Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERREIRA DE BARROS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | POMBAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 564º, N.º2 E 566º, N.º3 DO CC DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. No cálculo da indemnização por IPP prevalece, em última análise e de acordo com a lei, um julgamento de equidade, na medida em que, sendo futuros, é impossível averiguar o valor exacto dos danos. 2. As tabelas financeiras, a que recorre amiúde a jurisprudência a fim de obter um capital produtor de rendimento a certa taxa de juro que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do tempo provável de vida activa do lesado, valem apenas como meros instrumentos auxiliares de trabalho. 3. Não provando o lesado a retribuição alegada, mas tendo ficado afectado de IPP, deve ser fixada uma indemnização tendo em conta o salário mínimo nacional em vigor ao tempo da alta. 4. Ao lesado deve sempre ser arbitrada indemnização por IPP, mesmo que não exerça profissão remunerada ou a IPP não acarrete perda ou diminuição da retribuição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I) – RELATÓRIO Alegaram, para tanto e em síntese, que no dia 22 de Agosto de 1997, pelas 17h45m, na EN nº 1, ao km 157,550, em Pombal, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes três auto-pesados de mercadorias. Acrescentam que ditos veículos circulavam no sentido Sul/Norte, ocupando todos eles a hemi-faixa da direita, atento o referido sentido de marcha, sendo que o XT circulava à frente do UD e atrás deste o NT. Todavia, ao chegar ao local do acidente, o XT reduziu a velocidade porque pretendia mudar de direcção para a direita. O A. B…., condutor do UD, apercebendo-se de tal manobra, travou, conseguindo imobilizar o veículo a uma distância de, pelo menos, 5 metros do XT. Porém, o condutor do NT apercebeu-se tardiamente de tal movimentação, foi embater violentamente na rectaguarda do lado esquerdo do UD, projectando-o para a berma do lado direito e contra a rectaguarda do lado direito do XT. O acidente foi devido a culpa exclusiva do condutor do veículo NT, seguro na Ré. Como consequência directa e necessária do acidente, a viatura UD, pertencente à primeira A. sofreu danos que tornaram economicamente desaconselhável a sua reparação. Por outro lado, também por causa do acidente o A. B.... e a A. C.... sofreram ferimentos vários.
Regularmente citada, a Ré contestou, alegando que o acidente em causa nos autos ocorreu de forma diferente da descrita na petição inicial, concluindo que foi o veículo UD, conduzido pelo Autor, o único responsável pelo acidente. Concluiu pela improcedência da acção.
A fls. 76 e seguintes, o Hospital Distrital de Pombal veio deduzir o seu direito de crédito, alegando, em síntese, que em consequência do acidente de viação em causa nos autos deu entrada naquele Hospital, em 22.08.97, o A. Os encargos decorrentes da assistência que lhe foi prestada importaram em 25.202$00. Termina pedindo a liquidação do referido crédito, no montante de 25.202$00, acrescido de juros vencidos, no montante de 3.529$00, bem como dos juros vincendos.
Por despacho de fls. 124 foi determinada a apensação aos presentes autos do Proc. nº 4/2001 que corria termos no Tribunal de Vila Nova de Gaia. Através deste processo, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia intentou acção, sob a forma de processo sumaríssimo, contra a Companhia de Seguros Global, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de Esc. 15.092$00, por assistência à A. C...., acrescida aquela quantia dos juros vincendos até integral pagamento. Acrescenta que a referida assistência decorreu dos ferimentos que a assistida apresentava em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 22.08.97, no qual foi interveniente RS….., o qual circulava por ordem e no interesse do proprietário do veículo, sendo que este havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 92024746. Regularmente citada, a Ré contestou, alegando que o direito à cobrança dos referidos créditos encontra-se prescrito. Por outro lado, acrescenta que o acidente em causa ocorreu de forma diferente da descrita pelo A. não restando dúvidas de que foi o condutor do UD o único responsável pelo acidente. Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e a sua absolvição do pedido. Por despacho de fls. 38 do processo apenso foi julgada improcedente a excepção da prescrição invocada pela ré.
