Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
260/11.1JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO
COMUNICAÇÃO
INDICAÇÃO DE MEIOS DE PROVA
CONHECIMENTO DE QUESTÕES SUSCITADAS NA RESPOSTA DO ARGUIDO
ADICIONAMENTO OU ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 316.º, 358.º, N.º 1, 374.º, N.º 2, E 379.º, N.º 1, AL. A), DO CPP
Sumário: (elaborado pelo Relator):

I – A norma do artigo 316º do CPP aplica-se a todas as situações de adicionamento ou alteração do rol de testemunhas, independentemente do que esteve na base desse aditamento ou alteração, aplicando-se, portanto, nas situações em que se arrolam novas testemunhas após a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358º do CPP.

II – A lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e de não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.

III – Não há na lei nenhum normativo que exija que o tribunal deva conhecer antes do acórdão (ou sentença) das questões relacionadas com a resposta de um arguido à comunicação do artigo 358º do CPP, bastando-se a lei com o facto de ser dado efectivo conhecimento à defesa da probabilidade de vir a ser fixada nessa peça final uma nova factualidade, podendo ela assim arrolar prova nova, podendo até mudar a sua estratégia de defesa, fazendo-o em tempo e a tempo, não ficando, pois, prejudicados os seus direitos.

IV – Nessa situação, o tribunal, em sede de sentença ou acórdão final, deve esclarecer quais os meios de prova em que se fundamentou para tal alteração não substancial de factos, motivando de forma crítica a sua decisão, por forma a não cair na nulidade a que alude o artigo 379º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP.

Decisão Texto Integral:
RECURSO N.º 260/11.1JALRA.C1
Processo Comum Colectivo
Recursos interlocutórios
Requerimentos de prova
Dever de fundamentação de despachos judiciais
Adicionamento de rol de testemunhas
Comunicação a que alude o artigo 358º, n.º 1 do CPP
Crimes de burla qualificada, falsificação de documento e branqueamento de capitais
Nulidade de vício de sentença
Juízo Central Criminal de ... – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
             1. O ACÓRDÃO RECORRIDO

No processo comum colectivo n.º 260/11.1JALRA do Juízo Central Criminal da Comarca de ... (Juiz 2), por acórdão datado de 11 de Janeiro de 2022, foi decidido:

«a) Julgar a pronúncia parcialmente improcedente e não provada e, consequentemente:
· a.1. absolvem a arguida “M..., Lda” do crime de branqueamento porque vem pronunciada.
· a.2. absolvem o arguido AA do crime de branqueamento agravado na forma continuada, p. e p. no artº 386-A nºs 1 a 3 e nº 6 do Cod. Penal porque vem pronunciado.
b) Julgar a pronúncia - com a alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica oportunamente comunicadas - procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido AA pela prática, em concurso real e efectivo:
· b.1) Em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a), 202º, al. b) , 14º, 26º, 3 30º nºs 1 e 2 , todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos de prisão;
· b.2) Em co-autoria material, de um crime de falsificação de documentos, p. e p. nos artºs 256º nº 1 als. a), d) e e), 255º al.a), 14º, 26º e 30º nº 1, todos do Cod. Penal, na pena de 18 meses de prisão;
· b.3) Em autoria material, de um crime de falsificação de documentos, p. e p. nos artºs 256º nº 1 als. a), d) e e), 255º al.a), 14º, 26º e 30º nº 1, todos do Cod. Penal, na pena de 18 meses de prisão;
· b.4) Em autoria material, de um crime de branqueamento, p. e p. no artº 368º-A nºs 1 a 3 e nº 10 do Cod. Penal, na redacção decorrente da Lei nº 59/2007, de 04/09, e nos artºs. 14º e 30º nºs 1 e 2 do mesmo CP, na pena de 4 anos de prisão.
· b.5) Operando o respectivo cúmulo jurídico, condenam o arguido AA na PENA ÚNICA de 7 anos de prisão.
c) Julgar a pronúncia - com a alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica oportunamente comunicadas - procedente e provada e, consequentemente, condenam a arguida BB pela prática, em co-autoria material , e concurso real e efectivo de:
· c.1) Um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a), 202º, al. b) , 14º, 26º, 3 30º nºs 1 e 2 , todos do Cod. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
· c.2) Um crime de falsificação de documentos, p. e p. nos artºs 256º nº 1 als. a), d) e e), 255º al.a), 14º, 26º e 30º nº 1, todos do Cod. Penal, na pena de 18 meses de prisão.
· c.3) Operando o respectivo cúmulo jurídico, condenam a arguida BB na PENA ÚNICA de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de perda de vantagens, nos termos do disposto nos artºs. 109º e 111º, ambos do Cod. Penal na redacção vigente à data dos factos, mais favorável, e, consequentemente:
· d.1) Condenam os arguidos AA e BB a pagarem solidariamente ao Estado Português a quantia de € 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), correspondente à vantagem patrimonial obtida.
· d.2) Declaram perdidos a favor do Estado os saldos bancários apreendidos nos autos ao arguido AA, indicados a fls. 489, 551 a 553, 554, 555, 556, 559, 562 e 567 dos autos.
· d.3) Determinam o levantamento da apreensão sobre todos os três imóveis apreendidos nos autos, melhor identificados nos respectivos autos de apreensão e certidões de registo predial juntas aos autos e, consequentemente, determinam o cancelamento dos respectivos averbamentos da apreensão.
· (…)
· d.4) Determinam a notificação do MºPº para, relativamente aos diversos bens apreendidos arguido AA, identificados no auto de apreensão de fls. 944-956 dos autos ( relógios e respectivas caixas, moedas de colecção, isqueiros, etc. - todos os objectos, à excepção das armas , partes de armas, e das munições, já colocadas à ordem de outro processo), no prazo de 30 dias, querendo, requerer a prestação de medida de garantia patrimonial que abranja estes bens, sob a cominação de, nada requerendo, ser oportunamente ordenado o levantamento da apreensão, com as legais consequências.
(…)».

              
2. Durante a tramitação do processo e anteriores à prolação do acórdão final, foram intentados 4 recursos interlocutórios de despachos judiciais[1] que urge agora decidir pois foram todos admitidos para subir a final conjuntamente com os recursos interpostos da decisão final.

2.1. RECURSO 1 
           
2.1.1. Durante a audiência de 20 de Abril de 2021, foi requerido o seguinte pelo mandatário do arguido AA, após inquirição da testemunha CC:
            «Atendendo ao depoimento da testemunha e ao seu desconhecimento conveniente, diga-se, sobre quem pagou a campa do falecido DD, o arguido AA requer que se digne admitir a junção de declaração da empresa «L...», comprovativa do pagamento por si feito da campa do referido DD, por se afigurar pertinente e indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa, e por a referida junção não se ter mostrado necessária em momento anterior ao presente, tudo nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal».

            2.1.2. Recaiu sobre este requerimento o seguinte despacho do Colectivo de ...:
            «O documento cuja junção ora se requer não constitui meio de prova idóneo relativamente aos factos que propõe comprovar. Para além disso, a sua junção apenas neste momento afigura-se-nos manifestamente extemporânea, termos em que, nos termos do artigos 240º, n.º 4, a), b) e c) do Código de Processo penal, se indefere a requerida junção.
Notifique».
 
            2.1.3. O arguido AA interpôs recurso deste despacho (a fls 2944), motivado da seguinte forma, em tom de conclusões (transcrição):
1. «O presente recurso tem como objecto o despacho que indeferiu o requerimento de prova do Arguido (a pedir a junção de um documento) com fundamento de que não constituía meio de prova idóneo e a sua apresentação era extemporânea.
2. O documento em causa é uma declaração atestando que foi o Recorrente quem pagou a campa do falecido DD.
3. Este documento permite provar a relação de amizade existente entre o DD e o Recorrente, por si alegada nos artºs 10º e seguintes da sua contestação.
4.  O documento permite ainda fazer contraprova de que oreferidoOndinonuncaoutorgou a procuração em causa nos presentes autos ou permitiu os levantamentos bancários efetuados pelo Recorrente.
5. Mais permite o documento colocar em crise o depoimento do Assistente e das testemunhas CC e EE por os contradizer.
6. O documento constitui assim meio adequado para prova dos factos pretendidos pelo Recorrente.
7. A junção requerida não é extemporânea pois o documento é posterior à data limite do prazo de contestação e o requerimento foi feito em consequência do depoimento prestado pela testemunha CC.
8. Face ao exposto a junção requerida é admissível nos termos do artº 340º, nº 1 do CPP, tendo os Mmºs Juizes a quo feito errada interpretação e aplicação desta norma, bem como do artº 340º, nº 4 do CPP e dos artºs 2º e 3º do mesmo diploma legal.
Termos em que,
Deve dar-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser proferido Acórdão que, revogando o despacho recorrido, admita a junção do documento em causa».

2.2. RECURSO 2 
           
2.2.1. Durante a audiência de 18 de Maio de 2021, foi decidido o seguinte pelo Colectivo de ... quanto ao requerimento apresentado pela arguida BB sob a referência n.º 7614044 (fls 2876-2877):
            «(…)
II – Quanto ao requerimento apresentado pela arguida BB sob a referência 7614044, em face dos esclarecimentos prestados na presente audiência pelos senhores peritos, considera-se que o meio de prova aí referido resulta desnecessário para a descoberta da verdade material, porquanto as questões suscitadas já foram todas cabalmente esclarecidas pelos senhores peritos pelos seus esclarecimentos em audiência e por referência, inclusive, ao CD de suporte da perícia que consta anexo ao relatório pericial.
Assim, indefere-se o doutamente requerido».

            2.2.2. O requerimento visado pelo despacho recorrido tinha o seguinte teor:
«BB, arguida, tendo apreciado, no decurso da audiência de julgamento, as declarações da testemunha FF que não conseguiu explicar a questão das datas de criação/modificação dos ficheiros denominados “termo de autenticação DD” e “procuração DD” e estando a perícia de fls. 1176 a 1187 expressamente impugnada e estando a acusação sustentada nessa questão, constituindo a mesma uma questão de facto essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa,
Torna-se imperativo o cabal esclarecimento do surgimento das datas de modificação dos aludidos ficheiros em 05.05.2011, das datas de criação dos mesmos ficheiros em 26.07.2011 em disco formatado e sistema operativo instalado em 29.06.2011.
Nesta medida, estava a arguida com esperança que tal matéria pudesse ter sido esclarecida em sede de julgamento, o que não sucedeu, tendo sido as respostas, às questões que permitiram clarificar esses factos, por parte da testemunha FF, obscuras, ambíguas e pouco esclarecedoras, não resta outra alternativa, se não, à arguida, de requerer, ao abrigo do n.º 1 do art.º 340.º do CPP que seja oficiado ao fabricante do software do programa ..., Mic..., Lda., com sede na ... ..., que responda aos seguintes quesitos:
1 – Quanto um ficheiro word é criado e subsequentemente alterado, salvado e guardado, qual é a data que assume como sendo a da sua criação? A data inicial ou a data subsequente em que é salvado?
2 – Quando um ficheiro word é copiado para um disco rígido, aberto e salvado, assume a data em que o novo disco foi formatado e o ficheiro word ali inserido e salvado ou permanece como data da criação a primeira data, mais antiga em que foi efectivamente criado, no disco rígido anterior?
O ora requerido é essencial à boa decisão da causa e descoberta da verdade material como se alegou, é matéria essencial a ser produzida e a qual a arguida não prescinde de ver esclarecida.
O ora requerido não contende com a douta decisão de audição dos autores do documento de de fls. 1176 a 1187 (que não configura uma perícia, por não cumprir com o rigor do instituto da prova pericial, decorrente da falta de explicação cabal para as conclusões que desse documento constam e que retiram ao mesmo a qualificação de meio de prova pericial, não obstante ter tal designação no seu título), antes o complementa, uma vez que o que a arguida requer é que o fabricante do software esclareça, em resposta, os quesitos supra mencionados».

2.2.3. A arguida BB interpôs recurso deste despacho, motivado da seguinte forma, em tom de conclusões (transcrição):
a) «A perícia de fls. 1176 a 1187 (que não configura uma perícia, por não cumprir com o rigor do instituto da prova pericial, decorrente da falta de explicação cabal para as conclusões que desse documento constam e que retiram ao mesmo a qualificação de meio de prova pericial, não obstante ter tal designação no seu título) foi impugnada, fundamentadamente, pela recorrente, em sede de contestação;
b) A recorrente requereu ao Tribunal “a quo” que se dignasse deferir ofício ao fabricante do software Mic..., Lda para que respondesse aos seguintes quesitos: “1 Quanto um ficheiro word é criado e subsequentemente alterado, salvado e guardado, qual é a data que assume como sendo a da sua criação? A data inicial ou a data subsequente em que é salvado? 2 Quando um ficheiro word é copiado para um disco rígido, aberto e salvado, assume a data em que o novo disco foi formatado e o ficheiro word ali inserido e salvado ou permanece como data da criação a primeira data, mais antiga em que foi efectivamente criado, no disco rígido anterior?
c) O Tribunal “a quo” numa primeira fase optou, e bem, pelos esclarecimentos dos peritos da PJ autores da “perícia” de fls. 1176 a 1187; no entanto estes peritos em sede de julgamento não só não foram esclarecedores, como foram contraditórios e obscuros, assumindo posições diferentes entre eles quanto à temática data de criação e data de modificação de ficheiros word.doc, questão de facto essencial desta lide.
d) O Tribunal “a quo”, indiferente a esta contraditoriedade, indeferiu a pretensão da recorrente, justificando estarem as dúvidas esclarecidas pelos peritos ouvidos em julgamento.
e) A recorrente, entende, salvo o devido respeito, que as dúvidas se adensaram ainda mais, mantendo-se atuais, fazendo todo o sentido que tivesse sido deferida a sua pretensão expressa na conclusão b).
f) A questão é essencial porque constitui facto pilar da imputação à recorrente, aparentemente suportada pela perícia de fls. 1176 a 1187, mas que na realidade não o está, uma vez que a temática “data da criação” e “data da modificação” dos ficheiros word denominados por “...”, ...” e “...” se mantém envolta em dúvida e obscurismo ao contrário do que parece ter entendido o Tribunal “a quo” quando sustentou o indeferimento da pretensão da recorrente ao justificar a decisão recorrida como estando a questão esclarecida pelos peritos da PJ; parece à recorrente, na decisão recorrida, que o Tribunal “a quo” se bastou com os contraditórios esclarecimentos dos dois peritos ouvidos em julgamento e que em nada sustentam a aludida “perícia” (bem pelo contrário) e a temática em questão.
Pelo exposto deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e ser revogado o despacho que indefere a pretensão da recorrente de ser oficiado o fabricante do Mic..., Lda para que responda aos seguintes quesitos: “1 Quanto um ficheiro word é criado e subsequentemente alterado, salvado e “guardado como”, qual é a data que assume como sendo a da sua criação? A data inicial ou a data subsequente em que é salvado/”guardado como”? 2 Quando um ficheiro word é copiado para um segundo disco rígido (clonado), aberto e salvado /”guardado como”, assume a data em que o novo disco foi formatado (o da clonagem) e o ficheiro word ali inserido e salvado ou permanece como data da criação a primeira data, mais antiga, no disco rígido anterior à clonagem?”, portanto ser de Direito e de Justiça».

2.3. RECURSO 3 
           
2.3.1. Por despacho assinado pelo Colectivo de ..., datado de 24/11/2021, foi proferida a seguinte decisão incindindo sobre o requerimento da arguida BB, junto a fls 3039-3042 (referência 8139052 de 2/11/2021):
            «(…)
1. O meio de prova ora novamente requerido (notificação do fabricante de software) foi já indeferido por anterior despacho judicial, pelo que, nessa parte, o Tribunal esgotou já o seu poder de cognição.
Acresce que, ainda que assim não fosse, a diligência de prova em questão não se nos afigura fundamental à boa decisão da causa (atenta a perícia já realizada nos autos e os esclarecimentos prestados pelos srs. peritos em sede de audiência), antes assumindo carácter dilatório.
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nesta parte, se indefere o requerido.
2. (…)
3. Quanto às demais questões suscitadas: relega-se o seu conhecimento para o acórdão final».

            2.3.2. O requerimento visado pelo despacho recorrido tinha o seguinte teor (transcrição):
«Notificada do despacho proferido na ata de julgamento com a referência 98107104, vem dizer o seguinte:
*
Do Douto ACÓRDÃO Nº 1/2015 de FJ do STJ resulta:
ACUSAÇÃO/FALTA/DOLO/NEGLIGÊNCIA/ILICITUDE/CULPA/ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS /AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal
Rodrigues da Costa (Relator)
In DR 18 SÉRIE I de 2015-01-27
Resultando ainda do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 874/08.7TAOLH.E1
I - Os factos psicológicos que traduzem o dolo do tipo carecem de articulação e prova, pois apesar de os mesmos serem, em regra, objecto de prova indirecta, ou seja, serem provados com base em inferências sobre factos materiais e objectivos, analisados à luz das regras da experiência comum, os princípios da culpa, do contraditório, da acusação e da vinculação temática impõem que os mesmos constem do libelo acusatório, por forma a permitir que o arguido possa defender-se relativamente a tais factos e que a investigação do tribunal para além deles apenas tenha lugar com o cumprimento das normas processuais que regulam a alteração de factos.
II - Embora a lei não defina expressamente o que seja alteração não substancial dos factos, ela há-de representar, por contraposição à noção de alteração substancial dos factos, uma modificação dos factos descritos na acusação ou na pronúncia que não tenha por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
E ainda do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 1335/05-1
I Vindo a arguida acusada pelo crime de receptação na sua forma dolosa e tendo sido condenada pelo mesmo crime, mas na forma negligente, não se verifica uma alteração substancial dos factos constantes da acusação, pois da qualificação jurídica dos factos feita, resultou incriminação num crime menos gravoso, como se pode constatar pelas molduras penais constantes nos nºs 1 e 2 do artº 231º do C. Penal.
II E, conforme refere Dr. Marques Ferreira, - in Alteração dos Factos objecto do processo Penal, RPCC, Ano I, 2, pág. 221 e segs. Se no decurso da audiência se fizer prova de factos que representem uma alteração da acusação ou pronúncia, mas contudo sem qualquer relevo para a alteração do crime ou do máximo das penas, haverá então lugar aplicação do artº 358° do C.P.P., cujos dispositivos são um imperativo do princípio contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz por parte do arguido”.
III – Ora, como da imputação feita no acórdão não resulta incriminação mais grave, estamos perante uma alteração não substancial dos factos.
[…]”
E ainda do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 119/12.5SLLSB.L1-3
“[…]
4.–Uma alteração não substancial constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformam o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e pontual, sem relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal.
5.–Não há alteração substancial ou não substancial dos factos da acusação ou da pronúncia quando os factos referidos se traduzem em meros factos concretizantes da actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas.
E ainda do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 044611
I - Alteração substancial dos factos, segundo a alínea f) do artigo 1 do Código de Processo Penal é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
II - Alteração de qualificação jurídica do facto criminoso não constitui alteração substancial dos factos.
III - Alteração não substancial dos factos é aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
[…]”
E no seguimento do acima referido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 119/12.5SLLSB.L1-3
1.–A imposição da vinculação temática do processo decorre directamente da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente garantida.
[…].”
Sendo que,
A alteração preconizada pelo despacho é por isso substancial (e não “não substancial”, como foi proferido nesse despacho), existindo erro de perspetiva que coloca em crise o art.º 32.º da CRP, que se invoca para os efeitos do art.º 70.º da Lei do TC, na interpretação realizada pelo Tribunal autor do despacho, da norma do art.º 358.º do CPP.
O Tribunal entende, segundo o despacho comunicado, que o agravamento da imputação à arguida decorrente dos factos aditados, constitui uma alteração não substancial, quando o que se passa é precisamente a verificação de uma alteração substancial nos termos e para os efeitos do art.º 359.º do CPP…
… consequência a que a arguida nos termos do n.º 2 do art.º 359.º do CPP, deduz oposição ao prosseguimento / continuação do julgamento pelos factos do recorte da factualidade constante dos pontos a.21 por contraposição à redação da acusação, nesta parte que interessa e se transcreve: “De acordo com um plano previamente acordado entre o arguido AA e a arguida BB e de comum acordo, o primeiro apôs pelo seu punho a rubrica de DD nos referidos documentos Procuração e Termo de Autenticação”.
Ademais, sempre se dirá que se impugna tenha resultado de qualquer meio de prova, testemunhal ou documental, respetivamente, produzido em julgamento ou existente nos autos que:
“a.9) Após o que gizou um plano, juntamente com a arguida BB, para se apoderarem de tais bens.”
“a.10) A arguida BB, de acordo com o plano previamente acordado entre ela e o arguido AA, e de comum acordo, redigiu, no dia 5 de Maio de 2011, no seu computador portátil, um documento intitulado “Procuração”, datado de 18 de Abril de 2007 e constando do mesmo como redigido e assinado em ..., pela qual DD constitui seu bastante procurador o ora arguido AA, ao qual confere os poderes necessários para, nomeadamente, o “representar junto de quaisquer repartições públicas (…), abrir, movimentar e cancelar quaisquer contas bancárias como se o próprio fosse, sacar e endossar cheques bancários e vales de correio, para depósito em qualquer banco, assinar e passar recibos de precatório cheques, bem como receber essas mesmas quantias e valores, requisitar todo o tipo de cheques (…), assinar ordens de pagamento aos bancos a favor de fornecedores, sacar, endossar e assinar cheques, aceites bancários, letras e Livranças (…), receber quaisquer quantias e valores, assinar pelo preço e condições que entender convenientes contratos de compra e venda, incluindo os de promessa de bens imóveis, móveis ou direitos, outorgando as respectivas escrituras (…)” (cfr. fls. 2697-2698 dos autos).”
a.12) No dia 5 de maio de 2011, a arguida BB, na qualidade de Advogada, de acordo com um plano previamente acordado entre ela e o arguido AA e de comum acordo, redigiu, no seu computador portátil, documento intitulado “Termo de Autenticação”, datado de 18 de Abril de 2007, no qual redigiu, designadamente, que, em tal data, no seu escritório em ..., compareceu o outorgante DD.
a.13) Em tal documento, a arguida BB redigiu que “Verifiquei a identidade do mesmo por exibição do original do Bilhete de Identidade. E pelo Outorgante foi dito que o documento (Procuração com poderes civis), em anexo, por ele foi lido e assinado e exprime a sua vontade. O presente termo de autenticação foi lido e feita a explicação do seu conteúdo ao Outorgante, que comigo vai assinar” (cfr. fls. 2696 dos autos).”
“a.14) Nunca DD disse que a Procuração exprimia a sua vontade, nunca mandou elaborar a mesma, nunca deu autorização para a sua elaboração, nunca a assinou ou rubricou, nunca lhe foi lido nem explicado o seu conteúdo, nem nunca pelo seu punho rubricou ou assinou o referido Termo de autenticação, nem se dirigiu a ... para tal efeito.”
“a.15) A arguida BB, na qualidade de Advogada, de acordo com um plano previamente acordado entre ela e o arguido AA e de comum acordo, no dia 5 de Maio de 2011, redigiu e assinou documento do qual refere, nomeadamente: “(…) reconheço presencialmente a assinatura de DD, titular do bilhete de identidade nº ..., emitido em 29/06/1985, pelos ..., aposta do presente documento (Procuração), conforme bilhete de identidade que me foi exibido e de que guardo cópia em arquivo (cfr. fls. 2699 dos autos).”
a.18) No registo dos “metadados” desses três ficheiros em formato “Word”, constam as seguintes datas:
- 02/05/2011: data da criação originária dos ficheiros;
- 05/05/2011: data da última modificação /gravação desses ficheiros;
- 05/05/2011: data da última impressão desses ficheiros.
a.21) De acordo com o plano previamente acordado entre o arguido AA e a arguida BB, e de comum acordo, um dos arguidos não se tendo apurado qual -apôs pelo seu punho uma rubrica semelhante à rubrica de DD nos referidos documentos Procuração e Termo de Autenticação.”
a.62) Os arguidos AA e BB actuaram de forma voluntária, livre, consciente e concertadamente, de acordo com um plano previamente acordado entre eles, com o propósito alcançado de conseguir um engrandecimento do seu património à custa do património do DD e dos seus herdeiros, bem sabendo que agiam sem o conhecimento e consentimento e contra a vontade daqueles.
a.63) Agiram os arguidos AA e BB com intenção de se locupletar com os montantes acima referidos e de obter para si enriquecimento ilegítimo, convencendo erradamente o funcionário da “Banco 1...”, que tais documentos haviam sido assinados pelo punho de DD, titular das contas bancárias, que correspondiam à vontade deste, e, bem assim, o levantamento do numerário e a transferência bancária acima referidos , e que o mesmo ainda estava vivo, o que bem sabiam não correspondia à verdade.”
a.64) Sabiam os arguidos AA e BB que, ao adoptar tais condutas, as mesmas causavam prejuízo aos herdeiros do DD, e que obtinham para si vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, o que quiseram e lograram concretizar.”
“a.65) Com o descrito comportamento, os arguidos AA e BB prejudicaram patrimonialmente os herdeiros de DD no montante total de 360.000,00 (trezentos e sessenta mil euros), aproveitando-se da confiança que souberam criar no funcionário da Instituição bancária, alcançando para si benefício económico, que quiseram e lograram concretizar.
a.68) Os arguidos AA e BB agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Não está verificada a autoria ou co-autoria do crime de branqueamento de capitais, na forma continuada, não estando evidenciada / provada qualquer vantagem obtida pela arguida e tal nunca se poderá presumir ou determinar a partir de um qualquer facto conhecido nos autos, porque inexiste esse facto conhecido. A arguida não integrou, nem integra qualquer bem ou dinheiro que tivesse pertencido a DD ou aos seus herdeiros. O que não está documentado / demonstrado nos autos não está no mundo e não se presume.
As regras de experiência comum, as presunções naturais (de prova) e o princípio da livre apreciação da prova não permitem colmatar a falta de prova que se verifica existir quanto ao mencionado/alegado/referido plano inter reos. Se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório (que é que parece estar a verificar-se com o entendimento do Tribunal autor do despacho ora comunicado); existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ” (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.Penal Anotado, II vol., pág. 740), citado no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2.
A existência da procuração em questão em que o co-arguido é mandatário (facto conhecido) não permite evoluir, sem qualquer outra prova que o demonstre para o conluio e acordo de plano entre arguidos, como se pretende defender no despacho a que responde.
O alegado plano/acordo/conluio entre arguidos, defendido pela acusação e pelo despacho de alteração substancial de factos não decorre de qualquer facto conhecido, nem pode ser extraído de uma presunção natural, porque a verificação da existência de uma procuração não está na base, nem decorre naturalmente de qualquer acordo entre quem legaliza a procuração (que é natural e lógico haja sob instruções do mandante e não do mandatário; cabe referir e enaltecer que há falta de prova quanto à data da criação da procuração e termo de autenticação, valendo a que desses documentos consta; a data de criação desses documentos veiculada pelo ponto a.18 do despacho a que se responde, foi colocada em crise, não assenta em qualquer perícia – porque desconsiderada pelos próprios autores em julgamento pela contradição de depoimentos quanto à explicação dessa mesma data) e o mandatário.
A entender-se que o acordo / conluio / plano inter reos, in casu, decorre da mera existência da procuração legalizada pela arguida em que figura como mandatário o co-arguido, porque lógica esta presunção (quando é absolutamente ilógica), ou porque as regras de experiência comum assim o ditam (quando na realidade não há qualquer padrão de normalidade de vida que o determine), conforme defende o despacho a que se responde, é estar-se a defender a arbitrariedade final da decisão a tomar, sem cuidar de cumprir com a norma constante do art.º 127.º do CPP e bem assim da norma constante do art.º 205.º da CRP e do art.º 32.º da CRP, o que se invoca para os termos e efeitos do art.º 70.º do Lei do TC, sendo que tal opinião / raciocínio é igualmente defendido pelo acertadíssimo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 40/11.4TASRE.C1, que sumaria: “I - Na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer por si. Efectivamente, a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas.
II - De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de uma suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.
O despacho a que se responde é ainda contraditório nos seus próprios termos, porque para alem de não estar fundamentado, não se bastando o dever de fundamentação do art.º 205.º da CRP e do n.º 2 do art.º 374.º do CPP, com a mera menção às fls. dos autos de onde poderá resultar esse entendimento, dá como indiciados factos contraditórios, na medida em que giza como possível a verificação de um plano entre os arguidos, para a elaboração de uma procuração, nos pontos a.9, a.10, a.11, a.12, a.13, a.14, a.15, a.16, a.17, a.18, a.19, a.21, a.62, a.63, a.64, a.65 e a.68, dando ainda como possível a verificação dos factos constantes dos pontos a.57, a.58 e a.66 demonstrativos de que inexistia qualquer conluio, acordo, plano entre os arguidos no que é sintomática a diametral diferença entre os textos dos documentos intitulados “procuração” da agora indiciação dos pontos a.10 e a.57, que reforça a inexistência de qualquer acordo, plano, conluio inter reos.
Não está verificado por qualquer forma (seja testemunhal, seja documental) que os três documentos em formato “Word”, com os seguintes títulos: “...”, “Termo de Autenticação 2006 – DD” e “Rec. Assinaturas – DD” tivessem data de criação originária dos ficheiros em 02.05.2011, assim como data da última modificação / gravação em 05.05.2021 e data da última impressão em 05.05.2011.
Tal matéria ficou por esclarecer quando os autores do documento (não perícia) de fls. fls. 1176 a 1187 o desconsideraram em sede de julgamento, por contradição de depoimentos quanto à questão essencial da data de criação originária dos aludidos ficheiros e o Tribunal indeferiu a prova requerida pela arguida cuja transcrição aqui vai reproduzida e nesta fase e ato se repete, porque essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, admitindo uma retratação, porque a decisão que sobre ela recaiu, não transitada em julgado, nestes autos:
Torna-se imperativo o cabal esclarecimento do surgimento das datas de modificação dos aludidos ficheiros em 05.05.2011, das datas de criação dos mesmos ficheiros em 26.07.2011 em disco formatado e sistema operativo instalado em 29.06.2011.
Nesta medida, estava a arguida com esperança que tal matéria pudesse ter sido esclarecida em sede de julgamento, o que não sucedeu, tendo sido as respostas, às questões que permitiram clarificar esses factos, por parte da testemunha FF, obscuras, ambíguas e pouco esclarecedoras, não resta outra alternativa, se não, à arguida, de requerer, ao abrigo do n.º 1 do art.º 340.º do CPP que seja oficiado ao fabricante do software do programa ..., Mic..., Lda., com sede na ... ..., que responda aos seguintes quesitos:
1 Quanto um ficheiro word é criado e subsequentemente alterado, salvado e guardado, qual é a data que assume como sendo a da sua criação? A data inicial ou a data subsequente em que é salvado?
2 Quando um ficheiro word é copiado para um disco rígido, aberto e salvado, assume a data em que o novo disco foi formatado e o ficheiro word ali inserido e salvado ou permanece como data da criação a primeira data, mais antiga em que foi efectivamente criado, no disco rígido anterior?
O ora requerido é essencial à boa decisão da causa e descoberta da verdade material como se alegou, é matéria essencial a ser produzida e a qual a arguida não prescinde de ver esclarecida.
O ora requerido não contende com a douta decisão de audição dos autores do documento de de fls. 1176 a 1187 (que não configura uma perícia, por não cumprir com o rigor do instituto da prova pericial, decorrente da falta de explicação cabal para as conclusões que desse documento constam e que retiram ao mesmo a qualificação de meio de prova pericial, não obstante ter tal designação no seu título), antes o complementa, uma vez que o que a arguida requer é que o fabricante do software esclareça, em resposta, os quesitos supra mencionados.
A pretensão da arguida é absolutamente atual e mantém-se, adensando-se a necessidade do seu esclarecimento face à nova indiciação e à alteração da redação dessa imputação constante do ponto a.18, o que se requer nos exatos termos do aqui consignado, por ser essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Para defesa da arguida quanto à nova imputação constante dos pontos a.9, a.10, a.12, a.13, a.15, a.21, a.62, a.63, a.64, a.65 e a.68 requer a arguida porque essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, a audição da testemunha GG a apresentar em julgamento no dia 09.11.2021, pelas 13.45h, testemunha esta com conhecimento direto e pessoal de factos que contrapõe os ali mencionados (nos pontos identificados).
Para a defesa da arguida quanto a essa mesma nova indiciação constante dos exactos pontos acima mencionados, requer a arguida, porque essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, a audição da testemunha Dra. HH, pessoa com conhecimento pessoal e direito de factos que contrapõe e contradizem a indiciação expressa no despacho a que se responde, testemunha a notificar em ..., ..., ...».

