Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/17.0ZRCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO NOVAIS
Descritores: AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
TIPO OBJECTIVO
TIPO SUBJECTIVO
DOLO ESPECÍFICO
INTENÇÃO LUCRATIVA
Data do Acordão: 10/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 183.º, N.º 2, DA LEI N.º 23/2007, DE 04-07, COM A REDACÇÃO DADA PELA LEI N.º 29/2012, DE 09-08
Sumário: I – Os bens jurídicos tutelados pelo tipo de crime de auxílio à imigração ilegal, são, simultaneamente, a protecção dos imigrantes, enquanto grupo social vulnerável, mais susceptível de se encontrar numa situação de precariedade social e económica, desde logo potenciada pela sua condição de ilegalidade, e a necessidade de prevenção de um elevado fluxo de imigrantes em condições irregulares, permitindo a regulação e controle desse movimento pelo Estado Português.

II – O artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 09-08, não exigindo que o agente favoreça a entrada ou trânsito de um cidadão estrangeiro no país – basta que a este tenha facilitado a permanência –, exige, adicionalmente ao n.º 1 do mesmo artigo, um dolo específico, traduzido na “intenção lucrativa”.

III – O lucro desejado pelo agente deve ser entendido num sentido comum e amplo, como equivalendo a qualquer vantagem material, intelectual, ou moral, que se pode retirar de uma determinada conjuntura.

IV – Assim, quando alguém procura, com a facilitação ou o favorecimento de um cidadão estrangeiro em situação ilegal, algum proveito ou vantagem, ainda que não sob a forma de lucro no sentido económico-financeiro, age com a intenção lucrativa prevista na referida norma.

V – Manifesta essa intenção o arguido que promete celebrar contratos de trabalho, no âmbito da actividade de futebol, com jogadores estrangeiros, sabendo que estes, em situação de ilegalidade, aceitam jogar a troco de baixos valores monetários, fazendo-os acreditar na (falsa) regularização da sua condição, tudo com a finalidade de o clube do qual é presidente da direcção ganhe títulos e prémios desportivos sem despender valores mais elevados decorrentes da contratação de outros jogadores, de valia semelhante, mas com a permanência em Portugal legalmente garantida.

Decisão Texto Integral:










I - Relatório

       I.1.   O Ministério Público (recurso A), e a arguida G (recurso B), vieram interpor recurso do acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Viseu (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu qual:

       A) Absolveu o arguido P. da prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de  Agosto; e de 14 (catorze) crimes de tráfico de pessoas, previstos e punidos pelo artigo 160.º, n.º 1, alínea d) e 3, do Código Penal.

       B) Absolveu a arguida G., como responsável, nos termos do disposto nos artigos 11.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, e 182.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto e de 14 (catorze) crimes de tráfico de pessoas, previstos e punidos pelo artigo 160.º, n.º 1, alínea d) e 3, do Código Penal

       C) Condenou o arguido P. pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano de prisão, pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, na pena parcelar a cada um dos crimes de 1 ano de prisão, pela prática  de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 1, 2 e 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, na pena parcelar a cada um dos crimes de 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos;

       D) Condenou a arguida G., responsável nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal, pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal na pena parcelar de 120 dias de multa, pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, na pena parcelar a cada um dos crimes de 120 dias de multa e pela prática de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 1 e 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, na pena parcelar a cada um dos crimes de 60 dias de multa e, em cúmulo jurídico, condenou a arguida na pena única de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de 100,00 (cem) euros, num total de 60.000,00 (sessenta mil) euros, que se substitui ao abrigo do disposto no artigo 90º - D, do Código Penal, por caução de boa conduta, no montante de 30.000,00 (trinta mil) euros, pelo prazo de 3 anos, a prestar no prazo máximo de 90 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão;

       E) Ordenou, nos termos do artigo 90º - M, do Código Penal, a publicidade do acórdão condenatório, a expensas da arguida, mediante extracto que contenha a identificação dos arguidos, as sanções aplicadas e os elementos da infracção.

      

       I.2 O Ministério Público (recurso A) apresentou as seguintes conclusões:

       1º- Restringe-se o presente recurso:

       a) à parte em que foi decidido absolver o arguido P. e a arguida G. da prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto e condenar os mesmos arguidos pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto e pela prática de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.ºs 1 e 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho,

      b) à medida da pena aplicada pelo crime de falsificação de documento;

      c) Subsidiariamente, por mera cautela, caso não venha a ser procedente na sua totalidade o recurso aludido em 1º a) (já que, em caso de procedência total, tal implicará a revogação de todas as penas parcelares aplicadas pelos crimes de imigração ilegal e consequentemente das penas únicas e aplicação de novas penas):

       1 - à determinação da pena de multa aplicada á arguida pelos crimes de imigração ilegal;

       2 - á substituição da pena única de prisão aplicada ao arguido pela suspensão simples da execução da pena e à substituição da pena única de multa aplicada á arguida por caução.

das razões da discordância:

       2º- quanto ao ponto 1º a):

       da discordância da condenação pelo nº1 do artigo 183:

       2.1- Conforme se escreve no douto acórdão em recurso os nºs 1 e 2 do artigo 183 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto - do qual serão todos os artigos doravante citados sem menção de diploma - preveem para situações diferentes.

2.2. Assim, o nº1 apenas prevê para a ajuda ou facilitação da entrada ou transito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional mas já não para a ajuda ou facilitação da permanência de cidadão estrangeiro em Portugal, que apenas é punível nos termos do nº2.

        2.3. Acontece que, o Tribunal recorrido, dando como assente, na discussão da causa, a diferente previsão de um e outro normativo, acabou por desconsiderar essa diferença na decisão.

        2.4. Na verdade, constando do douto acórdão que os jogadores efectivamente contratados pelo arguido P., na qualidade de Presidente da arguida G., para jogarem futebol ao serviço deste Clube, se encontravam já em Portugal (ilegalmente) quando foram contactados e contratados pelo arguido (cfr. factos provados 6, 10, 27,32, 40, 43, 46, 49, 52, 55, 58 e 64 e declarações dos jogadores enunciadas na fundamentação do douto acórdão, tudo devidamente transcrito e concretizado na motivação em II.1, que por motivos de economia processual aqui se dá por reproduzido), incompreensivelmente, o Tribunal recorrido considerou que a conduta do arguido integrou com cada uma dessas contratações o crime previsto no nº1 do artigo 183, entrando, assim, em contradição manifesta com o que explanara relativamente ao conteúdo do citado crime, quando afirmara (e bem) que o objecto da acção de tal normativo é a entrada ou trânsito ilegais e não a permanência ilegal, essa que apenas cabe no nº2 do mesmo artigo.

        2.5. Só quanto aos dois jogadores que o arguido tentou contratar mas não contratou, por razões alheias á sua vontade, R. e D., se tratou de situações passiveis de integrar o nº1 do artigo 183, pois que só nessas situações o arguido tentou trazer os jogadores do estrangeiro para Portugal, conforme consta dos artigos 13 a 15 dos factos provados.

        2.6. Dessa realidade, ou seja, de que em todos os casos de crime consumado, se tratou de contratar cidadãos estrangeiros que já se encontravam em Portugal em situação ilegal e apenas nos 2 casos em que os crimes se ficaram pelo estádio da tentativa (artigos 13 a 15 da factualidade provada) se tratou de fazer entrar cidadãos em Portugal, estava ciente o Tribunal recorrido, como facilmente se comprova com a leitura do douto acórdão, na parte que que, após se ter debruçado sobre os elementos

constitutivos do crime de imigração ilegal previsto pelos nºs 1 e 2 do artigo 183 e, em completa contradição com o que aí afirmara, prossegue do modo que ficou transcrito em II.1, concretamente págs.11 a 13 da motivação, que aqui se dá por reproduzido por questões de economia processual.

        2.7. Em suma, do douto acordão recorrido resulta á evidencia que, relativamente aos jogadores W., M., A., D., MV., C., DB., F., DS., AP., T., N., K., AM., o Tribunal recorrido considerou que o arguido agiu «bem sabendo que todos os referidos indivíduos estavam em situação documental ilegal e que pretendiam regularizar a sua situação em Portugal» , sendo que apenas quanto aos jogadores R. e D. o tribunal considerou que arguido agiu com o intuito de os convencer a deslocarem-se a Portugal “com visto de turista”, conforme excertos transcritos na motivação, ponto II.1, que aqui se dão por reproduzidos por questões de economia processual.

       2.8. Aliás, mesmo a propósito da fundamentação da escolha e medida da pena se sublinha essa realidade no douto acórdão recorrido, aí se referindo que: «O comportamento do arguido P., não obstante a fiscalização do SEF, não se coibiu de continuar a aceitar jogadores estrangeiros que se encontravam em território nacional em situação ilegal e também a aliciar outros 2 jogadores a virem para Portugal em situação irregular (mas que não se concretizou neste caso) …»

       [sublinhado nosso].

       2.9. Por todo o exposto se conclui que, de acordo com as considerações expendidas no douto acórdão, apenas quanto aos jogadores R. e D. a conduta do arguido seria passível de enquadramento no nº1 do artigo 183, pois que apenas quanto a estes a conduta do arguido visou a entrada ilegal em território português; já quanto aos restantes, por se tratar de jogadores que já se encontravam em Portugal, visando-se, portanto, a facilitação ou favorecimento da sua permanência ilegal em território nacional, a conduta do arguido - de acordo com a própria argumentação jurídica aduzida no próprio acordão recorrido - apenas poderia ser sancionada nos termos do nº2 do artigo 183.

      2.10. É, pois, de todo incompreensível que o Tribunal recorrido tenha decidido integrar também a conduta do arguido relativamente aos jogadores W., M., A., D., MV., C., DB., DS., AP., T., N., K., AM. na previsão do artigo 183 nº1, verificando-se claro erro de julgamento e o vicio previsto no artigo 410, nº1, al. b) do CPP, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, o qual resulta ostensivo do próprio texto da decisão recorrida.

      2.11. Mas, no que concerne aos jogadores MV., M. e A. outro vício se descortina no texto do douto acórdão: o previsto no artigo 410 nº2 al. a) do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

      2.12. Com efeito, quanto a estes jogadores, o Tribunal não deu como provado se os mesmos já se encontravam, ou não, em Portugal quando foram contactados e contratados pelo arguido (cfr. factos provados 16 a 26), não obstante tal tenha resultado da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente dos depoimentos dos referidos jogadores em que o tribunal fundamentou a sua convicção, devidamente enunciados no douto acórdão e transcritos supra na motivação ponto II.2, páginas 15 e 16.

      2.13. Aliás, como já referimos supra, inclusive na fundamentação da escolha e medida da pena o Tribunal considerou assente que, exceptuados os 2 jogadores cuja contratação não chegou a consumar-se, todos os outros se encontravam já em Portugal quando foram contactados pelo arguido.

      2.14. Assim, ao não dar como provado que os jogadores MV., M. e A. já se encontravam em Portugal quando foram contactados e contratados pelo arguido, não obstante tal tenha resultado da prova produzida em audiência de julgamento – como resulta do próprio texto da decisão recorrida – e tratando-se sem duvida, tal como aliás resulta da discussão jurídica da causa efectuada no douto acórdão, de um elemento imprescindível para aferir se se verifica a previsão do nº1, ou, antes, a previsão do nº2 do artigo 183, o Tribunal incorreu também no vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410, nº 2 al .a) do CPP, para além da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

      2.15. Na verdade, pelas razões invocadas, impunha-se que, não obstante tal não tivesse sido levado á acusação, viesse a ser dado como provado em sede de julgamento (porque imprescindível para a decisão a proferir e resultante da discussão da causa) após cumprimento do disposto no artigo 358 do CPP, uma vez que se traduziria em mera alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

       2.16. Não tendo tal sido efectuado, nada obsta, porém, a que tal facto seja dado como provado pelo Tribunal de recurso uma vez que este dispõe de todos os elementos necessários para proferir decisão nessa matéria, sem necessidade de audição prévia dos arguidos.

      2.17. Na verdade, a lei limita o dever de notificação do arguido previsto no artigo 424, nº3 do CPP (norma que, não obstante diga respeito à audiência estabelece um princípio que deve aplicar-se ao caso de não haver lugar à audiência, mas a conferência) à alteração "não conhecida do arguido".

