Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
538/07.9TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
PERIODO NORMAL DE TRABALHO
TRABALHO AO DOMINGO
TRABALHO EM FERIDADOS
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 156º, 163º, Nº1, 164º, Nº 1, 259º, NºS 1 E 2, 658º E 670º DO CÓDIGO DO TRABALHO; CLÁUSULA 11ª, Nº 6, DO CCT IN BTE Nº 13, DE 8/4/2005, A FLS. 2020 E SEGS.
Sumário: I – O artº 163º, nº1, do Código do Trabalho, estabelece que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana.

II – Como excepção a tal regra, o artº 164º, nº 1 (adaptabilidade) permite que “por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário fixado no nº 1 do artigo anterior pode ser aumentado até ao máximo de quatro horas, sem que a duração do trabalho semanal exceda sessenta horas, só não se contando para este limite o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior”.

III – Estando a arguida autorizada a abrir aos domingos (todos os dias da semana) e podendo o domingo não ser o dia de descanso semanal obrigatório, o regime da adaptabilidade pode abarcar o trabalho prestado ao domingo (é um dia normal de trabalho).

IV – Já o trabalho prestado nos dias feriados, em empresa legalmente dispensada de suspender neles o funcionamento, está sujeito à atribuição de descanso compensatório ou ao pagamento suplementar (acréscimo de 100% da retribuição), nos termos do artº 259º, nº 2, do Código do Trabalho.

V – Ou seja, os feriados, ao contrário dos domingos nas situações visadas, não podem ser considerados como dias normais de trabalho.

VI –O artº 259º, nº 1, não visa impedir a distribuição do serviço perdido nos feriados por outros dias, mas impedir a distribuição do tempo de trabalho perdido nos feriados por outros dias.

VII – Tendo a arguida, ao elaborar os horários dos seus trabalhadores que prestam trabalho aos feriados, redistribuído o trabalho não prestado em virtude do gozo do feriado, cometeu um acto ilícito, considerado como contra-ordenação pelas disposições legais conjugadas dos artºs 156º, 162º a 165º, 166º, nº 4, 259º, nº 1, 658º e 670ºdo Código do Trabalho.

Decisão Texto Integral: Recorrente: A...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida, agora recorrente, condenada – pela Inspecção-Geral do Trabalho – uma coima única de € 2.900 pela prática, em concurso, das contra-ordenações previstas nas disposições legais conjugadas dos artigos 156º, 162º a 165º, 166º, nº 4, 259º, nº 1, 658º e 670º do Código do Trabalho.
Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Leiria, o qual veio a ser julgado improcedente.
É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Não se verificando quaisquer factos que possam integrar-se no elemento objectivo da contra-ordenação em causa, deverá entender-se que a Arguida não praticou o ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos Artigos 164. °, 259.°, n.º 1 e 670.° do Código do Trabalho, pelo que, ao entender de modo diverso, entende a Arguida que a douta sentença não terá feito a melhor interpretação e aplicação daquelas disposições, que assim terão sido violadas.
2. O período normal de trabalho não se confunde com o período de funcionamento, como, aliás, não podia deixar de ser. São conceitos totalmente distintos, que servem de base à construção de regimes jurídicos com fins diversos e que têm subjacente interesses também completamente diferentes.
3. Precisamente porque se trata de realidades distintas, o legislador teve o cuidado de sublinhar que a regulamentação dos períodos de funcionamento não afecta a duração do trabalho, semanal e diária, estabelecida na lei, em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou no contrato individual de trabalho - art. 2.º do DL n.º 48/96, de 15.05.
4. Isto significa que, independentemente do período de funcionamento praticado, se manterá o período normal de trabalho acordado em cada caso concreto, implicando que:
5. Por um lado, o período normal de trabalho não pode ser aumentado, mesmo que a empresa esteja em funcionamento mais horas do que os limites máximos acordados para a duração do trabalho;
6. Por outro, que o período normal de trabalho não será reduzido necessariamente pelo facto de, tratando-se de empresa sujeita ao regime de período de funcionamento, o tempo de abertura ao público ser inferior à duração do trabalho acordada.
