Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 564º, N.º2 E 566º, N.º3 DO CC DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. No cálculo da indemnização por IPP prevalece, em última análise e de acordo com a lei, um julgamento de equidade, na medida em que, sendo futuros, é impossível averiguar o valor exacto dos danos.
2. As tabelas financeiras, a que recorre amiúde a jurisprudência a fim de obter um capital produtor de rendimento a certa taxa de juro que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do tempo provável de vida activa do lesado, valem apenas como meros instrumentos auxiliares de trabalho.
3. Não provando o lesado a retribuição alegada, mas tendo ficado afectado de IPP, deve ser fixada uma indemnização tendo em conta o salário mínimo nacional em vigor ao tempo da alta.
4. Ao lesado deve sempre ser arbitrada indemnização por IPP, mesmo que não exerça profissão remunerada ou a IPP não acarrete perda ou diminuição da retribuição.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                            I) – RELATÓRIO


A...., B....e C...., intentaram, no Tribunal Judicial de Pombal, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra COMPANHIA DE SEGUROS ……., S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar à primeira A. a quantia de Esc. 1.450.000$00, ao segundo A. a quantia de Esc. 19.250.000$00 e à terceira A. a quantia de Esc. 375.000$00, acrescidas de juros de mora, à taxa legal., desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, para tanto e em síntese, que no dia 22 de Agosto de 1997, pelas 17h45m, na EN nº 1, ao km 157,550, em Pombal, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes três auto-pesados de mercadorias. 

Acrescentam que ditos veículos circulavam no sentido Sul/Norte, ocupando todos eles a hemi-faixa da direita, atento o referido sentido de marcha, sendo que o XT circulava à frente do UD e atrás deste o NT.

Todavia, ao chegar ao local do acidente, o XT reduziu a velocidade porque pretendia mudar de direcção para a direita. O A. B…., condutor do UD, apercebendo-se de tal manobra, travou, conseguindo imobilizar o veículo a uma distância de, pelo menos, 5 metros do XT.

Porém, o condutor do NT apercebeu-se tardiamente de tal movimentação, foi embater violentamente na rectaguarda do lado esquerdo do UD, projectando-o para a berma do lado direito e contra a rectaguarda do lado direito do XT.

O acidente foi devido a culpa exclusiva do condutor do veículo NT, seguro na Ré.

Como consequência directa e necessária do acidente, a viatura UD, pertencente à primeira A. sofreu danos que tornaram economicamente desaconselhável a sua reparação.

Por outro lado, também por causa do acidente o A. B.... e a A. C.... sofreram ferimentos vários. 

Regularmente citada, a Ré contestou, alegando que o acidente em causa nos autos ocorreu de forma diferente da descrita na petição inicial, concluindo que foi o veículo UD, conduzido pelo Autor, o único responsável pelo acidente. Concluiu pela improcedência da acção.

      

A fls. 76 e seguintes, o Hospital Distrital de Pombal veio deduzir o seu direito de crédito, alegando, em síntese, que em consequência do acidente de viação em causa nos autos deu entrada naquele Hospital, em 22.08.97, o A. Os encargos decorrentes da assistência que lhe foi prestada importaram em 25.202$00.

Termina pedindo a liquidação do referido crédito, no montante de 25.202$00, acrescido de juros vencidos, no montante de 3.529$00, bem como dos juros vincendos.

      

Por despacho de fls. 124 foi determinada a apensação aos presentes autos do Proc. nº 4/2001 que corria termos no Tribunal de Vila Nova de Gaia. Através deste processo, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia intentou acção, sob a forma de processo sumaríssimo, contra a Companhia de Seguros Global, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de Esc. 15.092$00, por assistência à A. C...., acrescida aquela quantia dos juros vincendos até integral pagamento.

Acrescenta que a referida assistência decorreu dos ferimentos que a assistida apresentava em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 22.08.97, no qual foi interveniente RS….., o qual circulava por ordem e no interesse do proprietário do veículo, sendo que este havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 92024746.