Após prolação do despacho saneador e selecção da factualidade relevante, foi admitida a intervenção espontânea do Hospital Distrital de Pombal, tendo sido aditada a matéria assente e a base instrutória. Uma vez realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e provada, tendo a Ré sido condenada a pagar -à A. A....a quantia de € 7.232,57, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. -ao A. B....a quantia de € 9.975,96, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; -à A. C.... a quantia de € 1.496, 39, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; -ao Hospital Distrital de Pombal a quantia de € 125,72, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; -ao Centro Hospital de Vila Nova de Gaia a quantia de € 59,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Irresignado com o julgado da 1ª instância, apelou o A. B…., extraindo da sua alegação as seguintes conclusões: 1ª-As respostas aos quesitos 54º, 55º, 57º, 58º, 60º, 62º, 63º, 5º, 66º, 67º e 72º da base instrutória inculcam-nos seguramente a convicção de que o acidente não se traduziu para o A. B....num dano de natureza meramente biológica, mas numa efectiva perda de capacidade de ganho; 2ª-Tendo o A. Júlio, à data do acidente, a actividade ou profissão de condutor de veículos pesados e de vendedor ambulante, é inquestionável que as lesões e sequelas que lhe resultaram do acidente, se traduziram e traduzem numa efectiva perda de ganho; 3ª-Por isso mesmo conforme resposta ao quesito 6º, o A. viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias; 4ª-Por isso mesmo é que conforme resposta ao quesito 67º, o A. viu diminuída a sua capacidade de suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores; 5ª-Aliás, essa perda é evidenciada pela natureza das sequelas de que o A. padece, designadamente a notória claudicarão ao nível dos membros inferiores, em consonância com o grau de IPP de 31,4 %, que lhe é atribuída (resposta ao quesito 55º); 6ª-Não há pois qualquer justificação para que ao A. B....não fosse arbitrada indemnização por danos patrimoniais ou, pelo menos, que a sua quantificação não fosse relegada para liquidação em execução de sentença, face à não determinação da sua remuneração mensal e à ausência da sua certidão de nascimento; 7ª-Com o recurso, porém, à equidade, alcançamos a remuneração mensal mínima, à data do acidente, que era de € 350,00 e com o recurso aos diferentes documentos identificativos existentes nos autos e agora também à certidão de nascimento, parece-nos ser possível a fixação da indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e a sofrer pelo A.; 8ª-E que parcimoniosamente calculamos em € 45.000.00, importância a que deverá acrescer juros, à taxa legal, a partir da citação, uma vez que o cálculo efectuado foi realizado com base no salário mínimo nacional à data do sinistro; 9ª-Tendo ainda em conta que o A. B....era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora; 10ª-Esclarecendo-se, por outro lado, que se inclui nesse montante a indemnização correspondente ao período compreendido entre a data do acidente e 22.02.1998, durante o qual o A. B....esteve totalmente impossibilitado de trabalhar e as próprias variadíssimas danificações irrecuperáveis de mercadorias da sua actividade (respostas aos quesitos 62º e 63º); 11ª-Por outro lado, a gravidade e lesões de que padece o A. B....tem uma dimensão tal que não se compadece com a atribuição de uma indemnização de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia que corresponde à peticionada; 12ª-Impõe-se a correcção desse valor face ao tempo decorrido desde a propositura da acção, há mais de 8 anos; 13ª-Trata-se objectivamente de lesões e sequelas muito graves que marcaram profundamente a vida do A. Júlio, que se vê obrigado a conviver com dores e limitações, vergado a tão pesado fardo: 14ª-Razões suficientes para que o montante actualizado da indemnização por danos não patrimoniais seja fixado no montante de € 25.000,00, com juros legais a partir da prolação do acórdão, valor que cabe dentro do pedido global formulado pelo A. Júlio; 15ª-Foram violadas, entre outras, as disposições do n.º3 do art 496º, 562º, 563º, n.ºs 1 e 2 do art. 564º e n.sº 2 e 3 do art. 566º, todos do CC.