2.3.3. A arguida BB interpôs recurso deste despacho, motivado da seguinte forma, em tom de conclusões (transcrição):
«a) A decisão recorrida é nula porque conclui e não fundamenta a conclusão…
b) … limitando-se a decidir que existe uma intenção dilatória.
c)  A pretensão da recorrente de ver esclarecido o obscurantismo das declarações dos peritos, contraditórias entre si e com o relatório de que são autores, conforme já está documentado nos autos, no que respeita ao recorte de prova materializado na identificação da data de criação dos documentos “procuração” e “termo de autenticação”…
d) … é atual e essencial e não se encontra ultrapassado (esse esclarecimento), nem é dilatório, nem é impeditivo de ser realizado, mesmo que tenha já recaído decisão, no passado dos autos, sobre essa mesma questão, podendo ser renovada essa pretensão, precisamente porque não está transitada em julgado!
e) A decisão recorrida ao afastar essa pretensão sem mais e sob o pretexto em questão, é nula, porque omissa quanto aos fundamentos de Direito que a sustentam, em violação do n.º 2 do art.º 374.º do CPP; do art.º 332º da CRP e do art.º 205.º da CRP, que para os efeitos do art.º 70.º da Lei do TC se deixa já consignada (inconstitucionalidade).
      f) A decisão recorrida é ainda nula e violadora da CRP, nas normas já mencionadas, quer do CPP, quer da CRP na medida em que é omissa quanto à matéria de facto sobre a qual incidirá a audiência julgamento na sessão do dia 14.12.2021 e eventualmente seguintes sessões…
g) … porque relega para momento posterior a decisão quanto à questão da oposição à continuidade do julgamento pelos factos novos, comunicados ao abrigo de uma, aparente, alteração não substancial de factos, quanto a realidade o que sucede é que ocorreu uma verdadeira alteração substancial de factos, pela maior imputação e agravação da moldura abstrata da pena.
h) É essencial determinar-se de forma clara qual a matéria de facto sobre a qual vai incidir o prosseguimento do julgamento, se sobre a acusação/pronuncia, se sobre o despacho comunicado em 12.10.2021…
      i) … sendo certo que a omissão dessa decisão e o relegar-se para momento posterior essa decisão, determina uma clara violação dos interesses da defesa da recorrente, na medida em que não é claro que o princípio da estabilidade da instância penal esteja encerrado e determinado, face à alteração em causa, comunicada no dia 12.10.2021 e à omissão de decisão quanto à oposição da continuidade do julgamento por esses novos factos e essa nova imputação.
      j) A omissão de decisão a que se faz referência é violadora do art.º 32.º da CRP na medida em que está em causa a violação das garantias de defesa da recorrente, o que igualmente se deixa consignado para efeitos do art.º 70.º da Lei do TC.

Pelo exposto deve proceder o presente recurso por tanto ser de Direito e de Justiça!»

2.4. RECURSO 4 
           
2.4.1. Decidiu o Colectivo de ..., a 24/11/2021, relativamente ao requerimento do arguido AA com a referência n.º 8139025, datado de 2/11/2021:
            «(…)
3. Admite-se a inquirição das duas testemunhas arroladas, as quais são a apresentar (artº 316º, n.º 2 “in fine” do CPP).
(…)».

            2.4.2. O requerimento visado pelo despacho recorrido tinha o seguinte teor, na parte que nos interessa:
            «PROVA:
(…)
            Testemunhas ( a inquirir por videoconferência):
1. II, id. a fls 1006 dos autos
2. JJ, solteiro, maior, com domicílio profissional da V..., Lda, Avenida ..., ... ....
(…)»

            2.4.3. O arguido AA veio entretanto requerer, a fls 3061 (refª 8232004 de 3/12/2021), o seguinte:
            «Tendo informado as duas testemunhas por si arroladas (II e KK) da data da audiência de julgamento, ambas manifestaram enorme dificuldade em estar presente, em virtude de terem ambos compromissos profissionais m ..., onde residem.
Em consequência, requer-se a V. Exªs que as referidas testemunhas sejam ouvidas por videoconferência, em tribunal da área de ..., por ser a residência destas testemunhas».

            2.4.4. Sobre o requerimento aludido em 2.4.3. incindiu o seguinte despacho judicial de fls 3062, datado de 7/12/2021:
            «Indefere-se à requerida inquirição por videoconferência, por manifesta falta de verificação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto, conforme decorre da Lei, as testemunhas são a apresentar (artº 316º nº 2 “in fine” do CPP), e como tal foram admitidas a depor, e a inquirição por videoconferência é a excepção (artº 318º nº 1, 1ª parte do CPP) e não a regra.
Notifique».

2.4.5. Na acta da audiência de 14/12/2021 consta o seguinte:
«Neste momento pelo Ilustre Mandatário do Arguido AA foi pedida a palavra e, tendo-lhe a mesma sido concedida disse:
‘’Sem prejuízo do direito de recurso quanto ao despacho que indeferiu a inquirição da testemunha KK por meios telemáticos, cuja violação dos direitos de defesa do arguido lhe parece evidente, face à disparidade quanto ao que foi permitido quanto a outras testemunhas, o arguido, atento o depoimento da testemunha II, bem como os documentos relativos aos negócios em que interveio a sociedade V..., diretamente mencionados na acusação e necessários para o preenchimento dos tipos legais dos ilícitos em causa, entende o arguido que deve manter-se a necessidade de inquirição da testemunha em causa, KK, por ser essencial, mais que necessário, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Pelo que se requer a inquirição nos termos do artigo 340.º do Código de Processo Penal. Em conformidade com o ora requerido, informa-se o Tribunal, que a testemunha possui meios que lhe permitem ser inquirida por Webex, pelo que a inquirição poderá ocorrer com a maior celeridade.’’
*
Seguidamente, após deliberação, a Mm.ª Juiz Presidente proferiu o seguinte:
DESPACHO
‘’Conforme resulta do anterior despacho proferido nos autos, a testemunha KK foi admitida nos termos legais a depor, sendo a apresentar pela parte que a arrola, pelo que, não tendo a mesma comparecido e não tendo sido apresentada em Juízo pela parte que a arrolou, inexiste fundamento legal para adiamento da audiência ou para a sua inquirição em outra data. Termos em que, por falta de fundamento legal, se indefere o requerido.
Mais se consigna que, nos termos legais, não é já admissível - fora do período excepcional da vigência da lei Covid-19 - a inquirição de testemunhas por Webex a partir da sua residência, conforme pretendido pela defesa, o que mais se estranha ainda em face da justificação apresentada pela testemunha para a não comparência em Juízo».

2.4.6. O arguido AA deduziu recurso conjunto relativamente aos despachos aludidos em 2.4.1., 2.4.4. e 2.4.5. (primeiro não admitido, e depois admitido por força de decisão do Exmº Vice-Presidente desta Relação, constante dos autos de Reclamação n.º 260/11.1JALRA-B), motivado da seguinte forma, em tom de conclusões:
1. «O presente recurso tem como objecto três despachos proferidos pelos Mmºs Juízes a quo, que entenderam que o requerimento probatório apresentado pelo Arguido no seu requerimento de resposta à alteração dos factos não constitui um requerimento probatório novo, antes uma alteração do requerimento probatório anterior, pelo que a indicação das duas novas testemunhas constitui um aditamento ao rol, sujeito por isso ao regime do artº 316º do Código de Processo Penal (CPP).
2. Por esse motivo, nos três despachos recorridos, consideraram os Mmºs Juízes a quo que as testemunhas em causa seriam a apresentar, tendo indeferido, em dois momentos diferentes, a inquirição das mesmas por videoconferência.
3. O requerimento de resposta à alteração não substancial dos factos constitui a (primeira e única) peça processual de defesa do Arguido relativamente aos factos novos aditados, tendo, por isso carácter de contestação, o que é consentâneo com o disposto no artº 358º, no 1 do CPP que concede ao Arguido o direito de preparar a sua defesa.
4. Assim, aos meios probatórios requeridos neste requerimento devem aplicar-se os artºs 358º, nº 1; 315º, nº 1; 317º e 318º nº 1, todos do CPP e não o artº 316º que foi aplicado nos despachos recorridos.
5. Por outro lado, ao contrário do entendido no terceiro despacho recorrido pelo Tribunal a quo, em processo penal é admissível o depoimento de uma testemunha via Webex, a título excepcional e devidamente fundamentado, ao abrigo do disposto nos artºs 315º e 320º nº 1 do CPP.
6. Ao indeferir os requerimentos de inquirição das testemunhas por videoconferência formulados pelo Arguido, os Mmºs Juízes a quo não lhe garantiram todos os meios de defesa, conforme dispõe o artº 32º, nº 1 da CRP.
7. Ocorreu, por isso, violação de todas as normas legais suprarreferidas nas presentes conclusões, tendo os Mmºs Juízes feito errada interpretação e aplicação das mesmas, bem como omissão de produção de prova essencial à descoberta da verdade, o que constitui nulidade relativa nos termos do artº 120º, nº 3, al. a) do CPP, devendo a mesma ser declarada.
8. Ocorreu ainda violação do principio da igualdade de armas, resultante do artº 20º, nº 4 da CRP (processo equitativo) por não ter sido admitida a uma testemunha do Arguido a mesma faculdade que foi admitida a uma testemunha da acusação (a inquirição por videoconferência por ambos residirem fora a comarca).
9. Devem, em consequência, aqueles despachos ser revogados, por serem nulos e ilícitos, e ser substituídos por decisão que ordene a notificação das testemunhas arroladas pelo Arguido no seu requerimento de resposta à alteração não substancial dos factos bem como o seu depoimento por videoconferência, por se encontrarem preenchidos os requisitos do artº 318º, nº 1 do CPP.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser proferido Acórdão que, revogando os despachos recorridos, ordene a notificação das testemunhas arroladas pelo Arguido no seu requerimento de resposta à alteração não substancial dos factos bem como o seu depoimento por videoconferência».

 
            3. OS DOIS RECURSOS RELATIVAMENTE AO ACÓRDÃO FINAL

3.1. O RECURSO DE AA (RECURSO 5)
Inconformada, o arguido AA recorreu do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«I. Estão pendentes três recursos intercalares, cuja procedência implicará a necessidade de reapreciação de toda a decisão ora recorrida, por incidirem sobre meios de prova requeridos e não admitidos.
II. A douta sentença recorrida contem páginas 18 a 20 da sentença surgem várias palavras e trechos a cor vermelha e sublinhados, com uma linha lateral à margem e um trecho rasurado (sem ressalva) que são essenciais para a compreensão da decisão.
III. O uso de tinta de cor diferente, a linha lateral e a rasura não ressalvada colocam dúvidas sobre o concreto sentido da decisão ali constante e implicam que a sentença recorrida não cumpre com o requisito de forma do artº 131º do CPC, aplicável ex vi do artº 4º do CPP, padecendo de deficiência formal que coloca em causa a fundamentação de decisão de questão essencial na presente causa.
IV. Esta deficiência constitui irregularidade que pode influir na decisão ou no exame da causa em sede de recurso, pelo que a sentença recorrida é nula, sendo também nulos os termos subsequentes da sentença, devendo ser proferida nova sentença, que corrija a deficiência, nos termos do artº 380º, nº 1, al. b) e nº 2 do CPP e repetidos todos os atos posteriores a prolação da sentença, nomeadamente a leitura da mesma.
V. A alteração substancial de factos decidida pelo Tribunal a quo, e a que o Recorrente se opôs, imputa ao Recorrente mais um crime de falsificação de documento, na sua forma simples.
VI. Todos os factos aditados resultam de elementos já constantes dos autos antes do inicio da audiência de julgamento (mormente os relatórios periciais) e não advêm da atividade da defesa.
VII. O despacho de alteração dos factos, exarado em ata de 12.10.2021 e integralmente transcrito na sentença recorrida (págs. 6 a 9), não faz qualquer menção a quais os elementos probatórios que levaram os Mmºs Juizes a quo a decidirem tal alteração, formalidade essencial nos termos do artº 358º, nº 1 do CPP.
VIII. A alteração de factos constante do despacho exarado em ata de 12/10/2021 preenche os requisitos do artº 1º al. f) do CPP, constituindo, por isso, uma alteração substancial dos factos pelo que o Tribunal a quo violou os artºs 358º e 359º do CPP, bem como o artº 32º, nºs 1 e 5 da CRP, pelo que a sentença é nula, nos termos do artº 379º, nº 1, al. b) do CPP que deve ser reconhecida e declarada, com as legais consequências.
IX. Mesmo que se entenda não estarmos perante alteração substancial dos factos ocorre sempre violação das exigências do artº 358º do CPP, bem como o artº 32º, nºs 1 e 5 da CRP, pelo que a sentença é nula, nos termos do artº 379º, nº 1, al. b) do CPP.
X. Atentos os factos provados na sentença, os crimes de falsificação de documento prescreveram em 06.11.2021 e o crime de branqueamento de capitais prescreveu em 09.01.2022, devendo ser revogada a sentença recorrida e declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado nestes autos contra os arguidos no que respeita a estes crimes, com as legais consequências.
XI. Foram incorretamente julgados e respondidos os pontos a.8) a a.22); a.27); a.57); a.58); a.61) a a.68) dos factos provados e os pontos i), viii), xi), xii) e xv) dos factos não provados.
XII. Nos presentes autos, não se provou, sequer, que a Arguida BB conhece o Recorrente, quanto mais o conluio entre eles (elemento essencial da acusação).
XIII. Não se provou que as procurações, termo de autenticação e reconhecimento de assinatura em causa nos autos são documentos falsos nem sequer quem os elaborou e assinou.
XIV. A perícia à assinatura constante da procuração de fls. 2697-2698 não é inequívoca ou suficiente para estabelecer a falsidade e, face à relação de amizade entre o Recorrente e o DD, seria normal que este a outorgasse.
XV. A perícia informática feita não incide sobre o disco do computador da Arguida BB em 2007, pelo que não é possível esclarecer se os ficheiros analisados (de um computador adquirido em 2011) foram ou não elaborados num momento anterior ou copiados de um ficheiro anterior.
XVI. Mesmo que fossem falsos, o que se não concede, estes documentos são ainda nos nulos nos termos da lei civil e, consequentemente, inaptos a produzir efeitos jurídicos.
XVII. A entender assim, a procuração e termo de autenticação de fls. 2697-2699 são uma falsificação grosseira e a procuração de fls. 11 do Apenso I é um ato preparatório (artº 21º do CPenal).
XVIII. Do exposto nas duas conclusões anteriores resulta que estes documentos não cumprem com a exigência de idoneidade para o fim a que se destinam, não sendo por isso documentos falsos nos termos do artº 255º, al. a) do CPenal.
XIX. Ao longo da decisão recorrida, os Mmºs Juízes a quo estabelecem presunções naturais, que não se infirmam de factos concretos, com saltos lógicos, algo de que estão impedidos de fazer, sob pena de arbítrio, ocorrendo ainda violação do principio in dubio pro reo.
XX. Assim, as provas indicadas nas presentes alegações, corretamente ponderadas à luz das normas legais, implicam, imperativamente, que aos factos provados constantes dos pontos a.8) a a.22); a.27); a.57); a.58); a.61) a a.68) deveria ser dada a resposta de “não provado” e aos pontos i), viii), xi), xii) e xv) dos factos não provados deve ser dada a resposta de “provado”.
XXI. Ocorreu também errada aplicação e interpretação das normas respeitantes ao crime de falsificação de documento, bem como a subsunção dos factos à norma.
XXII. Mesmo que as procurações e termo de autenticação sejam falsos, não ficou provado que o Recorrente conhecesse dessa falsidade ou que agisse de forma dolosa e a procuração de fls. 11 (a que não é acompanhada de nenhum ato notarial) nunca foi introduzida no comércio jurídico, não tendo, em consequência, a capacidade de provocar lesão de direitos.
XXIII. O Recorrente não cometeu o crime de burla porque não usou de qualquer erro, engano ou astúcia que tivesse provocado ou causado.
XXIV. Quanto ao crime de branqueamento de capitais, os Mmºs Juizes a quo subsumem-no, quanto ao uso das vantagens obtidas, aos factos provados, à perícia contabilística e financeira (Apenso IX) dos auto; sucede que naquela perícia consta que as vantagens obtidas com a prática do ilícito em causa foram dissimuladas na aquisição de diversos imóveis da sociedade M..., Lda, pagos através de cheques do Recorrente ou através de um suprimento no valor de € 210.000,00 e resultou provado da sentença que aqueles negócios não foram realizados “com verbas directa ou indirectamente provenientes da conta bancária titulada pelo falecido DD”.
XXV. Do exposto resulta que não só não foi praticado qualquer crime precedente, como não foi provada o uso dissimulatório que o branqueamento de capitais exige, não permitindo a prova produzida suportar a conclusão a que chegaram os Mmºs Juízes, existindo o vício de falta de fundamentação da sentença e contradição entre os factos e a decisão.
XXVI. Em consequência deve o Recorrente ser absolvido de todos os crimes em que foi condenado, com as legais consequências.
XXVII. Acresce que o Arguido não deve ser condenado na perda de vantagens patrimoniais, porquanto foi demandado pelos Assistente, que peticionaram contra este em ação cível autónoma que foi julgada totalmente provada e procedente, o pagamento dos € 360.000,00 que se encontravam na conta do DD.
XXVIII. Os requisitos do artº 110º do CPenal impede a condenação pela perda de vantagens quanto o lesado peticiona as mesmas em procedimento próprio, pelo que a condenação é legalmente inadmissível.
XXIX. Caso não se entenda conforme exposto supra, é manifesto que as penas em que o Recorrente foi condenado são manifestamente exageradas, até porque em nenhuma condenação anterior contra si aplicada estava em causa o mesmo modus operandi, pelo que deve ser aplicado ao Arguido uma pena adequada, não superior a 2 anos, suspensa.
XXX. Relativamente ao crime de branqueamento de capitais, a pena não pode exceder os 18 meses de prisão, moldura penal máxima do crime precedente (falsificação de documento).
XXXI. Face a todo o exposto, a sentença recorrida violou o artº 131º do CPC aplicável ex vi do artº 4º do CPenal; os artºs 1º, al. f); 127º; 159º, 255º, al. a); o artº 355º, nº 1; os artºs 358º e 359º; e o artº 374º, nº 2, todos do CPP. Ocorre ainda erro notório na apreciação da prova nos termos dos artºs 410º, nº 2, al. c) e artº 426º, ambos do CPP.
XXXII. Mostra-se inconstitucional, o entendimento e interpretação dos artigos suprareferidos, no sentido plasmado na sentença recorrida, violando o artº 29º, nºs 1 e 3 da CRP; o artº 32º, nº 1, 2 e 5 e o artº 205º, nº 1 da CRP, que se invocam para os devidos e legais efeitos, designadamente para cumprimento do disposto no art. 72.º, n.º 2 da LTC.
Termos em que,
Deve dar-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser proferido Acórdão que, revogando a sentença recorrida, absolva o Arguido/Recorrente dos dois crimes de falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais em que foi condenado.
Deve ainda ser proferido Acórdão que, revogando a sentença recorrida, absolva o
Arguido/Recorrente da perda de vantagens patrimoniais em que foi condenado».


