraço do 1° andar, que cobre a fracção aludida em , escoando-se para o r/c, onde se acumulou até uma altura do chão de cerca dum metro.
4a - Nos Arts. 21° a 29° da base instrutória, também se encontram quesitados factos integradores da responsabilidade civil extracontratual dos referidos RR. nos termos do disposto nos Art.ºs 492/1 e 493 do CPC.
5a - No termos do disposto no Art. 493° do CC presume-se a culpa de quem tem a obrigação de vigiar a coisa susceptível de causar danos, ou seja, de quem possui a coisa, por si ou em nome de outrem, desde que possa exercer sobre ela o controlo físico - AC RC de 30.05.89 : BMJ, 387° - 668.
6a - Presume-se a culpa de quem tem o encargo de vigilância de coisas móveis ou imóveis — tal presunção " iuris tantum " implica a detenção material da coisa em nome próprio ou alheio - o detentor tem o encargo de vigiar a coisa de forma a providenciar para que o dano seja evitado tomando as medidas adequadas - a qualificação da culpa tem apenas interesse para efeitos de graduação da indemnização - AC STJ de 27.05.1997, CJ STJ, 1997, vol. 2, pág. 105.
7a - A parte tem legitimidade como R. se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida.
8a - É parte legítima quem tem interesse directo em contradizer.
9a - Nas acções de condenação em geral, a legitimidade do R. consistirá, por seu turno, em ser ele - e não outro - a pessoa que praticou o facto violador do direito do requerente.
10a - Violou a decisão sub-júdice o disposto nos Arts. 26° do C.P.C, e Arts. 483°, 487°/2 e 492° e 493/1 do C. Civil.


Os agravados responderam, pugnando pela manutenção do decidido.

*

O processo seguiu os seus termos e a final foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando a Ré D... a pagar € 225,11 à A. C...e € 25.249,40 aos AA. e mulher, importâncias em ambos os casos acrescidas de juros de mora à taxa legal desde 1/05/2003 até efectivo pagamento.
Inconformados apelaram agora a Ré D... e a A. C...

Nas conclusões da respectiva alegação, a apelante D... suscita as questão do âmbito da cobertura do respectivo seguro, que não abrangeria senão a responsabilidade inerente aos danos provocados pela administração do condomínio, circunstância que imporia a sua absolvição integral do pedido.

Por seu turno, a apelante C..., na explanação das suas conclusões, levanta as questões da modificação da decisão de facto (art.ºs 6º e 10º da base instrutória), do dano da privação do uso do imóvel e da ausência de tecto indemnizatório para o arrendatário de fracção no contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré.

A Ré D... respondeu às alegações da apelante C..., batendo-se pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:

A propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo com a área de 87 m2 (oitenta e sete metros quadrados) do prédio urbano sito na Rua António Pereira Afonso, n.º 33, sita em Ourém, da freguesia de Nossa Senhora da Piedade, inscrito na matriz sob o artigo 2804, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º 245 mostra-se inscrita a favor de A... e B... pela inscrição G-2;
No dia 27 de Dezembro de 2000, no Cartório Notarial de Ourém, Maria do Céu Costa Bernardino Casalinho declarou vender ao Autor A..., que declarou comprar-lhe, pela importância de Esc. 8.000.000$00, a referida fracção autónoma designada pela letra «G», correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua António Pereira Afonso, n.º 33, sita em Ourém, da freguesia de Nossa Senhora da Piedade, inscrito na matriz sob o artigo 2804;
No dia 18 de Novembro de 1996, no Cartório Notarial da Batalha, entre Ângelo Valentim de Oliveira e Daniel Rodrigues Marques foi celebrado o acordo, nos termos do qual ambos declararam constituir uma sociedade com a denominação C...., com sede na Rua António Pereira Afonso, loja trinta e um, na cidade de Ourém, freguesia de Nossa Sra. da Piedade, tendo por objecto a actividade de formação profissional em informática, contabilidade, comércio e línguas, consultoria em engenharia, projectos de engenharia, comercialização de equipamento informático, electrónico e telecomunicações, assistência técnica e gestão de empresas; com o capital de Esc. 450.000$00, representado por uma quota de Esc. 300.000$00 pertencente ao sócio Ângelo Valentim de Oliveira e outra quota de Esc. 150.000$00 do sócio Daniel Rodrigues Marques;
Entre Sandra Manuela Pereira da Silva e marido Paulo Alexandre Neves Rodrigues; Daniel Rodrigues Marques e mulher Daniela Maria da Costa Gameiro Marques; Paula Maria Camacho Spínola e Katya Alexandra Vieira da Costa Martins foi celebrado acordo, no dia 26 de Novembro de 1998, nos termos do qual, Daniel Rodrigues Marques e mulher Daniela Maria da Costa Gameiro Marques, declarando serem os únicos sócios, com quotas de Esc. 225.000$00, cada um, da C..., declararam: Daniela Maria da Costa Gameiro Marques ceder a Paula Maria Camacho Spínola, que declarou aceitar, pela importância de Esc. 225.000$00, a quota da primeira, na C....; e Daniel Rodrigues Marques declarou ceder a Katya Alexandra Vieira da Costa Martins, que declarou aceitar, pela importância de Esc. 225.000$00 a quota daquele na C... ( escrito de fls. 16 a 18 );
Entre Maria do Céu Costa Bernardino Casalinho, Leonel Santos Martins, João Manuel Santos Baptista e Ângelo Valentim de Oliveira, estes três últimos na qualidade de legais representantes da autora C..., foi celebrado um acordo, em 19 de Setembro de 1996, nos seguintes termos:
Maria do Céu Costa Bernardino Casalinho declarou prometer dar de arrendamento à Autora C..., para esta ali exercer a actividade de formação profissional e venda de equipamento informático, a fracção autónoma designada pela letra «G», correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua António Pereira Afonso, n.º 33, sita em Ourém, da freguesia de Nossa Senhora da Piedade, inscrito na matriz sob o artigo 2804;
Leonel Santos Martins, João Manuel Santos Batista e Ângelo Valentim de Oliveira, na qualidade de legais representantes da Autora C...., declararam prometer tomar de arrendamento, para a mesma finalidade, a referida fracção autónoma;
Todos prometeram, ainda, que a ocupação da fracção, por parte da C...., para o exercício da actividade mencionada teria a duração de um ano, com início em 1 de Outubro de 1996, renovável por sucessivos e iguais períodos;
E que, em contrapartida e como remuneração por essa ocupação, a Autora C... entregaria a importância mensal de Esc. 50.000$00, até ao dia oito de cada mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito, na residência de Maria do Céu Costa Bernardino Casalinho;
Todos prometeram, ainda, celebrar a escritura pública a que se refere este acordo, até ao dia 31 de Janeiro de 1997;
Tendo, ainda, acordado que a Autora C.... poderia passar a ocupar, a partir daquele mesmo dia 19 de Setembro de 1996, a fracção G, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua António Pereira Afonso, n.º 33, sita em Ourém (documento de fls. 21 e 22);
Os Autores procederam à colocação de paredes em “pladur” nas suas instalações dividindo em três a área da fracção, antes de 19/01/1999;
O custo da instalação das paredes de “pladur” foi de Esc. 37.924$00, acrescido de 19% de I.V.A., nele estando incluído o custo do material e da mão de obra;