      2.18. Por isso, vem entendendo a jurisprudência que se a alteração resulta da posição assumida pelo MP nas conclusões de recurso, como acontece in casu, a alteração já é conhecida do arguido, pois ele foi oportunamente notificado para responder ao recurso e, portanto, não se justifica um dever adicional de comunicação – neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 3ª edição, pág. 1147 e Ac. do STJ de 15.4.2010, Proc. 1423/08.2JDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

       2.19. Deverá, pois, ser dado como provado pelo Venerando Tribunal de recurso que os referidos jogadores W, M. e A. já se encontravam em Portugal quando foram contactados e contratados pelo arguido, em aditamento á factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido.

      2.20. Após o que, será mister concluir, pelas razões já indicadas, que a factualidade dada como provada no que concerne a estes jogadores, á semelhança do que ocorre com todos os restantes (exceptuado como referimos os casos dos jogadores R. e D. em que os crimes se ficaram pelo estádio da tentativa), não pode integrar o crime do artigo 183 nº 1, impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte em que considerou o contrário e condenou os arguidos pela prática de 14 crimes consumados pp pelo citado normativo.

      Da pretensão de condenação pelo crime do artigo 183, nº 2:

      2.21. A factualidade dada como provada, não só quanto aos jogadores efectivamente contratados, mas, inclusive, quanto aos jogadores em que a conduta do arguido se ficou pelo estádio da tentativa é bastante para integrar o crime – mais grave – pp pelo nº2 do citado artigo, conforme se imputava aos arguidos na acusação, razão pela qual também no que concerne aos crimes tentados a condenação dos arguidos deverá ocorrer no âmbito deste normativo e não no âmbito (menos gravoso) do nº1 do artigo 183, como foi entendido pelo Tribunal recorrido.

        2.22. Na verdade, entendemos que andou mal o Tribunal quando absolveu os arguidos da prática do citado crime pp pelo artigo 183 nº2.

Vejamos.

        2.23. Considerou o Tribunal recorrido que a factualidade provada não era suscetível de integrar este normativo porquanto o mesmo exige para a sua verificação: «a “intenção lucrativa”, ou seja, deve estar na base da actuação do agente que fomenta a permanência do estrangeiro em Portugal, a intenção de obter uma vantagem, um ganho, seja ele económico ou material, o que considerou não ocorrer no caso concreto.

      2.24. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta conclusão.

      2.25. Considerou o Tribunal recorrido e bem que «Age com animus lucrandi aquele que procede com o objectivo de obter uma vantagem, uma contraprestação, um benefício ou ganho na realização de qualquer das actividades previstas pelo tipo, seja ele financeiro, económico ou material.»

2.26. Ora, da matéria dada como provada pelo Tribunal recorrido, supra transcrita na motivação sob o ponto II.3, páginas 18 a 26, resulta evidente a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, esse «beneficio», «ganho» ou «vantagem» material, ou seja, resulta evidente que o arguido agiu com animus lucrandi, considerado este conceito de acordo com o explanado pelo próprio Tribunal recorrido e já supra citado.

         2.27. Na verdade, o arguido agiu com o intuito dado como provado de conseguir jogadores de futebol para o Clube a que presidia, aliás, não uns jogadores quaisquer, mas jogadores com ambições de singrar no mundo do futebol, a nível internacional, para efeitos de obtenção de títulos e prémios para aquele clube.

        2.28. Ora, sendo o interesse primeiro de qualquer Clube desportivo que se dedique á prática do futebol, ter jogadores que lhe permitam a obtenção de títulos e de prémios, em última análise, que o catapultem para Divisões nobres, não se percebe como possa afirmar-se que essa finalidade não constitui um benefício ou ganho, uma vantagem material para o Clube, o que, salvo o devido respeito, constitui um contrassenso.

      2.29. Mas, mais, o douto acórdão dá mesmo como provado (como resulta dos excertos a que se aludiu, transcritos na motivação) que o arguido agiu movido pelo único objetivo de ter jogadores no clube de futebol do G. a jogarem para que este clube ganhasse títulos e prémios sem despender muito dinheiro. Animus lucrandi mais claro do que este, é impossível, diríamos nós.

      2.30. Aliás, o que levaria o arguido a enganar os jogadores (como enganou e resulta provado) com vista a conseguir que os mesmos jogassem pelo clube de que era Presidente, se daí não resultasse ganho/benéfico/vantagem material para o Clube que tal justificasse?

      2.31. Sob outra perspetiva, é de notar que, como bem resulta dos factos provados que supra se transcreveram na motivação sob o ponto II.3, páginas 18 a 26, o arguido aproveitou-se do facto dos jogadores se encontrarem em situação irregular no país, para onde vieram acalentando o sonho de singrarem no mundo do futebol, aceitando, inclusive, jogar sem receber, prometendo-lhes vencimentos que praticamente nunca lhes pagou na totalidade, donde resulta também claro o beneficio patrimonial.

      2.32. Em suma, mais uma vez, se constata o vicio da contradição insanável entre a decisão e a fundamentação previsto no artigo 410, nº 2 alínea b) do CPP.

      2.33. Devem pois os arguidos ser condenados pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2 e de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 2, assim se revogando a decisão do tribunal recorrido que os absolveu da prática de tais crimes.

      2.34. De sublinhar que, no caso dos dois crimes tentados, a conduta do arguido integra quer a previsão do nº 1 do artigo 183, quer a previsão do nº 2; contudo, tratando-se de um caso claro de concurso aparente de normas, sendo o último o que prevê o tipo de ilícito mais grave é por ele que os arguidos deverão ser punidos.

      2.35. Consequentemente, impõe-se que sejam aplicadas aos arguidos novas penas mais graves, em conformidade com a moldura abstracta mais grave que corresponde ao ilícito do nº 2 do artigo 183º relativamente ao do nº 1 do mesmo normativo, pelo qual foram condenados pelo Tribunal recorrido, nada obstando a que a tal operação se proceda em sede de recurso, de acordo com o Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº4/2016, publicado no DR nº36/2016, Série I de 22/2/2016, sendo certo que os autos contêm todos os elementos para tal.

      2.36. Acresce que, na aplicação das penas de multa á arguida não poderá o Venerando Tribunal de recurso deixar de ter em conta a previsão do nº5 do artigo 183 (que não foi tida em conta pelo tribunal recorrido, conforme infra melhor se explanará) onde se estabelece que :«- As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º [sendo elas : «As pessoas coletivas e entidades equiparadas», como é o caso da arguida] são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro….», ainda que se possa considerar que daí resultará alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação (na medida em que a acusação não faz referencia a tal normativo), ao que nada obstará que se proceda nos exactos termos propugnados em 2.17 a 2.19 quanto à alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

       3º. Quanto ao ponto 1º b) da discordância do quantum das penas aplicadas relativamente ao crime de falsificação de documento:

       3.1 Admitindo-se a condenação por um único crime, não obstante sejam 6 os contratos falsificados, tendo por base a ideia de uma única resolução criminosa, com fundamento no artigo 38 da factualidade dada como provada – correspondente ao artigo 42 da acusação – tal como, aliás, constava da imputação da acusação, tal não pode fazer esquecer que está em causa a falsificação de 6 contratos de trabalho, relativamente a 6 diferentes jogadores, ainda para mais ocorrida num momento posterior á intervenção do SEF (artigo 37 dos fatos provados), reveladora de um grau de ilicitude e de culpa elevados, pelo que, dento de uma moldura penal abstracta de prisão de 1 mês a 3 anos ou de multa de 10 a 360 dias, as penas  fixadas respetivamente para o arguido e para a arguida de 1 ano de prisão e de 120 dias de multa, se nos afiguram, salvo o devido respeito por opinião contrária, claramente diminutas, impondo-se a sua agravação, o que se requer.

4º- Quanto ao ponto 1º c)

subsidiariamente, por mera cautela,

Caso não venha a ser procedente na sua totalidade o recurso aludido em 1º a) (já que, em caso de procedência total, tal implicará a revogação de todas as penas parcelares aplicadas pelos crimes de imigração ilegal e consequentemente das penas únicas e aplicação de novas penas parcelares e únicas naturalmente agravadas).

4.1 Da discordância da determinação das penas de multa pelos crimes de imigração ilegal:

4.1.1. Quanto á determinação da moldura abstracta da pena de multa aplicar á arguida no que concerne aos crimes de auxilio á imigração ilegal, o Tribunal incorreu em erro, por não ter atendido ao nº5 do artigo 183º, onde se estabelece que: «- As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro … [sublinhado nosso]», tal como, aliás, se cita no douto acórdão recorrido.

4.1.2. Na verdade, considerou o Tribunal recorrido que as molduras penais abstractas das penas de multa em que a arguida incorreu pela pratica dos crimes de auxilio á imigração ilegal eram as seguintes:

«- 10 dias a 360 dias para o crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto», considerando que tal crime é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos (cfr. artigo 41º, n.º 1, do Código Penal) e o disposto no artigo 90º - B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal onde se prescreve que:

«1- Os limites mínimo e máximo da pena de multa aplicável às pessoas colectivas e entidades equiparadas são determinados tendo como referência a pena de prisão prevista para as pessoas singulares.

2 - Um mês de prisão corresponde, para as pessoas colectivas e entidades equiparadas, a 10 dias de multa.»

-« 10 dias a 240 dias para o crime de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 1, 2 e 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto. », considerando que tal crime é punível com pena de prisão de 1 mês a 2 anos (cfr. artigos 41º, n.º 1 e 73º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal) e o disposto no artigo 90º - B, n.ºs 1 e 2, do Código Penal já supra transcrito.

4.1.3. Contudo, face á previsão do nº5 do artigo 183 temos que os limites mínimos e máximos supra mencionados terão que ser elevados para o dobro, o que significa que a moldura penal abstracta correspondente ao crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, na forma consumada passa a ser de 20 a 720 dias ; e a moldura penal abstracta correspondente ao crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, na forma tentada passa a ser de 20 a 480 dias, o que, naturalmente, implicará o agravamento da medida da pena pela prática de tais crimes, ainda que o recurso supra não mereça provimento na parte em que se pugnou pela condenação dos arguidos nos termos do nº2 do artigo 183 (o que, como se  referiu, se equaciona por mera cautela), agravamento esse que, mais uma vez, nada obsta seja efectuado pelo Venerando Tribunal de recurso, ainda que se considere que a aplicação do nº5 do artigo 183, porque não mencionada na imputação da acusação se traduz em alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, á semelhança do que já supra se pugnou nas conclusões 2.17 a 2.19 relativamente á alteração não substancial dos

factos descritos na acusação.

4.2. Da discordância da opção pela suspensão simples da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e da substituição por caução da multa aplicada á arguida.

4.2.1. Tal como se reconhece no douto acórdão recorrido, são prementes as necessidades de prevenção geral relativamente aos ilícitos de auxilio á imigração ilegal, vista a frequência com que vão ocorrendo – nomeadamente no mundo do futebol –, considerando-se que, no presente caso, visto o grande número de jogadores contratados e o período alargado de tempo em que decorreu a actuação do arguido, abarcando duas épocas desportivas e tendo prosseguido (e de forma mais elaborada) mesmo depois da ocorrência de uma fiscalização por parte do SEF, a suspensão simples da pena de prisão equivalerá, aos olhos da opinião publica e do próprio agente, a uma não punição.

4.2.2. Entende-se, pois, que, a manter-se a suspensão da execução da pena de prisão (mesmo no caso do Venerando Tribunal de recurso vir a considerar condenar os arguidos unicamente pelos crimes de imigração ilegal tentados - para além  obviamente da manutenção da condenação pelo crime de falsificação-, o que só por mera cautela se equaciona), a mesma deverá ficar subordinada ao cumprimento de condições e regras de conduta que satisfaçam as exigências de defesa do ordenamento jurídico, nomeadamente a obrigação de pagamento, pelo arguido, de quantia determinada ao Alto Comissariado para as Migrações, em prestações, dentro do período de suspensão, quantia que não poderá deixar de ter em conta a condição económica do arguido, mas sem olvidar que o seu cumprimento deverá envolver sacrifício para o mesmo, o que se afigura absolutamente necessário para lhe fazer sentir e á comunidade em geral a gravidade e censurabilidade da conduta . De igual modo, se afigura como adequada e necessária á consecução de tal finalidade a imposição ao arguido da obrigação de se manter afastado, durante o período de suspensão da execução da pena, do exercício de quaisquer cargos, ou funções (de direcção ou outros, v.g. treinador) em grupos desportivos de futebol (pressuposta a não aplicação da pena acessória do artigo 66 nº2 do CP).

