Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1421/06.0TBAVR – H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CULPA
INABILITAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO - 1º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ALÍNEA B) DO N.º 2 DO ARTIGO 189.º DO CIRE E ARTIGO 26.º DA CRP
Sumário: 1) A falta de indicação dos concretos meios de prova constantes do processo que impunham decisão diversa da tomada pelo tribunal de 1.ª instância, nomeadamente, por referência aos depoimentos prestados, implica a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

2) A verificação, através dos correspondentes factos, das situações previstas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, determina a qualificação da insolvência como culposa, sem admissão de prova em contrário.

3) Já as situações do n.º 3 do mesmo artigo acarretam, tão-só, uma presunção “juris tantum” de culpa grave.

4) De qualquer forma, nestas hipóteses, a qualificação da insolvência como culposa depende da existência de um nexo de causalidade entre as situações previstas e a ocorrência da insolvência.

5) A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE é inconstitucional, por violação do direito à capacidade à capacidade civil, consagrado no artigo 26.º da CRP.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Relatório:

Por apenso à acção especial de declaração de insolvência intentada contra A... , vieram os requerentes da insolvência, B... e outros, defender, através da dedução do pertinente incidente, a qualificação da insolvência como culposa, alegando ter ficado provado na sentença que decretou a insolvência factualidade susceptível de integrar as hipóteses das alíneas h) do nº 2 e a) e b) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.
O administrador da insolvência juntou parecer, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 188º do CIRE, onde concluiu pela qualificação da insolvência como culposa, com culpa grave dos administradores da insolvente, C... e D... , por falta de observância da norma do art. 18.º, n.º 1, daquele diploma, articulada com as alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 186º e com a alínea h) do nº 2 do artigo 186º, ambos, igualmente, do mesmo ordenamento legal.
O ex.mo magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de estarem verificadas, pelo menos, as circunstâncias previstas na alínea h) do n.º 2 e nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 186º do CIRE, pelo que terá de se presumir a existência de culpa grave, com a consequente qualificação da insolvência como culposa.
Cumprido o n.º 5 do artigo 188º do CIRE, os requeridos C... e D... deduziram oposição, tanto por excepção, como por impugnação.
Excepcionando, alegaram a extemporaneidade do parecer sobre a qualificação da insolvência apresentado pelo administrador, por inobservância do prazo referido no n.º 2 do artigo 288º do CIRE, e a nulidade do despacho proferido a fls. 13, através do qual foi ordenada a notificação do mesmo administrador para apresentar o parecer sobre a qualificação da insolvência, por ter sido proferido quando já tinha decorrido o prazo para a apresentação, estabelecido no n.º 2 do artigo 188º do mesmo diploma, nulidade essa que acarreta a nulidade de todos os actos praticados ao seu abrigo, designadamente a junção dos pareceres do administrador e do Ministério Público.
Impugnando, sustentaram que a insolvência não poderá ser qualificada como culposa, por não haver obrigação legal, da sua parte, de requerer a declaração de insolvência, de terem sido cumpridas todas as obrigações de elaborar as contas anuais dentro do prazo, de a aprovação das contas e o depósito das mesmas na Conservatória do Registo Comercial só não ter ocorrido por circunstâncias estranhas à sua administração, e por ser infundamentado o apelo, constante do requerimento dos reclamantes e dos pareceres juntos, ao disposto na alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, uma vez que não foram alegados factos concretos e objectivos do condicionalismo ali previsto.                                             
No despachado saneador foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas.
A selecção da matéria de facto foi objecto de reclamação parcialmente atendida.
Realizado o julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que qualificou a insolvência de A... como culposa, declarou afectados pela qualificação os administradores da insolvente, C... e D..., decretou a inabilitação de ambos por um período de dois anos e declarou os mesmos inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de tempo idêntico.
Do assim decidido interpuseram recurso os requeridos (recebido como apelação, com subida imediata no apenso e efeito devolutivo), que apresentaram a sua alegação, rematada por 66 conclusões que são, na prática, a cópia daquela (desconhecerão, porventura, o significado do adjectivo “sintética”, utilizado no n.º 1 do artigo 690.º do CPC), mas que, facilmente, se podem resumir às nove seguintes:
1) A qualificação da insolvência como culposa teve como pressupostos a omissão do dever de requerer a declaração de insolvência, a violação da obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na Conservatória do Registo Comercial e o incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada, a manutenção de uma contabilidade fictícia ou dupla contabilidade e a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
2) Ora, os factos dados como provados nos pontos 9, 10, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 41, 42 e 43 infirmam a verificação dos requisitos da obrigação de requerer a insolvência.
3) Não ocorre, também, o incumprimento de elaborar as contas anuais e de as submeter à devida fiscalização, na medida em que os relatórios de gestão foram elaborados, as contas só não foram aprovadas, primeiro, por ter sido instaurada um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra a insolvente, e, depois, por terem cessado funções dois membros efectivos do conselho fiscal, e não é da responsabilidade da administração a inexistência de relatório do conselho fiscal.
4) Não se verifica, igualmente, a hipótese da alínea h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, porquanto o balanço da insolvente era o reflexo da realidade e do cumprimento das normas contabilísticas.
5) O Tribunal errou ao considerar somente provado, no ponto 27, que “estes projectos podem ter alguma importância como suporte técnico de reparações de navios”.
6) A matéria de facto do ponto 28 (“foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente uma vez que houve entrada daquele montante no caixa saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou”) deve ser considerada não provada, pois que não foi carreado um único facto susceptível de retirar tal presunção.
7) A insolvência tem de ser considerada fortuita, pelo que a decisão de inabilitação, bem como a de inibição do comércio têm de ser revogadas.
8) De todo o modo, a norma do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE foi declarada inconstitucional, o que obsta à manutenção da decisão de inabilitação.
9) A sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no n.º 1, no n.º 2, alínea h) e no n.º 3, alínea a), do artigo 186.º do CIRE, devendo, pois, ser substituída por outra que qualifique a insolvência como fortuita e revogue a afectação pela qualificação e, bem assim, a inabilitação e a inibição decretadas em relação aos requeridos.   
O MP contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
São as seguintes as questões a requerer solução:
a) A alteração da matéria de facto.
b) A qualificação da insolvência.
c) A inabilitação e a inibição para o comércio.
d) A inconstitucionalidade das normas que prevêem a inabilitação.


II. Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos:

            1. Os A..., eram uma sociedade anónima que se encontrava matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro sob o número 00209/19401031 (A).

2. E tinha por objecto social a indústria de construção e reparação navais, caldeiraria e construção civil e mecânica (B).

3. A acção de insolvência nº 1421/06.0, à qual este incidente se encontra apenso, foi instaurada por 27 trabalhadores dos A... (C).

4. Na referida acção de insolvência foi deduzida oposição pelos A..., devidamente representada pelos seus administradores, os ora oponentes C...e D... (D).

5. No início da audiência de julgamento foram considerados assentes, sem ter sido apresentada qualquer reclamação, (além de outros) os seguintes factos:

1.º – Os Requerentes (do processo de insolvência), sob as ordens, direcção e fiscalização da Requerida (ora Insolvente), sempre exerceram com zelo e assiduidade a respectiva actividade profissional, prestando serviço no estabelecimento industrial de construção e reparação naval que a Requerida possuía e explorava sito em S. Jacinto (C).
2.º – A Requerida não pagou aos seus trabalhadores diversos salários bem como outras retribuições que lhes eram devidas (alínea E).

3.º – Com base nas retribuições em atraso, por cartas registadas com aviso de recepção enviadas à Requerida a 04.08.03, 26.06.03, 26.06.03, 01.09.03, 08.09.03, 08.09.03, 27.03.03, 26.06.03, 13.07.03, 15.09.03, 15.05.03, 10.10.03, 09.02.04, 10.04.03, 15.07.03, 27.08.03, 01.09.03, 10.12.03, 03.04.03, 16.04.03, 01.07.03, 16.07.03, 11.04.03, 01.04.03, 12.08.03, 13.10.03 e 02.12.03 (e à semelhança do que sucedeu com a grande maioria dos trabalhadores da Requerida), os Requerentes suspenderam os respectivos contratos de trabalho nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 3º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, com efeitos, respectivamente, a partir de: a) 15 de Agosto de 2003, a 1ª Requerente; b) 10 de Julho de 2003, o 2º Requerente; c) 10 de Julho de 2003, o 3º Requerente; d) 12 de Setembro de 2003, o 4º Requerente; e) 19 de Setembro de 2003, o 5º Requerente; f) 19 de Setembro de 2003, o 6º Requerente; g) 7 de Abril de 2003, o 7º Requerente; h) 10 de Julho de 2003, o 8º Requerente; i) 4 de Agosto de 2003, o 9º Requerente; j) 26 de Setembro de 2003, o 10º Requerente; l) 25 de Maio de 2003, o 11º Requerente; m) 23 de Outubro de 2003, o 12º Requerente; n) 20 de Fevereiro de 2004, o 13º Requerente; o) 24 de Abril de 2003, o 14º Requerente; p) 28 de Julho de 2003, o 15º Requerente; q) 8 de Setembro de 2003, o 16º Requerente; r) 15 de Setembro de 2003, o 17º Requerente; s) 24 de Dezembro de 2003, o 18º Requerente; t) 14 de Abril de 2003, o 19º Requerente; u) 27 de Abril de 2003, o 20º Requerente; v) 10 de Julho de 2003, o 21º Requerente; x) 26 de Julho de 2003, o 22º Requerente; z) 24 de Abril de 2003, o 23º Requerente; aa) 15 de Abril de 2003, o 24º Requerente; bb) 22 de Agosto de 2003, o 25º Requerente; cc) 23 de Outubro de 2003, a 26º Requerente; dd) 13 de Dezembro de 2003, o 27º Requerente (F).
4.º – E intentaram no Tribunal de Trabalho de Aveiro as respectivas acções judiciais tendo em vista o reconhecimento dos respectivos direitos (alínea H).
5.º – No âmbito desses processos foram proferidas as respectivas sentenças, já transitadas em julgado, sendo que, por via delas, a Requerida foi condenada a pagar aos Requerentes, acrescidas de juros contados à taxa legal de 4%, devidos desde a data de vencimento das respectivas obrigações e até integral pagamento (...) a importância total de € 183.205,89 (alínea I).

6.º – A Requerida nada pagou aos Requerentes (alínea J).

7.º – Foi penhorada, no âmbito dos processos de execução fiscal números 0051199401004948 e nº 0051200401009982 e respectivos apensos que correm termos pelo 1º Serviço de Finanças de Aveiro, parte substancial do património da Requerida, designadamente: a) um batelão com 30 metros de cumprimento, 9,5 metros de largura, 1,5 metros de altura e 70 toneladas; b) uma ponte rolante, com capacidade de 10 toneladas, marca “Demag”; c) uma máquina de oxicorte, marca “Koike Sanso”, modelo IK.3000; d) uma máquina de oxicorte, marca “Koike Sanso”, modelo IK.1500; e) uma mandriladora, marca “Sverdlov-machine Bulding Association”, mod. 2622-B; f) um torno mecânico, marca “Small Apolo 25”; g) um torno mecânico “Clovin 28”; h) um torno mecânico, marca “SD-1768”; i) uma serra de fita, marca “Mida-SF”; j) uma tupia, marca “Pinheiro”; k) uma garlopa, marca “Mida-G5”; l) uma ponte rolante, com a capacidade para 3 toneladas, marca “Demag”; m) uma guilhotina, marca “Adira”, tipo OHV-1640-8082277, de 1979; n) uma quinadeira, marca “Adira”; o) uma prensa de 60 toneladas; p) uma grua, marca “Petrel”, mod. SWI, de 1,5 toneladas e 6,5 metros; q)uma grua, marca “Petrel”, de 2,5 toneladas e 8,30 metros; r) uma grua, marca “Petrel”, de duas toneladas e 8,5 metros; s)um barco pesqueiro, NORDICO, em construção, com 26 metros de comprimento, com casa das máquinas com as tubagens e bombas, caixa redutora, túnel de impulso de ré com hélice, linha de veios com quatro pás à ré, com convés inferior e superior; t) uma grua “Wolfe” de carris, com cerca de 25 metros de lança; u) um guindaste de quatro rodas de carris com motor nº 3; v)um bloco com três compartimentos mais três em ferro; w) um guindaste petrel, mod. 8183, série 990802, com cinco conjuntos de acessórios; x) um guincho de barco para envolver rede; y) um lote de chapas diversas de alumínio, tubos de aço inox, cantoneiras em alumínio, tubos, chapas inox, mais uma chapa já soldada; z) todo o material existente no armazém Norte, designadamente o sistema de frio e isolamento, cinco bombas de água, sete caixotes de contraplacado em lã de vidro, um guincho e outro material; aa) uma prensa sem marca; bb) uma grua; cc) uma calandra, marca “Bakker-260”; dd) uma serra de fila, marca “Mida-SF9”; ee) uma máquina de soldar serras, marca “Mida-S9”; ff) uma tupia; gg) uma plaina; hh) uma fresadora, marca “MF-C2, Mida 66”; ii) uma desengonçadeira G4, marca “Mida”; jj) uma plaina 62, marca “J-Insereos”; kk) um torno de 6 metros, marca “Smol-TA 25”; ll) um torno de 3 metros, marca “Smol-TA 25”; mm) um torno de 2 metros, marca “Smol-TA 25”; nn) um torno de 2,5 metros, marca “Smol-TA 25”; oo) um torno, marca “ossis-Porta”; pp) um limador, marca “Ramos & Irmão-30”; qq) uma radial de furar, marca “Romar-22”; rr) uma serra eléctrica, marca “Muiz”; ss) uma prensa de 200 toneladas, marca “Beker”; tt) uma quinadeira, marca “Colly”; uu) uma guilhotina, marca “Haco”; vv) uma máquina de cortar perfis, marca “Pedoinchaus”; ww) uma grua auto; xx) uma ponte rolante, marca “&Ton-Tegopi”, com todos os acessórios; yy) um lote composto por dois compressores, marca “Hyoro” Van-170”, rotativos, um moto-compressor com reservatório, marca “LD720-1438”, um compressor eléctrico e um torno para veios (alínea L).