3.2. O RECURSO DE BB (RECURSO 6)
Inconformada, a arguida BB recorreu do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«a) Ocorreu uma alteração substancial de factos comunicada na sessão de julgamento do dia 12.10.2021, na sequência qual a recorrente deduziu oposição à continuação do julgamento pelos novos factos comunicados e recorreu da decisão de relegar para a decisão final o conhecimento da nulidade aduzida. No entanto o julgamento decorreu tendo em conta a aludida comunicação e veio a ser, na decisão recorrida, indeferida a pretensão da recorrente e levada à decisão de facto provada os factos comunicados.
b) A alteração preconizada pelo despacho em questão é substancial (e não “não substancial”, como foi proferido nesse despacho), existindo erro de perspetiva que coloca em crise o art.º 32.º da CRP, que se invoca para os efeitos do art.º 70.º da Lei do TC, na interpretação realizada pelo Tribunal autor do despacho, da norma do art.º 358.º do CPP.
c) O Tribunal entende, segundo a decisão recorrida que o comunicado transladou um não agravamento da imputação à arguida decorrente dos factos aditados à acusação, no entanto o que se verificou na prática foi uma alteração substancial nos termos e para os efeitos do art.º 359.º do CPP, consequência que a recorrente, nos termos do n.º 2 do art.º 359.º do CPP, entendeu ser de deduzir oposição ao prosseguimento/continuação do julgamento pelos factos do recorte da comunicada alteração, nomeadamente porque quanto à factualidade constante dos pontos a.21 por contraposição à redação da acusação, nesta parte que interessa e se transcreve: “De acordo com um plano previamente acordado entre o arguido AA e a arguida BB e de comum acordo, o primeiro apôs pelo seu punho a rubrica de DD nos referidos documentos – Procuração e Termo de Autenticação”, resulta uma diferente imputação, que de acordo com o meio de prova pericial produzido em julgamento fls. 2692 e segs. dos autos (único meio de prova perícia corretamente produzido e de acordo com as regras do CPP, ao invés das duas “perícias” inválidas e ilegais existentes nos autos, nomeadamente a de fls. 1176 a 1187 e fls. 2600-2607), nem sequer se mostra verificado ou provado (reporta-se a recorrente ao facto erradamente provado sb o ponto a.21).
d) Ademais, sempre se dirá que se impugna tenha resultado de qualquer meio de prova, testemunhal ou documental, respetivamente, produzido em julgamento ou existente nos autos, ou sequer que possa resultar da aplicação das regras de experiência comum, pelo que se impugna a decisão de facto quanto aos factos provados a9, a10, a12, a14, a15, a18, a20, a21, a62, a63, a64, a65, a68
e) A decisão de facto quanto aos factos provados supra enunciados e comentados, deveria ter sido inversa, ou seja, deveria ter sido de não provados no que à recorrente respeita e importa.
f) Não está evidenciada / provada qualquer vantagem obtida pela arguida e tal nunca se poderá presumir ou determinar a partir de um qualquer facto conhecido nos autos, porque inexiste esse facto conhecido, nem as regras de experiência comum têm aqui aplicação. A arguida não integrou, nem integra qualquer bem ou dinheiro que tivesse pertencido a DD ou aos seus herdeiros. O que não está documentado / demonstrado nos autos não está no mundo e não se presume, nem sequer a pretexto da aplicação das regras de experiência comum
g) As regras de experiência comum, as presunções naturais (de prova) e o princípio da livre apreciação da prova não permitem colmatar a falta de prova que se verifica existir quanto ao mencionado / alegado / referido plano inter reos.
Se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório, que foi o que se verificou com o entendimento do Tribunal autor do despacho comunicado a 12.10.2021 e cuja decisão de facto acabou por ser transposta para a decisão ora recorrida; existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ” (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.Penal Anotado, II vol., pág. 740), citado no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 241/08.2GAMTR.P1.S2
h) A existência da procuração em questão em que o co-arguido é mandatário (facto conhecido) não permite evoluir, sem qualquer outra prova que o demonstre para o conluio e acordo de plano entre arguidos, como se defende na decisão recorrida, que suporta este conluio e acordo e bem assim conhecimento comum entre arguidos, pessoas singulares, nas regras de experiência comum. Não se dá como provado de que forma a procuração veio à posse do co-arguido e sem esse conhecimento por parte do Tribunal “a quo” jamais a decisão recorrido poderia concluir de facto que ocorreu conluio entre os arguidos e que os dois se maquinaram para chegar ao resultado constante da decisão de facto.
i) O alegado plano /acordo / conluio entre arguidos, dado como provado na decisão recorrida, aplicando as regras de experiência comum, tal qual é referido na motivação, e porque não decorre do texto da decisão recorrida, qualquer outra prova que a este irreal desfecho decisório de facto possa acudir, e que resulta igualmente do despacho de alteração substancial de factos, não decorre de qualquer facto conhecido, nem pode ser extraído de uma presunção natural, porque a verificação da existência de uma procuração não está na base, nem decorre naturalmente de qualquer acordo entre quem legaliza a procuração, que como é natural e lógico age sob instruções do mandante e não do mandatário! As regras de experiência comum ditam que a relação que se verifica entre quem legaliza uma procuração é com o mandante, e não com o mandatário, uma vez que é o mandante o outorgante dessa mesma procuração, devendo o profissional ou instituição que a legaliza certificar-se da identificação e da vontade desse outorgante, não sendo o mandatário tido ou achado nessa legalização!
j) A decisão recorrida faz, precisamente, o raciocínio inverso, porque coloca as regras de experiência comum numa relação de dependência ou melhor de conhecimento, entre quem legaliza uma procuração e o mandatário, afirmando que a recorrente e o co-arguido tinham que se conhecer, e pergunta-se como? Que lógica tem este raciocínio, que está fora das regras de experiência comum, aplicáveis à formalização e legalização de uma procuração? A resposta só pode ser uma: a decisão recorrida é nula por falta de motivação quanto à decisão de facto, nomeadamente do conluio entre os arguidos, ao mesmo tempo que está eivada do vício de erro de julgamento e insuficiência para a decisão de facto.
k) Igualmente não se logrou obter resultado mensurável do exame à letras de ambos os arguidos, realizado já na fase de julgamento, e cujo relatório, inconclusivo, se mostra junto a fls. 2692 e segs. dos autos, exame pericial esse cujo resultado acabou inviabilizado por efeito da reduzida extensão e traçado maioritariamente ilegível das “amostras problema”, e em virtude de os autógrafos colhidos aos arguidos não contemplarem formas passíveis de confronto
l) Cabe referir e enaltecer, ainda, que há falta de prova quanto à data da criação da procuração e termo de autenticação, valendo a que desses documentos consta (18.04.2007); a data de criação desses documentos veiculada pelo ponto a.18 do despacho a que se responde, foi colocada em crise pelos próprios autores do documento (que a decisão recorrida trata como perícia, mas que na realidade não o é, porque a análise que é feita aos ficheiros “word” que estavam no computador da recorrente ocorreu a partir de um disco clonado que importa alteração de metadados, quer do sistema de ficheiros, quer dos próprios ficheiros, conforme referido pela testemunha LL em sede de julgamento) a que a decisão recorrida apelida de perícia, sem o ser, não assenta em qualquer perícia – porque desconsiderada pelos próprios autores em julgamento pela contradição de depoimentos quanto à explicação dessa mesma data e o mandatário, conforme infra está documentado em transcrição da prova gravada em julgamento e novamente se abordará detalhadamente e especificadamente
m) A entender-se que o acordo / conluio / plano inter reos, in casu, decorre da mera existência da procuração legalizada pela recorrente em que figura como mandatário o co-arguido, porque lógica esta presunção (quando é absolutamente ilógica), ou porque as regras de experiência comum assim o ditam (quando na realidade não há qualquer padrão de normalidade de vida que o determine), conforme defende o despacho de comunicação de alteração substancial de factos e a decisão recorrida, que o segue integralmente, é estar-se a defender a arbitrariedade final da decisão a tomar (quando é a própria decisão recorrida quando inica, a delapidar que o julgador não pode utilizar as regras de experiência comum para tornar a decisão arbitrária – aqui aplica-se o velho ditado: “faz o que eu digo e não faças o que eu faço”), sem cuidar de cumprir com a norma constante do art.º 127.º do CPP e bem assim da norma constante do art.º 205.º da CRP e do art.º 32.º da CRP, o que se invoca para os termos e efeitos do art.º 70.º do Lei do TC, sendo que tal opinião / raciocínio é igualmente defendido pelo acertadíssimo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 40/11.4TASRE.C1, que sumaria: “I - Na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si. Efectivamente, a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas. II - De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de uma suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.”
n) A decisão recorrida ao reproduzir o despacho de comunicação de alteração de factos, é ainda contraditória nos seus próprios termos, porque para alem de não estar fundamentada no que respeita ao concreto desse despacho, não estando dispensada essa fundamentação, em violação do art.º 205.º da CRP e do n.º 2 do art.º 374.º do CPP, não se basta essa parca fundamentação com a mera menção às folhas dos autos de onde poderá resultar esse entendimento, dando, ainda, como indiciados factos contraditórios, na medida em que giza como possível, que dá como provado, a verificação de um plano entre os arguidos, para a elaboração de uma procuração, nos pontos a.9, a.10, a.12, a.14, a.15, a.18, a.20, a.21, a.62, a.63, a.64, a.65 e a.68, dando ainda como possível a verificação dos factos constantes dos pontos a.57, a.58 e a.66 demonstrativos de que inexistia qualquer conluio, acordo, plano entre os arguidos no que é sintomática a diametral diferença entre os textos dos documentos intitulados “procuração” da agora decisão de facto (recorrida) constantes dos pontos a.10 e a.57, que reforça a inexistência de qualquer acordo, plano, conluio inter reos.
o) Não está verificado por qualquer forma (seja testemunhal, seja documental) que os três documentos em formato “Word”, com os seguintes títulos: “...”, “Termo de Autenticação 2006 – DD” e “Rec. Assinaturas – DD” tivessem data de criação originária dos ficheiros em 02.05.2011, assim como data da última modificação / gravação em 05.05.2021 e data da última impressão em 05.05.2011
p) Tal matéria ficou por esclarecer pelos autores do documento (não perícia) de fls. 1176 a 1187, porque o desconsideraram em sede de julgamento, por contradição de depoimentos quanto à questão essencial da data de criação originária dos aludidos ficheiros, entrando em contradição a testemunha Mira no que se verifica à alteração de datas dos metadados do sistema e dos ficheiros “word” com a clonagem / cópia desses mesmos ficheiros e ver a transcrição que permite esta conclusão. A testemunha LL entende que as datas dos metadados dos ficheiros “Word” são alteráveis, em função de clonagens e de cópias de ficheiros “word”, conforme transcrição que permite esta conclusão. De forma clara se percebe pelos esclarecimentos desta testemunha (LL) que os metadados dos ficheiros “word” se alteram com cópias desses ficheiros, clonagens desses ficheiros, aberturas e “guardar como”, estando contraditada, desta forma, a versão da testemunha Mira e o teor do documento de fls. 1176 a 1187; o Tribunal “a quo” não esmiuçou a questão de facto das datas do metadados dos ficheiros “word” constantes da decisão de facto, antes se limitando a “agarrar-se” com agrado à dúbia e contraditória versão da testemunha Mira que não soube de forma cabal e esclarecedora explicar a questão da criação e modificação das datas constantes dos ficheiros “word”
q) Acresce que o esclarecimento desta matéria é essencial (ainda nesta data é atual porque não clarificada, nem esclarecedora, mantendo-se essa factualidade obscura e sombria) porque nunca esclarecida e alvo de contradições, a que acresce que pelo Tribunal “a quo” foi indeferida a remessa de pedido de perícia com quesitos específicos, a fazer à entidade criadora do software em questão para esclarecimento dessa questão de facto essencial. Esse indeferimento foi alvo de recurso intercalar que é atual, essencial e fundamental à boa decisão da causa, mantendo a recorrente, como é óbvio, interesse na apreciação desse recurso intercalar, o que se requer
r) Havendo contradição de versões das testemunhas Mira e LL, ambos inspetores da PJ e autores do documento de fls. 1176 a 1187 e dos depoimentos / esclarecimentos prestados em julgamento com o próprio documento impõem-se que seja o fabricante do software a responder aos quesitos formulados pela recorrente e que o Tribunal “a quo” infundada e inexplicavelmente indeferiu. Impõem-se o esclarecimento seguro e certeiro da explicação quanto à data de criação dos ficheiros “word”, se 02.05.2011 ou 05.05.2011 retirados da análise ao disco clonado / copiado, se uma data anterior, nomeadamente 18.04.2007 ou mesmo data anterior a esta.
s) É que, ao contrário da conclusão errada a que chegou a decisão recorrida de que a “perícia” de fls. 1176 a 1187 sustenta a decisão de facto nos pontos a10, a12, a15, a8, e a20, tal matéria e tema de prova não foi analisado no computador ou o disco da recorrente, nem dele (disco ou pc) foram extraídos os ficheiros “word” analisados, nem ocorreu qualquer análise / perícia ao computador propriedade da recorrente em que foram elaborados esses ficheiros “word” porque o sistema operativo do computador da recorrente de onde foram copiados os ficheiros “word” que foram posteriormente analisados, só foi adquirido e instalado em 29.06.2011, portanto em data posterior a 02.05.2011 ou 05.05.2011 o que torna fisicamente impossível ter ocorrido uma formatação do disco em 2009, antes da sua aquisição e uma redação de documentos e criação de ficheiros igualmente antes da sua aquisição
t) Assim, está incorretamente indeferida a pretensão da recorrente de não ver em continuidade de julgamento, a imputação pelos novos factos comunicados no dia 12.10.2021, porque a tanto se opôs, nos termos do art.º 359.º n.º 2 do CPP, norma e disposição que se mostra violada
u) As regras de experiência comum dizem que quem solicita uma procuração é o outorgante dessa mesma procuração, ou seja, o mandante e não o mandatário, que na maior parte das vezes até é desconhecido de quem legaliza a procuração
v) A recorrente não realizou, no seu pc apreendido (e disco clonado / copiado analisado), qualquer documento ou acto no dia 05.05.2011 ou em data posterior, até porque só adquiriu o seu computador em 29.06.2011 (facto provado pelo documento junto com a contestação). Nunca o computador ou o disco da recorrente terá sido formatado em 2009, o que seria impossível já que o computador e o sistema operativo só foi adquirido em 29.06.2011.
w) A recorrente impugnou o teor e conclusões do documento de fls. 1180 a 1187 dos autos, uma vez que não é possível que, como se escreve na acusação e que foi copiado para a decisão recorrida, os documentos procuração e termo de autenticação terem sido modificados em 05.05.2011, quando foram criados em 26.07.2011, precisamente num computador adquirido em 29.06.2011 (aquisição de pc mais de um mês depois da data de 05.05.2011; note-se que do documento de fls. 1180 a 1187, consta que o registo o sistema operativo no pc ocorreu em 29.06.2011 e dos factos provados consta que o disco terá sido formatado em 2009, como se isso tivesse sido possível)!? Cabe ainda acrescentar que a análise que deu origem ao documento de fls. 1180 a 1187 teve como base e origem um disco copiado / clonado e não qualquer disco original que tivesse saído de um computador propriedade da recorrente, que influencia as datas dos metadados do sistema operativo e dos ficheiros “word”.
x) O documento de fls. 1180 a 1187 vai mais além do que é fisicamente possível, pois escreve-se no mesmo que o sistema operativo foi instalado e registado em 29.06.2011 (data da compra do computador que serviu de base à clonagem do disco que por sua vez serviu de base à análise dos ficheiros “word”, como já se demonstrou); que os documentos “...”, ...” e “...” foram criados em 26.07.2011 e modificados estes documentos em formato word em 05.05.2011! Esta cronologia não é possível, fisicamente, que tenha sucedido, porquanto não se pode modificar (em 05.05.2011) o que não está criado (e só veio a ser criado em 26.07.2011, no dizer do mencionado documento de fls. 1180 a 1187) e muito menos num sistema operativo instalado em 29.06.2011 e tudo muito menos se compadece com as agora fixadas datas de criação e modificação dos aludidos ficheiros/documentos “word” que vieram a ser dados coo provados, nomeadamente as datas de 02.05.2011 e 05.05.2011
y) O documento de fls. 1180 a 1187 foi impugnado quer quanto ao seu teor, quer quanto às suas conclusões, assim como o foi a acusação pública quando reproduz este documento, uma vez que não tem em conta o documento e a menção de fl. 434 dos autos; as datas de 05.05.2011, 29.06.2011 e 26.07.2011 mencionadas na acusação para, alegadamente fazer a prova de que os documentos procuração e termo de autenticação foram fabricados pela contestante em 2011 e não em 2007, foram assim impugnadas, uma vez que é consabido que esses aludidos documentos não foram realizados no pc e disco apreendidos e analisados pela investigação destes autos que é uma cópia / clonagem do disco do computador da recorrente – cfr fls. 434 dos autos, absolutamente desconsiderado pela decisão recorrida, mas que tem uma influência essencial na apreciação e análise da questão, sendo matéria que foi submetida para a apreciação do Tribuna “a quo” e que não foi analisada o que dá origem à nulidade da decisão recorrida.
z) Igualmente não é possível, porque infundado e insustentado, ter-se dado como provado que o disco do computador da recorrente havia sido formatado em 2009, quando esse computador só em 2011 foi adquirido, novo, pela recorrente, desconsiderando a informação essencial e fulcral de fls. 434 dos autos! É óbvio e claro que a data de 2009 como data de formatação do disco, se refere ao disco clonado, propriedade da PJ e não ao disco do computador da recorrente! Os senhores peritos, nem esta simples explicação conseguirão dar e o Tribunal “a quo” seguiu esse erro, na ânsia de condenar a recorrente, seja de que forma seja, pis só assim se pode entender o indeferimento do envio dos quesitos da nova perícia requerida pela recorrente, que se destinava ao fabricante do software.
aa) A recorrente face a teor da errada e incompleta “perícia” de fls. 1176 a 1187 (que não configura uma perícia, por não cumprir com o rigor do instituto da prova pericial, decorrente da falta de explicação cabal para as conclusões que desse documento constam e que retiram ao mesmo a qualificação de meio de prova pericial, não obstante ter tal designação no seu título), requereu que fossem endereçados os mencionados quesitos ao fabricante do software
bb) Na aludida sessão de julgamento, os peritos da PJ ouvidos não só não foram elucidativos, como foram contraditórios quer entre si, quer com o teor do próprio documento já identificado que produziram, porque o perito MM afirmou que encerrado um documento word da forma “guardar como” não produz a alteração da data de criação e o perito LL afirmou que encerrar um documento word dessa forma (“guardar como”) produz, sempre, a alteração da data da criação
cc) Acresce que a “perícia” aos ficheiros word “...”, ...” e “...” ocorreu em disco clonado (cfr fls. 1179 e 434, folha com duas numerações) e não no disco original, motivo pelo qual é fundamental perceber-se qual a data de criação e qual a data de modificação dos aludidos ficheiros, sendo certo que a clonagem do disco tem influência para essas datas e altera-as.
dd) Constituindo as datas de criação e de modificação desses ficheiros factos essenciais da análise questão e da decisão recorrida e tendo sido colocados(as) em causa e tendo ocorrido esclarecimentos (conclusões) contraditórios em sede de julgamento entre peritos da PJ e até com o próprio documento em causa, importa perceber, com rigor e como facto essencial a ser demonstrado, afinal qual a importância da clonagem do disco e análise dos ficheiros de disco clonado (não original, com os mencionados ficheiros abertos e encerrados na forma “guardar como”) e que alterações nos aludidos ficheiros foram introduzidas por essas operações (clonagem, abertura de ficheiros e encerramento na forma “guardar como”).
ee) A prova que a recorrente requereu e que se mostra transcrita no início deste recurso e bem assim no objeto do recurso, permitiria afastar todas as dúvidas que existem acerca dos obscuros e contraditórios esclarecimentos, permitindo ainda sustentar que a “perícia” de fls. 1176 a 1187, para além de ser contraditória nos seus próprios termos e por isso inconclusiva, é de difícil sustentação porque fisicamente impossível de ter sucedido o que aliás se mostra vertido e concluído. Note-se que o perito autor dessa “perícia” acabou por, em sede de julgamento, dar o dito por não dito e se retratar por referência ao que havia concluído nessa “perícia”, sem nunca ter especificado que a data de formatação do disco, como sendo a de 2009, se refere à data de formatação do disco da PJ clonado do disco do computador da recorrente (cfr fls. 434 dos autos), e que representa uma alteração muito substancial ao que está provado na decisão recorrida!
ff) O requerido pela recorrente, de serem remetidos quesitos específicos sobre a data de criação dos ficheiros “word”, ao fabricante do software é essencial à boa decisão da causa e descoberta da verdade material como se alegou, é matéria essencial a ser produzida e a qual, a recorrente, não prescinde de ver esclarecida.
gg) O requerido não contendia, nem contendeu com a douta decisão de audição dos autores do documento de de fls. 1176 a 1187 (que não configura uma perícia, por não cumprir com o rigor do instituto da prova pericial, decorrente da falta de explicação cabal para as conclusões que desse documento constam e que retiram ao mesmo a qualificação de meio de prova pericial, não obstante ter tal designação no seu título), antes o complementava e complementa, uma vez que o que a recorrente requer é que o fabricante do software esclareça, em resposta, os quesitos supra mencionados e que são: “1 – Quanto um ficheiro word é criado e subsequentemente alterado (clonado, regravado num outro disco), salvado e “guardado como”, qual é a data que assume como sendo a da sua criação? A data inicial ou a data subsequente em que é salvado/”guardado como”? 2 – Quando um ficheiro word é copiado para um disco rígido, aberto e salvado, assume a data em que o novo disco foi formatado e o ficheiro word ali inserido e salvado ou permanece como data da criação a primeira data, mais antiga em que foi criado, no disco rígido anterior inicial?”.
hh) O método admitido pela decisão recorrida que resulta na realização de autógrafos pelo falecido DD em tempos idos (ficha de assinatura bancária ou data de emissão de bilhete de identidade) e com uma idade absolutamente diferente da que apresentava em 2007, para se partir para a confrontação com os realizados nos documentos “procuração” e “termo de autenticação” não e meio de obtenção de prova previsto no CPP, nem sequer no CPC, ex vi.
ii) O que foi feito nestes autos, isto é, a confrontação de assinaturas em momentos diferentes, alegadamente realizadas pelo falecido em tempos idos (em perfeitas condições de saúde e não debilitado), não se encontra processualmente previsto, uma vez que a fls. 1481 dos autos, se garante que não é possível confirmar a autenticidade dos autógrafos do falecido nos documentos procuração e termo de autenticação. Ainda assim a decisão recorrida socorre-se e utiliza esse documento para suportar a decisão de facto quanto aos pontos a12, a14, a15, a18, a20, a21, a61, a62, a63, a64, a65 e a68.
jj) Os documentos de fls. 1568 a 1570 e 1572 a 1577 foram expressamente impugnados como falsos e como método proibido de prova, uma vez que encerram formas não previstas em processo penal ou mesmo processo civil para demostrar o que se conclui. O metido comparativo de autógrafos / assinaturas de alguém, realizadas em tempos idos com outras realizadas em momentos absolutamente diferentes e com saúde debilitada não estão previstos como meio de prova idóneo e válido e constitui uma forma de produção de prova ilegal e não admissível, com a inerente consequência da nulidade de tal meio de prova. Nada do que foi submetido à apreciação do Tribunal “a quo” foi analisado, o que constitui nulidade da decisão recorrida.
kk) A “perícia” constante do documento de fls. 1568 a 1570 e 1572 a 1577 dos autos, utilizada para fundamentar a decisão recorrida não esteve ao alcance da recorrente no
aludido e identificado processo civil, não tendo sido cumpridos os requisitos previstos nos art.ºs 154.º e seguintes do CPP, verificando-se uma clara impossibilidade com diminuição das garantias de defesa da recorrente em violação do art.º 32.º da CRP, aquando da elaboração da “perícia” fls. 1568 a 1570 e 1572 a 1577, não podendo tais documentos serem aproveitados nestes autos e muito menos para condenar a recorrente e dar como provados os factos a12, a14, a15, a18, a20, a21, a61, a62, a63, a64, a65, a68.
ll) As regras de experiência comum podem ser aplicadas para chegar a factos não claramente evidentes, mas sempre que decorram, essas regras, da lógica da vida e da normalidade intrínseca de factos conhecidos. Não há aplicação das regras de experiência comum, contra o que não é natural, não é evidente, não é normal para a sustentação de determinado facto e que não resulte do lógico de factos conhecidos. A decisão recorrida aplica as regras de experiência comum no que respeita ao conluio entre a recorrente e o co-arguido para sustentar a prática do crime de burla, face à total ausência de prova que sustenta esse conluio (ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, não há qualquer prova, testemunhal ou documental que demonstre ou sustente que existiu um conluio entre a recorrente e o co-arguido), sendo que a aplicação dessa regras de experiência comum é ilegal e contra a lei, verificando-se a violação do art.º 127.º do CPP.
mm) Vimos e analisámos a transcrição integral da prova testemunhal, que pela ausência absoluta e total de menções à recorrente, deve ser renovada na sua plenitude, por ser essencial à alteração da decisão de facto quanto aos factos provados supra mencionados.
nn) Nem sequer os peritos Mira e LL, da PJ concretizam qualquer facto suscetível de confirmar o teor da acusação, uma vez que os metadados foram obtidos a partir de um disco clonado, sob o qual incide a perícia impugnada de fls. 1176 a 1187 – cfr fls. 434 dos autos! É bom que se diga e reforce e refira vezes sem conta, que a perícia da PJ não foi feita a partir do disco do computador da recorrente, mas sim de um disco externo da PJ, este sim formatado em 2009 - cfr. fls. 434 dos autos - e que não o foi pela recorrente, porque o disco da recorrente só foi formatado em 29.06.2011 quando foi adquirido o computador em questão, ocorrendo alterações ao nível das datas de criação e modificação dos documentos sob formato “word” derivado da clonagem dos ficheiros para o disco externo da PJ – cfr. depoimento da testemunha LL.
oo) Isto era essencial ter sido analisado pelos peritos e não o foi e não obstante a recorrente ter alertado para esta essencialidade, a decisão recorrida “fez ouvidos de mercador” e atribuí a uma perícia, valor como tal, sem o ser e ainda para mais que tem na sua base uma análise que incidiu sobre um disco que não foi o que era parte integrante do computador da recorrente, mas sim um disco clonado propriedade da PJ, formatado em 2009 e com origem desconhecida! Que rigor têm as informações para ali copiadas? Que alterações nos metadados do sistema e dos ficheiros foram produzidas com esta clonagem? Nada se explica, nada se aborda, nada se concretiza, a não ser o que vem referido na acusação e no despacho de alteração substancial de factos comunicado no dia 12.10.2021, transladado para a decisão recorrida.
pp) Há erro de julgamento e nulidade da decisão recorrida, sendo certo que o Tribunal “a quo” deixou de analisar questão essencial que lhe foi colocada pela recorrente, o que gera a nulidade da decisão recorrida por violação do n.º 2 do art.º 374.º do CPP e art.º 32.º da CRP e art.º 205.º também da CRP, o que vai arguido para efeitos do art.º 70.º da Lei do TC.
qq) Não pode a perícia ter valor de perícia porque na realidade não o é!
rr) Não havendo registo no sistema informático da Ordem ... da procuração objeto de análise nestes autos, a procuração em questão não teria, nunca, a virtualidade, de constituir um documento autêntico, constituindo antes um mero documento particular que não conferiria a possibilidade de movimentar contas bancárias ou a celebração de escrituras públicas.
ss) O documento particular em questão (por não conter anexado o registo no sistema informático da Ordem ...), seria ou constituiria uma falsidade grosseira de uma procuração que não teria a virtualidade de enganar ninguém e muito menos entidades bancárias ou notários, que têm um especial cuidado na identificação, observação e análise de instrumentos de representação, nomeadamente de procurações/instrumentos de mandato e foi por isso mesmo, ou melhor, por este fundamento, que os lesados (herdeiros do falecido DD) foram indemnizados pela Banco 1... na quantia de 360.000,00€, ou seja porque esta instituição actuou com negligência quando aceitou o documento particular, como se fosse um documento autêntico (procuração válida) com vista à movimentação das contas bancárias que autorizou, lesando com esse atuação os herdeiros do falecido titular dessas contas bancárias.
tt) Não há, também por este motivo, fundamento para condenar a recorrente pela prática do crime de falsificação de documentos, sem prejuízo do acima referido quanto à inexistência de prova da data de elaboração da procuração e termo de autenticação, por oposição das declarações das testemunhas da PJ Mira e LL e entre estas e o teor da perícia (que não é perícia).
uu) Mas igualmente não se verifica a prática do crime de burla por banda da recorrente porque não se verificou a existência de qualquer intenção de obter qualquer enriquecimento ou vantagem; não enganou ninguém sobre factos que astuciosamente tivesse praticado, nem determinou ninguém à prática de actos que lhe tivessem causado (aos lesados), prejuízos patrimoniais.
vv) Não ocorreu qualquer proveito para a recorrente; é nula a sentença que deixa de apreciar questão que lhe tenha sido submetida e foi submetida ao Tribunal “a quo” a questão da obrigatória análise dos não proveitos obtidos pela recorrente, decorrentes dos alegados factos descritos na acusação e decisão de facto.
ww) O Tribunal “a quo”, através do relatório social e através da Segurança Social pode apurar as condições de vida, as condições económicas e financeiras da recorrente, tendo apurado estas entidades que a recorrente não dispunha de imóveis, contas bancárias, veículos e quaisquer tipos de bens decorrentes da factualidade dada como provada, exacerbando a decisão recorrida de forma absolutamente insustentada e fantasiosa, que a recorrente havia obtido benefícios decorrentes dos factos dados como provados. Não há, na decisão recorrida, verificação da existência de proveitos para a recorrente, existindo uma contradição entre a decisão de facto, a motivação e a decisão de direito, o que gera a nulidade da decisão recorrida
xx) Os lesados, in casu, os herdeiros do falecido DD foram já ressarcidos pela Banco 1..., que por sentença foi condenada a pagar àqueles a quantia de 360.000,00€, por ter aceite e permitido, a movimentação de contas bancárias tituladas pelo falecido DD, com uma procuração não legalizada ou cuja formalização não apresentava consistência com as regras legais e bem assim instruções ou orientações do departamento jurídico da Banco 1.... A procuração utilizada para a movimentação dessas contas bancárias não estava legalizada, nem formalizada, tendo envolvido responsabilidade da Banco 1... para com os lesados, por negligência grosseira.
yy) A recorrente não foi tida, nem achada, nem se apresentou a movimentar essas contas bancárias e mais, a recorrente até desconhecida que a procuração havida servido para esse propósito. A recorrente foi completamente alheia e desconhecia todos os actos praticados com a referida procuração.
zz) Não se encontra provado que a recorrente tenha beneficiado com os actos praticados com a procuração, nem que tenha havido uma qualquer vantagem da recorrente, nem que o seu património tenha aumentado! Nada se mostra provado, pelo que não há, nem houve alguma vez vantagem para a recorrente, pelo que não há que decretar a perda de vantagens à recorrente e muito menos na quantia de 360.000,00€, cuja prova da sua exclusiva utilização (dos 360.000,00€) não ocorreu por banda da recorrente.
aaa) As provas que devem ser renovadas são: testemunhal de GG; testemunhal de MM; testemunhal de LL. Documental: exame à letra do DD (assinatura constante da ficha de assinaturas bancária, por contraponto com a assinatura/rúbrica constante da procuração em apreço nos autos), realizado pelo LP da PJ nos autos de acção de processo ordinário nº 4806/11.... do Juiz ... do Juízo Central Cível ..., cujo relatório pericial consta de certidão judicial emitida em 10/12/2019, junta aos autos a fls. 2600-2607; - Original do Termo de autenticação de fls. 2696; documentos de fls. 1179 e 434, folha com duas numerações; Original da Procuração, de fls. 2697-2698; Original do termo de reconhecimento de assinatura de fls, 2699; Verbete de assinaturas, de fls. 57; - Cópia de cheque, de fls. 58; Auto de busca e apreensão, de fls. 147 a 150; Auto de busca e apreensão, fls. 223 e 224 dos autos (Apenso III); - “Printscreen”, de fls. 224-A dos autos (Apenso III); - Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 226 (Apenso III); - Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 2...”), de fls. 234 a 238; - Informação bancária e extracto bancário (“Banco 3...”), de fls. 248 a 250; - Extractos bancários (“Banco 4...”), de fls. 255 a 321; - Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 5...”), de fls. 330 a 332; - Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 6...”), de fls. 333 a 342; - Informações bancárias, extractos bancários, cópias dos talões e cópia dos documentos de suporte dos movimentos efectuados (“Banco 1...”), de fls. 343 a 377; - Informações bancárias (“Banco 7...”), de fls. 378 a 396; - Informação bancária e extracto bancário (“Banco 6...”), de fls. 400 e 401; - Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 8...”), de fls. 402 a 416; - Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 9...”), de fls. 418 a 421; - Informações bancárias (apreensão de saldos bancários), de fls. 489, 551 a 553, 554, 555, 556, 559, 562, 567, - Informação bancária (“Banco 2...”), de fls. 550; - Informação bancária (“Banco 1....”), de fls. 560; - Informação bancária, de fls. 651; Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 226 (Apenso III); Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 717 a 719; - Informações bancárias (“Banco 7...”), de fls. 733 a 738, 745 a 748; Informação bancária, de fls. 817; Informação bancária e extractos de conta (“Banco 10...”), de fls. 835 a 858; Extracto de conta, de fls. 881 e 882; - Informação bancária (“Banco 11...”), de fls. 883; Autos de exame directo, de fls. 1140 a 1155, 1160 a 1163 e 1172 a 1174; Cópia de sentença (acção ordinária nº 4806/11.7TBLRA), de fls. 1410 a 1417; Minutas e cópias de documentos, apreendidos no escritório da arguida BB, de fls. 5 a 11 (Apenso II).
bbb) As normas violadas pela decisão recorrida estão especificadas nos locais próprios e concretos, assim como o sentido com que deveriam ter sido interpretadas e a sua aplicação prática à decisão de direito proferida pela decisão recorrida.
ccc) Carece de fundamentação, de lógica e de justiça a declaração de perda de vantagens para a recorrente na quantia de 360.000,00€, tal qual vem decidido na decisão recorrida, motivo pelo qual se deve revogar a mesma.
ddd) Requer a apreciação dos recursos intercalares e a sua procedência.
*
Pelo exposto, deve proceder o presente recurso e bem assim os recursos intercalares, apreciados e julgados procedentes, e ser, a final, a recorrente absolvida, por tanto ser de Direito e de Justiça».