Medidas que, a manter-se a suspensão da execução da pena de prisão, se requer sejam aplicadas ao abrigo do disposto nos artigos 51, al. c) e 52, nº1 al. a), ambos do CP.

4.3.1. Por outro lado, e pelas mesmas razões, a substituição da multa aplicada á arguida G., por caução, não é, salvo o devido respeito por opinião contrária, adequada á satisfação das necessidades de defesa do ordenamento jurídico, devendo ser revogada.

Termos em que, e sendo certo que os autos contêm em si todos os elementos para proferir decisão, deverá o Venerando Tribunal de Recurso substituir a decisão recorrida por outra que:

- Condene os arguidos pela prática de 14 crimes de auxílio à imigração ilegal, consumados e de dois crimes de auxílio à imigração ilegal, tentados, por referencia ao artigo 183, nº2 (assim revogando a decisão que os absolveu da prática de tais crimes e os condenou pelo mesmo nº de crimes mas por referencia ao artigo 183 nº 1), com a consequente aplicação de novas e mais graves penas parcelares em conformidade com a moldura penal abstracta mais gravosa;

- Agrave também a pena aplicada aos arguidos pelo crime de falsificação de documento,

Com a consequente aplicação aos arguidos de novas penas únicas e mais gravosas.

Ou, no caso de improcedência da primeira pretensão:

- Sem prejuízo da manutenção da agravação pelo crime de falsificação, mantendo-se a condenação pelos crimes pp pelo artigo 183 nº1 (mesmo que parcialmente) agrave as penas parcelares aplicadas á arguida pela prática de tais crimes e condicione a suspensão da execução da pena única aplicada ao arguido á sujeição a deveres e regras de conduta (nomeadamente os supra mencionados) e revogue a substituição por caução da pena única de multa aplicada á arguida.

 

           I.3 - A arguida G (recurso B) apresentou as seguintes conclusões:

           1. A substituição da pena de multa aplicada por caução de boa conduta é desadequada quer à defesa dos bens jurídicos violados pela pessoa colectiva arguida e prosseguidos pelos tipos criminais em causa, sendo adequada a substituição dessa mesma pena por regime de vigilância judiciária pelo mesmo prazo.

           2. O regime de vigilância judiciária é in casu apto a prevenir a reincidência, bem assim a controlar a actuação dos dirigentes da associação arguida, com mais eficácia que a caução de boa conduta.

          3. A situação de dificuldade financeira e a completa dependência económica da associação arguida tornam irrealizável a prestação da caução determinada, equivalendo por isso tal medida à aplicação da multa principal e, por decorrência, ao incumprimento e consequente insolvência da pessoa colectiva.

         4. Está ope lege vedado a um município subsidiar uma associação de direito privado para que esta possa prestar uma caução em que foi condenada a título substitutivo em processo crime.

         5. Está ope lege vedado a um município prestar garantia em favor de uma associação de direito privado para que esta possa prestar uma caução em que foi condenada a título substitutivo em processo crime.

          6. Encontrando-se a associação arguida em dificuldades financeiras e dependendo em mais de 90% de auxílios do Município de (…), não tem ela condições de prestar a caução de boa conduta no valor de 30.000,00 e em que foi condenada a título de substituição da multa principal.

         7. O valor de 30.000,00 € para caução de boa conduta a prestar pela associação arguida é desproporcionado, designadamente tendo em conta a situação de dificuldade e dependência financeira, que determinam a impossibilidade prática de conseguir realizá-la, seja por depósito, seja por qualquer outro maio previsto na lei.

         8. Um valor não superior a 5.000,00 € mostrar-se-ia proporcional e adequado.

         9. O douto acórdão recorrido terá violado as regras dos arts. 71º 1, 90º D e 90º E do CP.

         10. Deveria o acórdão recorrido ter substituído a pela de multa aplicada à associação recorrente pela medida de vigilância judiciária ou, no limite, ter fixado a caução de boa conduta em valor não superior a 5.000,00 €.

         II. 3 - O arguido P. respondeu ao recurso, concluindo:

         O Tribunal a quo fez a correcta interpretação de todas as normas legais com base extensão material dos factos dado como provados, razão porque deverá ser mantida a decisão recorrida.

         Assim sendo, não existe nenhuma contradição emanada pela sentença do Tribunal a quo, devendo tal decisão manter-se inalterada e, em conclusão, confirmar-se a decisão recorrida.

          Por conseguinte, entendemos que muito bem andou o douto Tribunal a quo, pelos motivos mui doutamente explanados na sua sentença.

       III - Fundamentação de Facto

        Transcrição parcial da decisão recorrida

       

 FACTOS PROVADOS:

 1. O arguido P. exerceu funções de presidente da direcção da arguida, G. (…), conhecido por (…), pessoa colectiva desportiva com o NIPC (…), com sede (…), desde a época 2012/2013 e pelo menos até 19.07.2018, data da aplicação da medida de coacção de suspensão do exercício de função de presidente da direcção.

2. O G. encontra-se inscrito na Associação de Futebol de (…), entidade detentora do estatuto de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, conferida nos termos dos artigos (…), por despacho de (…), publicado no (…), sendo que uma das atribuições consiste em dar reconhecimento legal aos corpos directivos dos clubes afiliados, em específicos aos membros da direcção desses clubes.

3. O arguido P. também já exerceu funções como treinador do Clube de Futebol do referido G., entre as épocas 2013 e 2018.

4. Em data não concretamente apurada mas pelo menos desde o ano 2016, o arguido P., em representação e no interesse do (…), com vista a ter jogadores no Clube de Futebol do referido G.S para jogarem futebol, decidiu “contratar” jogadores estrangeiros, por saber que os mesmos tinham o sonho de singrar no mundo do futebol profissional europeu, aceitam jogar em clubes de futebol de divisões regionais, a troco de quantias monetárias baixas, sempre na esperança de que algum empresário de futebol possa reconhecer o talento que consideram ter e os lance numa carreira de futebol em divisões superiores.

5. Com vista à concretização de tal propósito, desde pelo menos 2016, o arguido P. providenciou pela angariação de vários cidadãos estrangeiros, jovens jogadores de futebol, para jogarem futebol no (…), bem sabendo que todos os referidos indivíduos estavam em situação documental ilegal e que pretendiam regularizar a sua situação em Portugal, aos quais prometeu, bem sabendo que não iria cumprir, a regularização dos mesmos, e providenciou pela inscrição dos referidos jogadores na Associação de Futebol de (…), os quais jogaram em representação do G., a saber:

Nome Completo Nacionalidade Data de nascimento Observações
W. Brasil (…) Época 2016-17
M. Brasil (…) Época 2016-17
A. Brasil (…) Época 2016-17
D. Ghana (…) Época 2016-17
MV. Brasil (…) Época 2016-17
C. Brasil (…) Época 2016-17
DB. Guiné Bissau (…) Época 2016-17
FP Brasil (…) Época 2017-2018

6. Em data não concretamente apurada, mas que se situa em Outubro de 2016, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direcção do G., o arguido P., com o intuito de contratar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou W., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, bem sabendo da sua situação de permanência ilegal em território nacional, ao qual propôs jogar no (…), mediante o pagamento de uma retribuição mensal de 450,00€, alojamento, ajuda de custo mensal de 50,00€ e alimentação.

7. Quando este jogador chegou a (…) foi encaminhado pelo arguido P. para um apartamento, sito em (…), no qual já se encontravam alojados sete jogadores de várias nacionalidades, designadamente brasileiros, cabo-verdianos e guineenses.

8. O referido jogador rejeitou ficar ali alojado.

 9. Por isso foi encaminhado para uma pensão sita em (…) e posteriormente alojado pelo arguido num apartamento propriedade da tia-avó por afinidade do arguido, sito no centro daquela localidade, o qual dividiu com outros três jogadores.

10. Em data não concretamente apurada, mas que se situa em Novembro de 2016, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direção do G., o arguido P. com o intuito de contratar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou DH., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, bem sabendo da sua situação de permanência ilegal em território nacional, ao qual propôs jogar no “(…), mediante o pagamento de uma retribuição mensal de 500,00 €, alojamento e alimentação, mais lhe tendo prometido auxiliá-lo na obtenção da legalização documental em Portugal, designadamente através da obtenção do comprovativo da manifestação de interesse obtida nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que logrou obter apesar da data de nascimento do referido cidadão estrangeiro ali aposta não corresponder à verdade, para que ele, quando fosse abordado pelas autoridades policiais, fizesse prova de que estaria a realizar diligências para obter a sua legalização em Portugal.

11. O referido cidadão, apenas porque acreditou nas promessas do arguido, pois pretendia seguir o seu sonho de jogar futebol profissional, aceitou a proposta do arguido.

12. Quando este jogador chegou a (…) foi encaminhado pelo arguido P. para um apartamento, sito no centro dessa localidade, propriedade da tia-avó por afinidade, o qual dividiu com três jogadores de nacionalidade portuguesa.

13. O aliciamento dos jogadores, nos moldes e com o propósito já mencionado também passava pela rede social facebook, que o arguido utilizava para contactar jovens jogadores estrangeiros para jogarem futebol no (…), que apesar de ter conhecimento que os atletas estrangeiros deveriam estar munidos de visto válido adequado à finalidade da sua vinda e estadia em Portugal, tentou convencer a deslocarem-se a Portugal “com visto de turista”, sendo que posteriormente para que os atletas estrangeiros permanecessem “legalmente” em território nacional o arguido prometia-lhes a celebração de um contrato de jogador de futebol profissional, instruindo-os e auxiliando-os de uma forma clara e inequívoca a entrarem, de forma ilegal, em território nacional.

14. Assim, entre os dias 13.09.2016 e o dia 28.04.2017, o arguido P. contactou, via messenger do facebook, com R., jogador de futebol de nacionalidade brasileira, a quem prometeu conseguir um contrato de trabalho tendo em vista a regularização da sua situação documental em Portugal, bem como uma viagem do Brasil para Portugal para que este atleta pudesse integrar o plantel do (…), contratação que apenas não se concretizou por vontade alheia ao arguido.

15. Entre as 23h01m, do dia 26.10.2016, e as 00h16m, do dia 27.10.2016, o arguido P. contactou, via messenger do facebook, por intermédio de S., alegado empresário de futebol, DO., jogador de futebol de nacionalidade brasileira, incitou-o deslocar-se a Portugal, com visto de turista, de modo a jogar pelo (…) nos meses de Novembro e Dezembro de 2016, prometeu-lhe que na reabertura do mercado, em Janeiro de 2017, celebraria com ele um  contrato de jogador de futebol profissional, com duração mínima de 6 meses, ou um contrato de trabalho normal com uma empresa de (…), cujas contribuições para a Segurança Social o (…) asseguraria, de modo a que o jogador se pudesse legalizar em território nacional, contratação que apenas não se concretizou por vontade alheia ao arguido.

16. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2017, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direcção do G., o arguido P., com o mesmo intuito de contratar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou MV., nascido a (…), M., nascido a (…) e A., nascido a (…), todos de nacionalidade brasileira, aos quais propôs jogarem no (…), mediante o pagamento da transferência internacional de cada um deles, alojamento e alimentação, mas sem o pagamento de qualquer quantia mensal até ao final da época desportiva, mais lhe tendo prometido a celebração de um contrato de trabalho e a obtenção de um documento, designadamente o comprovativo da manifestação de interesse obtida nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, para que eles, quando fossem abordados pelas autoridades policiais, fizessem prova de que estariam a realizar diligências para obter a sua legalização em Portugal.

17. Os referidos cidadãos, apenas porque acreditaram nas promessas do arguido, pois pretendiam seguir o seu sonho de jogarem futebol profissional na Europa, aceitaram a proposta do arguido.

18. Em data não concretamente determinada, mas em Janeiro de 2017, o arguido P. providenciou pelo alojamento dos referidos MV., M. e A. numa casa com dois quartos, sita em (…), onde já se encontravam alojados mais três cidadãos estrangeiros.

19. Ficaram alojados nessa casa cerca de 2 ou 3 dias após o que, por determinação do arguido P., foram alojados num anexo do campo de treinos do G., constituído por um compartimento construído junto dos balneários, dividido em dois quartos, sendo que num dormia um dos cidadãos, num colchão colocado sobre outro colchão no chão, e no outro os outros dois na mesma cama.

20. O arguido nunca pagou aos referidos cidadãos qualquer quantia monetária por jogarem no (…) por entender que o Clube já tinha pago cerca de 1000,00€ pela transferência internacional de cada um deles, não havendo, por esse motivo, lugar ao pagamento de qualquer retribuição mensal.