Uma dessas salas da fracção «G» funcionava como recepção e as outras duas como salas de aula;
Em Dezembro de 2000, na sequência de forte pluviosidade que se fez sentir nesse Inverno, as águas da chuva infiltraram-se pela placa do primeiro andar que cobre a fracção G, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano sito na Rua António Pereira Afonso, n.º 33, sita em Ourém, escoando-se para o rés-do-chão (onde se acumulou até uma altura do chão de cerca de um metro);
Em consequência dessas infiltrações de água referidas em F), até Outubro de 2004, altura em que foram feitas as obras de reparação no locado, e sempre que chovia, as águas pluviais continuavam a infiltrar-se e a cair no rés-do-chão dos Autores, pelo que as paredes e tecto da fracção vieram progressivamente a ganhar bolor e caruncho;
Até Outubro de 2004, apresentavam grandes manchas de humidade;
E fissuras e rachas que continuavam a alastrar, até Outubro de 2004, pelo tecto e paredes;
Os manuais com os programas dos cursos ministrados pela Autora C... ficaram inutilizados em consequência das infiltrações de água referidas em F);
Foram feitos de encomenda para a Autora C... que neles despendeu a quantia de Esc. 1.595.000$00;
Em Dezembro de 2000, o Curso de Informática/Utilizador leccionado pela Autora C... custava o montante de Esc. 104.500$00, Esc. 110.000$00 ou Esc. 119.500$00 consoante o seu pagamento fosse efectuado em duas, quatro ou seis prestações mensais;
Em Dezembro de 2000 estavam inscritos nesse curso (Curso de Informática/Utilizador leccionado pela Autora C...) alunos em número não concretamente apurado, mas não superior a cem, com a modalidade de pagamento em seis prestações, tendo sido pagas apenas as duas primeiras;
A Autora C... não recebeu as restantes quatro prestações no valor de 78,56 euros cada;
A C..., desde Dezembro de 2000 até à propositura da presente acção, manteria em funcionamento número não concretamente apurado de turmas – mas não superior a cinco, de vinte alunos cada e em que cada um deles pagaria 521,24 euros;
Leccionaria número não concretamente apurado de cursos de seis meses a um número não apurado de turmas, mas não superior a cinco, de vinte alunos cada e em que cada um deles pagaria 521,24 euros;
A Autora C... obteria um lucro líquido de montante não concretamente apurado, depois de deduzidos os encargos mensais de Esc. 50.000$00 relativo a renda, dois salários mensais de professores de Esc. 100.000$00 cada, bem como consumos de água e electricidade de Esc. 15.000$00 mensais;
Em consequência do aludido em F), a Autora C... deixou de poder continuar a desenvolver a sua actividade, tendo a partir de Dezembro de 2000 deixado de a exercer;
Em consequência do aludido em F) a Autora perdeu toda a clientela angariada em quatro anos de actividade, não sendo previsível que a recupere porque outras empresas similares se instalaram no concelho de Ourém;
Desde Dezembro de 2000 e até Outubro de 2004 os Autores estiveram privados da utilização das instalações aludidas em 1º e 2º;
Desde essa data que a Autora C... não mais pagou a renda mensal de 50.000$00 aos Autores A... e B... que a cobravam;
Os Autores A... e B... não conseguiram utilizar a fracção no estado em que a mesma se encontrava, desde Dezembro de 2000 até Outubro de 2004;
A reparação dos prejuízos causados na fracção aludida em A) importou em 25.000,00 euros (com I.V.A. de 19% já incluído), sendo que as obras já foram feitas e concluídas em Outubro de 2004;
Entre o condomínio do prédio sito no n.º 33 da Rua António Pereira Afonso e a Ré foi celebrado um acordo titulado pela apólice n.º 32.00856324, mediante o qual a Ré assumiu a responsabilidade inerente ao aludido prédio, designadamente com os estragos resultantes de tempestades, inundações, designado seguro multi-riscos habitação. (documentos de fls. 33 a 40 e de fls. 108 a 112 dados por integralmente reproduzidos);
O condomínio do prédio sito no nº 33 da Rua António Pereira Afonso, freguesia de Nossa Sra. da Piedade, em Ourém, preencheu e apresentou à Ré, então, Oceânica, a proposta de adesão com data de 14 de Janeiro de 1999, no sentido de a Ré assegurar a cobertura, entre outros, dos seguintes riscos incluídos na cobertura base: tempestades, inundações, danos por água, responsabilidade civil extracontratual – proprietário/inquilino/ocupante, privação temporária do uso local arrendado/ocupado, perda de rendas (edifícios), para além de outros.
Ficou igualmente garantida a Responsabilidade Civil Extracontratual da administração do condomínio, concretizada no ponto 2.19 das Condições Gerais da Apólice, ficando cobertos, além de outros, os danos causados: pelo edifício, ou partes dele, incluindo a queda de antenas; por pequenas obras de reparação e conservação do edifício; por reclames, toldos, painéis, painéis solares e tabuletas próprias do edifício; pela limpeza de áreas comuns do edifício; pelas instalações fixas do edifício (eléctricas, de água, gás, esgotos, aquecimento ou climatização).
E com os seguintes limites de indemnização: Proprietário: 25% Capital do edifício; Inquilino/Ocupante: 25% Capital do conteúdo; máximo de 5.000.000$00 (Proposta e Condições Particulares, de fls. 76 e 77 e 371 e de fls. 108 a 112 dos autos).
Essa cobertura base refere-se ao edifício, ou seja, ao prédio sito no nº 33 da Rua António Pereira Afonso com o nº 33 de polícia, da freguesia de Nossa Sra. da Piedade, em Ourém.
Do verso da proposta de adesão de 14.01.99, consta a seguinte menção: «Descrição dos valores a segurar – edifício e (...) os valores a segurar deverão corresponder ao custo da reconstrução, incluindo benfeitorias incorporadas ....» e, sob o item «Observações» , « prédio constituído por 5 pisos: r/c 1º 2º 3º e águas furtadas: no r/c são lojas os outros são habitação. Todos os pisos têm esquerdo e direito excepto as águas furtadas» (documento que consubstancia o escrito de fls. 76 e 77, cujo original se encontra a fls. 371, dado por integralmente reproduzido);
A Axa – Seguros de Portugal, S.A. efectuou o pagamento aos Autores do montante dos danos verificados no equipamento informático;
Após a infiltração das chuvas a que se refere a alínea F), os Autores, por intermédio do condomínio do prédio respectivo reclamaram junto da Ré, para que esta procedesse às necessárias reparações, na sequência do que a Ré efectuou uma peritagem para apuramento das causas e quantificação dos prejuízos emergentes dessa participação, recusando assumir a responsabilidade pelo pagamento dos danos participados;
No decurso das averiguações efectuadas pela Ré, e após estudo e análise das características dos locais do risco e do sinistro apurou-se que, devido à precipitação registada no decurso do mês de Dezembro de 2000 na região de Ourém, o esgoto do terraço do primeiro andar direito do citado prédio, destinado ao escoamento das águas pluviais recebidas, não se revelou capaz de escoar eficazmente toda a água que foi caindo, por causa do lixo que entupiu o ralo do mesmo;
O que provocou naquele local uma acumulação de água;
Transformando o espaço do terraço em algo assemelhado a uma piscina;
Quando o nível da água acumulada superou a cota da soleira das portas da cozinha da fracção autónoma sita no primeiro andar direito, através da qual se acede ao referido terraço, a água começou a escoar-se pelas frestas existentes entre as portas e os pavimentos da cozinha, para o interior daquelas fracções, correspondentes ao primeiro andar direito e primeiro andar esquerdo;
Como a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar direito se encontrava desocupada a água invadiu a cozinha e o hall de entrada, prosseguindo para as escadas comuns, através da fresta existente entre o pavimento do dito hall de entrada e a porta – aí localizada – de acesso à caixa de escadas;
Simultaneamente, a água acumulada no terraço do primeiro andar direito infiltrou-se através da placa em que assenta o pavimento desse terraço e penetrou no interior da fracção autónoma situada no rés do chão em que a autora C... tem localizada a sua sede;
À data da construção do edifício seguro – antes de 1990 – não era exigível a colocação de tela isoladora, desde que a drenagem das águas pluviais estivesse de acordo com as exigências legais da altura, sendo que existia tela isoladora naquele terraço e que a drenagem das águas pluviais estava de acordo com as exigências legais na altura (ralo de 50 milímetros de diâmetro e tubo 50 PPC);
A participação do sinistro deu entrada nos serviços da Companhia Ré no dia 21.12.2000, havendo o segurado comunicado nessa mesma participação que o sinistro ocorreu nos dias 06 e 07.12.2000;
Os Autores deram conhecimento do ocorrido ao mediador de seguros respectivo em 07.12.2000, o qual se deslocou ao local dois ou três dias depois;
Esse mediador deu conhecimento à Ré dos danos no prazo de oito dias a contar da data de verificação dos mesmos;
À data da celebração do acordo aludido em “I” e “J” estavam já colocadas divisórias no rés-do-chão esquerdo dos Autores.