            4. Respondeu aos seis recursos o Ministério Público – em 6 peças autónomas (fls 2965-2967, 2981-2984, 3225-3226, 3582-3583, 3564-3577 e 3570-3577), concluindo que se deve manter na íntegra as decisões recorridas do tribunal a quo.

5. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neles se pronunciou, em eloquente parecer, sendo-o no sentido da improcedência dos 6 recursos.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alíneas b) e c) do mesmo diploma.

7. No exame liminar, o relator deste processo decidiu não admitir a renovação da prova implicitamente pedida pela arguida BB no seu recurso do acórdão final.
E fê-lo nos seguintes termos:
«EXAME PRELIMINAR (artigo 417º, n.º 1 do CPP)
1. Não existem circunstâncias que obstem ao conhecimento dos presentes seis recursos, não existe motivo de rejeição dos mesmos nem qualquer causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal (a prescrição será conhecida no acórdão), ou qualquer outra causa que permita o julgamento por decisão sumária.
Os recursos são, de facto, tempestivos, tendo sido admitidos com efeito e regime de subida adequados, devendo manter-se, por conseguinte, tal efeito.
2. SOBRE A RENOVAÇÃO DA PROVA
Ao contrário do que pode parecer da análise dos exactos termos jurídicos usados pela arguida BB na sua motivação de recurso [conclusão aaa)], esta não faz um rigoroso pedido de renovação da prova[2], à luz do artigo 430º do CPP (normativo que nem sequer invoca), querendo, tão só, impugnar a matéria de facto dada como provada, aludindo a um erro de julgamento.
A especificação das provas que devam ser renovadas só se satisfaz com (1) a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal «a quo», (2) dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410º e (3) das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo [v.g. artigos 412º/3 c) e 430º do CPP].
Como tal, não há que marcar audiência para os termos dessa «renovação da prova» (artigo 430º/3 do CPP), não a admitindo.
(…)»
Deste despacho reclamou para a conferência a referida arguida, entendendo que o relator deveria ter conhecido da questão da prescrição do procedimento criminal por si levantada e que a decisão de indeferimento da renovação da prova deveria ter sido decidida pela conferência e não por despacho do relator.
De novo foram os autos aos vistos, remetendo-se para este aresto a decisão sobre tal reclamação (artigo 417º, n.º 10 do CPP).

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:

RECURSO 1 (AA):
· Deveria ter sido admitida a junção do documento em causa?

RECURSO 2  (BB)
· Deveria ter sido deferida a pretensão da arguida em ser oficiado ao fabricante do Mic..., Lda para que responda a dois quesitos formulados?

RECURSO 3 (BB):
· O despacho não está legalmente fundamentado?
· Deveria ter sido deferida a pretensão da arguida em ser oficiado ao fabricante do Mic..., Lda para que responda a dois quesitos formulados?
· Não deveria ter sido relegado para o acórdão final o conhecimento das questões suscitadas pela arguida BB no seu requerimento de 2/11/2021 (fls 3039-3042)?

RECURSO 4  (AA)
· Deveria ter sido ordenada a notificação das duas testemunhas arroladas a fls 3028?
· Deveria ter sido ordenada a sua inquirição por videoconferência?
· Deveria o tribunal, perante a falta justificada da testemunha KK à audiência de 14/12/2021, ter marcado novo dia para a sua inquirição?

RECURSO 5  (AA)
· O acórdão violou formalmente o artigo 131º do CPC?
· A comunicação feita na audiência de 12/10/2021 configurou uma alteração substancial de factos?
· O despacho de alteração de factos deveria fazer menção aos elementos probatórios que estiveram na sua base?
· Os procedimentos criminais pelos crimes de falsificação de documento e de branqueamento de capitais prescreveram entretanto?
· Houve erro de julgamento?
· Perfectibiliza-se a prática pelo arguido do crime de falsificação de documento?
· Perfectibiliza-se a prática pelo arguido do crime de burla qualificada?
· Perfectibiliza-se a prática pelo arguido do crime de branqueamento de capitais?
· Carece de fundamentação a declaração de perda de vantagens para o recorrente da quantia de € 360.000?
· As penas parcelares são exageradas?
· A pena em cúmulo é exagerada, devendo antes  suspensa na sua execução e fixada em medida não superior a 2 anos?

RECURSO 6  (BB)
· A comunicação feita na audiência de 12/10/2021 configurou uma alteração substancial de factos?
· Há nulidade de sentença por falta de fundamentação crítica dos factos?
· Houve erro de julgamento?
· Perfectibiliza-se a prática pela arguida do crime de falsificação de documento?
· Perfectibiliza-se a prática pela arguida do crime de burla qualificada?
· Carece de fundamentação a declaração de perda de vantagens para a recorrente da quantia de € 360.000?
                  
RECLAMAÇÃO (BB)
· A decisão de indeferimento da renovação da prova nesta instância deveria ter sido levada a cabo pela conferência?
· Haverá que renovar a prova?

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão destes recursos (transcrição):

«a.1) DD faleceu no dia .../.../2011, no estado de solteiro, aos 77 anos de idade.
a.2)- Em .../.../2011, NN e o seu irmão, OO (este falecido no dia .../.../2016) eram os únicos e universais herdeiros do seu primo DD, pois o mesmo não deixou descendentes, nem ascendentes vivos e não fez testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade.
a.3) No dia 13 de Maio de 2011, no Cartório Notarial ..., OO e NN celebraram a escritura de habitação de herdeiros de DD (cfr. fls. 43 a 45 dos autos).
a.4) No dia .../.../2011, DD era o único titular das seguintes contas bancárias da agência de ... da “Banco 1...”: conta de depósito à ordem número ...30, em tal data, com o saldo de 73.926,24 (setenta e três mil, novecentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos) euros e da conta de depósito a prazo com o número ...20, em tal data, com o saldo de 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil) euros.
a.5) Em 6 de Maio de 2011, devido à creditação do valor da pensão de DD e do vencimento dos juros, a referida conta bancária número ...30 tinha o saldo de 78.084,96 (setenta e oito mil, oitenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos euros ).
a.6) O arguido AA é um dos dois sócios-gerentes da sociedade comercial arguida “M..., Lda.”, desde 30 de Dezembro de 2008, com sede na Rua ..., ... e com o objecto social de compra, venda e revenda de bens
imóveis (cfr. fls. 1419 a 1426 dos autos). A sociedade obriga-se com a assinatura dos dois gerentes.
a.7) A arguida BB é Advogada de profissão, tendo o nome profissional de BB, a cédula profissional número ... e o domicílio profissional na Rua ..., em ... (cfr. fls. 87 e 88 dos autos).
a.8) Em data não concretamente apurada, já após o falecimento de DD, o arguido AA tomou conhecimento dos bens que aquele havia deixado.
a.9) Após o que gizou um plano, juntamente com a arguida BB, para se apoderarem de tais bens.
a.10) A arguida BB, de acordo com o plano previamente acordado entre ela e o arguido AA, e de comum acordo, redigiu, no dia 5 de Maio de 2011, no seu computador portátil, um documento intitulado “Procuração”, datado de 18 de Abril de 2007 e constando do mesmo como redigido e assinado em ..., pela qual DD constitui seu bastante procurador o ora arguido AA, ao qual confere os poderes necessários para, nomeadamente, o “representar junto de quaisquer repartições públicas (…), abrir, movimentar e cancelar quaisquer contas bancárias como se o próprio fosse, sacar e endossar cheques bancários e vales de correio, para depósito em qualquer banco, assinar e passar recibos de precatório cheques, bem como receber essas mesmas quantias e valores, requisitar todo o tipo de cheques (…), assinar ordens de pagamento aos bancos a favor de fornecedores, sacar, endossar e assinar cheques, aceites bancários, letras e Livranças (…), receber quaisquer quantias e valores, assinar pelo preço e condições que entender convenientes contratos de compra e venda, incluindo os de promessa de bens imóveis, móveis ou direitos, outorgando as respectivas escrituras (…)” (cfr. fls. 2697-2698 dos autos).
a.11) Em tal documento a arguida BB redigiu, ainda, que “Esta procuração foi lida e assinada pelo outorgante, e exprime a sua vontade”.
a.12) No dia 5 de Maio de 2011, a arguida BB, na qualidade de Advogada, de acordo com um plano previamente acordado entre ela e o arguido AA e de comum acordo, redigiu, no seu computador portátil, documento intitulado “Termo de Autenticação”, datado de 18 de Abril de 2007, no qual redigiu, designadamente, que, em tal data, no seu escritório em ..., compareceu o outorgante DD.
a.13) Em tal documento, a arguida BB redigiu que “Verifiquei a identidade do mesmo por exibição do original do Bilhete de Identidade. E pelo Outorgante foi dito que o documento (Procuração com poderes civis), em anexo, por ele foi lido e assinado e exprime a sua vontade. O presente termo de autenticação foi lido e feita a explicação do seu conteúdo ao Outorgante, que comigo vai assinar” (cfr. fls. 2696 dos autos).
a.14) Nunca DD disse que a Procuração exprimia a sua vontade, nunca mandou elaborar a mesma, nunca deu autorização para a sua elaboração, nunca a assinou ou rubricou, nunca lhe foi lido nem explicado o seu conteúdo, nem nunca pelo seu punho rubricou ou assinou o referido Termo de autenticação, nem se dirigiu a ... para tal efeito.
a.15) A arguida BB, na qualidade de Advogada, de acordo com um plano previamente acordado entre ela e o arguido AA e de comum acordo, no dia 5 de Maio de 2011, redigiu e assinou documento do qual refere, nomeadamente: “(…) reconheço presencialmente a assinatura de DD, titular do bilhete de identidade nº ..., emitido em 29/06/1985, pelos ..., aposta do presente documento (Procuração), conforme bilhete de identidade que me foi exibido e de que guardo cópia em arquivo (cfr. fls. 2699 dos autos).
a.16) No dia 19 de Outubro de 2011, pelas 10 horas, a arguida BB, tinha na sua posse, no seu escritório sito na Rua ..., ..., numa pasta, os seguintes documentos: uma minuta de “Termo de Autenticação”, da qual consta como outorgante DD, datada de 18 de Abril de 2007, uma minuta de “Procuração”, na qual DD constitui seu bastante procurador o ora arguido AA, datada de 18 de Abril de 2007, uma minuta de “Reconhecimento de Assinatura”, na qual a arguida BB reconhece presencialmente a assinatura de DD, cópia do Bilhete de Identidade de DD, cópia de documento manuscrito onde constam os elementos de identificação de DD e de AA e cópia do Bilhete de identidade e do cartão de contribuinte do ora arguido AA.
a.17) E, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, no seu computador portátil, a ora arguida BB tinha na sua posse três documentos em formato “Word”, com os seguintes títulos: “...”, “Termo de Autenticação 2006 – DD” e “Rec. Assinaturas – DD”.
a.18) No registo dos “metadados” desses três ficheiros em formato “Word”, constam as seguintes datas:
- 02/05/2011: data da criação originária dos ficheiros;

- 05/05/2011: data da última modificação /gravação desses ficheiros; - 05/05/2011: data da última impressão desses ficheiros.
a.19) Os documentos constantes em tais ficheiros, intitulados: “Procuração e “Termo de Autenticação” têm aposta a data de 18 de Abril de 2007 (cfr. fls. 1193 a 1196 dos autos).
a.20) O disco do computador da arguida BB foi formatado em 2009; e o sistema operativo “...”, registado por “Dra. BB” foi instalado no mesmo computador em 29/06/2011.
a.21) - De acordo com o plano previamente acordado entre o arguido AA e a arguida BB , e de comum acordo, um dos arguidos – não se tendo apurado qual - apôs pelo seu punho uma rubrica semelhante à rubrica de DD nos referidos documentos – Procuração e Termo de Autenticação.
a.22) Após, o arguido AA, munido dos mesmos documentos, dirigiu-se, no dia 6 de Maio de 2011, ao Cartório Notarial ... e ali solicitou a redacção de documento intitulado “Pública-Forma”, no qual foi redigido, nomeadamente, o seguinte: “Certifico que a presente fotocópia extraída neste Cartório, contém quatro folhas, está conforme o original da procuração outorgada aos dezoito de Abril de dois mil e sete, com termo de autenticação da Advogada BB, com CP 15912L, tem apostos selos a óleo da mesma advogada, e vai com o valor de pública forma. Está conforme. (…).” (cfr. fls. 52 dos autos).
a.23) No mesmo dia 6 de Maio de 2011, pelas 11 horas e 24 minutos, um mês após o falecimento de DD, na agência da ... da “Banco 1...”, o arguido AA, munido dos referidos quatro documentos, ali apresentou os mesmos e, de seguida, procedeu ao levantamento da quantia de 75.000,00 (setenta e cinco mil) euros da conta bancária titulada em vida por DD com o número PT ...30, sedeada na agência de ... da “Banco 1... (cfr. fls. 49 e 51 dos autos).
a.24) No mesmo dia, 6 de Maio de 2011, o arguido AA depositou tal montante de 75.000,00 (setenta e cinco mil) euros na conta bancária nº ...00 por si titulada da “Banco 1...”, a qual, nesse dia, antes desse depósito, apresentava o saldo de € 2.666,29 (dois mil, seiscentos e sessenta e seis euros e vinte e nove cêntimos) euros.
a.25) No dia 9 de Maio de 2011, pelas 10 horas e 52 minutos, o arguido AA, munido dos referidos quatro documentos, apresentou os mesmos na agência da ... da “Banco 1...” e transferiu o montante de 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil) euros da conta bancária titulada por DD com o número ...20 sedeada na agência de ... da “Banco 1...
Geral de Depósitos” para a conta bancária por si titulada da “Banco 1...” referida com o número ...00 (cfr. fls. 50 e 586 dos autos).
a.26) O arguido AA era conhecido dos funcionários da agência da ... da “Banco 1...”, por ser seu cliente, por residir na ... e por ser gerente de diversas empresas na ....
a.27) Os referidos levantamento de numerário e transferência bancária foram efectuados pelo arguido AA sem autorização de DD e sem autorização e conhecimento dos seus herdeiros, NN e OO.
a.28) No dia 8 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...55 sacado da sua conta bancária supra referida número ...00 da “Banco 1...” à ordem de C..., Lda, no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária número ...01 do Banco 12...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 15 a 17 do Apenso VIII).
a.29) No dia 9 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...76 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...” à sua ordem, no montante de 6.500,00 (seis mil e quinhentos) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária número ...20 do Banco 5...” titulada pelo arguido AA, que serviu para liquidação de um empréstimo (cfr. fls. 332 dos autos e fls. 43 do Apenso VIII).
a.30) No dia 9 de Maio de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...73 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...” à sua ordem, no montante de 1.500,00 (mil e quinhentos) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária número ...57 do Banco “Banco 7...” titulada pelo arguido AA, que serviu para liquidação de uma prestação de um empréstimo bancário (cfr. fls. 734 e 735 dos autos).
a.31) No dia 9 de Maio de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...70 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...” à ordem de I.G.C.P., no montante de 1.673,47 (mil, seiscentos e setenta e três euros e quarenta e sete cêntimos) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária do Banco 5...” titulada pelo I.G.C.P. (cfr. fls. 39 e 45 do Apenso VIII).
a.32) No dia 10 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...52 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...”, no montante de 3.450,00 (três mil, quatrocentos e cinquenta) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária número ...01 do Banco 12...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 15 a 18 do Apenso VIII).
a.33) No dia 11 de Maio de 2011, no ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...80 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...”, no montante de 1.800,00 (mil e oitocentos) euros, tendo este cheque sido levantado no balcão por PP (cfr. fls. 13 do Apenso IV).
a.34) No dia 15 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...96 sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante de 10.000,00 (dez mil) euros a favor da sua filha QQ, que o levantou no balcão (cfr. fls. 17 do Apenso IV).
a.35) No dia 17 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...09 sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante de 10.000,00 (dez mil) euros a favor da sua filha QQ, que o levantou no balcão (cfr. fls. 7 do Apenso I e fls. 18 do Apenso IV).
a.36)- No dia 18 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...17 sacado da sua conta número ...00 da “Banco 1...” à ordem de I.G.C.P., no montante de 2.118,72 (dois mil, cento e dezoito euros e setenta e dois cêntimos) euros, tendo este cheque sido depositado na conta bancária do Banco 5...” titulada pelo I.G.C.P. (cfr. fls. 39 e 46 do Apenso VIII).
a.37) No dia 18 de Maio de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...13 sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante de 1.000,00 (mil) euros a favor de C..., Lda, o qual foi depositado na conta número ...01 do Banco 12...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 15 e 19 do Apenso VIII) e, na mesma data e local, o arguido AA emitiu o cheque visado número ...15 sacado sobre a conta por ele titulada referida no montante de 7.800,00 (sete mil e oitocentos) euros a favor de C..., Lda, tendo o mesmo sido depositado na conta número ...30 da “Banco 1...”, titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 8 do Apenso I e fls. 114 do Apenso VIII).
a.38) No mesmo dia, 18 de Maio de 2011, o arguido AA emitiu os cheques números ...19 e ...18 sacados sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante, cada um, de 1.000,00 (mil) euros, tendo depositado o primeiro na conta bancária por si titulada número ... e o segundo na conta bancária por si titulada número ..., ambas do “Banco 6...” (cfr. fls. 20, 21, 25 e 26 do Apenso VIII).
a.39) No dia 26 de Maio de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...61 sacado sobre a conta bancária por si titulada número ...18 do “Banco 4...” no montante de 7.850,00 (sete mil, oitocentos e cinquenta) euros, à ordem de C..., Lda (fls. 8 do Apenso VI).
a.40) No dia 1 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...24 sacado sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante de 1.000,00 (mil) euros e levantou-o no balcão (cfr. fls. 21 do Apenso IV).
a.41) No dia 1 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...25 sobre a conta por ele titulada supra referida com o número ...00 no montante de 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil) euros a favor da sociedade comercial, da qual é sócio-gerente “M..., Lda.” (cfr. fls. 6 e 9 do Apenso I e fls. 22 e 23 do Apenso IV).
a.42) De seguida, este cheque foi endossado e depositado na conta bancária número ...01 do Banco 8...” titulada pelo arguido AA, a qual no dia 23 de Maio de 2011 tinha saldo negativo (fls. 405 e 406 dos autos).
a.43) No dia 18 de Setembro de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque visado número ...14 sobre a conta por ele titulada supra referida da “Banco 1...” no montante de 6.000,00 (seis mil) euros a favor de C..., Lda (cfr. fls. 8 do Apenso I).
a.44) No dia 14 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...21 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 9.603,62 (nove mil, seiscentos e três euros e sessenta e dois cêntimos) euros a favor de RR, o qual foi depositado na conta número ...06 do Banco 12...” titulada por SS e RR (cfr. fls. 2, 14 e 15 do Apenso V).
a.45) No dia 15 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...65 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros, a favor de C..., Lda o qual foi depositado na conta número ...30 da “Banco 1...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 114 e 127 do Apenso VIII).
a.46) - No dia 17 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...72 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 2.200,00 (dois mil e duzentos) euros, o qual foi depositado na conta número ...06 do Banco 12...” titulada por SS e RR (cfr. fls. 2, 18 e 19 do Apenso V).
a.47) No dia 22 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...85 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 30.045,78 (trinta mil e quarenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos) euros, a favor de “Banco 13...”, o qual foi depositado na conta bancária deste Banco no “Banco 7...”, para pagamento de parte do preço (100.000,00 euros) da viatura automóvel de marca ... 221” com a matrícula ..-DC-.. (cfr. doc. fls. 832).
a.48) No dia 27 de Junho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...88 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros, a favor de C..., Lda o qual foi depositado na conta número ...30 da “Banco 1...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 114 e 128 do Apenso VIII).
a.49) No dia 1 de Julho de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...00 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros, a favor de C..., Lda o qual foi depositado na conta número ...30 da “Banco 1...” titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 114 e 129 do Apenso VIII).
a.50) No dia 20 de Julho de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...84 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 1.000,00 (mil) euros, a favor de “P..., Lda.”, o qual foi depositado na conta número ...24 do “Banco 11...” titulada por “P..., Lda.” (cfr. fls. 33 e 35 do Apenso VIII).
a.51) No dia 29 de Julho de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...59 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 5.000,00 (cinco mil) euros, à ordem de “P..., Lda.”, o qual foi depositado em conta do “Banco 10...” titulada pelo arguido AA e SS (cfr. fls. 81 a 99 do Apenso VIII).
a.52) No dia mesmo dia, 29 de Julho de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...60 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 8.000,00 (oito mil) euros, a favor de “P..., Lda.”, o qual foi depositado na conta número ...24 do “Banco 11...” titulada por “P..., Lda.” (cfr. fls. 33 e 37 do Apenso VIII).
a.53) - No dia 13 de Agosto de 2011, na ..., o arguido AA emitiu o cheque número ...50 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros, a favor de C..., Lda o qual foi depositado na conta número ... titulada por “C..., Lda.” (cfr. fls. 27 e 28 do Apenso VIII).
a.54) No dia 30 de Agosto de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...70 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 6.000,00 (seis mil) euros, a favor de “P..., Lda.”, o qual foi depositado na conta número ...24 do “Banco 11...” titulada por “P..., Lda.” (cfr. fls. 33 e 38 do Apenso VIII).
a.55) No dia 31 de Agosto de 2011, o arguido AA emitiu o cheque número ...75 sacado sobre a conta por ele titulada com o número ...01 do “Banco 8...” no montante de 1.000,00 (mil) euros, o qual foi depositado na conta número ...83 do “Banco 7...” titulada pelo arguido AA (cfr. fls. 12 e 13 do Apenso VIII).
a.56) Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 7 de Junho de 2011, no Cartório Notarial ..., o arguido AA, na qualidade de legal representante da sociedade comercial “M..., Lda.”, adquiriu, pelo preço de 93.500,00 (noventa e três mil e quinhentos) euros, a fracção autónoma correspondente ao ... andar G destinado a habitação (...), sito em ... ou ..., ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...21..., freguesia ... (cfr. fls. 759 a 762 dos autos), sobre a qual incide um ónus registado de não fraccionamento pelo período de 10 anos a contar de 07/12/2004 e uma hipoteca registada a favor do Banco 14..., SA.
a.57) Em ..., com data de 5 de Abril de 2011, o arguido AA redigiu documento intitulado “Procuração”, no qual apôs a referida data, com, designadamente, o seguinte teor: “DD (…) constituiu seu bastante procurador, AA (…), a quem confere os necessários e especiais poderes para vender pelo preço e condições que entender por convenientes as fracções autónomas designadas pelas letras “G”, “F”, “E”, “B”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...40, da freguesia e concelho ... e movimentar a conta existente na Banco 1..., com o NIB ...25.” e em tal documento pelo seu punho apôs rubrica semelhante à rubrica de DD (cfr. fls. 11 do Apenso I).
a.58) DD nunca deu ordem para a redacção desta procuração, nem tinha conhecimento da existência da mesma, nem a rubricou ou assinou, pois nem o podia fazer, uma vez que no dia 5 de Abril de 2011, dia que antecedeu o seu falecimento, estava hospitalizado.
a.59) Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 9 de Junho de 2011, no Cartório Notarial ..., o arguido AA, na qualidade de legal representante da sociedade comercial “M..., Lda.”, adquiriu, pelo preço de 53.000,00 (cinquenta e três mil) euros, a fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...59, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...37, freguesia ..., situado na ..., Quinta ..., ... (cfr. fls. 27 a 32 do Apenso X).
a.60) Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 9 de Junho de 2011, no Cartório Notarial ..., o arguido AA, na qualidade de legal representante da sociedade comercial “M..., Lda.”, adquiriu, pelo preço de 72.500,00 (setenta e dois mil e quinhentos) euros, o prédio urbano inscrito na matriz com o artigo ...55, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...92, freguesia ..., situado na Rua ..., ..., ... (cfr. fls. 33 a 38 do Apenso X).
a.61) Com as condutas supra descritas, os arguidos AA e BB fizeram seus os supra referidos montantes, no valor total de 360.000,00 (trezentos e sessenta mil) euros.
a.62) Os arguidos AA e BB actuaram de forma voluntária, livre, consciente e concertadamente, de acordo com um plano previamente acordado entre eles, com o propósito alcançado de conseguir um engrandecimento do seu património à custa do património do DD e dos seus herdeiros, bem sabendo que agiam sem o conhecimento e consentimento e contra a vontade daqueles.
a.63) Agiram os arguidos AA e BB com intenção de se locupletar com os montantes acima referidos e de obter para si enriquecimento ilegítimo, convencendo erradamente o funcionário da “Banco 1...”, que tais documentos haviam sido assinados pelo punho de DD, titular das contas bancárias, que correspondiam à vontade deste, e, bem assim, o levantamento do numerário e a transferência bancária acima referidos , e que o mesmo ainda estava vivo, o que bem sabiam não correspondia à verdade.
a.64) Sabiam os arguidos AA e BB que, ao adoptar tais condutas, as mesmas causavam prejuízo aos herdeiros do DD, e que obtinham para si vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, o que quiseram e lograram concretizar.
a.65) Com o descrito comportamento, os arguidos AA e BB prejudicaram patrimonialmente os herdeiros de DD no montante total de 360.000,00 (trezentos e sessenta mil) euros, aproveitando-se da confiança que souberam criar no funcionário da Instituição bancária, alcançando para si benefício económico, que quiseram e lograram concretizar.
a.66) Sabia o arguido AA que criava documento no qual fazia constar factos não correspondentes à verdade e que pelo seu punho redigia em tal documento a assinatura de terceiro, o que quis e logrou concretizar, tendo actuado com intenção de causar prejuízo aos herdeiros do falecido DD e de obter para si benefício a que sabia não ter direito.
a.67) Sabia o arguido AA que, através da emissão de cheques, transferia vantagens em numerário por si obtidas, directamente provenientes de facto ilícito típico, para contas bancárias suas ou de terceiros, que posteriormente utilizava para pagar despesas suas ou de terceiros, com o fim de dissimular a sua origem ilícita e de evitar que fosse criminalmente perseguido pela prática do crime ou submetido a reacção criminal, bem sabendo que dessa forma ocultava a verdadeira natureza, origem e titularidade de tais vantagens e sabia que actuava de forma repetida no período temporal acima referido, o que quis e logrou concretizar.
a.68) Os arguidos AA e BB agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
a.69) - Por sentença datada de 25/09/2017, proferida nos autos de acção ordinária nº 4806/11...., a ré “Banco 1...” foi condenada a pagar , e já pagou , aos aí autores OO e NN a quantia de € 360.000,00 ( trezentos e sessenta mil euros), acrescida de juros de mora , desde a data da citação, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral embolso.
Mais se provou, ainda:

a.70) O arguido AA é filho único de um casal descrito como normativo e com adesão aos valores sociais. A família fixou-se na ... quando o arguido tinha dois anos de idade, vindos de ....
a.71) A ligação de AA ao progenitor foi relevante, tendo-o acompanhado, desde cedo, nas suas atividades profissional e de lazer; descrevendo o pai como um indivíduo empreendedor, tendo herdado deste negócios consolidados no mercado empresarial marinhense. O arguido acabou por assumir a gestão destes negócios, quando o pai ainda era vivo, em virtude deste ter optado por ser o principal cuidador da esposa, uma mulher com várias complicações da Diabetes (uma delas a cegueira).
a.72) O arguido AA abandonou o percurso escolar após a conclusão do 9.º ano de escolaridade, tendo sido um aluno com bom aproveitamento e comportamento, tendo-se integrado de imediato no mercado de trabalho como colaborador do progenitor.
a.73) O arguido exerceu funções de sócio-gerente de diversas empresas na ...; da área da construção civil e ramo imobiliário (Cas..., Lda., M..., Lda., S..., Lda., todas estas com a mesma sede).
a.74) O arguido AA contraiu matrimónio aos dezanove anos de idade, casamento que foi precipitado pela gravidez da noiva. O casamento terminou alguns anos depois, mantendo o arguido uma relação cordial com a ex-mulher, conservando inclusive uma relação laboral, pelo que o contacto com a sua única filha, já adulta, manteve-se próximo.
a.75) O arguido tem diagnosticada, desde 2009, a doença Sarcoidose, uma doença multissistémica que no seu caso apresenta sintomas relacionados com o envolvimento orgânico específico dos pulmões.
a.76) O arguido vive em união de facto há cerca de seis anos com uma companheira, TT, advogada de profissão, que conheceu no círculo social da sua atividade profissional.
a.77) A companheira do arguido apoia-o incondicionalmente e tem assumido uma postura ativa de colaboração nos cuidados prestados à progenitora daquele, com quem o casal mantém proximidade.
a.78) O arguido AA foi declarado insolvente, por decisão judicial. Actualmente mantém-se ativo profissionalmente como consultor.
a.79) O arguido AA foi condenado:

1. Por sentença datada de 21/02/2011, transitada em julgado em 23/03/2011, foi o arguido condenado nos autos de Proc. Comum Singular nº 2529/09.... do ... Juízo Criminal ... pela prática, em 11/05/2009, de um crime de ameaça, um crime de difamação agravada e um crime de injúria na pena única de 120 dias de multa, à taxa diária de € 25, o que perfez a multa global de € 3.000,00, já extinta pelo pagamento.
2. Por sentença datada de 21/01/2019 , transitada em julgado em 11/12/2019, proferida nos autos processo CS nº 125/17.... do Juiz ... do Juízo Local Criminal ..., foi o arguido AA condenado pela prática, em 2009, de um crime de falsificação de documento na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 7 € , o que perfez o montante global de 840 €; e pela prática de um crime de burla qualificada, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
3. Por acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., no âmbito do Processo CC n.º 1679/16...., em 11-03-2019, e transitado em julgado em 10-10-2019, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de falsificação de documento na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, mediante sujeição a regime de prova, por igual período, por factos praticados em 16-04-2009.
4. Por acórdão datado de 13/11/2020, transitado em julgado em 30/06/2021, proferido nos autos processo CC nº 1002/17.... do Juiz ... deste Juízo Central Criminal ..., foi o arguido AA condenado pela prática, em 2009, de crimes de burla qualificada e falsificação de documentos na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
a.80) - A arguida BB é oriunda de um agregado familiar estável e funcional constituído pelos pais e um irmão. O pai faleceu há três anos e era encarregado da construção civil. A mãe trabalhou como operária fabril e está reformada desde 1994. O irmão trabalha como técnico de ar condicionado.
a.81) A arguida BB iniciou a escolaridade em idade adequada e concluiu o 12º ano na área de relações públicas e publicidade. Ingressou no ensino superior em 1990 e licenciou-se no curso de Direito na Universidade Autónoma.
a.82) A arguida começou a exercer advocacia em 1998, no decurso do estágio profissional, encontrando-se inscrita na ordem ... desde 24-03-2000. Partilhou inicialmente um escritório com um colega de trabalho até 2008, na ..., tendo depois trabalhado em mais um escritório, correspondente à morada constante nos autos, até mudar para a presente morada profissional, sita: Av. ..., ... ....
a.83) Ao longo do seu trajecto profissional exerceu advocacia na área penal, família e contra-ordenações, manifestando-se bastante gratificada com a profissão que exerce.
a.84) À data dos acontecimentos em apreço nos autos a arguida encontrava-se a exercer advocacia por meio de escritório em ..., espaço partilhado com outro colega de profissão, não existindo alterações significativas em relação às suas condições pessoais e sociais actuais.
a.85) A arguida reside com a mãe em habitação pertença desta situada em ....
a.86) A arguida não tem filhos ou outras pessoas a cargo. Mantém-se a exercer advocacia em escritório arrendado, do qual paga 400.00 € de renda mensal. Não obstante a irregularidade de rendimentos auferidos inerente à sua profissão, a sua situação económica é relativamente estável e sem condicionalismos relevantes.
a.87) A pendência do presente processo tem impacto significativo na arguida, sobretudo a nível pessoal, mostrando-se preocupada com o seu eventual desfecho.
a.88) Do CRC da arguida BB nada consta.

a.89) A arguida BB comprou em 29/06/2011 o computador portátil no qual se encontravam, em formato word, as minutas da procuração em nome do DD e do termo de autenticação».


2.2. Como FACTOS NÃO PROVADOS foram escritos os seguintes (transcrição):

«Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa, designadamente, não se provou que:
i) Os três ficheiros/documentos em formato “word” com os títulos “proc_ DD” “Termo de Autenticação 2006 – DD” e “Rec. Assinaturas – DD” existentes no computador portátil da arguida BB tenham sido originariamente criados no dia 26/07/2011;
ii) Tenha sido o arguido AA que apôs pelo seu punho uma rubrica semelhante à rubrica de DD nos referidos documentos – Procuração e Termo de Autenticação;
iii) Quando nos dias 6 e 9 de Maio de 2011, o arguido AA apresentou os referidos documentos ao funcionário da “Banco 1...”, UU, para ganhar a confiança do funcionário e proceder aos referidos movimentos, disse a este que DD fora grande amigo do seu pai e como não tinha familiares constituiu-o seu procurador para, entre outros assuntos, para movimentar as suas contas bancárias e como estava muito doente decidiu efectuar aqueles movimentos bancários;
iv) A arguida M..., Lda tenha adquirido livre de quaisquer ónus ou encargos o imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ...21..., freguesia ...;
v) No dia 05/04/2011 o DD estivesse inconsciente;

vi) O arguido AA, em representação da sociedade comercial arguida “M..., Lda.”, efectuou o pagamento dos supra referidos três imóveis adquiridos nos dias 7 e 9 de Junho de 2011 através da conta bancária da “M..., Lda.”, ou com utilização das quantias monetárias retiradas da conta bancária titulada pelo DD;
vii) Em 7 de Junho de 2011 a conta bancária titulada pela “M..., Lda” tenha efectivamente recebido o montante de 210.000,00 (duzentos e dez mil) euros proveniente de suprimentos dos sócios;
viii) Os arguidos AA e BB tenham agido com intenção de obter enriquecimento ilegítimo para terceiros; reiterando sucessivamente esse propósito; ou o arguido AA pratique condutas de branqueamento de forma habitual;
ix) Os assistentes / demandantes mantivessem com o falecido DD uma relação próxima, de carinho e cuidado, que, em vida deste, manifestassem interesse pelo seu bem estar, estado de saúde ou pela integridade do património deste, e por isso tenham sofrido grande angústia , tensão, ansiedade, nervosismo, inquietude e impaciência por desconhecerem o paradeiro de quantia granjeada pelo falecido ao longo da sua vida com muito sacrifício.
x) O   s demandantes tenham deixado de proceder à execução de obras de conservação nos imóveis herdados por óbito do DD por falta de valor disponível para pagar o respectivo preço;
xi) Os arguidos AA e BB não se conhecessem, nunca se tivessem relacionado por qualquer forma e nunca tenham estado juntos;
xii) Nos últimos tempos de vida o DD se encontrava regularmente com o arguido AA na companhia de terceiros no centro comercial D. Dinis em ... para tomar café e por diversas vezes tenha referido a intenção de constituir o arguido AA seu único universal herdeiro, ao que este reagiu positivamente;
xiii) A procuração em causa nos autos tenha sido entregue pela empregada do falecido DD, CC, à testemunha VV, para este a entregar ao arguido AA, o que o mesmo fez;
xiv) Quando procedeu ao levantamento dos valores monetários da conta bancária titulada pelo DD o arguido AA desconhecia que aquele já tinha falecido;
xv) O DD se tenha deslocado ao escritório da arguida BB em ... e aí tenha assinado com o seu próprio punho a procuração a favor do arguido AA, e que o teor da mesma correspondesse à sua vontade».

2.3. Motivou-se a matéria dada como provada e não provada da seguinte forma (transcrição):
«Para a delimitação positiva e negativa do quadro factual “supra” traçado foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente, e ponderada no seu conjunto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e balizada pelas regras da experiência comum e pelos limites legais de proibição de prova.
Com efeito, nos termos do art.º 127º do CPP , sempre que a lei não disponha de modo diverso, a prova é apreciada segundo as regras da experiência    e a livre convicção do julgador, o que não equivale a prova arbitrária.
O juiz não pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas. A convicção do juiz não pode ser puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Pese embora a decisão do juiz tenha sempre uma convicção pessoal , até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis, e mesmo puramente emocionais ( neste sentido cfr.       Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal , vol. 1 , ed. 1974 , p. 204 ) , tem sempre de ser fundamentada objectivamente , para permitir o seu controlo , constituindo uma garantia contra a arbitrariedade.
Como refere aquele insigne professor , opus. cit , p. 203 , se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica , e se , por outro lado , uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser em todo o caso uma convicção objectivável e motivável , portanto , capaz de se impor aos outros, em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
O artigo 127º do CPP, - como se referiu no ac. TRP de 10-12-2001, relatado pelo Desembargador Clemente Lima, disponível in www.dgsi.pt, indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
«Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Assim, na valoração da prova recolhida (prova documental, e pericial, pré-constituída) e da produzida em audiência, o Tribunal Colectivo ponderou desde logo as declarações do assistente OO, primo em 2ª grau do falecido DD, o qual declarou que apenas via este uma média de 2 ou 3 vezes por ano, quando o DD se deslocava ao estabelecimento de café do declarante, para conversarem. Mais declarou que o DD faleceu sem deixar testamento, vivia sozinho, era uma pessoa muito fechada , muito avarento, e que não tinha o hábito de conviver com as pessoas, nem sequer de “tomar um cafezinho”; e que só tiveram conhecimento da morte do DD já algum tempo após a ocorrência desta, e por se terem apercebido que uma senhora, que dizia ser namorada dele, estar a ocupar o apartamento deste, tendo tido que chamar a PSP para a daí desalojar. Mais declarou que os imóveis herdados do DD estavam deteriorados e, por isso, os herdeiros venderam-nos; e que a Banco 1... já os reembolsou da quantia retirada pelo arguido AA da conta titulada pelo DD , por “se ter provado que a assinatura era falsa” (sic).
No mesmo sentido depôs igualmente a testemunha arrolada pelos demandantes cíveis, EE, esposa do assistente NN, que descreveu o falecido DD e primo do seu marido, como uma pessoa muito pacata, muito fechado, muito desconfiado e avarento “que não pagava uma bica a ninguém” (sic) e sem amigos, que não gastava dinheiro em roupas, o carro dele era muito velho, vivia sozinho e isolado, de tal modo se só muito após o seu falecimento e a realização do funeral a depoente e a família tiveram conhecimento da sua morte.
No mesmo registo, depôs a testemunha de acusação CC, vizinha do DD (e a pessoa “expulsa” do apartamento deste com intervenção da polícia após a sua morte), a qual referiu que geralmente passava as tardes na casa do DD, a fazer-lhe companhia, e que cerca de 1 ano antes deste falecer começou a perder a memória. Disse que o mesmo era uma pessoa muito desconfiada e muito agarrada ao dinheiro, que não convivia com ninguém nem tinha amigos, e que era ele quem tratava das coisas dele, sozinho, ía ao banco e tudo; e, por isso, está convencida que o DD nunca passaria uma procuração a alguém. Perguntada, disse que nunca viu o arguido AA em casa do DD, mas “ter a impressão” sic de que o arguido AA chamou uma vez a depoente ao escritório do arguido, na ..., ainda antes da morte do DD “não se recorda porquê”.
Perguntada se sabia se o DD tinha contas bancárias com avultadas quantias, disse desconhecer tal facto [o que, nesta parte, não mereceu credibilidade, porquanto da pasta de documentação aprendida no escritório da Advogada Dra. WW, à data defensora da ora depoente (e cujo escritório é ao lado do escritório da imobiliária do arguido AA, a “S..., Lda”, na Rua ..., na ...) consta diversa correspondência pertencente ao DD, remetida para a morada pessoal deste em ... (à qual apenas a depoente CC tinha acesso), inclusive os extractos da conta bancária na Banco 1...]. Mais referiu a depoente que, quando o DD esteve doente, era ela quem ía visitá-lo ao hospital todos os dias, e, quando o mesmo faleceu, foi a depoente quem tratou do funeral (sendo sintomático e esclarecedor que não tenha sequer avisado os herdeiros do óbito, não obstante uma das cunhadas do DD residir no mesmo prédio).
Igualmente foi ponderado e relevado o depoimento da testemunha WW, advogada da testemunha CC, referiu que conheceu o falecido DD através daquela, que foi igualmente quem a informou que o DD tinha falecido, e que pretendia instaurar uma acção para reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência do DD, como residindo com este em união de facto; e que, nessa sequência, a CC lhe trouxe as cópias dos documento necessários (documentos esses que vieram a ser apreendidos no escritório da Sra. Advogada, designadamente cópia do bilhete de identidade do DD, cópia do extracto bancário da conta titulada pelo DD na Banco 1..., remetido via postal para a residência daquele em ...…), mas que, posteriormente, a testemunha CC terá dito à depoente que esse assunto estava a ser tratado na “S..., Lda”, pelos advogados do AA (aliás conforme teor da cópia da carta remetida pela advogada WW à CC, e também apreendida nos autos).
Mais foram ponderados os depoimento das testemunhas de acusação XX (agente imobiliário, que disse ter negócios com a M..., Lda e o arguido AA, no âmbitos dos quais, em 2011, para pagamento da compra e um terreno, o arguido AA emitiu a favor da empresa do depoente “Sociedade MI, Lda” um total de dois cheques), YY (à data o gerente da agência da Banco 1... na ..., disse que não conheceu o DD, que à data não era do seu conhecimento que o DD tivesse falecido, que o arguido AA se deslocou à agência da ..., apresentou a procuração, e levantou dinheiro – em montante que não recorda – da conta titulada pelo DD, domiciliada na agência da Av. ..., em ...); FF (inspector da Polícia Judiciária que realizou buscas e efectuou apreensões, designadamente na empresa e na residência do arguido AA). Sendo que todas as supra identificadas testemunhas tinham conhecimento directo e pessoal acerca dos factos sobre os quais depuseram, efectuaram relatos que – à excepção do Inspector da PJ - não obstante sincopados, algo comprometidos e parciais, concatenados entre si, e com o teor dos diversos documentos juntos aos autos, e, em especial, com o resultado das provas periciais realizadas nos autos (exame à letra do falecido DD, exame à letra dos arguidos, perícia digital ao conteúdo do computador da arguida BB) permitem a este Tribunal Colectivo delimitar a matéria fáctica nos termos supra descritos.
Nas suas curtas declarações, o arguido AA limitou-se a referir que os três imoveis adquiridos pela M..., Lda, dois sitos na ... e um sito em ..., foram negócios “de favor”, simulados, por se tratarem de imóveis hipotecados, não tendo a M..., Lda nem o declarante pago qualquer quantia pela sua aquisição; que igualmente não produziu quaisquer efeitos, tanto assim que, posteriormente, um dos imóveis foi doado à filha dos anteriores proprietários, ZZ (facto este provado por documento - certidão da matrícula predial). Perguntado ao arguido AA se queria esclarecer o Tribunal acerca da razão pela qual detinha no seu escritório diversas minutas de procuração em nome do DD, com diversas datas apostas, umas anteriores, outras posteriores à data da morte do mesmo DD. O arguido declarou não querer prestar declarações sobre essa matéria.
Por seu lado, a arguida BB, que apenas prestou curtas declarações no final da produção da prova complementar e das alegações complementares após cumprimento do disposto no artº 358º do CPP; limitou-se a afirmar que o DD foi ao seu escritório, que se apresentou com a sua identificação e assinou a procuração, que não conhece o arguido AA (o que contraria toda a prova produzida, aferida de acordo com as regras da experiência), e que não tem qualquer bem que fosse associado aos factos em apreço nos autos.
Os depoimentos das diversas testemunhas de defesa arroladas pelo arguido AA não mereceram assumiram particular relevo na descoberta da verdade material, fosse porque não tinham conhecimento directo dos factos (é o caso das testemunhas AAA e VV, que não têm conhecimento directo de qualquer dos factos em apreço nos autos, relativamente aos quais apenas sabem o que os respectivos progenitores lhes contaram, sendo que o VV disse que o seu pai lhe referiu que os diversos cheques emitidos pelo arguido à “C..., Lda” eram cheques de favor; e que os relógios de luxo apreendidos ao arguido AA terão sido adquiridos no estabelecimento do seu pai “C..., Lda”, a maioria até 2008), fosse porque se afiguraram pouco consistentes e inverosímeis a este Tribunal Colectivo, quanto a cimentar a suposta relação de amizade, auxílio e apoio com o progenitor do arguido AA e, posteriormente, com este (é o caso também da testemunha MM, com um depoimento algo vago e inconsequente, mais relacionado com a testemunha CC), fosse ainda porque no seu depoimento nada de útil acrescentaram, para além do que já se retirava do teor dos diversos documentos juntos aos autos (é o caso da testemunha II, cujo depoimento vago e não circunstanciado nada acrescentou ao teor da certidão permanente do registo predial já junta aos autos, relativa à fracção autónoma sita em ..., da qual constam registados os respectivos ónus e encargos).
Igualmente, o depoimento prestado pela testemunha GG, arrolado pela arguida BB, para além de vago e difuso [desde logo quanto à identidade / identificação do indivíduo a quem, alegadamente, teria dado boleia até ao escritório da arguida BB em ... – um tal “Sr. BBB” (sic)] afigurou-se a este Tribunal Colectivo inverosímil e inverídico, porque manifestamente parcial e comprometido com a versão da defesa, e arredado das regras da experiência, conforme expressamente confrontado nesse sentido pelo Tribunal, no decurso da inquirição, pelo que não mereceu qualquer credibilidade por parte deste Tribunal Colectivo.
Isto posto, temos, assim, que determinante e decisivo para a fixação da matéria de facto assumiram-se os esclarecimentos prestados em sede de audiência por parte dos dois senhores peritos que realizaram exame forense/perícia informática ao computador da arguida BB, e ao respectivo disco rígido, cujo relatório pericial consta de fls. 1176-1196 dos autos, em especial do Sr. Perito e Especialista Adjunto MM, o qual foi peremptório em referir que os metadados dos documentos analisados não têm qualquer referência ao ano de 2007, antes resulta desses metadados que tais ficheiros foram criados no dia 02/05/2011, a data da última gravação foi 05/05/2011, e o último dia em que tais ficheiros foram impressos foi em 05/05/2011. Mais esclareceu que, de acordo com os metadados, o disco foi formatado em 2009, o sistema operativo do computador foi instalado em 2011. Do resultado desta perícia, com os esclarecimentos prestados pelos srs. peritos em sede de audiência, cai estrondosamente a defesa gizada pelos arguidos, desde logo pela arguida BB que, contra as evidências científicas, sustenta que elaborou os documentos em 2007, e que o falecido DD os assinou nessa data, no seu escritório em ..., após se ter cabalmente identificado perante a arguida.
Igualmente foi ponderado e valorado o resultado da perícia e exame à letra do DD (assinatura constante da ficha de assinaturas bancária, por contraponto com a assinatura/rúbrica constante da procuração em apreço nos autos), realizado pelo LP da PJ nos autos de acção de processo ordinário nº 4806/11.... do Juiz ... do Juízo Central Cível ..., cujo relatório pericial consta de certidão judicial emitida em 10/12/2019, junta aos autos a fls. 2600-2607, no qual se formula a seguinte conclusão: «admite-se como muito provável que a assinatura suspeita a assinatura doc. 1 deste relatório [procuração datada de 18/04/2007 emitida em ... ] não seja da autoria de DD». Daqui se concluindo, mais uma vez, pela total improcedência da versão dos factos alegada pela arguida BB que, mais uma vez contra a evidência científica (juízo pericial afastado da livre apreciação do Tribunal, que dele, em regra, não se pode afastar) mantém, sem qualquer suporte fáctico ou de prova – antes pelo contrário, perante prova segura e bastante em sentido inverso – que o DD teria assinado a procuração, e, para mais, na sua presença e depois de para tanto se ter identificado.
Do exposto resulta, portanto, que a prova pericial se constituiu, nos presentes autos, a prova rainha e decisiva, apenas não se tendo logrado obter resultado mais mensurável do exame à letras de ambos os arguidos (AA e BB), realizado já na fase de julgamento, e cujo relatório, inconclusivo, se mostra junto a fls. 2692 e segs. dos autos, exame pericial esse cujo resultado acabou inviabilizado por efeito da reduzida extensão e traçado maioritariamente ilegível das “amostras problema”, e em virtude de os autógrafos colhidos aos arguidos não contemplarem formas passíveis de confronto.
Para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa – designadamente com vista a aferir qual o concreto destino dado pelo arguido AA às quantias levantadas e transferidas da conta da Banco 1... titulada pelo DD - assumiu ainda especial relevo a informação pericial constante do Apenso IX, remetida pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Directoria do Centro da Polícia Judiciária, de cuja análise se conclui não se ter logrado apurar que qualquer parte desses montantes tenha sido utilizada por qualquer dos arguidos na compra de qualquer dos imóveis arrestados nos autos. E isto porquanto, conforme expressamente se refere a fls. 45-46 do mesmo apenso IX, a aquisição dos indicados imóveis foi justificada contabilisticamente na “conta Banco 1...” da arguida M..., Lda, mediante um (suposto ou putativo) adiantamento de sócio no valor de € 210.000 ; todavia, inexistem quaisquer documentos de suporte desses fluxos financeiros (designadamente, não se apurou a existência de qualquer extracto bancário que comprove essa efectiva entrada de fundos na conta bancária da empresa), não sendo assim possível identificar a entrada efectiva dessas quantias, qual a origem das mesmas, bem como o destino dado aos valores creditados e quais as datas efectivas de pagamento ou recebimento Pelo que, tanto mais perante a justificação apresentada em audiência pelo arguido AA, de que se tratavam de aquisições “de favor”, fictícias, sem qualquer contrapartida monetária, impõe-se fazer operar o “in dubio pro reo” (sendo certo que no próprio teor da acusação – cuja pronúncia reproduz – se incorre em manifesto lapso e confusão entre conta contabilística da empresa, e conta bancária, por natureza e por lei realizadas distintas…).
Com vista ao desiderato de apuramento e descoberta da verdade material foram igualmente apreciados e ponderados todos os diversos elementos documentais relevantes juntos aos autos, designadamente:
· Certidão de Assento de óbito, de fls. 41 e 42;