8.º – Estes bens foram vendidos e adjudicados antes da entrada em juízo da acção de insolvência (alínea M).

9.º – O passivo da Requerida, sem contar com os créditos dos trabalhadores, ascendia em Março de 2002 a € 21.861.780,00 (alínea N).

10.º – A Requerida foi objecto de um Processo Especial de Recuperação de Empresa que correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal sob o nº 661/2001 (alínea O).

11.º – No âmbito desse processo foi aprovada, como medida de recuperação da empresa, a gestão controlada pelo prazo de dois anos (alínea P).

12.º – Tendo sido igualmente aprovado um plano de pagamento aos credores que consistia, em relação aos credores privilegiados Segurança Social, Fazenda Nacional, Fundo de Garantia Salarial e Fundo de Acidentes de Trabalho, no pagamento das respectivas dívidas em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, a iniciar após a sentença homologatória da aprovação da medida, e, em relação à Caixa Geral de Depósitos e aos Credores Comuns, no pagamento das respectivas dívidas em prestações trimestrais, iguais e sucessivas, com início de liquidação na data de 7 de Março de 2005 (alínea Q).

13º – A medida de gestão controlada cessou em 12 de Junho de 2005 (alínea R).

6. Por sentença proferida a 26/05/2006, transitada em julgado, foi declarada a insolvência dos A... (F).

7. Os oponentes D... e C... foram nomeados administradores dos A... no âmbito do Processo de Recuperação de Empresas nº 661/01, do 3º Juízo Cível referido em E) – 10 (G).

8. As suas funções estavam definidas para o cumprimento do Plano de Recuperação de Empresas com gestão controlada, homologado por sentença judicial, transitada em julgado (H).

9. E... , instaurou uma acção ordinária, que corre termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal sob o nº 2931/04.0TBAVR, contra os A... e na qual requerem a condenação dos A...: a) a ver reconhecido o direito de propriedade da ali autora sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº 00302/061294 da freguesia de São Jacinto, e onde se encontravam instalados os A...; b) a restituir à autora o identificado prédio; c) a pagar à autora, a título de indemnização pela ocupação do prédio, desde a propositura da acção e até à restituição, o valor mínimo de € 5.000,00 mensais (I).

10. Os Oponentes, em nome dos A..., contestaram esta acção e deduziram pedido reconvencional a reivindicar a posse e propriedade do referido terreno, para efeitos da sua aquisição por usucapião – fls. 307/322 do processo de insolvência (J).

11. Os relatórios de gestão dos anos 2002, 2003, 2004 e 2005, que incluem o Balanço, a Demonstração de Resultados e os respectivos anexos foram elaborados e entregues ao Senhor Administrador sem serem acompanhados pelo relatório do conselho fiscal nem pelo documento da certificação legal das contas de elaboração obrigatória pelo revisor oficial de contas (L).

12. As últimas contas aprovadas em reunião de Assembleia-Geral dos A... reportam-se a 2002, não tendo as contas dos exercícios de 2003, 2004 e 2005 sido submetidas à discussão e aprovação em Assembleia-Geral (M).

13. Foi convocada, a 08/09/2005, uma Assembleia-Geral dos A..., com dois pontos de ordem de trabalho, sendo um deles, analisar, discutir e deliberar sobre a actual situação da administração e de fiscalização da sociedade (N).

14. A reunião realizou-se a 17 de Outubro de 2005 (O).

15. Q... , instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, que correu termos no 1.º Juízo Cível deste Tribunal, com o nº 5832/05.0TBAVR-A, no qual requeria fossem declaradas suspensas as execuções das deliberações tomadas na Assembleia-Geral da ora Insolvente, de 17/10/2005, designadamente aquela que elege um novo Conselho de Administração, um novo Conselho Fiscal e uma nova mesa da Assembleia-Geral (P).

16. Esta providência cautelar foi julgada improcedente por decisão proferida a 17/03/2006, transitada em julgado (Q).

17. Durante o período em que esteve em vigor a providência de recuperação de gestão controlada, os A..., em vez de criarem mercado, viram a sua actividade resumir-se ao desmantelamento de barcos e a algumas pequenas reparações de barcos (1º).

18. O que originou problemas de pagamentos (2º).

19. E a consequente desconfiança por parte de habituais e potenciais clientes na capacidade de os A...conseguirem honrar compromissos de construção de novas embarcações (3º).

20. Os A...ficaram, por dívidas, sem as máquinas e outros equipamentos de produção e ferramentas que tinham valor económico de alguma relevância (4º).

21. E sem capacidade financeira para compra de matérias-primas (5º).

22. O balanço da insolvente, reportado ao ano de 2005, não reflectia a sua situação patrimonial (6º).

23. O esquema de pagamento geral da proposta aprovada no processo de recuperação de empresa referido em E)-10, 11 e 13 previa (além do mais) a reformulação da dívida mediante a redução de 60% dos créditos comuns e a isenção de juros vencidos e vincendos a abranger todos os credores comuns (7º).