21. O arguido nunca celebrou qualquer tipo de contrato de trabalho com os referidos jogadores, nem tomou providências para que estes se encontrassem de forma legal no país, não obstante lhes tivesse prometido a celebração de um contrato de trabalho que lhe permitisse a sua regularização em Portugal.

22. O arguido nunca lhes pagou qualquer quantia monetária por jogarem no G. porque lhes referia que o mesmo já tinha pago cerca de 1000,00€ pela transferência internacional de cada um, não havendo, por esse motivo, lugar a qualquer pagamento de retribuição mensal.

23. Era o arguido P. quem proporcionava alimentação a MV., M., A. e a DH. sendo ele quem realizava as compras e escolhia os alimentos que eles deviam comer, nomeadamente frango, carne de porco, arroz, massa, feijão, maçãs e pão e que os referidos cidadãos confeccionavam numa cozinha construída junto aos referidos quartos onde se encontravam alojados.

24. Os alimentos que o arguido P. comprou e entregou aos jogadores acima identificados, era por norma apenas à quinta ou sexta-feira, dia que coincidia com os treinos de futebol para o jogo de domingo.

25. Apesar de não estarem impedidos de sair das instalações do clube, os referidos jogadores raramente se ausentavam daquele local.

26. Os indicados indivíduos, por várias vezes, questionaram o arguido P. sobre a concretização da promessa do contrato de trabalho com o G. a fim de poderem legalizar-se, ao que o arguido P. lhes referiu por várias vezes que como o G. lhes havia pago a transferência internacional, só podia regularizar-lhes a situação no final da época desportiva.

27. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do ano de 2017, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direcção do G., o arguido P., sempre com o intuito de contratar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou DB., nascido a (…), de nacionalidade guineense, bem sabendo da sua situação de permanência ilegal em território nacional, ao qual propôs jogar no (…), mediante o pagamento de um retribuição mensal de 100,00€, alojamento, transportes e alimentação, mais lhe tendo prometido a celebração de um contrato de trabalho e a obtenção de um documento, comprovativo da manifestação de interesse obtida nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, para que ele, quando fosse abordado pelas autoridades policiais, fizesse prova de que estaria a realizar diligências para obter a sua legalização em Portugal.

28. Quando o jogador chegou a (…), em janeiro de 2017, o arguido P. providenciou-lhe alojamento, num apartamento no centro daquela localidade, e depois o jogador mudou para o complexo desportivo, para o anexo do campo de treinos do G. já referido.

29. Apesar de também não estar impedido de sair das instalações do clube, DB. raramente se ausentou daquele local.

30. Em termos remuneratórios, o arguido P apenas pagou a DB. 80,00€, quantia que lhe entregou no final da época desportiva, em Maio de 2017, e algumas das viagens que o jogador por vezes fazia até ao Porto, para onde se deslocou após os jogos para visitar alguns amigos.

31. O arguido P. nunca celebrou qualquer tipo de contrato de trabalho com o referido jogador, nem tomou providências para que este se encontrasse de forma legal no país, não obstante lhe tivesse prometido a celebração de um contrato de trabalho que lhe permitisse a sua regularização em Portugal.

32. Em data não concretamente apurada, mas que se situa em Janeiro de 2017, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direcção do G., o arguido P., com o mesmo intuito de contratar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou C., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, bem sabendo da sua situação de permanência ilegal em território nacional, ao qual propôs jogar no (…), mediante o pagamento de uma retribuição mensal de 250,00€, alojamento e alimentação, mais lhe tendo prometido a celebração de um contrato de trabalho como funcionário do (…), não como jogador de futebol, e a obtenção de um documento, designadamente um comprovativo da manifestação de interesse obtida nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, para que ele, quando fosse abordado pelas autoridades policiais, fizesse prova de que estaria a realizar diligências para obter a sua legalização em Portugal.

33. O referido cidadão, apenas porque acreditou nas promessas do arguido P. pois pretendia seguir o seu sonho de jogar futebol profissional na Europa, aceitou a proposta do arguido.

34. Quando este jogador chegou a (…) foi encaminhado pelo arguido P. para um apartamento, sito no centro desta localidade, propriedade da tia-avó por afinidade do arguido, o qual dividiu com dois jogadores também de nacionalidade brasileira.

35. O arguido P. nunca celebrou qualquer tipo de contrato de trabalho com o referido jogador, nem tomou providências para que este se encontrasse de forma legal no país, não obstante lhe tivesse prometido a celebração de um contrato de trabalho que lhe permitisse a sua regularização em Portugal.

36. No dia 04.05.2017, os cidadãos estrangeiros MV., M. e A. encontrava-se nas instalações do G. todos em situação de permanência ilegal em território nacional, o que o arguido bem sabia.

37. A partir de Maio de 2017, data coincidente com a fiscalização do SEF, o arguido P. mudou o seu modus operandi, mas manteve o seu propósito criminoso.

38. Assim por si e em representação e no interesse do G., sempre na concretização do propósito formulado, de que jogadores estrangeiros jogassem futebol pelo “(…)”, decidiu providenciar pela elaboração de contratos de trabalho e de promessas de contratos de trabalho com os jogadores, que sabia estarem em situação de permanência ilegal em Portugal, com vista a dar uma aparência exterior de legalidade, contratos e promessas essas que sabia serem necessários para instrução dos pedidos de concessão excepcional de autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada, cujo conteúdo sabia não corresponder à verdade, relativamente a: F., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, titular do passaporte (…); K, nascido a (…), de nacionalidade brasileira, titular do passaporte (…); N, nascido a (…), de nacionalidade brasileira, titular do passaporte (…); T., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, titular do passaporte (…); DS., nascido a (…), nacional dos Camarões, titular do passaporte (…) e AP., nascido a (…), nacional da Guiné-Bissau, titular do passaporte (…).

39. Todos estes cidadãos, com excepção de K. estiveram inscritos como jogadores do escalão sénior, na época 2017/2018, na Federação Portuguesa de Futebol pelo G..

40. Assim por si e em representação e no interesse do G., sempre na concretização do propósito formulado, de que jogadores estrangeiros jogassem futebol pelo (…), o arguido P. sabendo que F. estava documentalmente ilegal em território nacional e com a intenção de transpor tal situação, celebrou, com data de 10.10.2017, em representação do G., com o mesmo um contrato de trabalho a tempo certo que no qual foi aposto, na cláusula 1.ª, que o jogador era contratado para exercer as funções de jardineiro.

41. Funções que este jogador nunca exerceu.

42. Em termos remuneratórios o arguido P. acordou com o jogador F. o pagamento de uma quantia mensal de 530,00€, (que incluía os transportes e alojamento) e 50,00 € mensais para despesas de alimentação, sendo que do valor da retribuição mensal este jogador apenas recebeu 230,00€ mensais, alegando o arguido que o restante valor se destinou ao pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social.

43. O arguido P., sabendo que K. estava documentalmente ilegal em território nacional e com a intenção de transpor tal situação, celebrou, com data de 12.10.2017, em representação do G., com o mesmo um contrato de trabalho no qual foi aposto que o jogador era contratado para exercer as funções de empregado de limpeza.

44. Funções que este jogador nunca exerceu.

45. Em termos remuneratórios o arguido P. acordou com o jogador o pagamento de uma quantia mensal de 300,00€, os transportes, alojamento e alimentação, sendo que do valor da retribuição mensal este jogador apenas recebeu 230,00€ mensais, alegando o arguido que o restante valor em causa se destinou ao pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social.

46. O arguido P., sabendo que DS. estava documentalmente ilegal em território nacional e com a intenção de transpor tal situação, com data de 10.10.2017, celebrou, em representação do G., com ele um contrato de trabalho a termo certo no qual foi aposto na cláusula 1ª que o jogador era contratado para exercer as funções de guarda-noturno.

47. Funções que este jogador nunca exerceu.

48. Em termos remuneratórios, o arguido P. acordou com o jogador DS. o pagamento de uma quantia mensal de 500,00€, que incluía os transportes e alojamento e 50,00€ mensais para despesas de alimentação, sendo que do valor da retribuição mensal este jogador apenas recebeu 150,00€ mensais, alegando o arguido que o restante valor em causa se destinou ao pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social.

49. O arguido P., sabendo que AP. estava documentalmente ilegal e com a intenção de transpor tal situação, com data de 8.11.2017, em representação do G., celebrou com ele um contrato de trabalho a termo certo no qual apôs na cláusula 1ª que o jogador era contratado para exercer as funções de empregado de limpeza.

50. Funções que este jogador nunca exerceu.

51. Em termos remuneratórios, o arguido P. acordou com o jogador AP. uma quantia mensal de 500,00€, que incluía os transportes, alojamento e alimentação, sendo que do valor da retribuição mensal este jogador apenas recebeu 250,00€ mensais, alegando o arguido que restante valor se destinou ao pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social.

52. O arguido P. sabendo que T. estava documentalmente ilegal e com a intenção de transpor tal situação, com data de 15.11.2017, em representação do G., celebrou com ele um contrato de promessa de trabalho no qual apôs na cláusula 1ª que o jogador era contratado para exercer as funções de Roupeiro.

53. Funções que este jogador nunca exerceu.

54. Em termos remuneratórios, o arguido acordou com o jogador T. uma quantia mensal de 450,00€, que incluía os transportes e alojamento e 50,00 € mensais para despesas de alimentação, valores que recebeu.

55. O arguido P. sabendo que N. estava documentalmente ilegal e com a intenção de transpor tal situação, com data de 23.01.2018, em representação do G., celebrou com ele um contrato de promessa de trabalho no qual apôs na cláusula 1ª que o jogador era contratado para exercer as funções de roupeiro.

56. Funções que este jogador nunca exerceu.

57. Em termos remuneratórios, o arguido P. acordou com o jogador N. o pagamento de uma quantia mensal de 500,00€, que incluía os transportes, alojamento e 50,00€ mensais para despesas de alimentação, sendo que do valor da retribuição mensal este jogador apenas recebeu 200,00€ mensais, alegando o arguido que restante valor se destinou ao pagamento das respectivas contribuições à Segurança Social.

58. Em 26.02.2018, no âmbito das suas funções enquanto presidente da direção do (…), o arguido P., com o intuito de angariar jogadores para a equipa de futebol sénior do referido clube, contratou AM., nascido a (…), de nacionalidade brasileira, sabendo da sua qualidade de turista em território nacional e por isso em situação impeditiva da sua contratação enquanto atleta, ao qual propôs jogar no (…), mediante o pagamento de uma retribuição  mensal de 200,00€, alojamento, alimentação e 20,00€ por golo marcado, mais lhe tendo prometido auxiliá-lo a obter a legalização documental em Portugal, designadamente através da obtenção comprovativo da manifestação de interesse obtida nos termos do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, para que ele, quando fosse abordado pelas autoridades policiais, fizesse prova de que estaria a realizar diligências para obter a sua legalização em Portugal.

59. A 23.04.2018 o arguido P. apenas entregou ao jogador o pagamento de 116,00€, referentes a 18 dias de trabalho prestado no mês de março de 2018.

60. Os referidos cidadãos F., K., N., T., DM. e AC. apenas porque acreditaram nas promessas do arguido pois pretendiam seguir o seu sonho de jogar futebol profissional na Europa, aceitaram a proposta e as condições determinadas pelo arguido.

61. No que à habitação diz respeito, os jogadores indicados no ponto anterior, com excepção de T. ao qual foi providenciado alojamento na Residencial (…), sita na (…), onde pernoitou durante todos os fins-de-semana durante o mês de Janeiro de 2018, ficaram alojados num apartamento providenciado pelo arguido P., sito na (…), que dividiam com outros atletas do clube, num total de 13.

62. Em relação à alimentação, o arguido P. proporcionou-a a estes jogadores e aos seus colegas que com eles dividiam o alojamento, sendo aquele quem realizava as compras dos alimentos, nomeadamente frango, carne de porco, arroz, massa, feijão e pão, alimentos esses que os referidos cidadãos confeccionavam.

63. A partir de data não concretamente determinada, mas depois de lhe ter sido sugerido pelos próprios atletas, o arguido P. deixou de providenciar pela alimentação dos jogadores e passou a entregar a quantia de 50,00€ mensais a cada um dos jogadores para que com este montante eles pudessem comprar os alimentos para consumirem.

64. O arguido P. sabia que estava a promover relações laborais simuladas com o intuito de favorecer e facilitar a permanência ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional, para assim poder proceder à sua inscrição na Associação de Futebol de (…) como atletas.