· Escritura de habilitação de herdeiros, de fls. 44 e 45;

· Extracto bancário, de fls. 46 e 47;

· Informação bancária, de fls. 48;
· Talões bancários, de fls. 49 a 50;
· Extracto bancário, de fls. 51;
· Original do Termo de autenticação de fls. 2696
· Original da Procuração, de fls. 2697-2698;
· Original do termo de reconhecimento de assinatura de fls, 2699;
· Verbete de assinaturas, de fls. 57;
· Cópia de cheque, de fls. 58;

· Certidão permanente, de fls. 78 a 80;
· Relação Advogados, fls. 87;
· Auto de busca e apreensão, de fls. 147 a 150;

· Auto de busca e apreensão, fls. 223 e 224 dos autos (Apenso III);
· “Printscreen”, de fls. 224-A dos autos (Apenso III);
· Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 226 (Apenso III);
· Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 2...”), de fls. 234 a 238;
· Informação bancária e extracto bancário (“Banco 3...”), de fls. 248 a 250;
· Extractos bancários (“Banco 4...”), de fls. 255 a 321;

· Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 5...”), de fls. 330 a 332;
· Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 6...”), de fls. 333 a 342;

· Informações bancárias, extractos bancários, cópias dos talões e cópia dos documentos de suporte dos movimentos efectuados (“Banco 1...”), de fls. 343 a 377;
· Informações bancárias (“Banco 7...”), de fls. 378 a 396;

· Informação bancária e extracto bancário (“Banco 6...”), de fls. 400 e  401;
· Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 8...”), de fls. 402 a 416;
· Informações bancárias e extractos bancários (“Banco 9...”), de fls. 418 a 421;
· Informações bancárias (apreensão de saldos bancários), de fls. 489, 551 a 553, 554, 555, 556, 559, 562, 567,
· Informação bancária (“Banco 2...”), de fls. 550;

· Informação bancária (“Banco 1....”), de  fls. 560;
· Informação bancária, de fls. 651;
· Certidão predial, de fls. 502 a 512 e de fls. 548 e  549;
· Auto de apreensão (de imóvel, ...), de fls. 514 a 517;
· Auto de busca e apreensão, de fls. 714 a 716;
· Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 717 a 719;
· Cópia de carta, de fls 720;
· Informações bancárias (“Banco 7...”), de fls. 733 a 738, 745 a 748;
· Cópia de escrutura pública de compra e e venda, de fls 759 a 762;
· Informação bancária, de fls. 817;

· Contrato de financiamento para aquisição a crédito, de fls. 832 e 833;

· Informação bancária e extractos de conta (“Banco 10...”), de fls. 835 a  858;
· Cópia de carta, de fls. 870;
· Cópia de fax, de fls. 871;

· Cópias de escritura de compra e venda e de permuta, de fls. 873 a 879;
· Talão de depósito, de fls. 880;
· Extracto de conta, de fls. 881 e 882;

· Informação bancária (“Banco 11...”), de fls. 883;
· Documento “C..., Lda”, de fls. 891 e 894;
· Autos de busca e apreensão, de fls. 942 a 956;

· Informação Núcleo de Armas e Explosivos da P.S.P. de ..., de fls. 957;
· Auto de exame directo, de fls. 961 a 963;
· Relatório fotográfico, de fls. 964 a 975;

· Cópia da escritura de compra e venda, de fls. 1113 a 1116;
· Caderneta predial urbana, de fls. 1117 e 1118;
· Autos de exame directo, de fls. 1140 a 1155, 1160 a 1163 e 1172 a 1174;
· Certidão permanente “P..., Lda.”, de fls. 1218;
· Cópia de sentença (acção ordinária nº 4806/11.7TBLRA), de fls. 1410 a 1417;
· Certidão permanente “M..., Lda.”, de fls. 1419 a 1426;
· Certificação, de fls. 7 (Apenso I);
· Canhotos de cheques, de fls. 7 a 9 (Apenso I);
· Procuração, de fls. 11 (Apenso I);
· Certificação Cartório Notarial ... de documentos, de fls. 12 a 18 e 20 a 22 (Apenso I);
· Documentos E.D.P., de fls. 25 a 27 (Apenso I):
· Documentos, de fls. 40 a 139 (Apenso I);
· Minutas e cópias de documentos, apreendidos no escritório da arguida BB, de fls. 5 a 11 (Apenso II);
· Informações bancárias, talões, cópias de cheques, relativos à conta do arguido AA na “Banco 1....”, de fls. 3 a 23 (Apenso IV);
· Informações bancárias, cópias de cheques, relativos à conta do arguido AA no Banco 12...”, de fls. 2 a 27 (Apenso V);
· Informações bancárias, talões, cópias de cheques relativamente à conta do arguido AA na “Banco 4...”, de fls. 1 a 66 (Apenso VI);
· Documentos apreendidos no escritório de WW, de fls. 1 a 63 (Apenso VII);
· Documentação bancária de vários Bancos, cópias de cheques, fichas de assinaturas, informações, de fls. 1 a 129 (Apenso VIII); e
· Extractos de conta “M..., Lda.”, cópias de escrituras de compra e venda, cadernetas prediais, talão de depósito, listas objectos segurados, declarações, cópias de cheques, extracto de conta bancária, de fls. 22 a 91 (Apenso X).
E, bem assim, do teor dos diversos documentos juntos pelas defesas na fase de julgamento (designadamente as diversas cópias de cheques), o teor dos relatórios sociais relativos a cada um dos arguidos, o teor da matrícula comercial actualizada da arguida M..., Lda, e o teor dos CRCs de cada um dos arguidos.
Os factos julgados não provados resultam da circunstância de, da discussão da causa em audiência, mesmo por reporte à prova documental e pericial pré-constituída nos autos, não ter sido produzida qualquer prova directa, necessária e suficiente que permita este Tribunal Colectivo decidir pela efectiva verificação dos mesmos ou pela circunstância de da discussão da causa se terem apurado os factos contrários e opostos».


                                                           *


            3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

            Por razões óbvias, começaremos pelos 4 recursos interlocutórios, assente que a sua procedência poderá implicar a anulação de todo o subsequente processado, mormente do acórdão final.
De facto, ainda que os recursos interpostos dos vários despachos interlocutórios não questionem a validade do processado anterior ao acórdão, a sua procedência é susceptível, pelo menos em abstracto, de pôr em causa a subsistência deste, porquanto acarretará a admissão de meios de prova – documental, pericial e testemunhal - que não foram considerados na decisão final.
Nesta conformidade, os recursos interpostos dos despachos interlocutórios assumem prioridade lógica sobre o que foi dirigido contra o acórdão, pelo que conheceremos daqueles em primeiro lugar.
Assim:

            3.1. RECURSO 1

Indeferiu o tribunal a junção de um documento apresentado pelo arguido AA durante a audiência de 20/4/2021, pretendendo este com o mesmo atestar que tinha sido ele a pagar a campa do falecido DD.
Segundo se percebeu, tratava-se de uma declaração da empresa «L...», pretensamente assinada pelo seu gerente.
O Colectivo considerou tal documento inidóneo relativamente aos factos que propunha comprovar, considerando ainda extemporânea a sua junção aos autos.
Alude, embora com lapso material na redacção da acta, ao artigo 340º[3], n.º 4, alíneas a), b) e c) do CPP.
Dispõe o artigo 340º do CPP – na redacção existente à data da prolação do despacho recorrido, logo, aplicável ao caso[4] - o seguinte:
«1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa[5];
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória».

Só podemos concordar em absoluto com o despacho recorrido.
A prova é irrelevante e o meio inadequado.
O documento em causa será uma mera declaração de uma empresa - não se tratando de qualquer factura ou recibo - que nada provaria relativamente ao que aí referido, ficando sujeito à livre apreciação de prova por parte do tribunal (desconhece-se quem a assina e em que circunstâncias o fez, tantos anos após a pretensa transacção).
Além disso, é notório que tal documento poderia e deveria já ter sido junto aquando da contestação pois, se com ele a defesa do arguido pretendia provar o por si alegado nos artigos 10º e sgs da sua Contestação (que existia uma amizade com alguma intimidade entre ele e o falecido DD), então deveria ter-se lembrado que a prova do pagamento de uma campa seria claro indício disso mesmo.
O DD faleceu em .../.../2011.
O pagamento da campa em causa terá sido feita por essa altura.
Como tal, a prova cabal desse facto [e não uma mera declaração que é, de facto, inidónea, no sentido propugnado pela alínea c), 1ª parte, do artigo 340º, n.º 4 do CPP, não fazendo qualquer fé relativamente à transacção alegada] deveria ter sido junta logo aquando da apresentação da sua defesa.
Diremos ainda que o meio de prova se revela, a nosso ver, irrelevante para o veredicto final pois o que interessaria provar à defesa é que o arguido não forjou a procuração discutida nos autos (mesmo uma pessoa que paga uma campa de um falecido poderia forjar uma procuração a ele atinente, estando os tribunais cheios de litígios relacionados com questiúnculas familiares com esses contornos), entendendo-se, assim, que o tribunal tenha decidido que o documento em causa não seria essencial para a descoberta da verdade material, tanto mais que havia sido produzida, em audiência, prova testemunhal que poderia lançar luz sobre a pretensa «relação de amizade» entre o falecido DD e o arguido AA, não adiantando em nada esta declaração afinal junta a fls 2950 com o recurso 1 e que vem datada de 9/9/2019, podendo assim ter sido junta após a contestação – esta datada de 9/7/2018 - e antes do início da audiência de discussão e julgamento[6].
Como bem aduz o Exmº Procurador da República no seu eloquente parecer junto aos autos:
«Daí que se afigure que tal diligência seria irrelevante ou supérflua, pois a junção de tal declaração não tem qualquer efeito sobre os depoimentos em causa, por um lado, e por outro, a sua elaboração tardia, sem qualquer comprovação do seu conteúdo, quer através do comprovativo do pagamento, quer da identificação do subscritor da declaração em causa é de valor reduzido, apenas comprovando que a mesma foi emitida e a data em que tal ocorreunão se verifica qualquer dúvida da forma como os fatos ocorreram, tanto mais que o arguido, no uso do seu direito ao silêncio nunca os questionou.
Como se escreveu no Ac. da Rel. de Coimbra, de 16.11.2005, ‘o art. 340º do C. P. Penal não tem por finalidade permitir aos sujeitos processuais produzir novas provas não arroladas oportunamente ou para suprir as inconcludências daquelas’.
De resto, se o arguido pretendia apresentar uma versão diferente da forma como os factos ocorreram deveria ter junto a declaração em causa, no momento próprio, com a contestação».
Como tal, e sem necessidade de mais considerações, improcede o Recurso 1.

            3.2. RECURSO 2

Deveria ter sido deferida a pretensão da arguida BB em ser oficiado ao fabricante do Mic..., Lda para que responda a dois quesitos formulados?
O tribunal entendeu que não, face ao teor dos esclarecimentos prestados pelos peritos MM e LL na audiência de 18/5/2021.
Na lógica da defesa, estes depoimentos foram pouco esclarecedores e até contraditórios.
Daí ter-se requerido esta diligência junto da Mic..., Lda.
Para o tribunal foram suficientes os esclarecimentos desses dois especialistas adjuntos da PJ, confortado pelo teor do CD de suporte da perícia que consta em anexo ao relatório pericial de fls 1176-1196.
Como tal, e atenta a lógica do Colectivo, à data de 18 de Maio de 2021, só se pode compreender a decisão tomada no sentido do indeferimento dessa pretensão probatória.
Se boa, se errada, veremos mais à frente aquando da decisão sobre o alegado erro de julgamento.
Sem necessidade de mais considerações, e atenta a fase interlocutória do processo que se vivia aquando da prolação do despacho recorrido, só se pode validar a decisão tomada pelo Colectivo, improcedendo, assim, o recurso 2.

            3.3. RECURSO 3

3.3.1. Está a decisão recorrida infundamentada?
A decisão em causa é um despacho e por isso não se lhe aplica o regime do artigo 379.º do CPP (que é aplicável, apenas, às sentenças ou a actos decisórios a elas equiparáveis), no que ao dever absoluto e acrescido de fundamentação diz respeito.
«A exigência de fundamentação das decisões dos tribunais, ressalvadas as que sejam de mero expediente, consagrada com a revisão constitucional de 1982 e alargada com a revisão de 1989 (de que provém a norma contida, após a renumeração operada pela revisão de 1997, no actual n° 1 do art. 205° da C.R.P.), foi erigida em princípio geral extensivo a todos os ramos do direito, e, no âmbito do processo penal, constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no n° 1 do art. 32° da nossa Lei Fundamental. O dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitem a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a colectividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários. A fundamentação dos actos, que deve ser expressa, clara e coerente e suficientes, "permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.
Ao estatuir que a fundamentação das decisões judiciais a que alude se faça "na forma prevista na lei ", o legislador constitucional remeteu para a lei ordinária a delimitação do âmbito e extensão que a fundamentação há-de assumir relativamente a cada tipo de decisão, tendo em conta o respectivo objecto, mas respeitado que seja sempre o conteúdo mínimo da imposição constitucional, traduzido na possibilidade de conhecer as razões que motivaram a decisão.
A exigência constitucional foi transposta para a nossa lei processual penal, prescrevendo o n° 5 do art. 97° que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
São estes os requisitos mínimos a que deve obedecer a fundamentação das decisões judiciais, quer conheçam de alguma questão interlocutória, quer ponham termo ao processo, nos casos em que lei não impõe requisitos mais alargados, como sucede no que concerne à sentença (cfr. n° 3 do art. 374° do CPP).
Quanto à inobservância do dever de fundamentação, há que atentar no regime estabelecido nos n°s 1 ("A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei ") e 2 ("Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular) do art. 118° do CPP.
Assim, e porque inexiste norma que, de forma genérica, comine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados, eles só serão nulos nos casos em que a lei o determine expressamente, (como sucede relativamente à sentença e, ao despacho que aplique - aplique medida de coacção, outra que não o T.IR. , ou medida de garantia patrimonial - cfr. arts. 379° n° 1 e 194° n° 5 do CPP, respectivamente); inexistindo tal cominação, a falta de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do art. 123° do mesmo diploma.
Como tal, essa omissão apenas se poderá traduzir numa irregularidade, que não afecta a validade do acto enquanto tal. Ora assim sendo aquela teria de ser arguida dentro do condicionalismo temporal fixado no n° 1 do art. 123° do C.P.P., no caso concreto, nos três dias seguintes a contar do da notificação do despacho recorrido ao recorrente.
Não o tendo sido, a pretensa irregularidade encontra-se sanada.
De qualquer forma, sempre se dirá que, não se tratando de questão de conhecimento oficioso (e não se estando, obviamente, no âmbito de aplicação do n° 2 do art. 379° do CPP), o seu conhecimento não competiria a este Tribunal sem que, previamente, houvesse sido suscitada na 1.ª instância.
Pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscita» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa no Pº 267/09.9TDLSB.L1).
Ora, o nosso caso cabe perfeitamente nesta aludida fundamentação na medida em que, a considerar-se que a fundamentação é parca (e opinamos no sentido de que não nos parece que o seja, já que o despacho de fls 3056-3057 conclui que o requerimento é dilatório quanto à questão do pedido de nova perícia, agora à Mic..., Lda, já indeferida anteriormente, explicando que já havia decidido tal questão particular em prévio – e até recorrido - anterior despacho judicial), tal eventual vício foi sanado pelo facto de não ter sido nada arguido no prazo consignado no artigo 123º do CPP.

3.3.2. E volta a arguida BB ao mesmo pedido probatório referenciado em 3.2.
Deveria ter sido deferida a sua pretensão em ser oficiado ao fabricante do Mic..., Lda para que responda a dois quesitos formulados?
O tribunal voltou a indeferir essa pretensão, entendendo que estava esgotado o seu poder de cognição, numa altura até que já havia recurso intentado pela arguida – em 6/6/2021 - relativamente ao 1º despacho que havia indeferido tal produção de prova.
Volta o tribunal, não obstante, a afirmar que esta diligência seria dilatória face ao teor da perícia realizada e aos esclarecimentos prestados pelos peritos MM e LL na audiência de 18/5/2021.
Continua a arguida a considerar que estes depoimentos foram pouco esclarecedores e até contraditórios – daí ter-se requerido esta diligência junto da Mic..., Lda.
Repete-se: para o tribunal foram suficientes os esclarecimentos desses dois especialistas adjuntos da PJ, confortado pelo teor do CD de suporte da perícia que consta em anexo ao relatório pericial de fls 1176-1196.
É certo que sempre poderia o tribunal, numa nova reavaliação da situação, determinar a realização desse meio de prova, a nada obstando o facto de ter havido um 1º indeferimento.
No entanto, estando a questão pendente de recurso, e atenta a lógica do Colectivo, à data de 24 de Novembro de 2021 (data do despacho ora recorrido), só se pode compreender a decisão tomada no sentido do indeferimento dessa renovada pretensão probatória.
Se boa, se errada, veremos mais à frente aquando da decisão sobre o alegado erro de julgamento.
3.3.3. E a circunstância de se ter remetido o conhecimento das demais questões aludidas no requerimento de 2/11/2021, assinado pela defesa da arguida BB, para o acórdão final?
É certo que não se fundamentou tal decisão.
Mas a verdade é que no despacho datado de 12/10/2021 – onde se comunica aos demais intervenientes processuais a probabilidade de alteração não substancial de factos -, o tribunal é claro – deixa escrito que «da discussão da causa são susceptíveis de resultar provados os seguintes factos que constituem uma alteração não substancial daqueles descritos na acusação».
Não dá certezas.
Apenas admite que poderão vir a ser considerados provados, em sede própria – no acórdão final -  novos factos.
A decisão de convolação propriamente dita tem lugar na sentença ou no acórdão.
Como tal, em lado algum se exige que nesse despacho do artigo 358º/1 do CPP se tenha um qualquer dever de fundamentação, estando como se está na fase final de um julgamento, muito perto da prolação da acórdão final.
Somos partidários da tese segundo a qual a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.
No fundo, aderimos aos argumentos[7] explanados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/2019, de 2/4/2019, relatado pela actual Ministra da Justiça, e que decidiu «não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta».
Assim sendo, não há na lei nenhum normativo no CPP que exija que o tribunal deva conhecer antes do acórdão (ou sentença) das questões relacionadas com a resposta de um arguido à comunicação do artigo 358º do CPP (quando é certo que nessa resposta se colocam apenas questões relacionadas com a discordância da parte àquela anunciada alteração não substancial de factos), bastando-se a lei com o facto de ser dado efectivo conhecimento à defesa da probabilidade de vir a ser fixada nessa peça final uma nova factualidade, podendo ela assim arrolar prova nova (como a arguida BB acabou por fazer), podendo até mudar a sua estratégia de defesa, fazendo-o em tempo e a tempo, não ficando, pois, prejudicados os seus direitos.

3.3.4. Face ao exposto, e atenta a fase interlocutória do processo que se vivia aquando da prolação do despacho recorrido, só se pode validar a decisão tomada pelo Colectivo, improcedendo, assim, o recurso 3.

3.4. RECURSO 4

3.4.1. Após a comunicação da alteração não substancial de factos, na audiência de 12/10/2021, o arguido AA veio dizer de sua justiça e arrolou duas testemunhas, ambas residentes fora da área da comarca ... (cfr. fls 3024-3028).
A 24/11/2021, o tribunal despacha no sentido de deverem tais testemunhas ser apresentadas pela parte que as arrolou, invocando o artigo 316º, 2 in fine do CPP.
Após, e por requerimento de  3/12/2021, o arguido requer a audição das testemunhas em causa por videoconferência.
Indefere o tribunal tal pedido por despacho datado de 7/12/2021, invocando o mesmo normativo do CPP e o facto da videoconferência ser, em processo penal, a excepção e não a regra.
Chegados à audiência de 14/12/2021, é ouvida uma das duas testemunhas arroladas e que compareceu apresentada pela parte que a arrolou (II, residente em ...).
A outra (KK) não compareceu à audiência, tendo justificado a falta por doença, o que foi atendido pelo Colectivo nessa acta de 14/12.
Nessa audiência, após a constatação da falta da testemunha KK, o arguido AA requereu que se deveria manter a necessidade de inquirição da referida testemunha, por ser essencial à descoberta da verdade, requerendo a sua inquirição ao abrigo do artigo 340º do CPP e por webex nesse mesmo dia.
O tribunal indeferiu por despacho exarado nessa acta de 14/12, decidindo que:
‘’Conforme resulta do anterior despacho proferido nos autos, a testemunha KK foi admitida nos termos legais a depor, sendo a apresentar pela parte que a arrola, pelo que, não tendo a mesma comparecido e não tendo sido apresentada em Juízo pela parte que a arrolou, inexiste fundamento legal para adiamento da audiência ou para a sua inquirição em outra data. Termos em que, por falta de fundamento legal, se indefere o requerido.
Mais se consigna que, nos termos legais, não é já admissível - fora do período excepcional da vigência da lei Covid-19 - a inquirição de testemunhas por Webex a partir da sua residência, conforme pretendido pela defesa, o que mais se estranha ainda em face da justificação apresentada pela testemunha para a não comparência em Juízo».

3.4.2. As perguntas a que teremos de dar resposta são estas:
· Deveria ter sido ordenada a notificação das duas testemunhas arroladas a fls 3028?
· Deveria ter sido ordenada a sua inquirição por videoconferência?
· Deveria o tribunal, perante a falta justificada da testemunha KK à audiência de 14/12/2021, ter marcado novo dia para a sua inquirição?

3.4.3. Relativamente às duas primeiras, a lei processual penal é clara.
Estatui o artigo 316º do CPP o seguinte:
«1 - O Ministério Público, o assistente, o arguido ou as partes civis podem alterar o rol de testemunhas, inclusivamente requerendo a inquirição para além do limite legal, nos casos previstos nos n.os 7 e 8 do artigo 283.º, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência.
2 - Depois de apresentado o rol não podem oferecer-se novas testemunhas de fora da comarca, salvo se quem as oferecer se prontificar a apresentá-las na audiência.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável à indicação de peritos e consultores técnicos».