A Ré contra-alegou em defesa do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II)- OS FACTOS
Na sentença impugnada foi dada por assente a seguinte factualidade: 1- No dia 22 de Agosto de 1997, pelas 17h45m, na EN nº 1, ao km 157,550, em Pombal, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes: -o A. B…., conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula UD-00-11, propriedade da A. A....Esteves; -Reinaldo Gabriel da Silva Serafim, conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula NT-91-27 e C-29645; -Leonel dos Santos Silva, conduzindo o auto-pesado de mercadorias de matrícula XT-72-03, sob as ordens, direcção, no interesse e ao serviço da sua entidade patronal “Transportes NC, Ldª” (al. a); 2-A proprietária do NT-91-27 e C29645 havia transferido a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação com essa mesma viatura para a ré Seguradora, mediante a apólice nº 92024746, que titulava o respectivo contrato de seguro então em vigor (al. b); 3-Os veículos circulavam no sentido Sul-Norte (al. c); 4-No local do acidente, a via tem duas faixas de rodagem no sentido Sul-Norte, seguindo todos os veículos pela faixa mais à direita (al. d); 5-O condutor do XT pretendia mudar de direcção para a sua direita, saindo da via nacional (al. e); 6-Em consequência do acidente referido em 1, o autor B....sofreu lesões (al. f); 7-Na sequência do acidente, o autor deu entrada no Hospital Distrital de Pombal, no dia 22.08.1997 (al. g); 8-O condutor do NT conduzia este veículo sob as ordens, direcção, no interesse e ao serviço da sua entidade patronal “P…&…., LDA” 9-O local referido em a) é uma recta com visibilidade superior a 100 m para um e outro lado (q. 2º); 10-As duas faixas de rodagem referidas em d) estão separadas da faixa de rodagem de sentido oposto por duas linhas longitudinais contínuas (q. 4º); 11-Estava bom tempo (q. 5º); 12-O piso estava em bom estado de conservação e encontrava-se seco (q. 6º); 13-As três viaturas intervenientes circulavam no sentido Sul/Norte da referida via nacional, fazendo-o o XT-72-03 à frente do UD-00-11 e atrás deste o NT-91-27 e C29645 (q. 7º); 14-Ocupando todas elas a hemi-faixa da direita, atento o assinalado sentido Sul/Norte (q. 8º); 15-Ao chegar ao local do acidente, a viatura XT-72-03 reduziu a velocidade de que vinha animada (q. 9º); 16-Apercebendo-se de tal manobra, o A. B....travou (q. 10º); 17-O condutor do NT-91-27 e C29645 foi embater na rectaguarda do lado esquerdo do UD (q. 11º); 18-Projectando esta viatura para a berma do lado direito do referido sentido de marcha e contra a rectagurada da lado direito do XT-72-05 (q. 12º); 19-Viatura essa que, ainda antes de se imobilizar na respectiva berma e contra o XT capotou, acabando por ficar apoiada sobre a sua parte lateral esquerda (q. 13º); 20-A berma referida tem a largura de 1 metro (q. 14º); 21-A viatura NT imobilizou-se depois de haver derrubado no seu trajecto duas árvores (q. 16º); 22-O embate entre o NT e o UD ocorreu na hemi-faixa de rodagem da direita (q. 17º); 23-O UD ia carregado de mercadorias (q. 21º); 24-A via no local referido em a) é de boa visibilidade, em traçado recto (q. 22º); 25-O veículo NT circulava na faixa mais à direita das duas existentes no sentido Leiria – Coimbra (q. 24º); 26-O veículo UD circulava à frente do NT (q. 26º); 27-O XT circulava à frente do UD (q. 27º); 28-O condutor do XT accionou o sinal de mudança de direcção para a direita (q. 28º); 29-O condutor do NT accionou o sinal de mudança de direcção para a esquerda (q. 31º); 30-O veículo UD continuava a circular pela faixa mais à direita e na rectaguarda do XT (q. 32º); 31-Verificando-se o embate entre a frente do lado direito do veículo XT e a rectaguarda esquerda do UD (q. 35º); 32-O condutor do NT não conseguiu evitar o embate (q. 37º); 33-Após o embate, o veículo UD rodopiou e foi embater com o lado esquerdo na rectaguarda lateral direita do XT (q. 39º); 34-O veículo UD capotou e ficou imobilizado com a parte lateral esquerda assente no solo (q. 40º); 35-O condutor do NT, após embater no UD, perdeu o controle do mesmo e em diagonal sobre a direita saiu do asfalto, entrou nas terras e ficou imobilizado naquele local (q. 41º); 36-Como consequência directa e necessária do descrito acidente, a viatura UD sofreu danos na carroçaria, na cabine, na coluna da direcção, no chassis e nos farolins e taipal da rectaguarda (q. 42º); 37-Que tornaram economicamente desaconselhável a sua reparação (q. 43º); 38-Os danos referidos em 43 demandavam uma reparação de montante não inferior a Esc. 2.188.134$00 (q. 44); 39-A viatura UD era de marca Mitsubishi a Diesel do ano de 1989 (q. 45º); 40-A viatura UD encontrava-se em bom estado de conservação (q. 46); 41-A proprietária do UD procedia regularmente às periódicas revisões (q. 47); 42-A viatura UD tinha comercialmente à data do acidente um valor de cerca de Esc. 1.500.000$00 (q. 48º); 43-A viatura UD em estado de novo custa cerca de Esc. 4.000.000$00 (q. 50º); 44-Como consequência directa e necessária do descrito acidente, o 2º A sofreu: a. Traumatismo crâneo-encefálico, de que lhe resultaram feridas lacero-contusas no couro cabeludo e face; b. Feridas lacero-contusas nos membros inferiores; c. Fractura do corpo da omoplata direita; d. Fractura do prato tibial externo esquerdo; e. Fractura do colo do peróneo direito; f. Arrancamento do côndilo-femural interno (q. 51º); 45-Lesões às quais foi socorrido na Urgência do Hospital Distrital de Pombal (q. 52º); 46-Sendo logo após transferido para o C. H. de Coimbra, onde foi imobilizado com aparelho gessado cruropodálico (q. 53º); 47-Por persistência de gonalgia à esquerda, com claudicação hidrartrose desta articulação, efectuou o 2º A TAC em Dezembro de 1997, que revelou: g. Fractura do menisco interno; h. Lise da cortical do prato tibial; i. Quisto ósseo; j. Esclerose óssea interna e circundante; k. Claudicação evidente da marcha, com agravamento por sucessiva degradação artrósica da articulação em causa (q. 54º); 48-Lesões essas que determinaram uma IPP de 31,4% (q. 55º); 49-O 2º A. trabalhava então como vendedor ambulante, juntamente com a A. Mulher, na venda de cutelarias, fainças e ferragens (q. 57º); 50-Desenvolviam essa actividade em nome da 1ª A. (q. 58º); 51-Era o 2º quem conduzia a viatura da 1ª A., com ela provendo-se os necessários fornecimentos junto das empresas e deslocando-se nela aos diferentes locais ou feiras do país para concretizar as vendas (q. 60º); 52-O 2º autor esteve totalmente impossibilitado de trabalhar nessa sua actividade e em qualquer outra desde a data do acidente até 22.02.1998 (q. 62º); 53-Por via do acidente ao autor danificaram-se-lhe irremediavelmente variadíssimas mercadorias da sua actividade (q. 63º); 54-O 2º A era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora (q. 65º); 55-Em consequência do acidente, o 2º autor viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias (q. 66º); 56-E para suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores (q. 67º); 57-Foi submetido o 2º A a longo e complicado tratamento ambulatório (q. 69º); 58-Durante o qual teve que suportar dores intensas, além das que teve que suportar aquando do acidente (q. 70º); 59-Confrontado mesmo com a possibilidade de, no próprio local, vir a falecer (q. 71º); 60-O 2º autor ficou a padecer de sequelas, algumas delas notórias como a claudicação (q. 72º); 61-O que muito o entristece e profundamente o deprime, além das dores que tem que suportar (q. 73º) 62-A 2ª A, por via do acidente referido em a) sofreu várias equimoses e lacerações no braço direito, região dorsal, hemitórax direito, coxa e perna direitas (q. 74º); 63-A 2ª autora sujeitou-se, durante 45 dias, ao respectivo tratamento ambulatório (q. 77º); 64-Sofreu dores intensas na altura do acidente, que se prolongaram ainda por todo o período ambulatório, que se traduziu em dores, incómodos e aborrecimentos (q. 78º); 65-Os salvados do UD valiam Esc. 250.000$00 (q. 80º); 66-Em consequência do acidente referido em a), e por causa da assistência referida em 52, despendeu o Hospital Distrital de Pombal a quantia de Esc. 25.205$00 (q. 81º); 67-Em consequência do acidente referido em a) a 2ª autora foi assistida em 26.08.1997 no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia (q. 82º); 68-Os encargos do tratamento referido em 82 importaram a quantia de Esc. 12.010$00 (q. 83º); 69-Os encargos com a assistência hospitalar do autor importaram na quantia de Esc. 25.205$00 (q. 84º).
III)- MÉRITO DO RECURSO
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado que é pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, todos do CPC), passa, fundamentalmente, pela análise das seguintes questões: 1ª-Saber se ao Autor/B....é devida indemnização por danos patrimoniais e, no caso afirmativo, qual o seu montante; 2ª-Determinar o “quantum” indemnizatório devido ao mesmo Autor a título de danos não patrimoniais.
III-1)- Vejamos a 1ª questão. Ficou definitivamente fixada a culpa na produção do acidente, imputada por inteiro ao condutor do veículo pesado de mercadorias de matrícula NT-91-27, seguro na Ré, ora Apelada. O Apelante pediu, na petição inicial, a título de danos patrimoniais, a quantia de Esc. 17.250.000$00, improcedendo na totalidade tal pretensão. Pugna agora, no recurso, por uma indemnização no montante de € 45.000,00.
A este respeito, com interesse, ficou provada a seguinte factualidade: -Como consequência directa e necessária do descrito acidente, o Autor B....sofreu: a. Traumatismo crâneo-encefálico, de que lhe resultaram feridas lacero-contusas no couro cabeludo e face; b. feridas lacero-contusas nos membros inferiores; c. fractura do prato tibial externo esquerdo; d. fractura do prato tibial externo esquerdo; e. arrancamento do côndito-femural interno ( N.º 44 supra) -Por persistência de gonalgia à esquerda, com claudicação hidratrose desta articulação, efectuou TAC em Dezembro de 1997, que revelou: -Lesões essas que determinaram uma IPP de 31,4% ( n.º 48) -O Autor B....trabalhava então como vendedor ambulante, juntamente com a Autora mulher (C....), na venda de cutelarias, faianças e ferragens, desenvolvendo essa actividade em nome da Autora A… (ns.º 49 e 50) -Era o B....que conduzia a viatura pertencente à Autora A…., com ela provendo-se os necessários fornecimentos junto das empresas e deslocando-se nela aos diferentes locais ou feiras do país para concretizar vendas ( n.º 51) -O Autor B....esteve totalmente impossibilitado de trabalhar nessa sua actividade e em qualquer outra desde a data do acidente (22.08.1997) até 22.02.1998 (n.º 52) -Por via do acidente ao Autor danificaram-se-lhe irremediavelmente variadíssimas mercadorias da sua actividade (n.º 53) -O Autor era, à data do acidente, uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora ( n.º 53) -Em consequência do acidente, o Autor viu diminuída a sua capacidade de conduzir para longas distâncias e para suportar horas seguidas apoiado sobre os membros inferiores (ns.º 55 e 56)
Na sentença sob exame, e neste âmbito, observou-se que “quanto aos danos patrimoniais pela análise da matéria de facto resulta que o segundo autor não logrou provar, como lhe competia, a sua perda da capacidade de ganho, apenas logrando provar que esteve totalmente incapacitado de trabalhar desde a data do acidente até 22.02.1998. Na verdade, o autor só logrou provar que trabalhava como vendedor ambulante, na venda de cutelarias, faianças e ferragens, desenvolvendo essa actividade em nome da 1ª autora, pelo que não é possível calcular a perda de ganho que sofreu em virtude do acidente”.
Que dizer? É certo ter o Autor alegado, na petição, que auferia um rendimento mensal de 150.000$00, mas tal facto não se provou. Mas, apesar disso, é incontroverso que o Autor ficou diminuído na sua capacidade de ganho, com uma IPP de 31,4%, a justificar o arbitramento de uma indemnização por danos futuros ou lucros cessantes. Como vem sendo frequentemente assinalado na jurisprudência, deve ser atribuída indemnização por dano futuro, mesmo que o lesado com incapacidade não exerça profissão remunerada, e mesmo que a IPP não afecte o exercício da sua profissão ou não acarrete efectiva perda ou diminuição da sua retribuição[1].
Segundo o n.º 2 do art. 564º do CC, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Nos termos do n.º 3 do art. 566º do mesmo diploma, “se não puser ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Como é evidente, sendo previsível o dano futuro que advém para o Autor da perda da capacidade de ganho é de todo impossível averiguar com rigor matemático o valor exacto dos danos. Daí que a jurisprudência venha defendendo que em relação ao futuro a indemnização deve ser calculada em referência ao tempo provável de vida activa do lesado de forma a representar um capital produtor de rendimento a certa taxa de juro que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período. Para tal recorrendo a certas tabelas financeiras, entendidas estas como meros instrumentos auxiliares de trabalho, porque, em última análise, sempre prevalecerão juízos prudenciais e de equidade[2]. Este é, pois, o único critério legal.
No caso ajuizado, trabalhando o Autor como vendedor ambulante, não se apurou, todavia, o montante dos rendimentos do seu trabalho, conforme resposta negativa ao quesito 61. Em termos de equidade deverá, então, recorrer-se ao salário mínimo nacional que, na data da alta (22.02.1998), estava fixado em Esc. 58.900$00, conforme DL n.º 35/98, de 18.02. Nessa data, o Autor tinha 48 anos, pois nascera no dia 20.12. 1949 (cfr. certidão nascimento, junta a fls. 458). Ponderando o tempo provável de vida activa até aos 70 anos, a IPP de 31,4%, recorrendo à tabela financeira aludida no acórdão do STJ, de 05.05.94, publicada na CJ 1994, 2º, p. 86, e aceitando uma taxa de juro de 4,5%, obtém-se a quantia aproximada de € 17,803, correspondente ao dito capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período de 22 anos. Mas atendendo a que os salários tenderão a crescer, devido, nomeadamente, à inflação, ganhos de produtividade e até promoções profissionais[3], julga-se equitativo elevar aquele valor para € 20.000,00. Estando o Autor totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 22.02.1998, data da consolidação médico-legal das lesões, perdeu, durante esse período, rendimentos no montante de Esc. 353.400$00, equivalente a € 1.763, 00, por arredondamento.
Por outro lado, tendo ficado variadíssimas mercadorias da actividade do Autor irremediavelmente danificadas em consequência do acidente, não se tendo apurado o valor reclamado (Esc. 1.000.000$00), é de remeter para ulterior liquidação a determinação de seu valor (n.º2 do art. 661º do CPC).
Consequentemente, procedem apenas parcialmente as conclusões 1ª a 10ª inclusive.
III-2)- Analisemos agora a 2ª questão. Na tese do Apelante deve a indemnização por danos não patrimoniais ser fixada no montante de € 25.000,00, tendo reclamado na petição inicial quantia não inferior a 2.000.000$00[4]. Foi a indemnização fixada em € 9.975,96. Ao conhecimento de tal pedido releva a seguinte factualidade assente, para além das lesões resultantes do acidente: -Foi submetido o Autor a longo e complicado tratamento ambulatório, durante o qual teve de suportar dores intensas, além das que teve que suportar aquando ao acidente, confrontado mesmo com a possibilidade de, no próprio local, vir a falecer – (ns.º 57, 58 e 59); -Ficou a padecer de sequelas, algumas delas notórias como a claudicação, o que muito o entristece e profundamente deprime, além das dores que tem de suportar ( ns.º 60 e 61); -À data do acidente era uma pessoa saudável, robusta e trabalhadora.
Também neste domínio, conforme estabelece o n.º3 do art. 496º do CC, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º. Tendo em conta a finalidade prosseguida pela indemnização por danos não patrimoniais, os padrões seguidos na jurisprudência na valoração de tais danos, as lesões sofridas pelo Autor e a sequelas que subsistem, afigura-se-nos adequada e justa a indemnização arbitrada no montante € 9.975,96, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação. Improcedem, pois, as conclusões 11ª a 16ª.
IV)- DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em: 1-Conceder parcial provimento ao recurso. 2-Revogar em parte a sentença impugnada, condenando a Ré seguradora a pagar ao Autor B....a quantia de € 21.763,00 (vinte mil setecentos e sessenta e três euros), a título de indemnização por danos patrimoniais pela perda da capacidade de ganho, acrescida tal quantia de juros, à taxa legal, desde a data da citação, ficando relegada para ulterior liquidação o cálculo da indemnização devida pela perda da mercadoria da actividade do Autor. 3-Manter a sentença quanto ao mais decidido. 4-Condenar o Autor e Ré nas custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.
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