65. O arguido P. quis facilitar a entrada e permanência dos cidadãos estrangeiros em Portugal que recrutou e tentou recrutar para jogarem futebol no (…), bem sabendo que os mesmos não podiam entrar nem permanecer em Portugal sem que para tanto estivessem habilitados pelas competentes autoridades nacionais.

66. O arguido P. celebrou os contratos enquanto representante e no interesse do G. com o intuito de através dos mesmos conseguir a regularização da situação de permanência dos atletas em território nacional, bem sabendo que o conteúdo inserto em tais contratos não correspondia à verdade, com o único objetivo de ter jogadores no clube de futebol do G. a jogarem para que este clube ganhasse títulos e prémios sem despender muito dinheiro.

67. O arguido P. sabia que os indivíduos que contratou e tentou contratar para jogarem no (…) pretendiam ser jogadores de futebol com relevo internacional, atingindo com isso melhores condições de vida, e aproveitou-se desse facto com promessas falsas de que iria regularizar-lhes a situação documental, nomeadamente através da obtenção de autorização de residência para exercício da actividade profissional.

68. O arguido P., por si e em representação e no interesse da arguida G., quis contratar os referidos jogadores para efeitos de obtenção de títulos e prémios para aquele clube.

69. O arguido P. agiu sempre livre e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Dos antecedentes criminais:

70. O arguido P. não tem antecedentes criminais.

71. A arguida G. não tem antecedentes criminais.


*

Do relatório social:

(…).


***

Factos não provados

(…).

 III – DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:

(…)


*

IV – DO DIREITO

(….).


*

V. Determinação da pena:

 (…).

         III - Fundamentação de Direito

          a) O objecto do recurso encontra-se limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo da necessidade de conhecer oficiosamente a eventual ocorrência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410º do Código de Processo Penal (jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ n.º 7/95, publicado no DR, I Série-A, de 28.12.1995).

     

       b) São as seguintes as questões a apreciar nestes autos:

         i) Saber se o tribunal a quo errou ao condenar os arguidos  P. e   G. pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, uma vez que a matéria de facto provada não o permitia, mormente por resultar provado que os jogadores contactados pelos arguidos já se encontravam em Portugal anteriormente, o que não permite integrar o n.º 1 do referido art 183º;

       ii) Saber se a decisão recorrida deveria ter condenado os arguidos pela prática do 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007,

       iii) Saber se a pena aplicada pelo crime de falsificação de documentos aplicada aos arguidos peca por defeito, devendo ser agravada:

       iv) (recurso B) Saber se a por caução de boa conduta aplicada à arguida deve ser substituída pela vigilância judiciária, ou pelo menos deve ser reduzido o valor da caução.         

       

       c) A primeira questão a apreciar resultante do recurso interposto pelo MP, consiste então em apurar se o tribunal a quo errou ao condenar os arguidos P. e G. pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto.

       Recorde-se que sob a epígrafe “Auxílio à imigração ilegal”,  dispõe o art 183.º,  da referida Lei n.º 23/2007:
      
“1 – Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos.

      2 – Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de 1 a 5 anos. (…)”.

      A doutrina diverge relativamente à definição do bem jurídico protegido, mas o mesmo será múltiplo, situando-se no interesse público do controlo dos fluxos migratórios, na protecção dos direitos fundamentais dos estrangeiros, e na protecção da dignidade humana; como se escreve no Ac. do S.T.J.  3-12-2009, processo n.º 187/09.7 YREVR.S1, disponível em www.dgsi.pt, “Em causa está não só a necessidade de regulação e controle do estado como também a de evitar a situação de precariedade social e económica, quando não a própria fragilidade física, em que ficam aqueles que recorrem a instrumentos ilegais para assegurar a sua entrada no espaço nacional.” -   cfr. ainda Albano Pinto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol.  1, Org. por Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, Universidade Católica Editora, pág. 69 a 80.

      Trata-se de um crime de perigo abstracto; o n.º 1 e n.º 2 do referido art 183º presumem que as situações neles descritas, envolvem, por si só, o perigo de serem postos em causa os assinalados bens jurídicos, com especial realce para os  direitos dos cidadãos estrangeiros; bastará assim quer seja provada uma das condutas típicas descritas naquelas normas, para que o agente seja condenado, ainda que os bens jurídicos acima referidos não sejam efectivamente colocados em perigo  - Albano Pinto, ibidem, p. 81.

       d) O n.º 1 do art 183º, que nos ocupa neste momento,  é uma emanação da 1ª Directiva 2002/90CE, de 28-11-2002, publicada no Jornal Oficial da Comunidade Europeia de 5-12-2002, que na sua al. a) determina que os Estados Membros “devem adoptar sanções adequadas: a) Contra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado-Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado-Membro, em infracção da legislação aplicável em infracção da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros” .

           Prevêem-se assim, no referido n.º 1 do art 183º - em perfeita consonância com a directiva acima citada -  duas modalidades de acção: que o agente ajude ou facilite a entrada e o trânsito em território nacional, mas já não a sua permanência, à qual apenas se refere - como veremos infra – o n.º 2 do mesmo artigo.

           Volvendo ao caso concreto, constata-se que com a exceção dos jogadores R. e D. (cfr. arts 14º e 15º dos factos provados), todos os restantes 14 cidadãos estrangeiros já se encontravam em Portugal (ilegalmente) quando foram contactados e contratados pelo arguido.

           e) Assim, em sede de factos provados, e quanto ao jogador W. (facto n.º 6), escreve-se na decisão recorrida, “bem sabendo da sua situação de permanência ilegal”, o mesmo se dando provado quanto ao jogador DH. (facto n.º 10), DB. (facto 27); assim como o jogador F. (facto n.º 40), “estava documentalmente ilegal em território nacional”, o mesmo se ocorrendo quanto a K. (facto n.º 43), DS. (facto n.º 46) AP. (facto n.º 49), T. (facto n.º 52) “estava documentalmente ilegal” o N. (facto n.º 55).  Ainda AM. (facto n.º 58) já estava em Portugal “na qualidade de turista”, ainda acrescendo o facto n.º 64, no qual se lê que “o arguido P. sabia que estava a promover relações laborais simuladas com o intuito de favorecer e facilitar a permanência ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional”

          O circunstancialismo fáctico ora mencionado, está em perfeita consonância com a motivação dos factos provados; Assim, em sede “III – Convicção do tribunal”, pode ler-se que o acórdão recorrido considerou os depoimentos de (28.) A. o qual “frisou que todos os jogadores já tinham jogado em Portugal”, (33.) depoimento de MV. que “referiu encontrar-se em Portugal desde Novembro de 2016”, (36.), depoimento de C., referiu que “veio em Agosto de 2016 com um visto de turista directamente para o (…) (38.), depoimento de T., referiu “(…) ter vindo para Portugal em Agosto de 2015 e como gostou começou a trabalhar, primeiro numa empresa de mudanças e depois num restaurante no Porto (…), (39.) N., “referiu ter vindo com um visto de desporto em 2016 para um clube Srª da Hora (…) e depois andou de um lado para o outro em outros clubes”; 40. F., o qual “veio para Portugal por intermédio de um amigo, tendo permanecido na Régua até Maio de 2017 e depois foi para o Porto”, (42.) AP., veio para Portugal em 2015 para jogar futebol no Sporting (…), (43.) K., veio “para Portugal com visto turístico para visitar um amigo e surgiu a oportunidade de jogar no (…), onde jogou, depois foi para Espanha e depois passou por outros clubes, etc.

           f)  E como bem nota o Ministério Público, mesmo quanto aos cidadãos MV., M. e A., ainda que a decisão recorrida não tenha especificamente dado como provado se os mesmos já se encontravam, ou não, em Portugal quando foram contactados e contratados pelo arguido, resulta da mesma decisão que a prova produzida foi no sentido de os mesmos já se encontrarem anteriormente no nosso país.

           Assim, em declarações para memória futura, (33. Do acórdão, em sede “III – Convicção do tribunal”) M.  referiu (…) encontrar-se em Portugal desde Novembro de 2016 e da promessa feita por um empresário (um tal de …) que lhe arranjar um clube em Portugal, bem como os outros jogadores que já conhecia, como vieram para Portugal, onde viveu e em que clubes de futebol foram jogando e como acabaram sozinhos em Braga (a testemunha, o A. e o MV.) (…) acabando o arguido por contratá-los tendo acabado por ir a (…) a 30 ou 31 de Janeiro de 2017; e o M, igualmente em declarações para memória futura (34.) “corroborou o depoimento da anterior testemunha quanto ao modo como vieram e através de quem para Portugal” e A. (35.), que igualmente depôs antecipadamente para memória futura “confirmou que veio para Portugal através de um brasileiro (R.), o que fez em Agosto de 2016 tendo ido para Braga (…) 

         Não restam assim quaisquer dúvidas que tanto da prova produzida, como da própria redacção dos factos considerados provados, e com a já assinalada exceção dos cidadãos R. e D., todos os cidadãos estrangeiros em causa referidos nestes autos já estavam em território nacional quando contactados pelo arguido.

          g) E de todo o modo, o importante não era que na matéria de facto constasse que os referidos cidadãos estrangeiros já estavam em Portugal antes de serem contactados pelo arguido, sendo este alheio à sua vinda para o nosso país; o que importava – para que se pudesse integrar a conduta típica do n.º 1 do art 183º da Lei 23/2007 - era que da matéria de facto provada, expressamente constasse a prática de algum acto no sentido de favorecer a entrada de cidadãos estrangeiros,  contribuindo  de alguma forma  para que tal acontecesse, e tal não ocorre; nos factos provados – e na própria acusação – não consta que o arguido P. tenha facilitado  a entrada em território nacional; Assim como não resulta da matéria de facto, que o arguido tenha de algum modo promovido ou contribuído para o trânsito ilegal dos mesmos cidadãos estrangeiros, provando-se, pelo contrário, que a actuação do arguido se destinou a promover a sua permanência em Portugal, e não a sua transferência ou circulação para outro país.

           g) Aliás, e mesmo em sede de Fundamentação de Direito, a propósito da fundamentação da escolha e medida da pena, se lê na decisão sob recurso que «O comportamento do arguido P., não obstante a fiscalização do SEF, não se coibiu de continuar a aceitar jogadores estrangeiros que se encontravam em território nacional em situação ilegal e também a aliciar outros 2 jogadores (aqui refere-se ao R. e do D.) a virem para Portugal em situação irregular (mas que não se concretizou neste caso) …»

           A matéria de facto provada não permitia assim que o tribunal a quo  afirmasse que “atentos estes factos, não há dúvidas de se encontrarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo, tendo o arguido P. praticado,  em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, 14 crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto tendo como vítimas W., M., A., DH., MV., C., DB., F., DS., AP., T., N., K., AM  (…).

             

           h) Como é sabido, o art. 410.º, n.º 2 do CPP prevê a possibilidade de recurso da matéria de facto (mesmo nos casos em que o recurso para o Tribunal Superior deveria estar confinado à matéria de direito), nas situações em que “o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

           No caso, a matéria de facto considerada provada, é insuficiente nesta parte para fundamentar a solução de direito; Os factos que foram dados como provados (que não mereceram impugnação por parte de nenhum dos intervenientes) são omissos relativamente a algum acto de facilitação ou favorecimento da entrada ou trânsito em território nacional dos cidadãos estrangeiros acima identificados,  porque os mesmos (com as duas assinaladas excepções) já se encontravam em Portugal aquando da abordagem pelo arguido. E assim sendo, a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para fundamentar a solução de direito, na parte em que se condenou os arguidos pela prática do crime previsto no artigo 183º n.º 1 da Lei 23/20078; a conclusão retirada pela decisão recorrida no sentido de “se encontrarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do tipo”, extravasa as premissas estabelecidas nos factos dados como provados.

           i) Verifica-se assim neste ponto a procedência do recurso, uma vez que o tribunal a quo incorreu no vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410, nº2 al. a) do CPP, para além da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

           Já não se concorda com o recorrente Ministério Público, quando defende que “deverá ser dado como provado pelo Tribunal de recurso que os referidos jogadores W., M. e A. já se encontravam em Portugal quando foram contactados e contratados pelo arguido, em aditamento á factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido”; Quanto ao jogador W., o facto provado n.º 6 refere-se apenas à sua permanência em território nacional, e não à sua entrada ou trânsito para outro país. E quanto ao M. e ao A. (facto provado n.º 6), igualmente nada é referido quanto ao contributo do arguido para a sua entrada em Portugal ou trânsito para outro país.