Regularmente citada, a Ré contestou, alegando que o direito à cobrança dos referidos créditos encontra-se prescrito. Por outro lado, acrescenta que o acidente em causa ocorreu de forma diferente da descrita pelo A. não restando dúvidas de que foi o condutor do UD o único responsável pelo acidente.

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e a sua absolvição do pedido.

Por despacho de fls. 38 do processo apenso foi julgada improcedente a excepção da prescrição invocada pela ré.

      

Após prolação do despacho saneador e selecção da factualidade relevante, foi admitida a intervenção espontânea do Hospital Distrital de Pombal, tendo sido aditada a matéria assente e a base instrutória.

  Uma vez realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e provada, tendo a Ré sido condenada a pagar

-à A. A....a quantia de € 7.232,57, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

-ao A. B....a quantia de € 9.975,96, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

-à A. C.... a quantia de € 1.496, 39, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

-ao Hospital Distrital de Pombal a quantia de €  125,72, acrescida  de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

-ao Centro Hospital de Vila Nova de Gaia a quantia de € 59,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Irresignado com o julgado da 1ª instância,  apelou o A. B…., extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:

1ª-As respostas aos quesitos 54º, 55º, 57º, 58º, 60º, 62º, 63º, 5º, 66º, 67º e 72º da base instrutória inculcam-nos seguramente a convicção de que o acidente não se traduziu para o A. B....num dano de natureza meramente biológica, mas numa efectiva perda de capacidade de ganho;

2ª-Tendo o A. Júlio, à data do acidente, a actividade ou profissão de condutor de veículos pesados e de vendedor ambulante, é inquestionável que as lesões e sequelas que lhe resultaram do acidente, se traduziram e traduzem numa efectiva perda de ganho;

3ª-Por isso mesmo conforme resposta ao quesito 6º, o A. viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias;

4ª-Por isso mesmo é que conforme resposta ao quesito 67º, o A. viu diminuída a sua capacidade de suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores;

5ª-Aliás, essa perda é evidenciada pela natureza das sequelas de que o A. padece, designadamente a notória claudicarão ao nível dos membros inferiores, em consonância com o grau de IPP de 31,4 %, que lhe é atribuída (resposta ao quesito 55º);

6ª-Não há pois qualquer justificação para que ao A. B....não fosse arbitrada indemnização por danos patrimoniais ou, pelo menos, que a sua quantificação não fosse relegada para liquidação em execução de sentença, face à não determinação da sua remuneração mensal e à ausência da sua certidão de nascimento;

7ª-Com o recurso, porém, à equidade, alcançamos a remuneração mensal mínima, à data do acidente, que era de € 350,00 e com o recurso aos diferentes documentos identificativos existentes nos autos e agora também à certidão de nascimento, parece-nos ser possível a fixação da indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e a sofrer pelo A.;

8ª-E que parcimoniosamente calculamos em € 45.000.00, importância a que deverá acrescer juros, à taxa legal, a partir da citação, uma vez que o cálculo efectuado foi realizado com base no salário mínimo nacional à data do sinistro;

9ª-Tendo ainda em conta que o A. B....era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora;

10ª-Esclarecendo-se, por outro lado, que se inclui nesse montante a indemnização correspondente ao período compreendido entre a data do acidente e 22.02.1998, durante o qual o A. B....esteve totalmente impossibilitado de trabalhar e as próprias variadíssimas danificações irrecuperáveis de mercadorias da sua actividade (respostas aos quesitos 62º e 63º);

11ª-Por outro lado, a gravidade e lesões de que padece o A. B....tem uma dimensão tal que não se compadece com a atribuição de uma indemnização de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia que corresponde à peticionada;

12ª-Impõe-se a correcção desse valor face ao tempo decorrido desde a propositura da acção, há mais de 8 anos;

13ª-Trata-se objectivamente de lesões e sequelas muito graves que marcaram profundamente a vida do A. Júlio, que se vê obrigado a conviver com dores e limitações, vergado a tão pesado fardo:

14ª-Razões suficientes para que o montante actualizado da indemnização por danos não patrimoniais seja fixado no montante de € 25.000,00, com juros legais a partir da prolação do acórdão, valor que cabe dentro do pedido global formulado pelo A. Júlio;

15ª-Foram violadas, entre outras, as disposições do n.º3 do art 496º, 562º, 563º, n.ºs 1 e 2 do art. 564º e n.sº 2 e 3 do art. 566º, todos do CC.