7. Precisamente porque o período de abertura ao público não se confunde com o período normal de trabalho, a circunstância de nos domingos e feriados dos meses de Janeiro a Outubro o período de abertura ser apenas de 5 horas (entre as 08:00 e as 13:00) não implica que os trabalhadores só trabalhem idêntico número de horas.
8. Tal como sucede com os domingos, a A... está dispensada de encerrar aos feriados. Por isso, aplica-se ao trabalho em dias feriados o mesmo regime do trabalho aos domingos, ou seja:
9. A Arguida pode exigir dos trabalhadores trabalho aos feriados, nos mesmos termos em que o pode fazer aos domingos;
10. E a circunstância de existirem feriados em que o período de abertura ao público está confinado entre as 8 e as 13 horas não implica que o período normal de trabalho a praticar nesses dias tenha igualmente de ser apenas de 5 horas.
11. Sendo a A... uma empresa dispensada de encerrar em dia feriado obrigatório, o trabalho prestado nesses dias não é considerado suplementar, tal como sucede com o trabalho aos domingos.
12. De acordo com o artigo 259.º, n.º 2, Código do Trabalho o empregador dispensado de encerrar aos feriados deverá pagar com um acréscimo de 100% da retribuição do trabalho realizado nesses dias, dentro do horário de trabalho, ou a concessão de um descanso compensatório de duração igual à da prestação de trabalho.
13. De acordo com a Cláusula 16.a, n.º 2 do CCT aplicável, "o trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em feriado será pago com acréscimo de 100% sobre a remuneração base do trabalhador".
14. Mesmo que se entenda que a proibição do Art.o 259.º, n.o 1 visa impedir a distribuição do serviço perdido nos feriados por outros dias, e não propriamente a compensação com trabalho suplementar, tal não significa que a solução adoptada pela A... seja desconforme à lei, pois não se está a distribuir o serviço não executado no feriado por outros dias, mas sim a organizar o tempo de trabalho de forma adequada à circunstância de nos feriados, tal como nos domingos, as limitações ao período de abertura implicarem menores necessidades de trabalho.
15. Por outro lado, havendo trabalho no dia feriado, como sucede no caso presente, não parece que tenha sentido aplicar a proibição do n.o 1 do art. 259. °, já que a mesma pressupõe exactamente a inexistência de trabalho no feriado.
16. Ao entender de modo diverso, a douta Sentença recorrida terá violado o disposto nos Art.os 164.º, 259.º, n.o 1 e 670.º do Código do Trabalho e nas Cláusulas 9.a e 11.a, n.os 6 e 7 do CCT aplicável.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.a,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a decisão recorrida ser revogada e ser substituída por Acórdão que absolva a arguida, com o que se fará JUSTIÇA”.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer manifestando-se no sentido que o recurso não merece provimento.
Corridos os vistos cumpre decidir.