24. Pelo que o passivo foi reduzido para 9.414.783.76 (8º).

25. O valor total do passivo era, à data da insolvência, superior a € 9.414.783,76 (10º).

26. O activo imobilizado incorpóreo dos A... era constituído por um conjunto de projectos de construção naval, património dos A...(12º).

27. Estes projectos podem ter alguma importância como suporte técnico de reparações de navios (13º).

28. Foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente, uma vez que houve entrada daquele montante no caixa e saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou (14º e 15º).

29. Foi celebrado um “acordo de parceria” entre os A...e F... nos termos do qual a F...se comprometia a colocar nos A...algumas obras que tivesse em carteira, e a fornecer todos os materiais e equipamentos necessários às obras (17º).

30. No âmbito do acordo referido no quesito 17.º) foram celebrado entre a F...e os A...contratos de subempreitada para:

a) Construção e montagem de pontões da Marina de Cascais com um encaixe financeiro de € 30,000,00;

b) Reparação dos pontões flutuantes do terminal de passageiros de S. Jacinto e do Forte da Barra;

c) Trabalhos e caldeiraria e soldadura num navio (Contrato n.º 215) (18º).

31. Foram também estabelecidas negociações com os G... para trabalhos de subempreitada (19º).

32. Em Abril de 2004, os A...tinham apenas quatro trabalhadores (23º).

33. Que exerciam a função de desmantelamento de navios (24º).

34. Em Junho de 2004 existiam treze trabalhadores (25º).

35. Foram efectuados vários contactos com o Reino de Marrocos, após conhecimento de que era sua pretensão criar uma frota pesqueira (27º).

36. E foram assinados os seguintes contratos:

a) A 08/11/2002, entre os A...e a H... , empresa marroquina, (contrato n.º 223), para construção de um navio em aço, no valor de € 3.489.000,00;

b) A 02/04/2003, entre os A...e a empresa marroquina I... , (contrato n.º 235), para construção de um navio no valor de € 2.125.000,00;

c) A 10/12/2002, entre os A...e a empresa marroquina, J... , para construção de navio, no valor de 12.000.00,00 de Dihrams;

d)A 02/03/2003, entre os A...e a empresa marroquina L... , para construção de um navio, (contrato n.º 238), no valor de € 2.125.000,00;

e) A 07/10/2003, entre os A...e a empresa marroquina M... , (contrato n.º 222), para construção de um navio, no valor de € 1.940.000,00 (28º).

37. Os Oponentes propuseram a criação de um fundo internacional para renovação da frota de pesca de Marrocos, em que os barcos seriam construídos nos A..., financiados pelos recursos do governo português, norueguês e de uma instituição financeira internacional (29º).

38. Os A..., através dos oponentes, entraram em contacto com o ICEP, com o governo marroquino e com uma empresa financeira internacional, a N... , com o objectivo de concretização do Fundo Internacional (30º).

39. O projecto encontrava-se no ICEP aguardando aprovação quando os A... foram declarados insolventes (31º).

40. Após ter cessado a suspensão dos processos de execução existentes contra os A..., à data do processo de recuperação de empresa referido em E)-10, parte dos credores vieram reclamar o pagamento do valor em dívida nessas execuções, por os A...não terem pago as prestações que se iam vencendo de acordo com o estabelecido no plano de pagamento aos credores (33º).

41. Os credores exigiam os valores iniciais da dívida (34º).

42. A ora Insolvente embargou as respectivas execuções (35º).

43. A ora Insolvente procedeu ao pagamento de parte da dívida à Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 3.750.000,00 (37º).

44. Dois dos membros efectivos do conselho fiscal – o ROC e a empresa O... , cessaram as suas funções (39º).

45. O Dr. P... , representante da O..., comunicou, por carta, que cessaria as suas funções (42º).

46. A interposição da providência cautelar referida em P) inviabilizou a tomada de posse dos órgãos sociais em Outubro de 2005 (44º).

47. Só após a decisão judicial referente à providência cautelar é que foi possível convocar uma Assembleia-Geral a realizar no dia 4 de Maio de 2006 (45º).

48. Nesta Assembleia-Geral foram aprovadas todas as contas referentes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 (46º).

49. A acta não foi transcrita no livro por, entretanto, ter sido decretada a insolvência da sociedade, e o mesmo ter sido entregue nos termos da lei ao senhor Administrador, encontrando-se na sua posse, tal como o Livro de Presenças (47º).

50. Toda a documentação solicitada pelo Administrador de Insolvência e por ordem do tribunal foi prontamente entregue e dentro dos prazos estabelecidos (50º).

51. Sempre existiu colaboração entre os Oponentes e o Administrador de Insolvência (51º).

52. Foram sempre dadas todas as informações solicitadas na inúmera correspondência trocada (52º).

53. A documentação foi entregue em duas fases, tendo a última entrega ocorrido a dia 7 de Agosto de 2006 por haver dificuldade em acondicionar toda a documentação (54º).

III. O direito

a) A alteração da matéria de facto:

É muito difícil perceber o que pretendem os recorrentes, neste segmento, porque a sua alegação é, por um lado, obscura e, por outro, inconclusiva.

Declaradamente, são dois os focos da discordância: os pontos 27 e 28 da matéria de facto dada por provada na sentença, que teriam sido mal julgados, o primeiro por defeito (na expressão dos recorrentes “não decidiu bem o tribunal a quo ao considerar somente como provado que os referidos projectos podem ter alguma importância como suporte técnico de reparações de navios”) e o segundo por excesso (o facto deveria, em sua opinião, ter sido ignorado, por falta de prova).

A questão é que a divergência parece ser mais extensa, abrangendo, também, o ponto 22, uma vez que os recorrentes acabam por concluir que “o balanço da insolvente reportado ao ano de 2005 era o reflexo da realidade e do cumprimento das normas contabilísticas”, quando naquele número se diz precisamente o contrário, ou seja, que “o balanço da insolvente reportado ao ano de 2005 não reflectia a sua situação patrimonial”.

O ponto 22 dos factos assentes emerge do artigo 6.º da base instrutória (“o balanço da insolvente reportado ao ano de 2005 não reflectia a sua situação patrimonial?”, que recebeu a resposta “provado”.