A Ré contra-alegou em defesa do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                               II)- OS FACTOS

Na sentença impugnada foi dada por assente a seguinte factualidade:

1- No dia 22 de Agosto de 1997, pelas 17h45m, na EN nº 1, ao km 157,550, em Pombal, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:

-o A. B…., conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula UD-00-11, propriedade da A. A....Esteves;

-Reinaldo Gabriel da Silva Serafim, conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula NT-91-27 e C-29645;

-Leonel dos Santos Silva, conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula XT-72-03, sob as ordens, direcção, no interesse e ao serviço da sua entidade patronal “Transportes NC, Ldª” (al. a);

2-A proprietária do NT-91-27 e C29645 havia transferido a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação com essa mesma viatura para a ré Seguradora, mediante a apólice nº 92024746, que titulava o respectivo contrato de seguro então em vigor (al. b);

3-Os veículos circulavam no sentido Sul-Norte (al. c);

4-No local do acidente, a via tem duas faixas de rodagem no sentido Sul-Norte, seguindo todos os veículos pela faixa mais à direita (al. d);

5-O condutor do XT pretendia mudar de direcção para a sua direita, saindo da via nacional (al. e);

6-Em consequência do acidente referido em 1, o autor B....sofreu lesões (al. f);

7-Na sequência do acidente, o autor deu entrada no Hospital Distrital de Pombal, no dia 22.08.1997 (al. g);

8-O condutor do NT conduzia este veículo sob as ordens, direcção, no interesse e ao serviço da sua entidade patronal “P…&…., LDA”

9-O local referido em a) é uma recta com visibilidade superior a 100 m para um e outro lado (q. 2º);

10-As duas faixas de rodagem referidas em d) estão separadas da faixa de rodagem de sentido oposto por duas linhas longitudinais contínuas (q. 4º);

11-Estava bom tempo (q. 5º);

12-O piso estava em bom estado de conservação e encontrava-se seco (q. 6º);

13-As três viaturas intervenientes circulavam no sentido Sul/Norte da referida via nacional, fazendo-o o XT-72-03 à frente do UD-00-11 e atrás deste o NT-91-27 e C29645 (q. 7º);

14-Ocupando todas elas a hemi-faixa da direita, atento o assinalado sentido Sul/Norte (q. 8º);

15-Ao chegar ao local do acidente, a viatura XT-72-03 reduziu a velocidade de que vinha animada (q. 9º);

16-Apercebendo-se de tal manobra, o A. B....travou (q. 10º);

17-O condutor do NT-91-27 e C29645 foi embater na rectaguarda do lado esquerdo do UD (q. 11º);

18-Projectando esta viatura para a berma do lado direito do referido sentido de marcha e contra a rectagurada da lado direito do XT-72-05 (q. 12º);

19-Viatura essa que, ainda antes de se imobilizar na respectiva berma e contra o XT capotou, acabando por ficar apoiada sobre a sua parte lateral esquerda (q. 13º);

20-A berma referida tem a largura de 1 metro (q. 14º);

21-A viatura NT imobilizou-se depois de haver derrubado no seu trajecto duas árvores (q. 16º);

22-O embate entre o NT e o UD ocorreu na hemi-faixa de rodagem da direita (q. 17º);

23-O UD ia carregado de mercadorias (q. 21º);

24-A via no local referido em a) é de boa visibilidade, em traçado recto (q. 22º);