*
II- São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo:
1-Foi verificado em visita inspectiva, pela Senhora Inspectora autuante, que a arguida elaborava os horários dos seus trabalhadores que prestam trabalho aos Feriados e Domingos, com um acréscimo de uma ou mais horas diárias na própria semana, na semana anterior ou na seguinte, redistribuindo o trabalho não prestado em virtude do gozo do Feriado ou do Domingo pelos dias antecedentes e/ou seguintes, ultrapassando os períodos normais de trabalho (PNT) que não podem exceder oito (8) horas diárias nem as quarenta (40) horas por semana por esse motivo;
2- Nessa mesma acção inspectiva realizada às instalações do A..., constatou-se que a arguida tinha ao seu serviço, relacionados por contrato de trabalho, no desempenho das suas funções normais, cerca de duzentos e trinta e seis (236) trabalhadores;
3- O A... é, para além de um estabelecimento de venda ao público, uma grande superfície comercial (contínua) cujo período de funcionamento, (abertura), é das seis (6) às vinte e quatro (24) horas, todos os dias da semana, excepto entre os meses de Janeiro a Outubro, aos Domingos e Feriados, em que só pode abrir entre as oito (8) e as treze (13) horas, nos termos do DL nº 2 48/96, de 15 de Maio e da Portaria nº 153/96, de 15 de Maio;
4- A arguida foi advertida pelos Serviços da IGT para alterar o procedimento de obrigar os trabalhadores a compensarem as horas não trabalhadas aos feriados por causa do encerramento do estabelecimento às treze (13) horas;
5- Tal prática afectou quase todos os trabalhadores do A..., e todos os sectores em que se divide o estabelecimento, com excepção do sector das chefias, dos administrativos e do marketing;
6- O Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços de Portugal, CESP, com Delegação Regional na Av. Dr. Lourenço Peixinho, nº 173, 5º-3800-167 Aveiro, é a estrutura sindical que representa os trabalhadores sindicalizados do A... relativamente aos quais se verifica a infracção;
7- Representa legalmente a autuada, E...;
8- A infracção foi, presencialmente, verifica da pela Senhora Inspectora autuante.
9- De tal, foi expressamente dado conhecimento à autuada, na pessoa das responsáveis pelos Recursos Humanos do estabelecimento de Aveiro, B... e D..., que representaram a empresa no desenvolvimento da acção inspectiva efectuada.
10- A arguida organizou o horário de trabalho dos trabalhadores para o dia 20 de Fevereiro de 2007 de acordo com os períodos normais de trabalho (PNT) delimitados no mapa de horário de trabalho do mês de Fevereiro de dois mil e sete (2007), cfr. documento nº1 - cópia do horário de trabalho do mês de Fevereiro de dois mil e sete (2007) - anexo ao auto de notícia;
11- Diversos trabalhadores, entre os quais, [...], prestaram nesse dia serviço à autuada, respectivamente, das 6h52 às 9h36 e das 10h06 às 13h01, (5.39 horas), das 8hOO às 9h02 e das 9h26 às 13h25, (5.01 horas), das 7h46 às 9h02 e das 9h17 às 13hOO, (4.59 horas), das 6h52 às 9h36 e das 10h05 às 13h01, (5.40 horas), das 8h28 às 9h26 e das 9h47 às 13h30, (4.41 horas), das 9h14 às 13h30, (4.16 horas), das 9h03 às 10h22 e das 10h45 às 13h01, (3.35 horas); das 8h37 às 10h08 e das 10.18 às 13h31, (4.44 horas), das 9h25 às 11 h59 e das 12h09 às 13h30, (3.55 horas), das 8h24 às 9h25 e das 9h47 às 13h30, (4.44 horas), das 8h48 às 10h40 e das 10h57 às 13h07, (4.02 horas), das 8h57 às 11h02 e das 11h15 às 13h03, (3.53 horas), e das 8h37 às 9h55 e das 10h13 às 13h30, (4.35 horas), em suma, durante cerca de quatro, cinco e seis horas, cfr. documentos nºs 1 e 2-cópia do registo dos tempos de trabalho dos citados trabalhadores dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de dois mil e sete (2007)- anexo ao auto de notícia;