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Perante a declaração da apelante C... de que mantinha interesse no agravo que interpusera (art.º 748, nº 2 do CPC) conhecer-se-á em primeiro lugar do respectivo objecto (art.º 710, nº 1 do CPC).

O agravo.

Nas conclusões já explicitadas procura a agravante evidenciar os pressupostos da legitimidade adjectiva dos RR. E... e mulher em relação ao objecto da lide.
Importa retratar o que a propósito ficou consignado na decisão agora impugnada:
" Critério último de estabelecimento da legitimidade é dado pelo n.° 3 do preceito legal convocado (o art.º 26 do CPC) , na sua redacção actual, a qual superou definitivamente a velha querela doutrinária entre Barbosa de Magalhães e José Alberto dos Reis. Ali se diz hoje que na falta de indicação da lei em contrário são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como ela é configurada pelo Autor.
A relação material configurada pelo Autor passa necessariamente pela alegação de factos concretos de onde a mesma se deduza."
De seguida o M.mo Juiz faz um percurso pela factualidade articulada na petição inicial para, em jeito de síntese, deduzir que nada aí vem alegado «que permita estabelecer qual a fonte de responsabilidade que impendendo sobre eles (os RR. E...e mulher) determina a sua demanda» e que «a relação material tal como ela vem configurada pelos Autores assenta na existência de contrato de seguro celebrado entre o condomínio do prédio e a 2.ª Ré».
Desde já se atalha que a relação material que se controverte é um qualquer facto ou conjunto de factos a que se pretende ligar um ou vários efeitos jurídicos.
Se essa realidade é irrelevante no plano da ordem jurídica ou insuficiente ou inidónea para desencadear determinados efeitos jurídicos visados na acção, a relação invocada, por contender com o mérito, gera a improcedência da acção, posto que não se verifique uma situação de ineptidão da petição (art.º 193, nº 2 al.ª a) do CPC).
Ora, no caso dos autos, os AA. alegaram a existência de uma relação daqueles RR. com a fracção de onde proveio a acumulação de água que deu azo á infiltração: a relação material fundada na propriedade, com todo o complexo de direitos e deveres que daí dimanam, nomeadamente perante terceiros.
Se se considerasse que não estava alegada qualquer relação material que ligasse o pedido aos RR. não se poderia falar de ilegitimidade, já que esta pressupõe a inadequação dos sujeitos processuais perante um certa relação em discussão.
Deve entretanto acentuar-se que a propriedade de uma fracção de um edifício em regime de propriedade horizontal cria a obrigação de a guardar e conservar com o zelo médio por forma a que da mesma não surjam factos lesivos para os restantes condóminos, comportando essa simples relação real a presunção de culpa in vigilandum (art.º 493 do CC) pelos danos provenientes da coisa. Verificando-se a legitimidade dos agravados pela referida relação com a fracção de que são donos, a decisão recorrida não pode manter-se.
Assiste, deste modo, razão à agravante.

Na procedência do agravo fica prejudicada a apreciação das apelações.

Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo, revogam a decisão recorrida, declarando os RR. E... e F... parte legítima e anulando os termos processuais subsequentes ao momento em que aquela foi proferida, a fim de que a lide prossiga também contra eles.
Custas pelos agravados.