O ponto 27 entronca no artigo 13.º da mesma base (“estes projectos são fundamentais como suporte técnico de reparações, ou inovações técnicas de navios?”), a que o tribunal respondeu pela forma que a matéria comprovada documenta: “provado, apenas, que estes projectos podem ter alguma importância como suporte técnico de reparação de navios”.

O ponto 28, finalmente, advém dos quesitos 14.º (“foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00?”) e 15.º (esse aumento de capital foi fictício?”), que receberam esta resposta conjunta: “provado, apenas, que foi efectuado um aumento do capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente, uma vez que houve entrada daquele montante no caixa e saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou”.

Como se sabe, a decisão de facto só pode ser alterada pela Relação em três hipóteses: 1) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida, 2) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; 3) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (artigo 712.º, n.º 1, na redacção anterior à introduzida pelo DL 303/07, de 24 de Agosto, que é a aqui aplicável).

Em qualquer caso, a impugnação da matéria de facto passa, obrigatoriamente, pela especificação, sob pena de rejeição, dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e dos meios probatórios que impunham decisão diversa, sendo que, quando se invocarem meios de prova gravados, cumpre indicar os depoimentos, por referência ao assinalado na acta, com indicação precisa e separada dos mesmos (artigos 690.º-A, n.ºs 1 e 2, e 522.º-C, ambos do CPC).

Há que dizer, em primeiro lugar, que a metodologia utilizada pelos recorrentes, ao partirem da matéria de facto incorporada na sentença, não terá sido a mais adequada; em boa técnica processual, o ataque deveria ser dirigido às respostas dadas aos artigos da base instrutória, que não à sentença em si.

Mas, abstraindo disso, o certo é que não cumpriram com as exigências legais de que depende a impugnação da matéria de facto, uma vez que não especificaram os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1 do referido artigo 690.º-A).

Quanto aos pontos 22 (cuja alteração, de resto, não foi expressamente requerida) e 27, limitaram-se a citar Normas Internacionais de Contabilidade sobre a definição de activos, que nada têm a ver com matéria de facto; o que importava era infirmar a fundamentação utilizada pelo Tribunal recorrido, através da indicação de provas que apontassem, e com superior grau de verosimilhança, para sentido oposto ao decidido, e não dissertar sobre conceitos.

Acresce, relativamente ao ponto 27, que nem sequer esclarecem o que, no seu entender, deveria ter sido considerado provado; disseram que o Tribunal não decidiu bem ao considerar somente os factos ali elencados, mas não se deram a trabalho de dizer o que é que se provou a mais do que isso.

No que tange ao ponto 28, a situação é muito idêntica, pois que os recorrentes não indicaram a prova em que se baseiam para contrariar a utilizada na fundamentação das respostas aos quesitos 14.º e 15.º. Na sua versão, o tribunal retirou uma ilação “sem que houvesse prova testemunhal ou documental” e por aí se quedaram. Os meios que impunham decisão de sentido inverso foram completamente ignorados.

Desrespeitado o ónus de especificação da prova necessária à reapreciação da matéria de facto, terá o recurso de ser rejeitado, nesta parte, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 690.º-A do CPC.

Não obstante, a matéria constante do ponto 28 – “foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente uma vez que houve entrada daquele montante no caixa e saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou” – não pode manter-se, mas por razão diversa da sustentada pelos recorrentes.

Tal matéria resultou, como acima se disse, da resposta conjunta aos artigos 14.º e 15.º da base instrutória, assim redigidos, respectivamente: “foi efectuado aumento de capital no valor de € 797.594,00?” e “esse aumento de capital foi fictício?”.

Ora, a verdade é que o quesito 15.º nem sequer deveria ter sido formulado, por ser de natureza conclusiva (não contém factos concretos, mas um mero juízo de valor); mas tendo-o sido, mandavam as boas práticas que o julgador se abstivesse de lhe responder. Como tal não sucedeu, não resta alternativa a este Tribunal que não seja a de declarar não escrita a resposta, ao abrigo do disposto no artigo 646.º, n.º 4, do CPC.

Eliminada a resposta ao quesito 15.º, subsistirá, tão só, a matéria de facto correspondente ao quesito 14.º, pelo que o ponto 28.º dos factos assentes passará a ser do seguinte teor: “foi efectuado um aumento um aumento de capital no valor de € 797.594,00”.

b) A qualificação da insolvência

Na sentença recorrida qualificou-se a insolvência de A... como culposa, com fundamento na verificação do circunstancialismo da alínea h) do n.º 2 e das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), diploma de que serão os demais preceitos s citar sem indicação de origem.

A posição dos apelantes é a de que a matéria de facto provada não permite tirar as ilações acolhidas na decisão.

Vejamos se assim é.

O artigo 185.º limita a qualificação da insolvência a duas formas: a culposa e a fortuita.

O artigo 186.º, por sua vez, para além de definir o conceito de insolvência culposa – diz o n.º 1 que “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” –, estabelece um conjunto de factos típicos que conduzem, seja à consideração da insolvência como culposa (n.º 2), seja à presunção de culpa grave dos administradores do devedor que não seja uma pessoa singular (n.º 3).

O n.º 2 estabelece, em termos objectivos (desde que comprovados os factos integrantes de cada uma das suas alíneas), uma presunção “juris et de jure” de insolvência culposa; o n.º 3 consagra, tão-só, uma presunção “juris tantum” de culpa grave dos administradores (cfr., neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, volume II, página 14, e Menezes Leitão, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, página 175).

Num caso (o do n.º 2), a verificação dos factos implica necessariamente a qualificação da insolvência como culposa; no outro (o do n.º 3), faz, apenas, presumir a culpa grave dos administradores, que podem ilidi-la através de prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do CC).    

Mas, ainda que provada a culpa grave (nos casos do n.º 3, é claro), daí não deriva, sem mais, a qualificação da insolvência como culposa; para tanto, é necessário que se demonstre a existência de um nexo de causalidade entre a conduta incumpridora dos administradores e a situação de falência (vide, exemplificativamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.06.2006, CJ, Ano XXXI, Tomo III, página 288, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.10.2007, CJ, Ano XXXII, Tomo IV, página 189).

Posto isto, voltemos ao caso que nos ocupa, analisando os fundamentos da qualificação da insolvência como culposa e a argumentação oposta pelos recorrentes, começando pela hipótese a que alude a alínea h) do n.º 2 do artigo 186.º.