           O que importava era que resultasse dos factos provados o preenchimento dos elementos típicos previstos no n.º 1 do art 183º, e tal não ocorre, sendo inútil – para que se conclua pela absolvição dos arguidos pela prática desse crime – fazer constar que os jogadores já se encontravam em Portugal; essencial era provar  - pela positiva – os actos facilitadores praticados pelos arguidos, da entrada em Portugal,  não sendo necessário provar – pela negativa – que tal não ocorreu porque  os mesmos já se encontravam neste país.

             

           j) O que será de corrigir no campo dos factos provados, é o facto provado n.º 65, onde se lê que “O arguido P. quis facilitar a entrada e permanência dos cidadãos estrangeiros em Portugal que recrutou e tentou recrutar para jogarem futebol no (…), bem sabendo que os mesmos não podiam entrar nem permanecer em Portugal sem que para tanto estivessem habilitados pelas competentes autoridades nacionais, uma vez que aparentemente se refere indiscriminadamente a todos os 16 jogadores, quando a expressão “facilitar a entrada” apenas pode ser considerado relativamente aos cidadãos R. e D., provando-se quanto a estes que o arguido tentou (mas não conseguiu) facilitar a sua entrada em Portugal.

               Ainda que essa correcção do referido facto 65º acabe por revestir uma menor importância, uma vez que se refere apenas ao elemento subjectivo do tipo, sendo certo que, como vimos acima, o elemento objectivo típico do n.º 1 do art 183º da Lei 23/20087 se mostra por preencher; logo, mesmo que não se procedesse à sua correcção, os arguidos não seriam condenados pelo crime em apreço.

             De todo o modo, de forma a garantir a coerência da decisão recorrida no que se refere à fundamentação da matéria de facto com os factos provados, irá corrigir-se o facto provado n.º 65, o que se procederá infra, uma vez que o mesmo sofrerá ainda outra alteração que se prende coma a apreciação da segunda questão.

             

             k) A segunda questão a apreciar, face às conclusões apresentadas pelo Ministério Público, prende-se em saber se ocorre o vicio da contradição insanável entre a decisão e a fundamentação previsto no artigo 410, n. º2 alínea b) do CPP.

          Recorde-se neste campo, que o Ministério Público considera que não obstante os arguidos não puderem ser condenados pelo n.º 1 do art 183º da Lei 23/2007, deveriam ter sido condenados pelo n.º 2 do mesmo artigo, conforme se imputava aos arguidos na acusação, o que abrange não só os 14 jogadores acima referidos mas também os jogadores R. e D., tendo quanto a estes os arguidos sido condenados pela tentativa da prática do crime de auxílio à emigração ilegal nos termos do n.º 1, entendendo o Ministério Público que deveriam ser também estes pelo referido n.º 2.

          Assim, discorda o recorrente Ministério Público do tribunal recorrido, na parte em que concluiu que a factualidade provada não era susceptível de integrar o referido n.º 2 do art 183º da citada Lei, porquanto o mesmo exige para a sua verificação: «a intenção lucrativa”, ou seja, deve estar na base da actuação do agente que fomenta a permanência do estrangeiro em Portugal, a intenção de obter uma vantagem, um ganho, seja ele económico ou material, o que considerou não ocorrer no caso concreto.

          Isto porque o Ministério Público considera que o “animus lucrandi” resulta da motivação sob o ponto II.3, páginas 18 a 26, já que daí resulta que o arguido agiu com o intuito dado como provado de conseguir jogadores de futebol para o Clube a que presidia, para efeitos de obtenção de títulos e prémios para aquele clube o que constitui um benefício ou ganho, uma vantagem material para o Clube.

          Noutra perspectiva, assinala ainda o Ministério Público que “resulta dos factos provados que supra se transcreveram na motivação sob o ponto II.3, páginas 18 a 26, o arguido aproveitou-se do facto dos jogadores se encontrarem em situação irregular no país, para onde vieram acalentando o sonho de singrarem no mundo do futebol, aceitando, inclusive, jogar sem receber, prometendo-lhes vencimentos que praticamente nunca lhes pagou na totalidade, donde resulta também claro o beneficio patrimonial”.

            

          l) Apreciando, recorde-se que o n.º 2 do art 183º da Lei 23/2007, surge no nosso ordenamento jurídico interno na sequência da já referida 1ª Directiva 2002/90CE, de 28-11-2002,  que na sua al. b) determina que os Estados Membros devem adoptar sanções adequadas  “contra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado-Membro a permanecer no território de um Estado-Membro, em infracção da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros”.

          O n.º 2 do art 183º da mesma lei, não exigindo que o agente favoreça a entrada ou trânsito de um cidadão estrangeiro (basta que se tenha facilitado a permanência), exige adicionalmente ao n.º 1 do mesmo art 183º, um dolo específico, traduzido na “intenção lucrativa” do agente.  

           Albano Pinto, a p. 94, no seu Comentário das Leis Penais Extravagantes acima referido, escreve que “age com animus lucrandi aquele que procede com o objectivo de obter uma vantagem, uma contraprestação, um benefício, um ganho na realização de qualquer das actividades previstas pelo tipo, seja ele financeiro ou económico (…). O animus é que há-de (…) impelir a favorecimento ou facilitação à entrada, permanência ou trânsito ilegais, os quais devem surgir (…) como um efeito dele, de tal sorte que faltando aquele o agente quedará impune nos caos de permanência (…). 

            Gabriel Catarino equipara a “intenção lucrativa”, à “intenção de obter benefícios ou proventos ilícitos e abusivos das situações que co-envolvem a introdução e a permanência de forma irregular de cidadãos estrangeiros em território nacional” - Aspectos jurídico-penais e processuais do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros” in Julgar on-line, 2009, p. 24

      Cristina Almeida e Sousa, escreve que “O auxílio à permanência ilegal não pode ser desligado da intenção lucrativa, sob pena de ser confundido com o mero auxílio humanitário e este não pode ser integrado no âmbito da valoração penal, porque não é típico. Em contrapartida, o lucro é manifestamente incompatível com as razões humanitárias que subjazem à não criminalização da conduta de auxílio altruísta à permanência de um cidadão estrangeiro em Portugal, sem estar legalmente autorizado a tal   - O Tráfico de Seres Humanos e o Auxílio à Emigração Ilegal – A Consunção e a Necessidade de Uma Cláusula Legal de Especialidade ou de Subsidiariedade Expressa, Revista Julgar on line, Julho 2018.

          O próprio acórdão recorrido, começa por afirmar a propósito da “intenção lucrativa”, que “deve estar na base da actuação do agente que fomenta a permanência do estrangeiro em Portugal, a intenção de obter uma vantagem, um ganho, seja ele económico ou material.  Age com animus lucrandi aquele que procede com o objectivo de obter uma vantagem, uma contraprestação, um benefício ou ganho na realização de qualquer das actividades previstas pelo tipo, seja ele financeiro, económico ou material”.

 

           m) Todavia, a decisão recorrida, acaba por considerar como não provado (facto 77.  Que (…) O arguido P., por si e em representação e no interesse do G., quis explorar de forma lucrativa, justificando em sede de fundamentação,  que” nunca o arguido e por consequência a arguida, poderiam contratar como jogadores profissionais os jogadores, nem pagar-lhes ordenado, atenta a natureza do clube, mas apenas ajudas de custo as quais de certeza  aumentariam exponencialmente as despesas e que tiveram como consequência o endividamento, empobrecimento do clube e o arguido assim agiu, por si e em nome da arguida, quiçá por vaidade pessoal, para ter a jogar no clube jogadores estrangeiros possivelmente com maior aptidão desportiva e assim fazer subir o clube de escalão, facto que efectivamente veio a acontecer (ainda que depois voltasse a baixar de escalão) mas nunca com intuito lucrativo pois o clube não tem (nem pode) ter intuito lucrativo.

            Adopta assim o tribunal a quo  um entendimento restritivo da expressão “intenção lucrativa”, fazendo-a aparentemente coincidir com o sentido mais técnico, utilizado em economia, enquanto “retorno positivo de um investimento, deduzido dos gastos que este exigiu, ou  um “rendimento residual obtido por uma operação de compra e venda ou de produção depois de pagos os custos”, ou ainda “ganho auferido durante uma operação comercial ou no exercício de uma actividade económica” - cfr. Dicionário Houassis de Língua Portuguesa, p. 2317, Tomo IV, Círculo de Leitores, 2003.

            E acabou por absolver os arguidos da prática do crime previsto no n.º 2 do art 183º da Lei  n.º 23/2007, “pois não se provou o intuito lucrativo previsto na incriminação que exige a intenção de obter vantagem, uma contraprestação, um benefício ou ganho na realização de qualquer das actividades previstas pelo tipo, seja ele financeiro, económico ou material, o que não se provou”.

            n) Vejamos:

            Como vimos, os bens jurídicos protegidos com a incriminação em causa, são simultaneamente a protecção dos imigrantes, enquanto grupo social vulnerável, mais susceptível de se encontrar numa situação de precariedade social e económica, desde logo potenciada pela sua situação ilegal, como ainda a necessidade de prevenção de um elevado fluxo de imigrantes em condições irregulares ao país, permitindo a regulação e controle do Estado desses movimentos.

            A protecção desses bens jurídicos não se conseguiria – no caso da facilitação da permanência no território nacional   - com a interpretação restritiva da intenção lucrativa adoptada pelo tribunal a quo. Efectivamente,  o que se pretende com a incriminação em causa não é somente evitar que alguém pretenda obter “lucro” (no sentido restrito, acima apontado) com a permanência de estrangeiros ilegais, mas sim evitar que alguém procure obter alguma vantagem, algum benefício ou proveito, com o prolongamento da situação irregular do cidadão estrangeiro no nosso país; lucro deve ser entendido num sentido mais comum e amplo, como equivalendo a qualquer vantagem material, intelectual, ou moral que se pode tirar de alguma coisa  - cfr., Dicionário Houassis, ibidem. A lei pretende reprimir todos os comportamentos que contribuam para a permanência do cidadão ilegal, porque a mesma contende com a referida regulação dos fluxos migratórios e com a própria dignidade e protecção pessoal dos migrantes, uma vez que presume que a vantagem que se procura obter resulta da situação e fragilidade das pessoas naquela situação. Quando alguém procura, com a facilitação ou favorecimento de um cidadão estrangeiro em situação ilegal, algum proveito ou vantagem, ainda que não sob a forma de lucro no sentido económico financeiro, age com a intenção lucrativa a que se refere a norma em causa.

        o) No caso, mesmo sem a alteração da matéria de facto provada, resulta que o arguido, em representação da arguida pessoa colectiva, agiu com “intuito lucrativo” no sentido exposto.

      Assim, recorde-se a seguinte factualidade dada como provada:

       «4. Em data não concretamente apurada mas pelo menos desde o ano 2016, o arguido P., em representação e no interesse do (…), com vista a ter jogadores no Clube de Futebol do referido G. para jogarem futebol, decidiu “contratar” jogadores estrangeiros, por saber que os mesmos tinham o sonho de singrar no mundo do futebol profissional europeu, aceitam jogar em clubes de futebol de divisões regionais, a troco de quantias monetárias baixas,  sempre na esperança de que  algum empresário de futebol possa reconhecer o talento que consideram ter e os lance numa carreira de futebol em divisões superiores.

       5. Com vista à concretização de tal propósito, desde pelo menos 2016, o arguido P. providenciou pela angariação de vários cidadãos estrangeiros, jovens jogadores de futebol, para jogarem futebol no (…), bem sabendo que todos os referidos indivíduos estavam em situação documental ilegal e que pretendiam regularizar a sua situação em Portugal, aos quais prometeu, bem sabendo que não iria cumprir, a regularização dos mesmos, e providenciou pela inscrição dos referidos jogadores na Associação de Futebol de (…), os quais jogaram em representação do (…), a saber (…)

        66. O arguido P. celebrou os contratos enquanto representante e no interesse do G. com o intuito de através dos mesmos conseguir a regularização da situação de permanência dos atletas em território nacional, bem sabendo que o conteúdo inserto em tais contratos não correspondia à verdade, com o único objetivo de ter jogadores no clube de futebol do G. a jogarem para que este clube ganhasse títulos e prémios sem despender muito dinheiro.