25-O veículo NT circulava na faixa mais à direita das duas existentes no sentido Leiria – Coimbra (q. 24º);

26-O veículo UD circulava à frente do NT (q. 26º);

27-O XT circulava à frente do UD (q. 27º);

28-O condutor do XT accionou o sinal de mudança de direcção para a direita (q. 28º);

29-O condutor do NT accionou o sinal de mudança de direcção para a esquerda (q. 31º);

30-O veículo UD continuava a circular pela faixa mais à direita e na rectaguarda do XT (q. 32º);

31-Verificando-se o embate entre a frente do lado direito do veículo XT e a rectaguarda esquerda do UD (q. 35º);

32-O condutor do NT não conseguiu evitar o embate (q. 37º);

33-Após o embate, o veículo UD rodopiou e foi embater com o lado esquerdo na rectaguarda lateral direita do XT (q. 39º);

34-O veículo UD capotou e ficou imobilizado com a parte lateral esquerda assente no solo (q. 40º);

35-O condutor do NT, após embater no UD, perdeu o controle do mesmo e em diagonal sobre a direita saiu do asfalto, entrou nas terras e ficou imobilizado naquele local (q. 41º);

36-Como consequência directa e necessária do descrito acidente, a viatura UD sofreu danos na carroçaria, na cabine, na coluna da direcção, no chassis e nos farolins e taipal da rectaguarda (q. 42º);

37-Que tornaram economicamente desaconselhável a sua reparação (q. 43º);

38-Os danos referidos em 43 demandavam uma reparação de montante não inferior a Esc. 2.188.134$00 (q. 44);

39-A viatura UD era de marca Mitsubishi a Diesel do ano de 1989 (q. 45º);

40-A viatura UD encontrava-se em bom estado de conservação (q. 46);

41-A proprietária do UD procedia regularmente às periódicas revisões (q. 47);

42-A viatura UD tinha comercialmente à data do acidente um valor de cerca de Esc. 1.500.000$00 (q. 48º);

43-A viatura UD em estado de novo custa cerca de Esc. 4.000.000$00 (q. 50º);

44-Como consequência directa e necessária do descrito acidente, o 2º A sofreu:

a. Traumatismo crâneo-encefálico, de que lhe resultaram feridas lacero-contusas no couro cabeludo e face;

b. Feridas lacero-contusas nos membros inferiores;

c. Fractura do corpo da omoplata direita;

d. Fractura do prato tibial externo esquerdo;

e. Fractura do colo do peróneo direito;

f. Arrancamento do côndilo-femural interno (q. 51º);

45-Lesões às quais foi socorrido na Urgência do Hospital Distrital de Pombal (q. 52º);

46-Sendo logo após transferido para o C. H. de Coimbra, onde foi imobilizado com aparelho gessado cruropodálico (q. 53º);

47-Por persistência de gonalgia à esquerda, com claudicação hidrartrose desta articulação, efectuou o 2º A TAC em Dezembro de 1997, que revelou:

g. Fractura do menisco interno;

h. Lise da cortical do prato tibial;

i. Quisto ósseo;

j. Esclerose óssea interna e circundante;

k. Claudicação evidente da marcha, com agravamento por sucessiva degradação artrósica da articulação em causa (q. 54º);

48-Lesões essas que determinaram uma IPP de 31,4% (q. 55º);

49-O 2º A. trabalhava então  como vendedor ambulante, juntamente com a A. Mulher, na venda de cutelarias, fainças e ferragens (q. 57º);

50-Desenvolviam essa actividade em nome da 1ª A. (q. 58º);

51-Era o 2º quem conduzia a viatura da 1ª A., com ela provendo-se os necessários fornecimentos junto das empresas e deslocando-se nela aos diferentes locais ou feiras do país para concretizar as vendas (q. 60º);

52-O 2º autor esteve totalmente impossibilitado de trabalhar nessa sua actividade e em qualquer outra desde a data do acidente até 22.02.1998 (q. 62º);