Diz-se na sentença que se configura a situação ali delineada, por se ter provado que “o balanço da insolvente, reportado ao ano de 2005, não reflectia a sua situação patrimonial” e que “foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente, uma vez que houve entrada daquele montante no caixa e saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou”.

A posição dos apelantes é a de que a matéria de facto em questão não corresponde à realidade das coisas, por ter sido mal julgada; em seu entender, não se provou que o balanço reportado ao ano de 2005 não reflectisse a situação patrimonial da insolvente (o contrário é que se teria provado), nem que tivesse havido um aumento fictício do capital, pelo que não poderia ter sido dado por verificado o condicionalismo do mencionado normativo.  

Rigorosamente, não discordam do direito, enquanto aplicado aos factos dados por assentes; o que não aceitam são os factos a que o direito foi aplicado.

É evidente que esta via lhes não permite alcançar os seus objectivos, no que tange ao primeiro segmento dos factos – “o balanço da insolvente, reportado ao ano de 2005, não reflectia a sua situação patrimonial” –, uma vez que o recurso da decisão de facto foi rejeitado, por incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 690.º-A do CPC.

Inadmissível a alteração da matéria de facto fixada em primeira instância e não tendo sido questionada a subsunção jurídica efectuada à sombra da mesma, parece claro que o recurso está, neste segmento, votado ao insucesso.

De qualquer jeito, sempre se dirá que aquela factualidade dá cobertura à alínea h) do n.º 1 do artigo 186.º, que considera culposa a insolvência sempre que os administradores da insolvente tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.

O balanço anual, obrigatório para os comerciantes, conforme preceitua o artigo 62.º do Código Comercial, destina-se, essencialmente, a dar conta da situação económica e financeira das empresas, não só aos administradores e aos sócios, mas, também, a outros eventuais interessados (credores e candidatos à participação na vida da empresa, por exemplo). O balanço tem, por isso, de ser um documento claro, exacto, verdadeiro e rigoroso. 

O que, naturalmente, não sucede quando, como ficou assente, o mesmo não reflecte a situação patrimonial da empresa. Certo que a matéria em causa padece de alguma falta de concretização, por não explicitar os termos da divergência (o que é que no balanço estava errado em relação à verdadeira situação patrimonial dos A...); mas deixa perceber, pelo menos, a existência de erros nos movimentos efectuados no balanço, com a consequente deturpação dos resultados do exercício e, inevitavelmente, da situação económica global da empresa.

Tenda o balanço apresentar a situação melhor ou pior do que, na realidade, o é, será sempre a verdade que está em causa, havendo, consequentemente, prejuízo para todos quantos estão interessados e têm o direito de conhecer o estado de saúde económico-financeiro da empresa.

E a criação de uma situação patrimonial ilusória não pode deixar de cair na previsão da alínea h) do n.º 1 do artigo 186.º.

Já a questão do aumento de capital não poderá ser atendida para efeitos de verificação do circunstancialismo da mesma alínea, dada a alteração oficiosa do ponto 28 dos factos provados; com efeito, a matéria que sobra – “foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00” – é completamente inócua para assacar aos recorrentes qualquer prática contabilística lesiva da compreensão da situação económica e financeira da insolvente.

A questão acaba, todavia, por não ter relevo prático, por sobrar matéria passível de corporizar a aludida alínea.