          67. O arguido P. sabia que os indivíduos que contratou e tentou contratar para jogarem no (…) pretendiam ser jogadores de futebol com relevo internacional, atingindo com isso melhores condições de vida, e aproveitou-se desse facto com promessas falsas de que iria regularizar-lhes a situação documental, nomeadamente através da obtenção de autorização de residência para exercício da actividade profissional.

          68.  O arguido P., por si e em representação e no interesse da arguida (…), quis contratar os referidos jogadores para efeitos de obtenção de títulos e prémios para aquele clube.

          69. O arguido P. agiu sempre livre e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.».

            p) A intenção lucrativa no sentido que propomos, mostra-se assim patente nestes factos; o arguido  prometia celebrar  contratos de trabalho de futebol com os estrangeiros, sabendo que os mesmos cidadãos estrangeiros, em situação ilegal, aceitariam jogar a troco de quantias baixas (até porque tinham  a ambição de  progredir no mundo do futebol), fazendo-os ainda acreditar que iria proceder à regularização da sua situação em Portugal (ainda por cima, sabendo que não o iria cumprir), de modo a que o clube ganhasse títulos e prémios, sem despender muito dinheiro (designadamente, acrescentamos, porque a contratação de outros jogadores de valia semelhante, mas com a situação regularizada, com toda a probabilidade não aceitariam jogar pela arguida recebendo os montantes oferecidos àqueles).  Desta forma, resulta inequívoco que o arguido facilitou a permanência no nosso país dos cidadãos estrangeiros em situação ilegal, não movido por algum sentimento altruísta ou de solidariedade (por exemplo, com a única intenção de lhes facultar alojamento e comida), mas sim porque desta forma conseguia a prestação, ao serviço da arguida, de jogadores de futebol, que de outra forma, com toda a probabilidade não obteria, ou apenas conseguira despendendo montantes mais elevados. Ao facilitar a permanência dos mesmos cidadãos estrangeiros mediante a promessa de celebração de contractos de trabalho e de regularizar a sua situação em Portugal, o arguido visava um benefício, uma vantagem, um ganho para a arguida, pessoa colectiva.

             É ainda de recusar a tese do tribunal a quo no sentido de o arguido não poder ter actuado  com intuito lucrativo pois o clube não tem (nem pode) ter intuito lucrativo; o que importa não é se a pessoa colectiva (ou singular) persegue ou não fins lucrativos, ou se pode ou não legalmente obter lucros financeiros; o que revela é se se age com a intenção de obter algum benefício; a não se entender assim, cairíamos no absurdo   de uma qualquer fundação ou associação sem fins lucrativos,  pudesse contratar emigrantes em situação ilegal pagando-lhes uma quantia, por exemplo, muito inferior ao salário mínimo, sem que se pudesse revelar nessa contratação um intuito lucrativo.

            q) De forma a manter a coerência da matéria de facto com a decisão jurídica, passaremos então a corrigir a redacção do referido art 65º dos factos provados, reflectindo não só a matéria acima referida quanto à intenção de facilitar a entrada dos 14 jogadores, que não o R. e o D., (cfr. supra, secção j), como ainda pela adição da expressão “com intenção de obter vantagens para a arguida”, eliminando-se a expressão “quis explorar de forma lucrativa” do facto n.º 77 dos factos não provados.

            r) O art 65º dos factos provados passará assim a ter a seguinte redacção:

            “O arguido P., com o intuito de obter vantagens desportivas e económicas para a arguida, quis facilitar a entrada e permanência em Portugal de R., e facilitar a permanência de W., M., A., DH., MV., C., DB., F., DS., AP., T., N., K., AM.  em Portugal, que recrutou ou tentou recrutar para jogarem futebol no “(…), bem sabendo que R. e D. não podiam entrar em Portugal, e os restantes não podiam permanecer, sem que para tanto estivessem habilitados pelas competentes autoridades nacionais”.

            s) Concluímos assim que os arguidos devem ser condenados pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, tendo como vítimas W., M., A., DH., MV., C., DB., FP., DS., AP., T., N., K., AM..

            E devem ainda os mesmos arguidos ser condenados pela prática de 2  crimes de auxílio à  imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 21.º, 22.º, n.º 1, alínea a) e 23.º, todos do Código Penal e 183.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007,  sendo que quanto a estes 2 crimes tentados  (tendo como vítimas R. e D.) a conduta dos arguidos também preenchia – como vimos supra -   a previsão do nº1 do artigo 183º (uma vez que se tentou a entrada – e não apenas a permanência – destes jogadores em Portugal), mas  resolvendo-se o concurso aparente de normas no sentido da condenação do n.º 2 do mesmo artigo 183º, por corresponder  ao tipo de ilícito mais grave.

            

            t) Considerámos assim que os arguidos praticaram os crimes previstos e puníveis no art 183º n.º 2 da Lei 23/2007, dos quais tinham sido absolvidos pelo tribunal de 1ª instância.

            Nestas circunstâncias, importa seguir a jurisprudência fixada pelo Ac. do S.T.J. n.º 4/2016, segundo a qual “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.

            Assim sendo, considerando os factos já dados como provados na sentença sob recurso, e considerando que dispomos de todos os elementos para tal, iremos proceder à fixação das medidas concretas das penas, com o que acabamos por apreciar as restantes questões objecto deste recurso, que se prendem com as penas aplicadas pelo tribunal a quo, as quais, por motivos diferentes, mereceram a discordância do Ministério Público (recurso A) e da arguida (recurso B).

          

          u) A fixação da medida da pena é feita em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (geral de integração e especial de socialização), nos termos do disposto no nº 1 do art. 71º do Cód. Penal, tendo em conta designadamente as circunstâncias enumeradas no nº 2 do citado normativo. A pena deve ser encontrada numa moldura penal de prevenção geral positiva – com o que se dá satisfação à necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada -  definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida concreta da culpa, que estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção - art 40º Cód. Penal acima citado.

  

       v) As molduras penas a considerar são as seguintes:

       Relativamente ao arguido, P., pessoa singular:

       i) O crime de falsificação de documento, (artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal), é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias (cfr. artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do Código Penal).

       ii) O crime de auxílio à imigração ilegal (artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, de 4-VII, na versão da Lei n.º 29/2021, de 9-VIII, que precisamente alterou esta norma, subindo o limite máximo da pena, anteriormente de 4 anos) é punido com pena de prisão de 1 ano a 5 anos.

       O mesmo crime de auxílio à imigração ilegal, mas na sua forma tentada, é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos e 4 meses (art 73º, n.º 1, alíneas a) e b), e 41º n.º 1 do Código Penal).

            

       x) No que diz respeito à arguida G., pessoa colectiva, são as seguintes as molduras a considerar:

       O crime de falsificação de documento (art 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal (cfr. artigo 90º-B, n.º 3, do Código Penal), é punido com 10 a 360 dias de multa;

       O crime de auxílio à imigração ilegal (mesmo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007 e artigo 90º - B, n.º 2, do Código Penal), é punido com pena de multa de 100 dias a 600 dias

       w) O mesmo crime de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada (ainda mesmo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007, e arts 23º, 73º e 90º - B, n.º 2, do Código Penal), é punido com pena de multa de 10 dias a 400 dias.

       O montante diário da pena de multa aplicável às pessoas colectivas e entidades equiparadas foi fixado pelo artigo 90-B, nº 5, do Código Penal, entre €100 e €10.000.

          y) Tendo em consideração estas molduras penais, passamos à fixação das penas concretas, de acordo com os critérios previstos no art 71º do Cód. Penal acima mencionados (culpa do agente, exigências da prevenção geral e especial, circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente).

           A decisão recorrida considerou para o efeito:

           Por se repercutir na pena, através da culpa, antes de mais há a considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que no caso concreto se afigura elevada.

           O comportamento do arguido P., não obstante a fiscalização do SEF, não se coibiu de continuar a aceitar jogadores estrangeiros que se encontravam em território nacional em situação ilegal e também a aliciar outros 2 jogadores a virem para Portugal em situação irregular (mas que não se concretizou neste caso) demonstrando com essas condutas que de nada serviu aquela fiscalização, procurando contornar a impossibilidade de ter jogadores estrangeiros em situação ilegal ao serviço da arguida , demonstrando ter agido com dolo directo, o que significa um maior juízo ético-social de desvalor.

           O arguido acabou por prestar declarações em audiência de julgamento, admitindo a grande parte dos factos (nos termos já analisados), evidenciando pretender colaborar com o tribunal, não obstante a abundante prova existente nos autos e examinada em audiência e que determinaria sempre julgar os provados os factos nos termos em que ficaram provados.

           O arguido demonstrou arrependimento sincero.

           O arguido, bem como a arguida não têm antecedentes criminais.

           A favor do arguido depõem as suas condições sociais e familiares.

           O caso reclama particulares exigências de prevenção geral, podendo aqui assinalar-se um mais lato papel à componente da intimidação e da dissuasão de modo a controlar a emigração ilegal, protegendo-se as vítimas da exploração, da ausência de dignidade bem como o Estado, de modo a controlar as pessoas que circulam ou permanecem no País (até por obrigações internacionais) e impedir a prática de criminalidade associada à emigração. 

           Também elevadas necessidades de prevenção geral no que respeita ao tráfego de documentos e da veracidade dos mesmos, o que suscita por parte da comunidade uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir por parte do tribunal severidade na punição.

          Menos elevadas exigências de prevenção especial, encontrando-se o arguido integrado do ponto de vista social e familiar, não tem antecedentes criminais, admitiu em parte os factos e demonstrou arrependimento.

           Quanto à arguida realça-se a situação económica deficitária e o importante papel social no meio onde se encontra sedeada e em actividade.

          Tendo em consideração que o crime de falsificação é punido em alternativa com pena de privativa e com pena não privativa da liberdade, é de afastar a aplicação da pena não institucional, atendendo ao número de crimes praticados pelo arguido e os crimes de falsificação terem sido cometidos para facilitar/permitir a prática dos crimes de auxílio à emigração ilegal, não realizando, assim, a pena não institucional de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. artigo 70º, do Código Penal a contrario).

        

          z) Concordamos com estas considerações de deduzidas pelo tribunal a quo, às quais aderimos.

          Apenas acrescentaríamos que reconhecendo-se efectivamente que o auxílio à imigração ilegal é um tema que preocupa actualmente a comunidade em geral, surgindo como premente a necessidade de intimidar e dissuadir os comportamentos que facilitem a entrada ou permanência de cidadãos em situação ilegal, de modo a controlar os fluxos migratórios e a proteger os próprios emigrantes, o caso concreto afasta-se do fenómeno que tem motivado as referidas preocupações e alarme social.

          Assim, a «situação-tipo” que justificou a Directiva da União Europeia e a legislação nacional dela decorrente, prende-se com fenómenos de imigração em massa, de grupos de pessoas (muitas vezes famílias inteiras) provenientes de países ou regiões muito pobres, muitas vezes sem qualquer relação com os país-destino, derivando de todas essas circunstâncias de uma situação de fragilidade emocional, económica, cultural, que permite que os mesmos sejam facilmente explorados desde logo  na sua entrada na Europa (transportados em condições sub-humanas, colocando em grave risco a própria vida), mas também durante a sua permanência, onde ocorrem habituais fenómenos de exploração de mão de obra barata, desenvolvendo actividades duras (com grande incidência na agricultura não mecanizada) em horários e condições de trabalho inaceitáveis.

          No caso em apreciação, estamos perante jovens de nacionalidade brasileira, que vieram individualmente para Portugal, com toda a probabilidade de avião (ou seja, em condições de conforto e segurança), que procuram na Europa a realização do sonho de jogar futebol profissional, e não o desenvolvimento de uma qualquer actividade, por mais dura e mal paga que seja, de modo a garantir a sua sobrevivência. Adicionalmente, a partilha da língua, a grande proximidade cultural, afectiva e histórica entre Portugal e o Brasil a existência de uma vasta comunidade brasileira entre nós, permite a sua integração social, afastando-os normalmente de uma situação de exploração mais grave, da situação acima descrita.

          Não querendo com tudo isto desvalorizar ou desculpar a conduta dos arguidos (tanto que por se verificarem os elementos típicos serão censurados mediante a aplicação de penas), consideramos que deve ser considerado de forma relevante o circunstancialismo descrito, no sentido da menor ilicitude de facto, por comparação com a situação primeiramente descrita, que configura de forma muito mais evidente verdadeiras práticas desumanas, e que justificaram e primeira linha a adoção da legislação em causa.

          Devemos ainda considerar que os cidadãos em situação ilegal já estavam em Portugal há um período considerável de tempo (alguns anos), tendo jogado futebol por outros clubes antes da arguida, sem que aparentemente essa situação tenha sido fiscalizada ou impedida, o que releva também alguma tolerância da comunidade e das próprias autoridades para este fenómeno.

 

            aa) Assim sendo, e relativamente ao arguido P.:

             - quanto ao crime falsificação de documentos, a pena de prisão de 1 ano e 6 meses de prisão;

             - quanto aos 14 crimes de auxilio à emigração ilegal, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

              - quanto aos crimes de auxilio à emigração ilegal na forma tentada, a pena de 7 meses de prisão.

               bb) No que diz respeito à arguida, pessoa colectiva:

              Quanto ao crime de falsificação de documento (art 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal (cfr. artigo 90º-B, n.º 3, do Código Penal), a pena de 160 dias de multa;

           Relativamente aos crimes de auxílio à imigração ilegal consumados a pena de 150 dias de multa;

          Aos crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada (ainda mesmo artigo 183.º, nº 2, da Lei n.º 23/2007 e o artigo 90º - B, n.º 2, do Código Penal), a pena de 80 dias de multa.

         O montante diário da pena de multa aplicável às pessoas colectivas e entidades equiparadas, pode variar entre €100 e €10.000 – art 90-B, nº 5, do Código Penal. No caso, concorda-se com a decisão recorrida no sentido de a situação económica da arguida (cfr. facto provado n.º 91), e ainda a sua dimensão e fim social, justificam que deva esse montante se fixado pelo mínimo (ou seja, 100,00 euros), opção do tribunal a quo que aliás não mereceu censura pelo Ministério Público no seu recurso.

            cc) Os crimes praticados por ambos os arguidos estão numa relação de concurso, cabendo assim proceder ao seu cúmulo jurídico, e fixar uma pena única. O cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas tem por limite máximo a soma das penas aplicadas, e como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas, devendo ser considerada na medida da pena os factos e a personalidade do agente - artigo 77º do Cód. Penal.

            dd) No caso, e quanto ao arguido P., temos uma moldura penal de 1 ano e 6 meses de prisão (pena mais alta em concurso) a 21 anos e 7 meses de prisão (soma de todas as penas).

          Na escolha da pena única, dando aqui por reproduzidos os elementos acima assinalados aquando da fixação das penas parcelares, como o arrependimento revelado, e o facto de não registar antecedentes criminais. Realce-se que a motivação para a prática dos crimes não derivou de um interesse próprio e directo, como seria o caso de um empresário que contratasse cidadãos estrangeiros ilegais de modo a que prestassem directamente um determinado serviço na sua empresa, beneficiando diretamente dessa prestação, mas sim tentando que o clube que representava conseguisse mais sucesso desportivo, ainda que com menor dispêndio monetário.

             Assim sendo, julga-se justa e adequada a pena única de 5 anos de prisão.

            ee) Nos termos do art 50º n.º do Cód. Penal, O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

              No caso – tal como a decisão recorrida – entendemos que a execução da pena de prisão deve ser suspensa na sua execução, atendendo à inexistência de antecedentes, à inserção social do arguido, ao arrependimento demonstrado, sendo razoável supor que a ameaça da prisão serás uma forma eficaz de permitir a reinserção social do arguido – cfr. art 40º n.º 1, parte final do Cód. Penal.

          ff) Mas já quanto à protecção dos bens jurídicos, concordamos com o Ministério Público, que as necessidades de prevenção geral impõem uma censura acrescida à simples suspensão da execução, recordando-se o grande número de jogadores contratados ou que se tentou contratar (no total de 16), o período alargado de tempo em que decorreu a actuação do arguido (duas épocas desportivas, tendo prosseguido a sua actuação mesmo após uma fiscalização pelo SEF).

          E assim sendo, como sugerido pelo Ministério Público, e nos termos do art 50º n.º 2 e 3 do Cód. Penal, decide-se subordinar a suspensão da execução da pena à obrigação de pagamento, pelo arguido, da quantia de 2.500,00 euros ao Alto Comissariado para as Migrações durante o período da suspensão, à razão de 500,00 euros por ano.

          Impõem-se ainda adicionalmente ao arguido, a obrigação de se manter afastado, durante o período de suspensão da execução da pena, do exercício de quaisquer cargos, ou funções em grupos desportivos de futebol, também aqui acolhendo a pertinente sugestão do Ministério Público no seu recurso.

           gg)  No que tange à arguida, pessoa colectiva, a moldura abstracta nos termos do mesmo artigo 77º do Cód. Penal terá como limite mínimo os 160 dias, enquanto pena  mais alta, e como limite máximo 2420 dias, enquanto soma das penas em concurso ( relativamente à circunstância de se aceitar que o limite máximo, em caso de concurso de crimes praticados por pessoa colectiva possa exceder os 900 dias previstos no art 77º n.º 2, devendo encontrar-se tal limite nos 30000 dias de multa, mediante um raciocínio analógico com a pena máxima de 25 anos, e a aplicação do factor conversor previsto no art 90º-b do Cód. Penal,  adere-se à  decisão recorrida, retirada da posição de Nuno Brandão, in Revista do CEJ, 1.º Semestre, 2008, N.º 8 (Especial) Jornadas sobre a Revisão do Código Penal,   https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/453).

             Dentro da referida moldura penal, e também aqui considerando os elementos acima explanados a propósito da fixação da penas parcelares, e realçando-se que a arguida não é uma empresa comercial, mas sim uma associação que persegue uma utilidade social (a prática do desporto e a participação em competições desportivas), que a mesma se apresenta como um clube desportivo de pequena dimensão, com fortes limitações financeiras ( depende economicamente de subsídios da CM de (…), numa percentagem de 90% e de patrocinadores no restante, e encontra-se em situação económica deficitária), com sede numa vila com pouco mais de 30000 habitantes (….), clube esse  fundado há mais de 80 anos, sem que  - como vimos – o seu comportamento anterior tenha merecido alguma censura penal, decidimos fixar a pena única em 600 dias de multa, à taxa diária de 100,00 euros, num total de 60.000,00 euros.

            hh) Por outro lado, e tal como considerado na decisão recorrida, tendo a arguida sido condenada em pena de multa não superior a 600 dias, há que ponderar a possibilidade de substituir a pena de multa por caução de boa conduta nos termos dos artigo 90º-D e 90º-E, do Código Penal.

            No caso, recorde-se que a arguida é uma pessoa colectiva de direito privado cujo objecto é o fomento e a prática directa de actividades desportivas e que se constituam sob forma associativa e sem intuitos lucrativos   - cfr. art 20º n.º 1 da Lei 1/90 de 13-1.

            A arguida persegue uma utilidade social (a prática do desporto e a participação em competições desportivas), tratando-se de um clube desportivo de muita pequena dimensão, já em situação económica deficitária, cuja sobrevivência depende em 90% das receitas do seu maior patrocinador. Consultado um site do Município de (…), resulta que em 2019, o valor desse patrocínio ascendeu a 48.750,00 €, pelo que o orçamento anual do clube não ultrapassará os 55.000,00 €.  A execução de uma pena de multa em valor superior ao orçamento anual, tornaria, senão impossível, muito difícil a manutenção da prossecução do seu fim, colocando em sério risco a sua sobrevivência como associação. E a possível extinção da mesma pessoa colectiva por efeito da condenação na pena de multa, surgiria como uma consequência desproporcionada relativamente aos crimes cometidos pelo arguido em seu nome, especialmente atendendo ao seu fim social, e à ausência de outras condenações anteriores.               

             Assim sendo, decidimos substituir a pena de multa por caução de boa conduta,  pelo prazo de 5 anos, fixando-se a caução em 10.000,00 €, entendendo também aqui que a fixação da caução em valor superior colocará em causa a possibilidade de a mesma ser prestada, e assim a sobrevivência da própria associação, consequência que não será desejada por ninguém, e que teria como principais afectados e prejudicados os habitantes de uma pequena vila como (…) (que normalmente não têm muito mais do que o seu clube de futebol  para reafirmarem a sua identidade, enquanto pequena comunidade de um interior desertificado e abandonado), e  ainda os concretos utilizadores  dos serviços prestados pelo clube, das suas instalações, ou meros simpatizantes,  alheios  à conduta ilícita do presidente do seu clube.

               A mesma caução será prestada, nos termos nos termos do n.º 3 do art 90º-D do Cód. Penal, mediante de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão.

             ii) Mantém-se ainda a pena acessória de  publicação da decisão condenatória prevista no n.º 1, do artigo 90º - M, do Código Penal, concordando-se  que o  interesse público impõe  a publicação da decisão, mormente porque  esta pena pretende , como se escreve na decisão recorrida, “dar a conhecer às pessoas (à comunidade) o crime ou crimes praticados, prevenindo as mesmas do perigo de lesão de bens ou interesses, concretamente do perigo de lesão dos bens ou interesses que a norma que prevê o crime perpetrado pretende tutelar, contribuindo para acautelar as exigência de prevenção geral, tanto na sua vertente positiva como negativa, permitindo a publicidade desta decisão condenatória, no jornal de maior leitura na região, é no caso ditada por evidentes razões de prevenção geral e fundada nos interesses essencialmente colectivos violados.  

               Adere-se assim neste campo à decisão do tribunal a quo, devendo  a pena de publicidade da decisão condenatória, ser efectivada, a expensas da condenada, em meio de comunicação social a determinar pelo tribunal – no caso no Jornal do (…), bem como através da afixação de edital, por período não inferior a 30 dias, no próprio complexo desportivo da arguida, por forma bem visível ao público (cfr. n.º 2, do artigo 90º-M, do Código Penal) e é feita por extracto, de que constam os elementos da infracção e as  sanções aplicadas, bem como a identificação da pessoa colectiva (cfr. n.º 3, do artigo 90º-M, do Código Penal).

         kk) Tendo se procedido à fixação de novas penas parcelares, penas únicas e penas acessórias, não conhecemos as demais questões suscitadas pelo Ministério Público no seu recurso A, e pela arguida no seu recurso B), uma vez que incidiam sobre as penas anteriormente aplicadas pelo tribunal a quo.

 
       IV - Dispositivo
      IV - Dispositivo

      Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra:

       a)  em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido P. e a arguida G., pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, com a redacção dada pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto, de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelo art 183.º n.º 1 da mesma Lei n.º 23/2007;

      b) julgar ainda procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenado os mesmos arguidos pela prática de 14 (catorze) crimes de auxílio à imigração ilegal, previstos e punidos pelo artigo 183.º, nº 2, da mesma Lei n.º 23/2007, e pela prática de 2 (dois) crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada, previstos e punidos pelo artigo 183.º n.ºs 2 e 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho;

        c) Concluindo-se pela reversão da decisão absolutória da 1.ª instância,  procede-se à determinação da medida das penas,  condenando o arguido P. pela prática de um crime de  falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática dos  14 crimes de auxilio à emigração ilegal referidos em b), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada; e pela prática  de 2 crimes  de auxílio à emigração ilegal na forma tentada, na pena de 7 meses de prisão cada,  e em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 5  (cinco) anos  de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos,  subordinando-se  a mesma suspensão da execução da pena à obrigação de entrega pelo arguido da quantia de 2.500,00 euros ao Alto Comissariado para as Migrações durante o período da suspensão, à razão de 500,00 euros por ano, e à obrigação de se manter afastado, durante o período de suspensão da execução da pena, do exercício de quaisquer cargos, ou funções em grupos desportivos de futebol.

        d) Na mesma sequência da reversão da decisão absolutória, e julgando-se aqui parcialmente procedente o recurso da arguida,  condenar o G. como responsável, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Cód. Penal, pela prática de um crime de falsificação de documento na pena de 160 dias de multa,  pela prática dos referidos crimes de auxílio à imigração ilegal consumados na pena de 150 dias de multa,  e ainda pela prática dos crimes de auxílio à imigração ilegal, na forma tentada  na a pena de 80 dias de multa, e em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de 100,00 euros, num total de 60.000,00 euros,  pena que se substitui por caução de boa conduta,  nos termos dos artigo 90º-D e 90º-E, do Cód. Penal, pelo prazo de 5 anos, fixando-se a caução em 10.000,00 €, a ser  prestada nos termos do n.º 3 do art 90º-D do Cód. Penal,  e no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, e ainda na pena acessória de  publicação da decisão condenatória prevista no n.º 1, do artigo 90º - M, do Código Penal.

          Sem custas.

Coimbra, 27 de Outubro de 2021

João Novais (relator)


                         

Elisa Sales (adjunta)