53-Por via do acidente ao autor danificaram-se-lhe irremediavelmente variadíssimas mercadorias da sua actividade (q. 63º);

54-O 2º A era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora (q. 65º);

55-Em consequência do acidente, o 2º autor viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias (q. 66º);

56-E para suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores (q. 67º);

57-Foi submetido o 2º A a longo e complicado tratamento ambulatório (q. 69º);

58-Durante o qual teve que suportar dores intensas, além das que teve que suportar aquando do acidente (q. 70º);

59-Confrontado mesmo com a possibilidade de, no próprio local, vir a falecer (q. 71º);

60-O 2º autor ficou a padecer de sequelas, algumas delas notórias como a claudicação (q. 72º);

61-O que muito o entristece e profundamente o deprime, além das dores que tem que suportar (q. 73º)

62-A 2ª A, por via do acidente referido em a) sofreu várias equimoses e lacerações no braço direito, região dorsal, hemitórax direito, coxa e perna direitas (q. 74º);

63-A 2ª autora sujeitou-se, durante 45 dias, ao respectivo tratamento ambulatório (q. 77º);

64-Sofreu dores intensas na altura do acidente, que se prolongaram ainda por todo o período ambulatório, que se traduziu em dores, incómodos e aborrecimentos (q. 78º);

65-Os salvados do UD valiam Esc. 250.000$00 (q. 80º);

66-Em consequência do acidente referido em a), e por causa da assistência referida em 52, despendeu o Hospital Distrital de Pombal a quantia de Esc. 25.205$00 (q. 81º);

67-Em consequência do acidente referido em a) a 2ª autora foi assistida em 26.08.1997 no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia (q. 82º);

68-Os encargos do tratamento referido em 82 importaram a quantia de Esc. 12.010$00 (q. 83º);

69-Os encargos com a assistência hospitalar do autor importaram na quantia de Esc. 25.205$00 (q. 84º).

                                III)- MÉRITO DO RECURSO

A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado que é pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, todos do CPC), passa, fundamentalmente, pela análise das seguintes questões:

1ª-Saber se ao Autor/B....é devida indemnização por danos patrimoniais e, no caso afirmativo, qual o seu montante;

2ª-Determinar o “quantum” indemnizatório devido ao mesmo Autor a título de danos não patrimoniais.

III-1)- Vejamos a 1ª questão.

Ficou definitivamente fixada a culpa na produção do acidente, imputada por inteiro ao condutor do veículo pesado de mercadorias de matrícula NT-91-27, seguro na Ré, ora Apelada.

O Apelante pediu, na petição inicial, a título de danos patrimoniais, a quantia de Esc. 17.250.000$00, improcedendo na totalidade tal pretensão. Pugna agora, no recurso, por uma indemnização no montante de € 45.000,00.

A este respeito, com interesse, ficou provada a seguinte factualidade:

-Como consequência directa e necessária do descrito acidente, o Autor B....sofreu:

a. Traumatismo crâneo-encefálico, de que lhe resultaram feridas lacero-contusas no couro cabeludo e face;

b. feridas lacero-contusas nos membros inferiores;

c.  fractura do prato tibial externo esquerdo;

d.  fractura do prato tibial externo esquerdo;

e.  arrancamento do côndito-femural interno ( N.º 44 supra)

-Por persistência de gonalgia à esquerda, com claudicação hidratrose desta articulação, efectuou  TAC em Dezembro de 1997, que revelou:
a. fractura do menisco interno;
b. lise da cortical do prato tibial;
c. quisto ósseo;
d. esclerose óssea interna e circundante;
e. claudicação evidente da marcha, com agravamento por sucessiva degradação artrósica da articulação em causa    ( n.º 47)

-Lesões essas que determinaram uma IPP de 31,4%     ( n.º 48)

-O Autor B....trabalhava então como vendedor ambulante, juntamente com a Autora mulher (C....), na venda de cutelarias, faianças e ferragens, desenvolvendo essa actividade em nome da Autora A…          (ns.º 49 e 50) 