No caso, trata-se de um aditamento a um rol de testemunhas previamente apresentado por parte de um arguido.
Se assim é, caímos na alçada da norma do n.º 2 do artigo 316º que dispõe que, depois de apresentado o rol de testemunhas inicial, as novas testemunhas arroladas que residam fora da área da comarca ... do julgamento deverão ser a apresentar e não notificadas pelo tribunal.
No caso, tínhamos duas testemunhas residentes fora da área da comarca ....
Como tal, entendeu o tribunal que as testemunhas teriam de ser apresentadas pela parte que as arrolou, não devendo ser ouvidas por videoconferência precisamente por serem a apresentar.
Esse é o teor dos dois primeiros despachos recorridos (os de 24/11/2021 e de 7/12/2021).
Recorre o arguido entendendo que se aplicou mal a norma do artigo 316º do CPP pois estamos perante novos factos a exigir que se considere que o requerimento de fls 3024 a 3028, junto na sequência da notificação a que alude o artigo 358º, n.º 1 do CPP, tem carácter de contestação, aplicando-se antes o artigo 315º do CPP.
Não tem razão.
A lei, no seu artigo 316º do CPP, não salvaguarda qualquer requerimento de prova feito na sequência do artigo 358º/1 do mesmo diploma (também nada salvaguardando nesse jaez a própria norma do 358º), cabendo-lhe algo aí dizer se entendesse que o regime geral do 316º não se aplicava a esta situação.
Como tal, a norma do artigo 316º do CPP aplica-se a todas as situações de adicionamento ou alteração do rol de testemunhas, independentemente do que esteve na base desse aditamento ou alteração.
A comunicação aos arguidos da alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação teve lugar após a produção da prova e quando já haviam sido produzidas as alegações orais previstas no artigo 360.º do CPP (cfr. fls 2696-2699).
Tratando-se de julgamento por tribunal colectivo, é no momento da deliberação e votação (artigo 368.º, n.º 3, do CPP) que, normalmente, o tribunal reúne condições para constatar a alteração da qualificação jurídica e só altura poderá obviamente aferir da existência de alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Já no caso de julgamento por tribunal singular, não existindo processo de deliberação colegial e votação, o julgador, encerrada a produção de prova e efectuadas as alegações orais, pode desde logo ponderar e apreciar a prova, sem que daí decorra qualquer juízo preconcebido quanto à culpabilidade da arguida. Veja-se o artigo 373.º, n.º 1, do CPP que, como regra, determina a imediata elaboração da sentença.
No caso vertente, o arguido subentende que o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 358.º deve ser interpretado no sentido de que, quando a lei impõe ao juiz que, perante a comunicação da alteração, conceda ao arguido, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, se está a referir ao prazo previsto no artigo 315.º do CPP.
Nesta parte, aderimos ao prudente e sábio teor do Acórdão desta Relação, relatado pelo nosso Presidente de Secção, que também assina este acórdão, Juiz Desembargador MM, datado de 17/9/2008 (Pº 820/04....):
«A preparação da defesa não envolve a realização de um novo julgamento, mas sim a concessão ao arguido da possibilidade de dispor de todos os direitos perante a alteração da qualificação jurídica: o direito à prova e o direito ao contraditório, etc – que lhe assistem.
Daí que não faça qualquer sentido a interpretação que a recorrente pretende dar ao assinalado segmento normativo do artigo 358.º, n.º 1, do CPP (versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a vigente no momento da prolação dos despachos recorridos – cfr. artigo 5.º do CPP).
Veja-se que, em caso de alteração substancial dos factos, nos casos referidos no n.º 2 do artigo 359.º do CPP, o legislador não foi além do prazo de 10 dias para o arguido preparar a defesa, sendo inconcebível que estivesse na sua mente a dação de um prazo superior no caso de alteração jurídica».
Aplicando esta tese ao nosso caso, não vemos razões suficientemente sólidas para considerar que, após o cumprimento do artigo 358º/1 do CPP, se deva abrir um novo prazo do artigo 315º e uma nova estrutura de contraditório em termos de meios probatórios, para efeitos de se considerar que se trata de uma nova primeira defesa.
Podem ser novos factos mas eles, na lógica do tribunal, já decorriam dos meios de prova carreados para os autos, não acarretando qualquer alteração dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime em apreço.
Não é um novo julgamento que se faz.
Apenas a apresentação de uma defesa com base na nova factualidade tida por apurada, defesa esta que terá de seguir a regra geral do CPP, segundo a qual, se houver adicionamento de mais testemunhas ao rol inicialmente apresentado, ele se deve reger pelas estritas e únicas regras do artigo 316º do CPP.
E as regras do artigo 316º do CPP ditam que as novas testemunhas de fora da comarca deverão ser apresentadas pela parte que as arrola e não devem ser notificadas pelo tribunal.
Não distinga o intérprete aquilo que a lei não quis distinguir.
O facto de serem apresentadas pelo arguido inviabilizaria a sua audição por videoconferência do artigo 318º do CPP?
Pensamos que sim pois o que a lei quer é que não seja o tribunal a diligenciar seja o que for quanto à efectivação das diligências tendentes a ouvir essas testemunhas – não se duvida que sempre teria de oficiar ao tribunal «deprecado» para efeitos da realização da solicitada videoconferência, e numa altura em que as normas excepcionais resultantes da contenção do vírus SARS-Covid 19 já não se encontravam, de facto, em vigor.
A verdade é que, na audiência de 14/12/2021, a testemunha II foi apresentada pelo arguido, tendo sido ouvida.
Só o não foi a 2ª – sobre esse facto, nos pronunciaremos em 3.4.4.
Por todo o exposto, os dois primeiros despachos recorridos não fizeram interpretação incorrecta do artigo 358.º, do CPP, nem vemos que os mesmos tenham de algum modo atentado contra o direito de defesa consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, residindo o único ónus para o arguido no facto de ser obrigado a apresentar a testemunha arrolada, se for residente fora da área do tribunal de julgamento, o que não nos parece desproporcional ou excessivo[8].
Como tal, só pode improceder o recurso na parte referente aos dois primeiros despachos.

3.4.4. E o que dizer sobre o 3º despacho?
Não sendo ouvida a testemunha no dia 14/12/2021 por ter faltado (e tendo o tribunal justificado essa falta), deveria o tribunal ... ter marcado novo dia para a sua audição, pressupondo-se que a mesma seria apresentada pelo arguido e não ouvida por videoconferência por já não estarmos perante o regime excepcional da COVID-19?
Diríamos que sim, havendo como havia um pedido para a sua audição, considerada essencial para a descoberta da verdade, ao abrigo do artigo 340º do CPP [e poder-se-ia «adiar» tal inquirição à luz dos artigos 328º/3 a) e  331º, n.ºs 2 e 3 do CPP[9], já que nunca esta audiência fora adiada com base na falta de testemunhas]
Contudo, temos aqui um obstáculo processual.
Optou o arguido AA por recorrer desse 3º despacho na sua peça recursória de 10/1/2022.
Pergunta-se: como poderia/deveria o sujeito processual interessado ter reagido perante o indeferimento da sua pretensão em ver marcada nova data para a audição da sua testemunha?
Arguindo a referida nulidade até ao encerramento daquela específica sessão de julgamento [artigo 120.º, n.º 3, al. a), do CPP) e, não sendo a arguição atendida, recorrendo do despacho de indeferimento.
Nada disso fez o arguido AA e por isso, a haver nulidade [artigo 120º/2 d) do CPP], ela ficou sanada.
No caso do despacho que indeferiu o requerimento para que fosse agendada nova data para a inquirição, por videoconferência, da testemunha KK, se o recorrente entendia que o despacho era nulo, designadamente por redundar na omissão de produção de prova essencial à descoberta da verdade, teria que arguir esta nulidade relativa no próprio acto (a audiência de 14/12/2021) e recorrer do despacho que, conhecendo da arguição, a indeferisse.
A decisão em causa é um despacho e por isso não se lhe aplica o regime do artigo 379.º do CPP (que é aplicável, apenas, às sentenças ou a actos decisórios a elas equiparáveis).
Não tendo sido tempestivamente arguida, uma eventual nulidade estaria sanada e já não poderia ser invocada em recurso interposto da sentença.
Como tal, na justa medida do que se deixa escrito, o recurso n.º 4 é totalmente improcedente.

3.5. Passemos agora aos dois recursos do acórdão final.
Comecemos pelo RECURSO 5 (intentado pelo arguido AA)

3.5.1. O arguido AA começa por invocar que a sentença violou o artigo 131º do CPC por ter nela apostas frases a vermelho e sublinhados, com um linha lateral à margem.
É verdade que o artigo 131º, n.º 3 do CPC, aqui aplicável por força do artigo 4º do CPP, prescreve que «os atos processuais que hajam de reduzir-se a escrito devem ser compostos de modo a não deixar dúvidas acerca da sua autenticidade formal e redigidos de maneira a tornar claro o seu conteúdo, possuindo as abreviaturas usadas significado inequívoco».
Contudo, o tribunal, no próprio dia da leitura do acórdão em causa, deixou consignado em acta o seguinte:
«Consigna-se que, ao visualizar a versão PDF do acórdão inserido na plataforma CITIUS, se constatou, a fls 19 e 20 do mesmo acórdão,  a existência de sublinhados de parágrafos inteiros, e linhas longitudinauis na margem, verificando-se também, a fls 20 “in fine”, a indevida inserção de um parágrafo rasurado que não faz parte da decisão. Tais lapsos resultam de falhas de processamento de texto, aquando da transposição do acórdão do word para a plataforma CITIUS.
Consequentemente, nos termos do artigo 380º, n.º 1, alínea b) do CPP, a Mm Juiz Presidente determinou se considerem não escritos o identificado parágrafo rasurado a fls 20 “in fine” (“Ac TRP…sendo irrecorrível”) e não escritos os assinalados lapsos materiais de escrita (sublinhados e linhas longitudinais), lavrando-se as competentes cotas e notificando-se dessa rectificação os diversos intervenientes processuais».
Ignora-se se tal rectificação foi notificada aos diversos intervenientes processuais, tal como ordenado – a ter acontecido essa notificação ao recorrente n.º 5, estranha-se que tenha sido esta questão alegada em sede de recurso.
Estando perfectibilizado o segmento escrito do acórdão recorrido (e esteve logo na data da leitura do acórdão), cai por terra a alegação de violação do artigo 131º do CPC, a reclamar a existência de qualquer vício formal no texto da peça recorrida, peça esta que foi perfeitamente compreendida pelos seus destinatários, a julgar pelos prolixos recursos que foram intentados, estando, pois, muito longe de ser considerada uma peça formalmente obscura e pouca clara.
Improcede, pois, o recurso neste 1º segmento.

3.5.2. Continuemos pelas nulidades de sentença, umas intuídas, outras expressamente alegadas.

3.5.2.1. Este recurso, bem como nº 6, entendem que a alteração de factos comunicada aos intervenientes processuais foi substancial e não meramente não substancial.
A tal acontecer, estamos perante uma nulidade a que alude o artigo 379º, n.º 1, alínea b) do CPP.
Mas pergunta-se previamente:
· há nulidade do acórdão, face a uma alegada falta de fundamentação acerca da convicção condenatória dos julgadores?
Este vício é aqui e ali indirectamente mencionado em ambas as peças recursórias (n.º 5 e n.º 6).
E por isso, começaremos por ela, até por força da ordem sistemática das nulidades a que alude o artigo 379º do CPP [constará essa nulidade da alínea a) do n.º 1 desse normativo, sendo obviamente anterior à alínea b)]:
Note-se que o conhecimento desta nulidade é, para nós, também, de conhecimento oficioso[10].

3.5.2.2. Sabemos que o artigo 374º, n.º 2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação[11] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos[12], o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos Humanos (outrora ainda lido como «do Homem») e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei".
A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Numa sentença (cfr nota de rodapé n.º 2), após o relatório, segue-se, já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, devendo obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.

3.5.2.3. Com a devida vénia, transcrevemos parte do Acórdão desta Relação, no Pº 770/08.8PBCBR.C1:
«Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Num segundo nível intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo que as inferências hão-se basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimento científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.
O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a decisão do julgado, face à credibilidade que a prova mereça e as circunstâncias do caso, com recurso a prova indiciária, podendo esta por si só conduzir à convicção do julgador.
Assim, relevantes no domínio probatório, para além dos meios de prova directa, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
É legítimo o recurso às presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal).
No plano de análise em que nos movemos importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».
As presunções naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004, «na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também, elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível.
O meio probatório por excelência a que se recorre na prática para determinar a ocorrência de processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo não são as ciências empíricas, nem tão pouco a confissão auto inculpatória do sujeito activo.
As enormes dúvidas que suscita a primeira e a escassa incidência prática da segunda levam a que a maioria das situações acabe por se resolver através de um terceiro meio de prova: precisamente a referida prova indiciária, ou circunstancial, plasmada nos juízos de inferência. A conclusão é então imposta pela aplicação das regras da experiência – premissa maior – aos factos previamente demonstrados e que constituem a premissa menor.
Como efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação dos arguidos, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira, quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta (presunções naturais não jurídicas) a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados».
            Essa convicção de certeza, eventualmente baseada em prova directa ou indirecta, vai formar-se como resultado final de operações sequenciais de análise do puzzle indiciário: apreciação de cada elemento de prova, individualmente considerado; análise diferenciada dos diversos meios; ponderação global e compatibilização da prova coligida.
O caminho é este – é um caminho de pedras mas bem sólidas e bem sedimentadas – neste particular, recorramos ao acórdão do STJ, datado de 23/2/2011 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S2), escrito pela sempre avisada pena do Conselheiro Santos Cabral:
«Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal.
Nessa concretização, o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição ás respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes á aplicação do direito.
Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão de fundamentar a decisão.
A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do Supremo Tribunal de Justiça com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido
Por essa forma, acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz á decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto».
          Ora, para concretização de tal obrigação de fundamentação o momento-chave da sentença é o da motivação da matéria de facto, que existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor.

3.5.2.4. Com este pano de fundo, vejamos, então, o nosso caso concreto e analisemos a forma como fez o tribunal recorrido esse exame crítico das provas quanto à imputação criminosa aos arguidos dos delitos em causa ou à sua desresponsabilização.
Fazendo uma radiografia da sua motivação, o que temos:
· o resumo das declarações do assistente OO e de sua mulher, EE;
· o resumo das declarações das testemunhas de acusação CC, WW, XX, YY e Sá e FF;
· O resumo das parcas declarações dos arguidos AA e BB;
· A razão pela qual desacreditou nas testemunhas de defesa arroladas pelo arguido AA (AAA, VV, MM e II) e pela arguida BB (GG);
· Ênfase colocado no depoimento dos dois peritos da PJ ouvidos (MM e LL);
· Resultado da perícia e exame à letra de DD constante de uma certidão judicial;
· Informação pericial constante do Apenso IX;
· Indicação dos meios de prova levados em conta para a prova[13]
· terminando por justificar a razão de ser da não prova dos factos não provados.
Que dizer?
Enunciar o que cada arguido disse sem refutar minimamente que seja o teor dessas declarações não é fazer uma aturada e exigível análise crítica da prova – bem que no fim da motivação desacredita o tribunal os dois depoimentos dos arguidos, mas eivando-se no facto «desses depoimentos contrariarem toda a prova produzida, aferida de acordo com as regras da experiência» (fls 45 do acórdão).
Qual foi afinal a prova produzida de acordo com as regras da experiência comum[14]?
Por que razão se entendeu que teria havido conluio entre estes dois arguidos com vista à prática destes factos criminosos?
A defesa em causa sempre propugnou que a existência da procuração em questão em que o co-arguido é mandatário (facto conhecido) não permite evoluir, sem qualquer outra prova que o demonstre, para o conluio e acordo de plano entre arguidos, como se defende na decisão recorrida, o que suporta este conluio e acordo e bem assim o conhecimento comum entre arguidos, pessoas singulares, nas regras de experiência comum.
Na lógica da defesa, «não se dá como provado de que forma a procuração veio à posse do co-arguido e sem esse conhecimento por parte do Tribunal “a quo” jamais a decisão recorrido poderia concluir de facto que ocorreu conluio entre os arguidos e que os dois se maquinaram para chegar ao resultado constante da decisão de facto».
No fundo, o alegado plano/acordo/conluio entre arguidos, dado como provado na decisão recorrida, aplicando as regras de experiência comum, e porque não se extrai do texto da decisão recorrida, qualquer outra prova que a este desfecho decisório de facto possa acudir, e que resulta igualmente do despacho de alteração não substancial de factos, «não decorre de qualquer facto conhecido, nem pode ser extraído de uma presunção natural, porque a verificação da existência de uma procuração não está na base, nem decorre naturalmente de qualquer acordo entre quem legaliza a procuração, que, como é natural e lógico, age sob instruções do mandante e não do mandatário!».
As regras de experiência comum ditam que a relação que se verifica entre quem legaliza uma procuração é com o mandante, e não com o mandatário, uma vez que é o mandante o outorgante dessa mesma procuração, devendo o profissional ou instituição que a legaliza certificar-se da identificação e da vontade desse outorgante, não sendo o mandatário tido ou achado nessa legalização?
Que respostas deu o tribunal a estas dúvidas?
Não havendo prova directa, recorreu-se à chamada prova indirecta ou indiciária?
Em que moldes?
Essa prova indirecta está sujeita à livre apreciação do tribunal e exige um particular cuidado na sua apreciação, apenas se podendo extrair o facto probando do facto indiciário quando seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente plausíveis.
Doutrinou o Acórdão desta Relação de 25/11/2009 o seguinte:
«Nos casos de prova indirecta o que está em causa é «o tribunal inferir racionalmente a prova dos factos a partir da prova indirecta ou indiciária desde que seja seguido um processo dedutivo baseado na lógica e nas regras de experiência comum (recto critério humano e correcto raciocínio) – cf. Ac. R. Coimbra de 2008, proc. 495/002.
A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância específica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa.
Nesse sentido «a prova indirecta ou indiciária pode ser valorada preferencialmente pelo julgador e, só por si, conduzir à sua convicção, tal qual a prova directa», cf. Ac. RC 26.11.2008 proc. 341/06 in www.dgsi.pt.
Já nos referimos à prova indirecta em vários dos nossos arestos desta Relação, escritos desde 2009 a 2011.
Sabemos que fundamental em muitos casos da vida judiciária em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”.
Neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura”.
Entendemos, assim, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha: Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006; Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006; Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006; Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006; Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006.
(ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 –
Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII, 2º, página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte, importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289.
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência, incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico-jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
Ana Brito, em brilhante artigo intitulado «A valoração da prova e a prova indirecta», publicado em e-book do CEJ («Da Prova Indirecta ou por Indícios», Julho de 2000), disserta sobre a figura da prova indirecta, resumindo muito do que atrás se escreveu:
«(…)
Nas lições escritas em 1975, Figueiredo Dias, realça a “deslocação do fulcro de compreensão do próprio direito das normas gerais e abstractas para as circunstâncias concretas do caso”. Ensina que livre apreciação significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”.
Não poderá tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional. Curando-se sempre de uma convicção pessoal, ela é necessariamente objectivável e motivável. Esclarece ainda Figueiredo Dias que a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
(…)
Paulo Sousa Mendes adverte que “o julgador moderno tem, cada vez mais, de produzir abundante fundamentação dos seus juízos probatórios. Para o efeito ele faz apelo não só aos meios de prova científicos, mas também às chamadas regras da experiência”.
(…)
Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem. Seja como for, a apreensão do facto principal terá, no final, de ser feita de um modo totalizante, pois o juiz historiador nunca pode perder de vista que lhe cabe fazer um juízo objectivo, concreto e atípico acerca do caso decidendo”.
O juiz terá sempre que “averiguar em que medida os factos concretos e individualizados do caso, confirmam ou infirmam aquelas inferências gerais, típicas e abstractas.
As regras da experiência, os critérios gerais, não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso – é assim em geral, em regra, mas sê-lo-á realmente no caso a julgar?” (aqui, Paulo de Sousa Mendes cita Castanheira Neves).
Revemo-nos nas conclusões deste autor, que são as seguintes: “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida”. “Então, elas ficam sujeitas à livre apreciação do juiz”.
(…)
No acórdão do STJ, de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, afirma-se que “a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.”
Também no acórdão do TRL, de 13/02/2013, relatado por Carlos Almeida, se desenvolve: “Nas questões humanas não pode haver certezas… Também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir “a verdade” (…). A reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é marginal. O cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos. A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem. Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio in dubio pro reo”.
(…)
A prova indirecta determina especiais exigências de fundamentação.
Nas várias classificações das provas, a distinção mais importante segundo Taruffo, é a que distingue entre provas directas e indirectas.
Seguindo de perto este autor, a distinção assenta na conexão entre o facto objecto do processo “e o facto que constitui o objecto material e imediato do meio de prova”.
“Quando os dois enunciados têm que ver com o mesmo facto, as provas são directas”, pois incidem directamente sobre um facto principal.
“O enunciado acerca deste facto é o objecto imediato da prova”.
“Quando os meios de prova versam sobre um enunciado acerca de um facto diferente, acerca do qual se pode extrair razoavelmente uma inferência acerca de um facto relevante, então as provas são indirectas ou circunstanciais”.
Trata-se de uma distinção funcional que depende da conexão entre as provas e os factos
Indirectas podem ser quaisquer provas, obtidas por qualquer meio.
(…)
Cavaleiro Ferreira declara que a apreciação das provas indirectas pressupõe “grande capacidade e bom senso do julgador”, que “as complexas operações mentais que o manejo da prova indiciária implica exigem raras qualidades” E enumera: “inteligência clara e objectiva, experiência esclarecida, integridade de carácter, ausência de fácil ou emotiva impressionabilidade”.
(…)
Também Santos Cabral, em estudo sobre a prova indiciária e a sua valoração, conclui:
“As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária”.
(…)
Destaco dois pontos do sumário do acórdão STJ de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, que deve merecer leitura integral:
“O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões”».

Aqui chegados, pergunta-se: foi esta a prova feita pelo Colectivo de ...?
Quanto às testemunhas, assistiu-se ao mesmo processo redutor – enuncia-se apenas o que cada um disse, não relacionando o teor dessas declarações com a prova dos factos a, b ou c…
A enunciação simplista dos meios de prova, depois da alusão às testemunhas, é também insuficiente pois aí – e de forma quase automática e tabelar, reproduzindo-se a ordem pela qual o libelo acusatório – e após, a pronúncia que reproduz fielmente o primeiro - arrumou ­tais meios de prova e meios de obtenção de prova: apenas se indicam meios de prova e meios de obtenção de prova, confundindo-os desajustadamente.
Todos sabemos que os meios de prova são os elementos que permitem afirmar a realidade dos factos relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da sanção aplicável.
É com base nestes elementos que as autoridades competentes, em especial os tribunais, baseiam algumas das suas decisões, incluindo a de condenação ou absolvição do arguido, sendo a prova apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Os meios de utilização mais comum são: a prova testemunhal; as declarações do arguido, do assistente e das partes civis; a prova por acareação (um confronto entre sujeitos que prestaram declarações contraditórias); a prova por reconhecimento (a identificação e/ou descrição de uma pessoa por parte de outra); a reconstituição do facto (a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o crime e a repetição do seu modo de realização); a prova pericial; e a prova documental.
Diversamente, os meios de obtenção de prova são as diligências realizadas pelas autoridades para recolher a prova. Alguns dos meios de obtenção de prova mais tradicionais são os exames, as revistas e buscas, as apreensões e as escutas telefónicas.
Ora, in casu, não se fez qualquer exame crítico de todo este manancial de prova, ficando muito nebulosa a forma como o tribunal chegou à culpabilidade dos arguidos nestas factualidades.
Acresce ainda que, tendo havido uma alteração não substancial de factos (na óptica do tribunal), e tendo havido comunicação de novos factos, seria de bom tom que fundamentasse, de forma assaz mais completa, o que estava na base desta alteração não substancial.
Não ignoramos o teor do acórdão desta Relação  de Coimbra, datado de 23/10/2019 (Pº 163/17.6GAMGR.C1):
1. «A comunicação a fazer ao arguido na situação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos, deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão.
2. Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objeto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes e entretanto comunicados.
3. A condenação do arguido pelos novos factos sem cumprimento desta exigência, constitui a nulidade do artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP, pois a condenação ocorre fora do condicionalismo e exigências legais do artigo 358.º, n.º 1, do mesmo diploma».
Contudo, repete-se aqui o que atrás se escreveu a propósito de outra questão suscitada no recurso n.º 3:
Não comungamos desta tese (aqui já se adiantando algo que a seguir decidiríamos a este propósito neste recurso n.º 5, já que tal é alegado pelo arguido em sede recursória) – somos mais partidários da tese segundo a qual a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.
No fundo, aderimos aos argumentos[15] explanados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/2019, de 2/4/2019, relatado pela actual Ministra da Justiça, e que decidiu «não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta».
Se é verdade que o tribunal não teria de indicar, aquando do despacho exarado em 12/10/2021, os meios de prova que estiveram na base de enumeração dos novos factos (alteração não substancial dos factos, na sua óptica), também o é que deveria ser no acórdão final que esse esforço argumentativo se deveria ter consubstanciado de forma mais eloquente.
Nem uma palavra no aresto sobre os factos novos levados à ribalta do julgamento, nada aí esclarecendo sobre os meios de prova em se baseou para os dar como provados, com base na discussão da causa (palavras suas, no despacho de 12/10/2021).
Só dessa forma elucidaria de forma mais concludente os arguidos, sabendo nós que muita da sua argumentação recursória incide precisamente sobre a questão de saber se estamos perante uma alteração não substancial ou substancial de factos.
Também ficou algo por dizer quanto à perícia feita ao computador da arguida BB.
Bastará dizer que os peritos foram claros em afirmar que os ficheiros em causa foram criados em 2/5/2011 e não em 2007 como sustenta a arguida BB?
Como responder à dúvida colocada nos autos: tal matéria e tema de prova não foi analisado no computador ou o disco da recorrente, nem dele (disco ou pc) foram extraídos os ficheiros “word” analisados, nem ocorreu qualquer análise/perícia ao computador propriedade da recorrente em que foram elaborados esses ficheiros “word” porque o sistema operativo do computador da recorrente de onde foram copiados os ficheiros “word” que foram posteriormente analisados, só foi adquirido e instalado em 29.06.2011, portanto em data posterior a 02.05.2011 ou 05.05.2011 o que torna fisicamente impossível ter ocorrido uma formatação do disco em 2009, antes da sua aquisição e uma redação de documentos e criação de ficheiros igualmente antes da sua aquisição.
Como responder aos incessantes gritos no processo de que as declarações dos dois peritos foram contraditórias entre si?
Deveria o tribunal estar particularmente atento a esta questão pois foram interpostos dois recursos de duas suas decisões interlocutórias que indeferiram uma diligência probatória junto da Mic..., Lda, requerida pela defesa da arguida BB.
Improcedemos dois recursos intentados com essa base e, por conseguinte, era imperioso que o tribunal, em sede de acórdão final, desfizesse todas as dúvidas levantadas na mente dos arguidos e profusa e previamente anunciados nos autos.
O meio de prova inscrito a fls 1176-1196 foi uma verdadeira perícia? A defesa alegou sempre ao longo dos autos que ela não cumpriu com o rigor do instituto da prova pericial. É assim?
Muitas respostas que ficaram por dar para lançar luz sobre os argumentos do tribunal e a sua razão de ciência para a prova dos factos tidos como provados.
Repetimos:
Que regras da experiência foram tidas em linha de conta?
Houve prova directa?
Houve prova indirecta ou indiciária?
Se sim, em que medida e em que termos?
É verdade que as testemunhas disseram o que se reproduz no acórdão – mas isso provou exactamente o quê?
A documentação referida a fls 48 a 51, em tom de rol acrítico, provou exactamente o quê?
Como tal, e sem necessidade de mais considerações, esta Relação conclui que o tribunal recorrido não procedeu à indicação das concretas e individualizadas provas a partir das quais formou a sua convicção para condenar ou absolver os arguidos, em cada tipo de crime, nem tão pouco operou um exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
De facto, as provas não estão associadas ou referenciadas aos hipotéticos factos praticados pelos arguidos, surgindo desgarradas no Acórdão, sem qualquer indicação relativamente aos tipos de crime alegadamente praticados por cada arguido, o que não permite conhecer o processo lógico racional prosseguido pelo tribunal a quo, nem tão pouco identificar as provas consideradas relevantes para formar a sua convicção na respectiva decisão.

3.5.2.5. Queremos saber, nesta Relação, a razão pela qual foi criada no Colectivo de ... esta convicção de culpabilidade e não culpabilidade dos arguidos - não por impressões mas por factos e argumentos substantiva e processualmente válidos.
De juízes convencidos na culpabilidade ou não culpabilidade dos arguidos, não passaram a juízes convincentes no texto do aresto recorrido.
E deveriam ter sido convincentes e explícitos nas suas explicações para a clareza da justiça – ou tentativa dela - que por si foi feita no aresto de 11/1/2022.
Está em causa a liberdade de seres humanos.
Por isso, a prova tem de ser bem explicada por quem julga, não olvidando qualquer aspecto que seja relevante.
Parece-nos, assim, que o tribunal ... ficou aquém do exigido neste particular da fundamentação fáctica.
Recordemos que o processo equitativo garantido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos pressupõe a motivação das decisões judiciárias, que consiste na correcta enunciação dos pontos de facto e de direito fundantes das mesmas, em ordem a garantir a transparência da justiça, a persuadir os interessados e a permitir-lhes avaliar as probabilidades de sucesso nos recursos, assente ainda que uma motivação deficiente ou inexacta deve ser equiparada à falta de motivação.
Essa motivação conforme as exigências do processo equitativo não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso.
Lopes da Rocha diz mesmo que «o princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, mas impõe-se uma motivação precisa quando o meio submetido à apreciação do juiz, caso se revele fundado, é de natureza a influenciar a decisão; a obrigação de motivar reveste uma importância peculiar quando se trate de apreciar uma pretensão na base de uma disposição de sentido ambíguo, caso em que é exigível uma motivação adequada e proporcional à complexidade da hipótese».
O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal, sido relevantes para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Sem que se defina legalmente em que consiste o propalado “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Tal desiderato não foi logrado na decisão.
Lida a motivação, fica-nos um gosto a pouco e algum mistério relativamente à forma como o tribunal chegou a estas convicções.

3.5.2.6. Qual a sanção para estes vícios?
Estipula a lei que é a nulidade da sentença [artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP, referido ao 374º/2 e 3 b) do mesmo diploma] NO SEU TODO.
Equivale isto a dizer que a sentença incumpriu o dever de fazer o exigível exame crítico de quase todos os meios de prova e meios de obtenção de prova com vista a concluir pela culpabilidade criminal dos arguidos ou pela sua absolvição, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal – tal, face ao disposto na al. a) do nº1 do artº 379º do mesmo diploma legal, acarreta a sua nulidade e determina a prolação de nova decisão, expurgada do apontado vício (NÃO sendo caso de anulação do julgamento ou de aplicação do disposto no artigo 715º/1 do CPC e no artigo 379º/2, 2ª parte do CPP).
Urge, pois, REESCREVER este acórdão, colmatando as omissões detectadas e assinaladas no ponto 3.5.2.4., dali retirando as consequências jurídico-penais que se tiverem agora por convenientes.
Aproveitará o Colectivo para perfectibilizar de forma mais escorreita o texto formal do acórdão, limpando-o das suas excrescências (e que deram até origem à alegação de violação do artigo 13º do CPC), e tratando da expressa questão invocada a fls 3563 e de novo a 5/5/2022 (prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de falsificação, podendo também aproveitar para tratar da questão da prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de branqueamento de capitais expressamente invocado no Recurso n.º 5, do arguido AA).
Deverá ainda o Tribunal ordenar a correcção dos erros de escrita encontrados na acta de fls 2864-2868:
· onde se lê «artigos 240º» ( a fls 2868), dever-se-á ler «artigo 340º»;
· onde se lê «Considera-se validamente prescindida a testemunha VV» (despacho de fls 2869), dever-se-á ler «Considera-se validamente prescindida a testemunha II».

3.6. Se assim é, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões aduzidas nos recursos 5 e 6 (artigo 660º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP).

3.7. O mesmo se diga relativamente à questão da renovação da prova, prejudicada que fica também por esta nulidade de acórdão, prévia à decisão sobre a fixação definitiva da matéria de facto (falamos agora da reclamação deduzida pela arguida BB relativamente a parte do despacho liminar do relator, datado de 20/5/2022).
Diga-se ainda, contudo, para futuro governo da arguida reclamante – em caso de futuro recurso do novo acórdão a proferir pela 1ª instância - o seguinte:
Entende esta conferência, concordando com o relator, que a arguida, no seu recurso 6, não faz um verdadeiro pedido de renovação de prova, à luz do que refere o artigo 430º do CPP, na medida em que acaba por tão somente alegar erros de julgamento e não vícios do artigo 410º/2 do CPP, condição imprescindível para que se lance mão do preceituado no artigo 430º do mesmo diploma.
Não basta escrever, de forma prosaica, meramente enunciativa e conclusiva, que há erro notório ou uma insufciiência para a decisão da matéria de facto provada, como faz um pouco confusamente a arguida no seu requerimento recursório.
É necessário alegar e demonstrar com substância bastante que existem erros vícios da própria decisão em si, sabendo nós que, em qualquer das hipóteses do artigo 410º/2, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
De facto, pressuposto comum à verificação de tais vícios é que os mesmos resultem do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum – n.º 2 do artigo 410.º do CPP.
Ora, continuamos a dizer que apenas são alegados expressos erros de julgamento.
Daí a não admissão da renovação da prova em 2ª instância – nem sequer o relator viu, por isso, necessidade de relegar o conhecimento do dito pedido de renovação da prova para este aresto e para a fase de discussão da matéria factual [muito embora se considere que o relator, de forma singular, pode sempre tal decidir, restando depois, ao requerente dessa renovação rejeitada, caso não concorde com o decidido, reclamar para a conferência – os termos em que foi redigido o artigo 417º, n.º 7, alínea b) isso mesmo expressamente inculca pois só faz sentido que o relator decida se há provas a renovar se entender que a renovação é viável, podendo, pois, a contrario sensu, decidir que o não é, como é bem de ver].
Se se pretender de futuro pedir uma renovação de prova que se alegue em conformidade.
Mais se diga que a questão do prescrição do procedimento criminal levantada por esta reclamação da arguida BB fica também prejudicada pela nulidade declarada na medida em que, só depois de fixada a matéria factual em termos definitivos, teremos dados seguros para a decidir – aliás, ordenamos nesta nossa decisão colegial que a 1ª instância, aquando da reformulação do seu acórdão final, conheça tal questão da prescrição levantada por dois arguidos.
Não se deixará, ainda assim, de dizer que não cabe reclamação do nosso despacho liminar reclamado no segmento atinente à prescrição (limitou-se o relator a relegar para o acórdão final tal decisão), nos termos do artigo 417º, n.º 8 a contrario sensu do CPP -  só é reclamável, com base legal, o despacho proferido pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7 do artigo 417º do CPP (decisão sumária, o que não foi, nem de longe nem de perto, feito no despacho reclamado no caso concreto, e decisão sobre o efeito do recurso e as provas a renovar).

3.8. Em sumário diremos:
a) A norma do artigo 316º do CPP aplica-se a todas as situações de adicionamento ou alteração do rol de testemunhas, independentemente do que esteve na base desse aditamento ou alteração, aplicando-se, portanto, nas situações em que se arrolam novas testemunhas após a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358º do CPP.
b) A lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e de não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.
c) Não há na lei nenhum normativo que exija que o tribunal deva conhecer antes do acórdão (ou sentença) das questões relacionadas com a resposta de um arguido à comunicação do artigo 358º do CPP, bastando-se a lei com o facto de ser dado efectivo conhecimento à defesa da probabilidade de vir a ser fixada nessa peça final uma nova factualidade, podendo ela assim arrolar prova nova, podendo até mudar a sua estratégia de defesa, fazendo-o em tempo e a tempo, não ficando, pois, prejudicados os seus direitos.
d) Nessa situação, o tribunal, em sede de sentença ou acórdão final, deve esclarecer quais os meios de prova em que se fundamentou para tal alteração não substancial de factos, motivando de forma crítica a sua decisão, por forma a não cair na nulidade a que alude o artigo 379º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do CPP.


            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
· A. Julgar improcedentes os recursos interlocutórios (n.ºs 1, 2 3 e 4), intentados pelos arguidos (os n.ºs 1 e 4 pelo arguido AA e os n.ºs 2 e 3 pela arguida BB);
· B. Anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que colmate as lacunas apontadas nos pontos 3.5.2.4. e 3.5.2.6., decidindo em conformidade.

Sem tributação quanto aos recursos 5 e 6.
Custas dos restantes recursos pelos respectivos arguidos, fixando-se a taxa de justiça, em cada caso, em 3 Ucs.

Coimbra, 12 de Julho de 2022
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 67/2018, de 20/09)


 Paulo Guerra (Relator)

Alcina da Costa Ribeiro (Ajunta)

Alberto Mira (Presidente da secção)



[1] Existem nos autos mais três recursos interlocutórios, dois do arguido ... (de fls 2557-2569 e de fls 2572-2576), não admitidos por despachos de fls 2582-2585 e 2611, e um da arguida ... (de fls 2626-2629), tendo havido, por parte da sua apresentante, desistência do mesmo (fls 2648), homologado por despacho judicial de fls 2652. Anote-se ainda a existência de um outro recurso do arguido ..., agora da decisão instrutória, não admitido por despacho judicial de fls 2132-2134, posteriormente confirmado pela Exmª Vice-Presidente desta Relação (apenso 260/11.1JALRA-A), após reclamação.
[2] Como a lei só admite a renovação – solução inédita de compromisso que admite a realização supletiva de uma segunda audiência de julgamento, com restrição da produção de prova, na linha argumentativa de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, página 1158 - no pressuposto de que se invoquem os vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2 e de que existam razões (que estejam concretizadas) para crer que por via da renovação se evitará o reenvio do processo, ocorre que os recursos claudicam na arguição dos vícios e no convencimento do relator, logo no momento do exame preliminar, de que existem efectivamente tais razões para crer que, procedendo-se à renovação, tais vícios serão supridos. Por isso, invariavelmente, nos casos em que se requer a renovação da prova, o relator não deve admitir a renovação. In casu, entendemos que nem sequer tal pedido de renovação é feito [e teria de ser feito pois não se admite a renovação oficiosa, dependendo sempre de pedido do recorrente ou do recorrido – artigo 411º/5 e 412º/3 c) do CPP]. Não se deixa de considerar, contudo, mesmo a considerar-se que tal pedido é feito de forma implícita, que inexistem razões para deferir a tal (eventual) petitório face à forma como é elaborado o requerimento de motivação do recurso da arguida ... relativamente ao acórdão final».

[3] Na acta de 20/4/21, ficou escrito «artigo 240º» quando é notório que se tratava do artigo 340º o visado e pretendido pelo Colectivo.
[4] No âmbito da aplicação da lei no tempo em direito processual penal rege o nº 1 do artigo 5º do CPP, pelo que constitui princípio geral de que a lei, como qualquer lei, só dispõe para o futuro - artigo 12º do C. Civil – como tal, a lei nova é de aplicação imediata aos processos e aos actos processuais que sejam praticados após a sua entrada em vigor, ainda que o processo se tenha iniciado antes.
Acresce que, ainda dentro do mesmo princípio, ficam ressalvados os actos praticados e as situações ocorridas no domínio da lei antiga.
Na ausência de norma transitória que resolva os termos da aplicação da lei no tempo aos processos pendentes funciona aquele princípio geral de aplicação imediata da lei nova (tempus regit actum), o qual tem três limites, a saber: 1º- Manutenção da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; 2º- Não aplicação imediata da lei nova se da sua aplicação resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido; 3º- Não tem lugar se da sua aplicação resultar quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo (cfr. nota de rodapé n.º 4).
[5] Alínea entretanto revogada pelo artigo 14º da Lei n.º 94/2021, de 21/12, só entrada em vigor em Março deste ano de 2022. Diremos, não obstante, que a improcedência deste recurso se bastará com a aplicação das alíneas b) e c) do dito n.º 4 do artigo 340º do CPP, na possível consideração de que se deve aplicar a redacção revista do artigo 340º, onde se tem por revogada a alínea a) desse normativo, vigente à data da prolação do despacho recorrido.
[6] Diga-se ainda que não se compreende como é que a questão do pagamento da campa foi somente despoletada pelo testemunho de Emília Neves em 20/4/21, assente que a defesa já tinha em sua mão essa declaração (juntou-a logo a seguir a esse depoimento), não a tendo ido buscar depois do depoimento da referida Emília - se assim é, sempre poderia tal declaração ter sido junta em momento muito anterior à da audiência de 20/4/21. Além disso, é de estranhar também o facto de não ter o arguido guardado um recibo deste seu pagamento, tão inusitado, tanto mais que sabia que não era herdeiro do falecido Ondino, havendo sempre a probabilidade de pedir contas do facto aos seus naturais herdeiros, os assistentes dos autos.
[7] Em suma: «(…) A comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.
A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzidos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.
Por tais razões, entendemos que a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que ora se sindica, no sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos citados preceitos, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não impede uma defesa eficaz do arguido, não se mostrando, por essa razão, passível de censura jurídico-constitucional, por afetação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente por inobservância do princípio do contraditório».

[8] E não se invoque o que o tribunal fez a uma das testemunhas do MP, Manuel Moura e Sá, ouvida por videoconferência, na medida em que ela constava do primitivo rol de testemunhas do MP, aplicando-se-lhe, em todas as suas virtualidades, o preceituado nos artigos 315º e 318º do CPP (cfr. despacho judicial de fls 2474, 3ª parte). E não se olvide o teor do artigo 350º, n.º 3 do CPP, no que tange aos peritos (regra especial).
[9] A audiência é adiada quando, não se tendo ainda iniciado, é designada outra data para o seu início; é interrompida quando, já se tendo iniciado, se torna necessário designar outra hora ou outro dia para a sua continuação, por necessidade de alimentação ou repouso, ou por razões de ordem processual, designadamente a produção de prova.
[10]Antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, não havia dúvidas de que as nulidades da sentença constantes das alíneas a) e b) (as únicas então existentes) do artigo 379º do CPP, eram nulidades sanáveis e, portanto, dependentes de arguição (veja-se até que, no caso da nulidade prevista na alínea a) do art. 379º do CPP, consistente na falta de indicação, na sentença penal, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo art. 374º nº 2, do mesmo diploma, decidiu o STJ, pelo Assento de 6.5.1992, in DR-I Série-A, de 6.8.1992, com dois votos de vencido, que tal nulidade não era insanável, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119º do CPP).
Nesse diapasão, foi também proferido o Acórdão n.º 1/94 do Plenário das secções criminais do STJ, in DR-I Série-A, de 11.2.1994, firmando jurisprudência no sentido de que as nulidades da sentença, previstas então nas alíneas a) e b) do artigo 379º do CPP, poderiam ser ainda arguidas em motivação de recurso para o tribunal superior, à semelhança do que para o processo civil resulta da 2ª regra da 1ª parte do nº 3 do artigo 668º do CPC.
Acontece que o texto do artigo 379º/2 do CPP sofreu alterações pela Lei n.º 59/98 de 25/8, tendo-se aditando uma nova alínea c) ao nº 1, e mudado o nº 2, que passou a ter a seguinte redacção: "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 414º, nº 4".
Vislumbramos, assim que, se a nova alínea introduzida no nº. 1 do artigo 379º do CPP, tem redacção semelhante à contida na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, já o novo nº. 2 do artigo 379º do CPP corresponde a uma transposição parcial do nº 3 do art. 668º do CPC e à adopção da doutrina contida no Acórdão 1/94, indo, porém, mais longe.
Enquanto no regime do CPC, a arguição das nulidades pode ser feita em sede de motivação de recurso, no nº 2 do artigo 379º, impõe-se essa arguição nessa altura, "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso".
A parte final desta expressão só pode significar o conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime previsto no processo civil, que diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes processuais, neste sentido cfr. Ac. STJ de 12.9.2007, relator Silva Flor, consultável no site da dgsi.
No sentido de que a nulidade da alínea a) do nº. 1 do artigo 379º do CPP é do conhecimento oficioso, decidiram, entre outros, os Acs STJ de 12.9.2007, relator Raul Borges e de 17.10.2007» (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 21/1/2009 (Pº6847/08 - 4ª Secção).
Para Paulo Pinto de Albuquerque, não obstante, a menção alternativa «ou conhecidas» mais não é do que uma referência ao poder de cognição do tribunal de recurso e não a consagração da oficiosidade do conhecimento desse nulidade do artigo 379º do CPP.
Não secundamos tal tese, contrária à nova letra de lei (e já o deixámos escrito em vários arestos desta Relação).
Em apoio da nossa tese:
«Tais nulidades devem ser oficiosamente conhecidas, solução que tem claro apoio na letra do n.º 2 do artigo 379.º do CPP, quando aí se diz que “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”, apontando assim, mais para uma atuação oficiosa do tribunal de recurso, no seu conhecimento do que para a necessidade de, para tal, serem especificamente invocadas como fundamento do recurso. Numa argumentação teleológico-sistemática breve, poderá dizer-se que se verificaria uma incongruência perturbadora da unidade do sistema jurídico, se forçasse-mos um sentido de interpretação da norma em causa que tivesse como consequência prática o não conhecimento oficioso do vício, por exemplo, da falta de menção na sentença dos factos provados, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2, do CPP, mas já considerássemos ser do conhecimento oficioso, como hoje é pacificamente aceite, sobretudo face ao Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, a mera insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, registada ao abrigo do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Valendo como fundamento para o conhecimento oficioso das nulidades previstas no artigo 379.º, as mesmas razões invocadas pelo Juiz Conselheiro Pereira Madeira, para sustentar o conhecimento oficioso dos vícios do artigo 410.º, n.º 2: “Mandam a prudentia e o bom senso que nenhum tribunal, seja ele qual for, possa ser obrigado a aplicar o direito a uma matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada. Claramente, em tais casos, qualquer que fosse o edifício jurídico que assentasse em tais bases, seria uma edificação insegura, por falta de alicerces”.
E que maior falta de alicerces poderia ter uma decisão que tivesse de aplicar o direito a factos que não vinham sequer enumerados como provados ou não provados ou que vindo-o, em relação a eles não se descortinava, por falta de motivação, em que prova e em que exame crítico dessa prova se havia baseado o tribunal recorrido para os considerar provados.
Por exemplo, na falta da enumeração dos factos provados e não provados, ademais se da motivação fáctico-conclusiva e jurídica não se pudesse descortinar os factos concretos da vida que levaram àquela decisão, como seria possível delimitar o âmbito objetivo do caso julgado, e assim também salvaguardar as garantias constitucionais do ne bis in idem? É bom de ver a grave incongruência que seria reconhecer a possibilidade de conhecimento oficioso de uma mera insuficiência para decisão da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, e já não a admitirmos quando ela tinha o alcance de uma verdadeira falta, como acontece para a nulidade da sentença por falta de fundamentação, a que alude a al. a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
No sentido de que as nulidades previstas no artigo 379.º do CPP são de conhecimento oficioso, o Senhor Juiz Conselheiro Oliveira Mendes, dizendo que “nem podia ser de outra forma, sob pena de o tribunal de recurso, na ausência de arguição, ter de confirmar sentenças sem qualquer fundamentação, violadoras do princípio do acusatório e sem qualquer dispositivo.”
E ainda ac. do STJ, de 27/10/2010, P.º 70/07.0JBLSB.L1.S1. Não obsta a uma tal solução o Assento n.º 9/92, ao dizer que “Não é insanável a nulidade da alínea a) do artigo 379.º do Código de Processo Penal de 1987, consistente na falta de indicação, na sentença penal, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo artigo 374.º, n.º 2, parte final, do mesmo Código, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119.º daquele diploma legal” – precisamente por as nulidades relativas ao artigo 379.º terem um regime próprio no que toca à sua cognoscibilidade oficiosa, imposta pelo n.º 2, preceito que era inexistente à data da prolação daquele assento, sendo ademais taxativa a enumeração das nulidades.» (Mota Ribeiro, E-book CEJ 2016, sobre Processo e Decisão Penal, p. 54).
[11] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no já aqui citado «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
[12] “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
(..)”
[13] Aludindo-se a um rol acrítico de meios de provas, a saber:
· «Certidão de Assento de óbito, de fls. 41 e 42;
· Escritura de habilitação de herdeiros, de fls. 44 e 45;
· Extracto bancário, de fls. 46 e 47;
· Informação bancária, de fls. 48;
· Talões bancários, de fls. 49 a 50;
· Extracto bancário, de fls. 51;
· Original do Termo de autenticação de fls. 2696
· Original da Procuração, de fls. 2697-2698;
· Original do termo de reconhecimento de assinatura de fls, 2699;
· Verbete de assinaturas, de fls. 57;
· Cópia de cheque, de fls. 58;
· Certidão permanente, de fls. 78 a 80;
· Relação Advogados, fls. 87;
· Auto de busca e apreensão, de fls. 147 a 150;
· Auto de busca e apreensão, fls. 223 e 224 dos autos (Apenso III);
· “Printscreen”, de fls. 224-A dos autos (Apenso III);
· Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 226 (Apenso III);
· Informações bancárias e extractos bancários (“C.A.”), de fls. 234 a 238;
· Informação bancária e extracto bancário (“Banif”), de fls. 248 a 250;
· Extractos bancários (“BES”), de fls. 255 a 321;
· Informações bancárias e extractos bancários (“Santander Totta”), de fls. 330 a 332;
· Informações bancárias e extractos bancários (“Montepio”), de fls. 333 a 342;
· Informações bancárias, extractos bancários, cópias dos talões e cópia dos documentos de suporte dos movimentos efectuados (“Caixa Geral de Depósitos”), de fls. 343 a 377;
· Informações bancárias (“Millennium bcp”), de fls. 378 a 396;
· Informação bancária e extracto bancário (“Montepio”), de fls. 400 e  401;
· Informações bancárias e extractos bancários (“BPN”), de fls. 402 a 416;
· Informações bancárias e extractos bancários (“BPI”), de fls. 418 a 421;
· Informações bancárias (apreensão de saldos bancários), de fls. 489, 551 a 553, 554, 555, 556, 559, 562, 567,
· Informação bancária (“C.A.”), de fls. 550;
· Informação bancária (“C.G.D.”), de  fls. 560;
· Informação bancária, de fls. 651;
· Certidão predial, de fls. 502 a 512 e de fls. 548 e  549;
· Auto de apreensão (de imóvel, Armação de Pêra), de fls. 514 a 517;
· Auto de busca e apreensão, de fls. 714 a 716;
· Auto de diligência forense em ambiente digital, de fls. 717 a 719;
· Cópia de carta, de fls 720;
· Informações bancárias (“Millennium BCP”), de fls. 733 a 738, 745 a 748;
· Cópia de escrutura pública de compra e venda, de fls 759 a 762;
· Informação bancária, de fls. 817;
· Contrato de financiamento para aquisição a crédito, de fls. 832 e 833;
· Informação bancária e extractos de conta (“Barclays”), de fls. 835 a  858;
· Cópia de carta, de fls. 870;
· Cópia de fax, de fls. 871;
· Cópias de escritura de compra e venda e de permuta, de fls. 873 a 879;
· Talão de depósito, de fls. 880;
· Extracto de conta, de fls. 881 e 882;
· Informação bancária (“Banco Popular”), de fls. 883;
· Documento “Carlos Joalheiro”, de fls. 891 e 894;
· Autos de busca e apreensão, de fls. 942 a 956;
· Informação Núcleo de Armas e Explosivos da P.S.P. de Leiria, de fls. 957;
· Auto de exame directo, de fls. 961 a 963;
· Relatório fotográfico, de fls. 964 a 975;
· Cópia da escritura de compra e venda, de fls. 1113 a 1116;
· Caderneta predial urbana, de fls. 1117 e 1118;
· Autos de exame directo, de fls. 1140 a 1155, 1160 a 1163 e 1172 a 1174;
· Certidão permanente “Pegofa, Lda.”, de fls. 1218;
· Cópia de sentença (acção ordinária nº 4806/11.7TBLRA), de fls. 1410 a 1417;
· Certidão permanente “Marinhobra, Lda.”, de fls. 1419 a 1426;
· Certificação, de fls. 7 (Apenso I);
· Canhotos de cheques, de fls. 7 a 9 (Apenso I);
· Procuração, de fls. 11 (Apenso I);
· Certificação Cartório Notarial da Batalha de documentos, de fls. 12 a 18 e 20 a 22 (Apenso I);
· Documentos E.D.P., de fls. 25 a 27 (Apenso I):
· Documentos, de fls. 40 a 139 (Apenso I);
· Minutas e cópias de documentos, apreendidos no escritório da arguida Elsa Luís, de fls. 5 a 11 (Apenso II);
· Informações bancárias, talões, cópias de cheques, relativos à conta do arguido Jorge na “C.G.D.”, de fls. 3 a 23 (Apenso IV);
· Informações bancárias, cópias de cheques, relativos à conta do arguido Jorge no Banco “BIC”, de fls. 2 a 27 (Apenso V);
· Informações bancárias, talões, cópias de cheques relativamente à conta do arguido Jorge na “BES”, de fls. 1 a 66 (Apenso VI);
· Documentos apreendidos no escritório de Sandra Silva, de fls. 1 a 63 (Apenso VII);
· Documentação bancária de vários Bancos, cópias de cheques, fichas de assinaturas, informações, de fls. 1 a 129 (Apenso VIII); e
· Extractos de conta “Marinhobra, Lda.”, cópias de escrituras de compra e venda, cadernetas prediais, talão de depósito, listas objectos segurados, declarações, cópias de cheques, extracto de conta bancária, de fls. 22 a 91 (Apenso X)».
[14] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Pº 40/11.4TASRE.C1, datado de 22/5/2013: «I - Na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento, a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si. Efectivamente, a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas. II - De outro modo, seríamos conduzidos, a coberto de uma suposta “normalidade”, resultante da “experiência comum”, para um sistema de convenções apriorísticas, equivalente a uma espécie de prova tarifada, resultado que o legislador não quis e que a própria razão jurídica rejeita, pois equivaleria à definitiva condenação do princípio da livre apreciação da prova.”

[15] Em suma: «(…) A comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.
A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzidos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.
Por tais razões, entendemos que a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que ora se sindica, no sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos citados preceitos, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não impede uma defesa eficaz do arguido, não se mostrando, por essa razão, passível de censura jurídico-constitucional, por afetação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente por inobservância do princípio do contraditório».