O segundo fundamento da qualificação assentou na previsão da alínea a) do n.º 3 do mesmo preceito, que presume a existência de culpa grave dos administradores do devedor que tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência.
No essencial, considerou-se na sentença que os factos dados por provados – “a) os A...foram objecto de um Processo Especial de Recuperação de Empresa no âmbito do qual foi aprovada, como medida de recuperação da empresa, a gestão controlada pelo prazo de dois anos, tendo sido igualmente aprovado um plano de pagamento aos credores que consistia, em relação aos credores privilegiados Segurança Social, Fazenda Nacional, Fundo de Garantia Salarial e Fundo de Acidentes de Trabalho, no pagamento das respectivas dívidas em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, a iniciar após a sentença homologatória da aprovação da medida, e, em relação à Caixa Geral de Depósitos e aos Credores Comuns, no pagamento das respectivas dívidas em prestações trimestrais, iguais e sucessivas, com início de liquidação na data de 7 de Março de 2005; b) os Oponentes D... e C... foram nomeados administradores dos A...no âmbito do Processo de Recuperação de Empresas; c) a medida de gestão controlada cessou a 12 de Junho de 2005, d) os A...não cumpriram o plano de pagamento aos credores, tendo pago, apenas, parte da dívida à Caixa Geral de Depósitos; e) foi, posteriormente, penhorada e vendida, no âmbito de processos de execução fiscal, parte substancial do património dos A..., que ficaram sem as máquinas e outros equipamentos de produção e ferramentas que tinham valor económico de alguma relevância e sem capacidade financeira para compra de matérias-primas; f) durante o período em que esteve em vigor a providência de recuperação de gestão controlada, os A... viram a sua actividade resumir-se ao desmantelamento de barcos e a algumas pequenas reparações de barcos, o que originou problemas de pagamentos, e a consequente desconfiança por parte de habituais e potenciais clientes na capacidade de os A...conseguirem honrar compromissos de construção de novas embarcações; g) em Abril de 2004, os A...tinham apenas quatro trabalhadores, que exerciam a função de desmantelamento de navios; h) em Junho de 2004 existiam nos A...treze trabalhadores” – não poderiam levar a outra conclusão que não fosse a de que a devedora se encontrava impossibilitada de cumprir a suas obrigações vencidas, mormente perante a Fazenda Nacional e os trabalhadores, uma vez que a sua actividade se resumia ao desmantelamento de barcos e a algumas pequenas reparações, pelo que sobre ela impendia a obrigação de se apresentar à insolvência.
A perspectiva dos apelantes é a de que agiram com normal diligência, pois que, conforme a matéria de facto provada, celebraram contratos com o Reino de Marrocos para criação de uma frota pesqueira, propuseram a criação de um fundo internacional para a renovação da mesma frota, em que os barcos seriam construídos nos A..., estabeleceram contactos com o ICEP, com o governo marroquino e com uma empresa financeira internacional, com vista à concretização de tal fundo, contestaram e deduziram reconvenção em acção de reivindicação de imóvel movida aos A..., efectuaram um acordo de parceria com uma empresa para a construção de pontões e realização de outras obras, encetaram negociações com os G... para a realização de trabalhos de subempreitada e proporcionaram actividade e emprego; por outro lado, a devedora sofreu constrangimentos derivados de os credores reclamarem a totalidade das dívidas que, no processo de recuperação de empresas, tinham ficado reduzidas a 60%, para além de que o seu activo imobilizado incorpóreo, constituído por um conjunto de projectos de construção naval, era valioso como suporte técnico de construção de navios.
Perante tal enquadramento, não se verificava, dizem, o dever de requerer a declaração de insolvência, em primeiro lugar, porque os contratos celebrados não eram uma mera expectativa, considerando que os navios ali abarcados se encontram a construir na Lisnave, em segundo lugar, porque, se não fosse a declaração de insolvência, havia a expectativa jurídica de recuperação do terreno onde foi deduzida reconvenção e, em terceiro lugar, porque, de acordo com o último balanço, a empresa não era insolvente.    
Será assim?
Conforme o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
Dispõe, por sua vez, o n.º 1 do artigo 3.º que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Acrescenta, finalmente, o n.º 3 do referido artigo 18.º que quando o devedor seja titular de uma empresa, se presume de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de alguns dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º (dívidas tributárias, contribuições e quotizações para a segurança social e créditos dos trabalhadores, entre outras).
Vista a matéria de facto provada, parece não haver dúvidas de que a devedora se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas – logo, em situação de insolvência – muito antes de ter sido requerida a declaração de insolvência pelos trabalhadores.
Como, e bem, se diz na sentença recorrida, os A...nada liquidaram à Fazenda Nacional, à Segurança Social ou aos trabalhadores na sequência do plano de pagamento acordado com os credores no processo de recuperação de empresa; mas, mais do que isso, não tinham possibilidades de o cumprir, porque a sua actividade se confinou ao desmantelamento de barcos e a pequenas reparações e o número de trabalhadores ao seu serviço era muito diminuto: em Abril de 2004 eram quatro e, dois meses depois, treze.
Só que não ficaram por aqui as vicissitudes do processo; exactamente, porque as dívidas não foram liquidadas, parte dos credores apressou-se a dar andamento às execuções, que haviam estado suspensas, no seguimento do que foram penhorados e vendidos os equipamentos de produção (máquinas e ferramentas) da devedora, o que, logicamente, lhe retirou o essencial da sua capacidade de produzir e de gerar receitas. 
Incumpridas as obrigações, designadamente em relação ao fisco, à segurança social e aos trabalhadores, sem capacidade financeira para a aquisição de matérias primas (tanto assim, que, na parceria celebrada com MPG, era esta que tinha de fornecer todos os materiais e equipamentos), e sem outros meios de produção que não fosse a mão de obra (e pouca), era evidente o estado de insolvência dos A....
Os argumentos esgrimidos pelos oponentes de pouco (ou nada) valem, em face da complexidade da situação.
Os contratos celebrados com vista à construção de navios para o Reino de Marrocos (ponto 36 da matéria de facto) não chegaram, perdoe-se a expressão, a sair do papel. Certo que a execução estava dependente da criação de um fundo internacional, envolvendo os governos português e norueguês e uma instituição financeira internacional, e que o projecto estava no ICEP quando foi declarada a insolvência. A questão, porém, é que os contratos tinham sido assinados em 2002 e em 2003 e, três a quatro anos volvidos, nada de útil tinha sido conseguido; e, nessa altura, já só muito dificilmente o seria, dado o estado de quase paralisia da empresa, sem dinheiro, sem capacidade de financiamento, sem meios materiais de produção e sem trabalhadores (pelo menos, em número que desse para criar receita de algum relevo); terá sido, muito provavelmente, a crise de confiança (cfr. os pontos 17 a 19 da matéria de facto) que reteve o projecto no ICEP, sem solução à vista. É interessante, de resto, que os oponentes refiram, nas suas alegações, que tais contratos não eram uma mera expectativa, porquanto os navios para a frota pesqueira de Marrocos se encontram a ser construídos na Lisnave; é que, a ser verdade que os navios estão a ser construídos na Lisnave, isso só confirma que o arrastamento do negócio teve a ver com a falta de confiança na capacidade dos A.... A Lisnave tem meios – humanos e materiais – e solvabilidade que os A... não possuíam.
Não se vê, por outro lado, que mais valia possa haver no argumento retirado da contestação e reconvenção da acção de reivindicação proposta por Vouguimóveis, uma vez que a acção tanto poderia ser ganha como perdida; mas, ainda que viesse a ser ganha, não se pode afirmar, sem mais, que seria isso a revitalizar os A...; em primeiro lugar, porque se desconhece se a eventual venda ou hipoteca do terreno em questão geraria o dinheiro necessário ao recomeço da actividade de construção de navios; depois, porque poderiam passar muitos anos até a acção estar definitivamente decidida.
A ideia, finalmente, de que o valor do imobilizado incorpóreo (projectos de construção naval) daria uma dimensão elevada ao activo da devedora, vai, em absoluto, contra o que se acha consignado em sede de matéria de facto; para além de tal valor ser muito relativo (cfr. o ponto 27), não era a existência de projectos de construção naval que poria a funcionar uma empresa sem dinheiro e sem capacidade produtiva.
Repetindo o que acima se disse, os A...estavam em estado de insolvência, o que não poderia deixar de ser absolutamente evidente, a partir da cessação da gestão controlada, altura em que nenhum pagamento fora feito à Fazenda Nacional, à segurança social e aos trabalhadores, quando o mesmo se deveria ter iniciado em meados de 2003; os desenvolvimentos posteriores só vieram a confirmar a situação, com a falta de pagamento aos restantes credores (só Caixa Geral de Depósitos logrou receber uma pequena fatia da dívida), a incapacidade de aquisição de matérias primas, a perda dos meios de produção e a redução dos postos de trabalho.
O que quer dizer que a devedora se deveria ter apresentado à insolvência muito antes da altura em que foi requerida pelos trabalhadores.
Mas será que o incumprimento do dever de apresentação à insolvência agravou o estado de insolvência? Como se disse antes, as circunstâncias da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º fazem presumir a culpa grave dos administradores, mas só permitirão configurar a insolvência como culposa, se existir nexo de causalidade entre elas e o estado de insolvência. É sabido que quanto mais se prolonga uma situação artificial, mais difícil ela se torna. Uma empresa sem vida produtiva e económica, como sucedia com os A..., não gera receitas, só acumula dívidas; e a acumulação de dívidas agrava, inevitavelmente, o estado de insolvência.
E é isso, na realidade, o que os autos documentam. Bastará ver que a falta de pagamento atempado aos credores comuns, cujos créditos tinham sido reduzidos em 60%, levou, não só ao seu vencimento imediato e pela totalidade, mas, também, ao accionamento executivo, com a consequente penhora e venda dos equipamentos necessários à actividade produtiva. Se a devedora se tivesse apresentado à insolvência no termo da gestão controlada, quando era evidente a impossibilidade de pagar à Fazenda Nacional, à segurança social e aos trabalhadores, não se teria chegado a tal extremo. O incumprimento do dever proclamado no n.º do artigo 18.º foi, pois, consequência directa e necessária do agravamento do estado de insolvência.
Daí que se configura em pleno a hipótese a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º e que a insolvência haja de ser considerada, também, por esta via, culposa, como se decidiu na sentença apelada.  