-Era o B....que conduzia a viatura pertencente à Autora A…., com ela provendo-se os necessários fornecimentos junto das empresas e deslocando-se nela aos diferentes locais ou feiras do país para concretizar vendas    ( n.º 51)

-O Autor B....esteve totalmente impossibilitado de trabalhar nessa sua actividade e em qualquer outra desde a data do acidente (22.08.1997) até 22.02.1998          (n.º 52)

-Por via do acidente ao Autor danificaram-se-lhe irremediavelmente variadíssimas mercadorias da sua actividade   (n.º 53)

-O Autor era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora    ( n.º 53)

-Em consequência do acidente, o Autor viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias e para suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores   (ns.º 55 e 56)

Na sentença sob exame, e neste âmbito, observou-se que “quanto aos danos patrimoniais pela análise da matéria de facto resulta que o segundo autor não logrou provar, como lhe competia, a sua perda da capacidade de ganho, apenas logrando provar que esteve totalmente incapacitado de trabalhar desde a data do acidente até 22.02.1998. Na verdade, o autor só logrou provar que trabalhava como vendedor ambulante, na venda de cutelarias, faianças e ferragens, desenvolvendo essa actividade em nome da 1ª autora, pelo que não é possível calcular a perda de ganho que sofreu em virtude do acidente”.

Que dizer?

É certo ter o Autor alegado, na petição, que auferia um rendimento mensal de 150.000$00, mas tal facto não se provou. Mas, apesar disso, é incontroverso que o Autor ficou diminuído na sua capacidade de ganho, com uma IPP de 31,4%, a justificar o arbitramento de uma indemnização por danos futuros ou lucros cessantes.  

Como vem sendo frequentemente assinalado na jurisprudência, deve ser atribuída indemnização por dano futuro, mesmo que o lesado com incapacidade não exerça profissão remunerada, e mesmo que a IPP não afecte o exercício da sua profissão ou não acarrete efectiva perda ou diminuição da sua retribuição[1]

Segundo o n.º 2 do art. 564º do CC, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Nos termos do n.º 3 do art. 566º do mesmo diploma, “se não puser ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

Como é evidente, sendo previsível o dano futuro que advém para o Autor da perda da capacidade de ganho é de todo impossível averiguar com rigor matemático o valor exacto dos danos. Daí que a jurisprudência venha defendendo que em relação ao futuro a indemnização deve ser calculada em referência ao tempo provável de vida activa do lesado de forma a representar um capital produtor de rendimento a certa taxa de juro que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período. Para tal recorrendo a certas tabelas financeiras, entendidas estas como meros instrumentos auxiliares de trabalho, porque, em última análise, sempre prevalecerão juízos prudenciais e de equidade[2].  Este é, pois, o único critério legal.

No caso ajuizado, trabalhando o Autor como vendedor ambulante, não se apurou, todavia, o montante dos rendimentos do seu trabalho, conforme resposta negativa ao quesito 61. Em termos de equidade deverá, então, recorrer-se ao salário mínimo nacional que, na data da alta (22.02.1998), estava fixado em Esc. 58.900$00, conforme DL n.º 35/98, de 18.02. Nessa data, o Autor tinha 48 anos, pois nascera no dia 20.12. 1949 (cfr. certidão nascimento, junta a fls. 458).  Ponderando o tempo provável de vida activa até aos 70 anos, a IPP de 31,4%, recorrendo à tabela financeira aludida no acórdão do STJ, de 05.05.94, publicada na CJ 1994, 2º, p. 86, e aceitando uma taxa de juro de 4,5%, obtém-se a quantia aproximada de € 17,803, correspondente ao dito capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período de 22 anos. Mas atendendo a que os salários tenderão a crescer, devido, nomeadamente, à inflação, ganhos de produtividade e até promoções profissionais[3], julga-se equitativo elevar aquele valor para € 20.000,00. Estando o Autor totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 22.02.1998, data da consolidação médico-legal das lesões, perdeu, durante esse período, rendimentos no montante de Esc. 353.400$00, equivalente a € 1.763, 00, por arredondamento.   