12- As restantes quatro, três e duas horas correspondentes à totalidade do período normal de trabalho diário desse dia (oito (8) horas) foram redistribuídas por ordens da arguida pelos dias anteriores e/ou seguintes, acrescendo ao respectivo período normal de trabalho diário (de oito (8) horas) desses mesmos dias, perfazendo PNT' s diários superiores a oito (8) horas cfr. registo dos tempos de trabalho, cfr. documentos nºs 1 e 2 - cópia do registo dos tempos de trabalho dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de dois mil e sete (2007)- anexo ao auto de notícia;
13- Estas horas foram prestadas nesses dias a título de compensação pelo trabalho não prestado no dia feriado em virtude do encerramento da arguida depois das treze (13) horas;
14- Assim, para poderem receber a totalidade da retribuição correspondente ao feriado, a arguida obrigou os trabalhadores a compensarem o trabalho não prestado nesse dia;
15- A arguida não organiza os horários de trabalho para responder a exigências de produção e/ou clientes, como mecanismo de resposta às exigências de competitividade económica, mas antes para compensar efectivamente as (quatro (4), três (3) e duas (2)) horas não trabalhadas aos Feriados, em virtude do citado período de funcionamento, e também não procede à compensação dessas horas trabalhadas para além das oito (8) diárias durante o período de referência das oito (8) semanas, cfr. documento nº 3 - cópias dos horários de trabalho dos meses de Janeiro, Março e Abril de dois mil e sete (2007)-anexo ao auto de notícia;
16- A arguida utilizava este mecanismo para possibilitar a compensação do trabalho devido para perfazer as quarenta (40) horas nas semanas com duração inferior a quarenta (40) horas, devido à ocorrência de um feriado;
17- Desde Janeiro de dois mil e seis (2006), que a autuada alterou a forma de organização dos horários de trabalho nos meses em que ocorrem feriados, de Janeiro a Outubro, reduzindo os períodos normais de trabalho diários nesses dias feriados, adaptando-os aos períodos de abertura legalmente permitidos, das oito (8) às treze (13) horas, e obrigando os trabalhadores afectados por esse encurtamento a prestar na própria semana, na anterior ou na seguinte, um acréscimo de uma ou duas horas ao seu PNT de modo a tornar efectivo o período normal de trabalho de quarenta (40) horas semanais;
18- Tal comportamento suscitou a discordância dos trabalhadores afectados e do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços de Portugal, CESP, associação sindical que representa os trabalhadores sindicalizados, cfr. documento nº 4 - cópia da listagem dos trabalhadores sindicalizados- anexo ao auto de notícia;
19- Face à discordância daqueles e às dúvidas sobre a legitimidade de tal comportamento, a arguida solicitou, em nove (9) de Fevereiro de dois mil e seis (2006), à Direcção destes Serviços da IGT, informação sobre a legalidade de tal prática;
20- A citada informação foi remetida à arguida, em Agosto de dois mil seis (2006), através de Parecer, que, considerou que a prática do A... não era susceptível de consubstanciar a adaptabilidade constante dos nºs 6 e 7 da Cláusula 11ª do IRCT, dado que aquela nova organização dos horários não tinha em vista responder a exigências de produção e/ou clientes nem garantir a média dos PNT diários num período de referência de oito (8) semanas através de compensações, mas antes fazer os trabalhadores trabalharem (compensarem) efectivamente as (quatro (4), três (3) e duas (2)) horas não trabalhadas aos dias feriados, em virtude do encerramento do estabelecimento;
20- Em reunião realizada para o efeito, em Setembro de dois mil e seis (2006), estes Serviços da IGT esclareceram as representantes do A..., Sr.ª D. ª B... e Dr.ª C..., responsáveis pelos Recursos Humanos desse estabelecimento de Aveiro, sobre a necessidade de alterar a organização dos horários para dar cumprimento àquele entendimento;
21- Estas representantes informaram estes Serviços da IGT que aguardavam orientações do Departamento Jurídico da autuada sobre a matéria;
22- Em dezoito (18) de Janeiro de dois mil e sete (2007) visitou-se, novamente, a empresa com o intuito de verificar se a mesma tinha dado cumprimento às determinações transmitidas no mês de Setembro anterior;
23- A Sr. ª D. ª B... e a Sr. ª D. ª D..., esta última também responsável pelos Recursos Humanos do estabelecimento, informaram estes Serviços que as orientações recebidas até ao momento do Departamento Jurídico do A... iam no sentido de continuarem a elaborar os horários com a redução dos períodos normais de trabalho diários nos dias feriados, das oito (8) às treze (13) horas, obrigando os trabalhadores afectados por esse encurtamento a prestarem um acréscimo de uma ou duas horas ao seu PNT de modo a tornar efectivo o período normal de trabalho de quarenta (40) horas semanais, o que foi confirmado pela análise dos horários de trabalho entregues na IGT, cfr. documentos nºs 1 e 3;
24- Face a tal comportamento, estes Serviços da IGT informaram, novamente, aquelas representantes, que, a empresa se encontrava a violar as disposições legais supra citadas, não obstante ter sido alertada para não o fazer, pelo que lhes seria levantado o competente Auto de Notícia;
25- Nessa mesma reunião, estes Serviços informaram aquelas representantes, que, a entidade empregadora também não podia proceder à redução dos períodos normais de trabalho aos Domingos, fazendo-os corresponder ao período de abertura do estabelecimento, e obrigar os trabalhadores em causa a, na própria semana, na seguinte ou na anterior, prestarem um acréscimo de uma ou duas horas diárias de trabalho para perfazer as quarenta (40) horas semanais, com base na fundamentação supra referida;
26- A arguida foi notificada por escrito, através do oficio nº 615 de dezasseis (16) de Fevereiro de dois mil e sete (2007), para, até ao dia vinte e seis (26) de Fevereiro de dois mil e sete (2007), proceder à alteração de tal situação, nomeadamente, para elaborar os horários dos seus trabalhadores que prestam trabalho em dias Feriados e em Domingos, sem o acréscimo de uma ou mais horas diárias na própria semana, na seguinte ou na anterior, uma vez que o PNT desses trabalhadores não pode exceder as oito (8) horas por dia nem as quarenta (40) horas por semana para compensar as (quatro (4), três (3) e duas (2)) horas não trabalhadas nesses dias, cfr. documento nº 5- cópia da notificação- anexo ao auto de notícia;
27- A empresa respondeu a estes Serviços, solicitando o alargamento do prazo para depois do dia vinte e seis (26) de Fevereiro último, pois, nesse dia, tinha agendada uma reunião com o Senhor Inspector Geral do Trabalho para discutir o problema em causa, cfr. documento nº 6 - cópia da resposta à notificação- anexo ao auto de notícia.
28- Até à data do levantamento do presente Auto de Notícia, a arguida não contactou mais os Serviços da IGT, no sentido de esclarecer o que pretendia fazer, tendo continuado a organizar os citados horários em violação da citada notificação tanto quanto aos Feriados como quanto aos Domingos, cfr. Documentos nº s 1 e 3;
29- Diversos trabalhadores, entre os quais, os identificados no ponto 8. do Auto de Notícia e ainda os trabalhadores {...}, prestaram aos Domingos serviço à autuada, respectivamente, e por exemplo, dia vinte e dois (22) de Abril das 6h54 às 9h29 e das 10hOO às 13h04, (5h39 horas), dia vinte dois (22) de Abril das 7h44 às 9h17 e das 9h39 às 12h47, (4h38 horas), dia quinze (15) de Abril das 7h48 às 9h16 e das 9h30 às 13h28, (5h26 horas), dia quinze (15) de Abril das 6h54 às 9h23 e das 9h52 às 13h07, (5h44 horas), dia quinze (15) de Abril das 8h30 às 10h43 e das 11h00 às 13h32, (4h45 horas), dia vinte e dois (22) de Abril das 8h54 às 11 h36 e das 11 h50 às 13h05, (3h57 horas), dia quinze (15) de Abril das 91".31 às 11 h22 e das 11 h44 às 13h30, (3h37 horas), dia quinze (15) de Abril das 6h54 às 9h23 e das 9h52 às 13h07, (5h44 horas), dia dezoito (18) de Março das 8h19 às 10h26 e das 10h31 às 13h26, (5h02 horas), dia vinte e dois (22) de Abril das 9h33 às 11 h27 e das 11 h50 às 13h33, (3.37 horas), dia vinte e dois (22) de Abril das 8h27 às 9h31 e das 9h49 às 12h02, (4h39 horas), dia quatro (4) de Março das 9hOO às 9h50 e das 10h15 às 13h13, (3h48 horas), dia quinze (15) de Abril das 7h55 às 10h38 e das 11h02 às 14h45, (6h26 horas), dia quinze (15) de Abril das 8h35 às 9h45 e das 9h57 às 13h32, (4h45 horas), dia um (1) de Abril das 8h20 às 10h26 e das 10h38 às 13h31, (4h59 horas), dia um (1) de Abril das 8h28 às 9h53 e das 10h11 às 13h35, (4h49 horas) e dia vinte e cinco (25) de Março das 8h36 às 10h11 e das 10h23 às 13h30, (4h42 horas), em suma, durante cerca de quatro, cinco e seis horas, cfr. documentos nºs 2 e 7 - cópia do registo dos tempos de trabalho dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de dois mil e sete (2007) dos trabalhadores identificados no ponto 34.- anexo ao auto de notícia;

30-As restantes quatro, três e duas horas correspondentes à totalidade do período normal de trabalho (PNT) diário dos Domingos (oito (8) horas) foram redistribuídas por ordens da autuada pelos dias anteriores e/ou seguintes, acrescendo ao respectivo período normal de trabalho diário (de oito (8) horas) destes mesmos dias, perfazendo PNT diários superiores a oito (8) horas, cfr. documentos nºs 2 e 7;
31- Estas horas foram prestadas nesses dias a título de compensação pelo trabalho não prestado nos Domingos em virtude do encerramento da arguida depois das treze (13) horas;
32- Os trabalhadores do A..., entre os quais, os identificados nos pontos 8. e 34. do Auto de Notícia, voltaram a ter que compensar noutros dias as horas não trabalhadas no dia vinte e cinco (25) de Abril de dois mil e sete (2007), feriado nos termos legais e do IRCT aplicável, em virtude do encerramento da arguida depois das treze (13) horas, cfr. documentos nº s 2 e 7;
33- O trabalhador F... recusou-se a cumprir as horas de compensação relativas aos feriados, durante o ano de dois mil e seis (2006);

34- Na sequência dessa recusa, a arguida marcou-lhe três (3) dias de faltas injustificadas, nos dias trinta (30) e trinta e um (31) de Outubro e trinta (30) de Novembro de dois mil e seis (2006), descontando-lhe a respectiva retribuição correspondente a esses dias, no mês de Dezembro de dois mil e seis (2006), cfr. documentos nºs 8 e 9 - cópia dos recibos de retribuição e cópia do registo de pessoal do trabalhador F... - anexos ao auto de notícia

35- Não obstante o citado trabalhador ter prestado serviço à arguida no dia trinta (30) de Outubro, das 15h41 às 19h33, das 20h33 às 22h07 e das 22h24 às 23h30, (6h32), no dia trinta (30) de Novembro, das 14h06 às 19h41, das 20h43 às 22h34 e das 22h47 às 23h29, (8h08) e de no dia trinta e um (31) de Outubro ter estado de folga, cfr. documentos nºs 10 e 11 - cópia do registo dos tempos de trabalho dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de dois mil e seis (2006) e cópia dos horários de trabalho dos mesmos meses;

36- Tal prática afectou quase todos os trabalhadores do A..., e todos os sectores em que se divide o estabelecimento, com excepção do sector das chefias, dos administrativos e do marketing;

42- O Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços de Portugal, CESP, com Delegação Regional na Av. Dr. Lourenço Peixinho, nº º 173, 5º-3800-167 Aveiro, é a estrutura sindical que representa os trabalhadores sindicalizados do A... relativamente aos quais se verifica a infracção, cfr. documento nº 4;
43- Os factos descritos foram presencialmente verificados pela Senhora Inspectora autuante.
44- De tal foi expressamente dado conhecimento à arguida, na pessoa das responsáveis pelos Recursos Humanos do estabelecimento de Aveiro, B... e D..., que representaram a empresa no desenvolvimento da acção inspectiva efectuada.
45- No ano de 2006 a arguida apresentou um volume de negócios de C 673.051.414.

III- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
Decorre do exposto que, em face das conclusões do recurso, a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar essencial e praticamente da seguinte forma: a de saber se, perante o disposto no artigo 259º do Código do Trabalho, a entidade empregadora dispensada de suspender o trabalho em dia feriado pode distribuir o serviço ou tempo de trabalho perdido nos feriados por outros dias, ante limitações legais ao período de abertura/funcionamento do estabelecimento.
Vejamos então:
Com o devido respeito pela opinião contrária - neste caso muito bem fundamentada - a solução da questão quase intuitivamente vai ao encontro daquela que foi a fundamentação da 1ª instância.
Embora a recorrente procure distinguir bem, por um lado, os efeitos do período de funcionamento legalmente autorizado dos efeitos, por outro lado, do período normal de trabalho aferido à semana, ambos os períodos não são estanques, como parece evidente, condicionando o primeiro a execução do segundo.
Como se observa, a arguida elaborava os horários dos seus trabalhadores que prestam trabalho aos feriados e domingos com um acréscimo de uma ou mais horas diárias na própria semana, na semana anterior ou na seguinte, redistribuindo o trabalho não prestado em virtude do gozo do feriado ou domingo pelos dias antecedentes e/ou seguintes.
O estabelecimento da arguida, como se vê, é um estabelecimento de venda ao público, uma grande superfície comercial cujo período de funcionamento (abertura) é das seis às vinte e quatro horas, todos os dias da semana, excepto entre os meses de Janeiro a Outubro, aos Domingos e Feriados, em que só pode abrir entre as oito e as treze horas, nos termos do DL nº 248/96, de 15 de Maio e da Portaria nº 153/96, de 15 de Maio.
Ou seja, aos domingos e feriados tem limitações legais no que toca ao período de funcionamento. Este é limitado entre as oito e as treze horas
Mas quanto aos domingos, este não é para os trabalhadores da arguida o dia de descanso semanal obrigatório, já que se verifica a situação prevista no artigo 205º nº 2 do Código do Trabalho (dispensa legal de encerramento em dia completo por semana).
O art.º 163º n.º 1 do mesmo diploma estabelece que o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia nem quarenta horas por semana. Como excepção à regra contida no artº 163º nº 1, o artº 164º nº 1 (adaptabilidade) permite que “por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário fixado no nº 1 do artigo anterior pode ser aumentado até ao máximo de quatro horas, sem que a duração do trabalho semanal exceda sessenta horas, só não se contando para este limite o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior”. O CCT aplicável aos contratos de trabalho outorgados pela arguida (in BTE nº 13 de 8/4/2005, fls. 2020 e segs., com RE no BTE nº 38, 1ª série, de 15/10/2005) prevê na cláusula 11ª, n.º 6 que o período normal de trabalho poderá ser acrescido de duas horas diárias, até ao limite de dez horas por dia e cinquenta horas por semana. E o n.º 7 da mesma cláusula dispõe que o acréscimo de trabalho previsto no número anterior não conta para efeitos de trabalho extraordinário e terá de ser compensado num período máximo de oito semanas.
Neste contexto, estando a arguida autorizada a abrir aos domingos (todos os dias da semana) e podendo o domingo não ser o dia de descanso semanal obrigatório, o regime de adaptabilidade pode, a nosso ver, abarcar o trabalho prestado ao domingo - a arguida está apenas obrigada a organizar o descanso semanal de maneira a que coincida pelo menos com 15 domingos por ano, nos termos da cláusula 10ª nº 1, al.c) do CCT referido. Termos em que nada obsta que a arguida mantenha a prática objecto do recurso quando aos domingos.
Como se refere na sentença recorrida, nesse caso o trabalho prestado ao domingo é um dia normal de trabalho (v. neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, pag. 479).
Mas já não será assim quanto ao trabalho prestado nos feriados.
Nestes, existe uma especialidade: o trabalho prestado nos dias feriados, em empresa legalmente dispensada de suspender neles o funcionamento, está sujeito (sujeição que não existe no trabalho aos domingos) à atribuição de descanso compensatório ou ao pagamento suplementar (acréscimo de 100% da retribuição), nos termos do artigo 259º nº 2 do Código do Trabalho.
A interrupção do trabalho nos feriados não se justifica exactamente no descanso dos trabalhadores (v. Palma Ramalho, ob. cit. pag. 480 e Pedro Soares Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, pag. 558). Mas indirectamente estabelece-se uma relação com um repouso dos trabalhadores (v. Martinez, ob. e pag. citados), na medida em que estes têm direito à retribuição dos feriados como se estivessem a trabalhar sem que o empregador os possa compensar com trabalho suplementar, nos termos dos art.º 259º n.º 1 do Código do Trabalho. O nº 2 deste artigo estabelece até (de forma bem mais directa na visualização da tal relação) o direito à compensação pela perda do “descanso”, no caso de trabalho executado nesses dias em empresas dispensadas de encerrar aos feriados.
Ou seja, o feriado, ao contrário do domingo nas situações que estamos a tratar, não pode ser considerado um dia normal de trabalho.
Por isso, concordamos com a sentença recorrida quando refere:
A possibilidade consagrada na Portaria n.º 153/96 de 15 de Maio de a arguida abrir ao público em dias feriados até às 13 horas representa para o trabalhador uma única limitação: a de não poder gozar o feriado até àquela hora. Mas esta limitação é compensada pelo gozo de descanso compensatório ou pelo pagamento daquele período com um acréscimo de 100%. E, da mesma forma que um trabalhador de uma empresa que não esteja dispensada de encerrar aos feriados, não tem que compensar o dia que deixou de trabalhar, também o trabalhador de uma empresa dispensada de encerrar nos dias feriados não tem que compensar a empresa por não ter trabalhado naquele dia as 8 horas.
O direito conferido à arguida de não encerrar nos feriados não se pode confundir com um direito absoluto em exigir dos trabalhadores o cumprimento das 8 horas de trabalho diário. Mas apenas que, no período em que a lei permite o funcionamento da empresa, é-lhe licito exigir aos trabalhadores a prestação do trabalho.
Por outro lado, a Portaria nº 153/96 ao estabelecer um regime excepcional vale nos exactos termos e limites nela consagrados. Ou seja, se estabelece que a arguida pode estar aberta ao público até às 13 horas, isso significa que após aquela hora a arguida tem de cessar a sua actividade respeitando o comando contido no artº 208º do Código do Trabalho.
Temos assim por certo que a arguida pode exigir dos seus trabalhadores a prestação de trabalho nos dias feriados mas apenas no período em que a lei permita a sua abertura ao público.
A arguida sustenta nas sua conclusões do recurso, no entanto, que mesmo que se entenda que a proibição do arto 259º no 1 visa impedir a distribuição do serviço perdido nos feriados por outros dias, e não propriamente a compensação com trabalho suplementar, tal não significa que a solução por ela adoptada seja desconforme à lei, pois não se está a distribuir o serviço não executado no feriado por outros dias, mas sim a organizar o tempo de trabalho de forma adequada à circunstância de nos feriados, tal como nos domingos, as limitações ao período de abertura implicarem menores necessidades de trabalho.
Ora, salvo o devido respeito, este argumento falha nas suas próprias premissas. O que estamos a falar não é de modo nenhum de distribuição de serviço, mas apenas de tempo de trabalho. O arto 259º no 1 não visa impedir a distribuição do serviço perdido nos feriados por outros dias, mas exactamente impedir a distribuição do tempo de trabalho perdido nos feriados por outros dias.
O que resulta dos autos é que a arguida ao elaborar os horários dos seus trabalhadores que prestam trabalho aos feriados, redistribuía o trabalho não prestado em virtude do gozo do feriado.
Foi essa a prática que a 1ª instância considerou ilícita, na base das incidências legais consideradas, reconhecendo a autoria da contra-ordenação que fundou a condenação.
Posição que, no nosso entender, está correcta.
E por isso terá de improceder o recurso.

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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando-se provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em cinco UC.
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Coimbra,