Resta a apreciação do último fundamento, ou seja, o que deriva da alínea b) do n.º 3: a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, e de as submeter à devida fiscalização.
A sentença considerou verificada hipótese do normativo, por resultar da matéria de facto assente que as contas dos anos de 2003 a 2005 só foram aprovadas na Assembleia-Geral de 04.05.2006 e que os relatórios de gestão dos anos de 2002 a 2005, que incluem o balanço, a demonstração de resultados e os respectivos anexos, foram elaborados e entregues ao administrador sem serem acompanhados pelo relatório do Conselho Fiscal nem pelo documento da certificação legal das contas de elaboração obrigatória pelo revisor oficial de contas.
Na tese dos oponentes, não ocorreria o incumprimento de apresentação das contas, porque estas teriam sido, de facto, elaboradas; o que sucedeu é que não foram aprovadas em Assembleia-Geral, por razões alheias à sua vontade; de resto, não era da sua responsabilidade a inexistência de conselho Fiscal, nem a falta de documento de certificação legal das contas.
E, em termos factuais, assiste-lhes a razão. O que está assente é que as contas dos anos de 2003 a 2005 só foram aprovadas em AG realizada em 04.05.06 (e não que não foram elaboradas) e que os relatórios de gestão dos anos de 2002 a 2005 foram entregues ao administrador sem o relatório do Conselho Fiscal e sem a certificação do ROC. Está provado, também, que houve problemas com o Conselho Fiscal (alguns membros declararam cessar funções) e com a tomada de posse de órgãos sociais eleitos, devido à propositura de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social.
Mas, se é verdade que a falta dos órgãos sociais lhes não é imputável, não o é menos que, estando pendente o processo de recuperação de empresa, se lhes impunha que levassem o assunto ao conhecimento do Tribunal, o que arredaria, evidentemente, as suas responsabilidades na falta de submissão das contas à fiscalização.
O caso, contudo, é que não há que tirar daqui as consequências que foram acolhidas na sentença, por não ser possível estabelecer um nexo de ligação causal entre a omissão de submissão das contas à fiscalização e a insolvência ou o agravamento da insolvência.
Para além de as contas terem sido aprovadas posteriormente, o que parece demonstrar a sua regularidade, não foi dado por assente (nem, sequer, alegado) qualquer facto de onde seja possível inferir que, se a fiscalização tivesse ocorrido mais cedo, a insolvência não ocorreria ou não se teria agravado.
Nesta medida, portanto, haverá o recurso de proceder, embora tal não tenha reflexo algum na solução final.

c) A inabilitação e a inibição para o comércio

A questão foi colocada para a hipótese, apenas, de proceder o recurso quanto à qualificação da insolvência; em tal caso, ou seja, a ser a insolvência declarada fortuita, é evidente que não poderiam ser decretadas a inabilitação e a inibição do comércio, que só são aplicáveis à insolvência culposa, como se vê do n.º 2 do artigo 189.º.
A improcedência do recurso quanto à qualificação da insolvência afasta, por inútil, a questão suscitada (sem embargo de a decretação da inabilitação dever ser reapreciada, por via da alegação da inconstitucionalidade da norma que a prevê, o que será feito no item seguinte).

d) A inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º

Neste particular, assiste razão aos apelantes, pois que aquele normativo é inconstitucional, por violação do artigo 26.º, conjugado com o artigo 18.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, conforme tem vindo a ser decidido de modo completamente uniforme pelo Tribunal Constitucional (cfr. os acórdãos 570/08, 571/08, 581/08, 582/08, 584/08 e 585/08 e as decisões sumárias 615/07, 85/08, 267/08, 288/08, 321/08, 323/08, 371/08, 376/08, 421/08 e 425/08, em www.tribunalconstitucional.pt).
Na lógica das decisões, a que, naturalmente, se adere, está o entendimento de que a inabilitação foge, no caso, à finalidade que lhe é própria (protecção de incapazes), para se tornar num mero instrumento de restrição dos direitos à capacidade civil, para além de que não traz qualquer acréscimo de segurança à defesa do interesse dos credores, que já se acham protegidos pelas medidas das alíneas c) e d) do n.º 2 do mesmo artigo. Na prática, a medida não tem qualquer utilidade – não protege os credores nem o insolvente –, razão pela qual é desproporcionada e contende, nessa medida, com direitos elementares do ser humano, concretamente, o direito à capacidade civil, expressamente consagrado no artigo 26.º da CRP.
A inabilitação não pode, por conseguinte, manter-se.


IV. Resumo:

1) A falta de indicação dos concretos meios de prova constantes do processo que impunham decisão diversa da tomada pelo tribunal de 1.ª instância, nomeadamente, por referência aos depoimentos prestados, implica a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.
2) A verificação, através dos correspondentes factos, das situações previstas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, determina a qualificação da insolvência como culposa, sem admissão de prova em contrário.
3) Já as situações do n.º 3 do mesmo artigo acarretam, tão-só, uma presunção “juris tantum” de culpa grave.
4) De qualquer forma, nestas hipóteses, a qualificação da insolvência como culposa depende da existência de um nexo de causalidade entre as situações previstas e a ocorrência da insolvência.
5) A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE é inconstitucional, por violação do direito à capacidade à capacidade civil, consagrado no artigo 26.º da CRP.


V. Decisão:

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, em consequência do que:
a) Se revoga a sentença apelada na parte em que decretou a inabilitação dos apelantes por um período de dois anos.
b) Se mantém, no mais, a sentença apelada.

Custas pelos apelantes na proporção de 3/4.