Por outro lado, tendo ficado variadíssimas mercadorias da actividade do Autor irremediavelmente danificadas em consequência do acidente, não se tendo apurado o valor reclamado (Esc. 1.000.000$00), é de remeter para ulterior liquidação a determinação de seu valor (n.º2 do art. 661º do CPC).

Consequentemente, procedem apenas parcialmente as conclusões 1ª a 10ª inclusive.

III-2)- Analisemos agora a 2ª questão.

Na tese do Apelante deve a indemnização por danos não patrimoniais ser fixada no montante de € 25.000,00, tendo reclamado na petição inicial quantia não inferior a 2.000.000$00[4]. Foi a indemnização fixada em € 9.975,96.

Ao conhecimento de tal pedido releva a seguinte factualidade assente, para além das lesões resultantes do acidente:

-Foi submetido o Autor a longo e complicado tratamento ambulatório, durante o qual teve de suportar dores intensas, além das que teve que suportar aquando ao acidente, confrontado mesmo com a possibilidade de, no próprio local, vir a falecer – (ns.º 57, 58 e 59);

-Ficou a padecer de sequelas, algumas delas notórias como a claudicação, o que muito o entristece e profundamente deprime, além das dores que tem de suportar ( ns.º 60 e 61);

-À data do acidente era uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora.

Também neste domínio, conforme estabelece o n.º3 do art. 496º do CC, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º.

Tendo em conta a finalidade prosseguida pela indemnização por danos não patrimoniais, os padrões seguidos na jurisprudência na valoração de tais danos, as lesões sofridas pelo Autor e a sequelas que subsistem, afigura-se-nos adequada e justa a indemnização arbitrada no montante € 9.975,96, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação.

Improcedem, pois, as conclusões 11ª a 16ª.

                                       IV)- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:

1-Conceder parcial provimento ao recurso.

2-Revogar em parte a sentença impugnada, condenando a Ré seguradora a pagar ao Autor B....a quantia de € 21.763,00 (vinte mil setecentos e sessenta e três euros), a título de indemnização por danos patrimoniais pela perda da capacidade de ganho, acrescida tal quantia de juros, à taxa legal, desde a data da citação, ficando relegada para ulterior liquidação o cálculo da indemnização devida pela perda da mercadoria da actividade do Autor.

3-Manter a sentença quanto ao mais decidido.

4-Condenar o Autor e Ré nas custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.


[1] Cfr. acórdãos da Relação do Porto, sumariados no  BMJ n.º 445, p. 607 e no BMJ n.º 435º, p. 903;  do STJ na CJ 1994, 2º, p. 101no BMJ 470º, p. 569, de 12.03.2002 e de 29.01.2002, disponível, respectivamente,  em JSTJ00042866/ITIJNET e JST00042718/ITIJNET, de 06.05.2003, in www.dgsi.pt, de 20.05.2003, in www.dgsi.pt;  desta Relação, na CJ 2006, 3º, p. 28,  na CJ 1992, 2º, p. 45  e sumariado no BMJ n.º 476, p. 497.
[2] Acórdãos do STJ, publicados no BMJ n.º 357º, p. 396, no BMJ n.º 283º, p. 260, no BMJ n.º 421º, p. 414; no BMJ n.º 420º, p. 507, na CJ 1993, 1º, p. 128; na CJ 1994, 2º, p. 86; na CJ 1997, 2º, p. 11,  de 08.03.2001 e 26.05.2003, disponíveis in www.dgsi.pt;, desta Relação, publicado na CJ 1995, 2º, p. 23.
[3] Cfr. acórdão desta Relação, publicado na CJ 1995, 2º, p. 23 e segs.
[4] Nada obsta a que a condenação exceda tal quantia, porque os limites da condenação contidos no art. 661º do CPC entendem-se referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do montante indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo.