Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1737/06.6TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE – 3ª JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1072º E 1083º DO C.CIV. - NRAU (APROVADO PELA LEI Nº 6/2006, DE 27/05)
Sumário: I – No domínio do NRAU, preceitua o artº 1072º do C. Civ. que o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano (nº 1), só sendo lícito o não uso nos casos previstos no nº 2.

II – No que concerne à resolução do contrato de arrendamento, estipula o NRAU, no artº 1083º do C. Civ, que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte (nº 1); é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente…o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artº 1072º (nº 2, al. d))”.

III – Cabe aos Tribunais, com o contributo da jurisprudência e da doutrina, determinar perante cada caso, não apenas se ocorre a situação de incumprimento contratual invocada, mas também se esta, pela sua gravidade ou consequências, torna inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

IV – As situações enunciadas no nº2 do artº 1083º do C. Civ. não constituem fundamento de resolução, mas meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da cláusula geral de inexigibilidade constante do seu proémio.

V – O conceito de “não uso”, previsto na al. d) do nº 2 do artº 1083º, é um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação, bem como o seu carácter temporário ou definitivo.

VI – O “não uso” não se interrompe por simples usos intercalares, igualmente não relevando meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de desocupação em que é essencialmente mantido o espaço arrendado com o seu não uso.

VII – O diminuto uso do arrendado, com claríssimo subaproveitamento do mesmo, consubstancia uma situação integrável num conceito não meramente literal de não uso e justifica a resolução dos contratos de arrendamento, já que frustra o interesse do senhorio em evitar a desvalorização do prédio.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         A... e mulher B... , residentes na ...., intentaram acção declarativa de despejo, com processo comum e forma sumária, contra a Instituição bancária C.... , com sede na ....., pedindo a condenação da R. a despejar os locais arrendados, entregando-os aos AA. livres e devolutos de pessoas e bens, bem como no pagamento das rendas que se vencerem até à entrega efectiva.

         Para tanto os AA. alegaram, em síntese, que o A. marido é dono  e legítimo possuidor dos imóveis que identificam, os quais se encontram arrendados à R. e que esta, desde finais de 2003, os não usa, tendo encerrado o balcão que aí funcionava e mantendo no local apenas uma “Caixa Multibanco”.

         A R. contestou pugnando pela improcedência da acção e pela consequente absolvição do pedido. Alegou, nesse sentido, em resumo, que além da “Caixa Multibanco” mantém nos imóveis arrendados outros serviços, nomeadamente arquivos e cofres, assim lhes dando um uso permitido pelos contratos de arrendamento.

         Saneada, condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 171 a 173 decidindo a matéria de facto controvertida.

         Foi depois emitida a sentença de fls. 175 a 183 julgando a acção improcedente e absolvendo a R. do pedido.

         Inconformados, os AA. apelaram e na alegação de recurso apresentada formularam as conclusões seguintes:

1 - Os contratos de arrendamento celebrados entre os contratantes tiveram como fim, o primeiro, a instalação de dependência ou de quaisquer outros serviços do banco e, depois, quanto aos demais contratos, a ampliação desses mesmos serviços;

2 - Desde Dezembro de 2003, a R. encerrou o balcão do banco que funcionava na designada Praça do Vidreiro (antiga Praceta Victor Gallo);

3 - Nessa mesma altura, a R. informou os seus clientes que os serviços prestados pela agência da Praça do Vidreiro passavam a ser efectuados na agência 0441, ou seja, na agência em frente aos bombeiros;

4 - Os serviços da R. fizeram afixar no interior do estabelecimento em causa, na porta da entrada por forma a ser visível do exterior, um aviso contendo tal informação;

5 - Nesse aviso refere-se a data em que os serviços do balcão da Praça do Vidreiro passaram a ser prestados no outro balcão, ou seja, a partir de 15-12-2003;

6 - Desde 2003 que o balcão que funcionava na Praça do Vidreiro deixou de estar aberto ao público;

7 - A ré tapou por completo os vidros no interior, permanecendo assim desde 2003;

8 - Naquela que foi durante largos anos a entrada da agência da Praça do Vidreiro era visível, em determinadas alturas, a acumulação de lixo e pó;

9 - A R. deixou de usar os locais arrendados para o fim a que os mesmos se destinavam;

10 - O facto da R. manter no local “uma máquina de multibanco”, arquivo e serviços internos (?) não pode considerar-se efectiva utilização do local para o fim para que foi arrendado;

11 - Atendendo à dimensão dos espaços, à actividade da R. bem como ao fim para que os mesmos foram arrendados, os factos supra mencionados revelam incumprimento grave da R. em relação aos seus deveres enquanto arrendatária;

12 - Tal violação é fundamento de resolução dos contratos de arrendamento, devendo a mesma ser decretada e ordenada a entrega dos locais arrendados aos AA.;

13 - A douta sentença violou, por isso, o disposto nos artigos 1.038º, 1.072º nº 1 e 1.083º nº 2 todos do Código Civil.

A apelada respondeu defendendo a manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.


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         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil[1], é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se, face à factualidade provada, havia ou não fundamento para o decretamento da resolução dos contratos de arrendamento e consequente despejo da R.


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         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem havendo razões para oficiosamente a alterar, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância e que é a seguinte:

1) O A. marido é dono e legítimo possuidor de diversas fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “I”, “J”, “K”, “L”, “N” e “O” do prédio o urbano constituído em propriedade horizontal sito na actual Praça do Vidreiro, freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o n.º 3175 do Livro B-9, a fls. 129 vs. e lá registado a favor do A. marido [al. A) dos factos assentes após os articulados].

2) O A. marido é dono e legítimo possuidor das fracções “A” a “D” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na actual Praça do Vidreiro, freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº 3175 do Livro B-9, a fls. 129 vs. e lá registado a favor do A. marido [al. B) dos factos assentes após os articulados].

3) As fracções referidas em A) e B) vieram à posse e propriedade dos AA. por doação e mercê da partilha efectuada por falecimento de D... e, posteriormente, pelo falecimento de E... [al. C) dos factos assentes após os articulados].

4) No dia 14 de Abril de 1966 o seu anterior proprietário, D...., deu de arrendamento ao banco F... a loja do lado esquerdo que fazia parte integrante de um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave sito na então denominada Praceta Victor Gallo, freguesia e concelho da Marinha Grande, então omisso na matriz predial da freguesia da Marinha Grande e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria [al. D) dos factos assentes após os articulados].

5) No dia 3 de Maio de 1971 o seu anterior proprietário, D...., deu de arrendamento ao banco F.... a loja do lado esquerdo, contígua à loja onde então estava instalada a dependência daquele banco, que fazia parte integrante de um conjunto de prédios urbanos sitos na então denominada Praceta Victor Gallo, inscrito sob o artigo 6126 da respectiva matriz predial da freguesia da Marinha Grande e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria [al. E) dos factos assentes após os articulados].

6) No dia 20 de Abril de 1972 o seu anterior proprietário, D...., deu de arrendamento ao F.... uma parte da cave com a área de 207 m2 correspondente à parte que, no piso superior, era objecto de arrendamento celebrado por escritura de 1966, que fazia parte integrante de um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave sito na então denominada Praceta Victor Gallo, freguesia e concelho da Marinha Grande, inscrito sob o artigo 5654 da respectiva matriz predial da freguesia da Marinha Grande e descrito, então, na Conservatória do Registo Predial de Leiria [al. F) dos factos assentes após os articulados].

7) No dia 21 de Abril de 1972 o seu anterior proprietário, D...., deu de arrendamento ao F.... uma parte da cave com a área de 168 m2 correspondente à parte que, no piso superior, era objecto de arrendamento celebrado por escritura de 1971, que fazia parte integrante de um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave sito na então denominada Praceta Victor Gallo, freguesia e concelho da Marinha Grande, inscrito sob o artigo 6126 da respectiva matriz predial da freguesia da Marinha Grande e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria [al. G) dos factos assentes após os articulados].

8) Após a celebração dos contratos de arrendamento entre os referidos D.... e F...., os prédios onde se integravam os espaços arrendados foram constituídos em propriedade horizontal [al. H) dos factos assentes após os articulados].

9) A parte ocupada mais a nascente pela agência da R., virada para a Praça do Vidreiro, ocupa parte da fracção "D" (rés-do-chão) e parte da fracção "A" (cave) do prédio identificado em A) [al. I) dos factos assentes após os articulados].

10) A parte ocupada mais a poente pela agência R., virada para a Praça do Vidreiro e Rua Prof. Dr. Virgílio de Morais (antiga Estrada da Nazaré) ocupa a totalidade da fracção "D" do prédio identificado em B) [al. J) dos factos assentes após os articulados].

11) A ré C..., pessoa colectiva 500 960 046, com sede na Av. João XXI, 63, 1000-300 Lisboa, matriculada na C.R.C. de Lisboa com o n° 02900, é sucessora por incorporação do F...., SA, pessoa colectiva 500 792 780, matriculado na C.R.C. de Lisboa com o n° 00056, por escritura de fusão celebrada em 12 de Julho de 2001 na Nota Privativa da A...., fusão registada na CRC de Lisboa [al. L) dos factos assentes após os articulados].

12) O F.... tomou de arrendamento os espaços identificados sob D), E), F) e G), primeiro para instalação de dependência ou de quaisquer outros serviços do banco e, depois, quanto aos demais contratos, para ampliação desses mesmos serviços [al. M) dos factos assentes após os articulados].

13) Hoje, todos os espaços arrendados em momentos diferentes configurem um único espaço perfeitamente autonomizado dos restantes que integram os prédios, e que foi sendo utilizado como dependência do F.... e, a partir da data da fusão, pela B.... aqui R. [al. N) dos factos assentes após os articulados] .

14) Tal dependência tem entrada pelo nº 10 da Praça do Vidreiro (antiga Praceta Victor Gallo) e situa-se ao nível do rés-do-chão e cave [al. O) dos factos assentes após os articulados].

15) Mercê das sucessivas actualizações legais as rendas actualmente em Vigor são do montante global de €: 551,84: Arrendamento - parte da cave - Nascente - artigo 11 ° p.i. 66,73 €; Arrendamento - parte do rés chão- Nascente - artigo 11 ° p.i. 190,11 €; Arrendamento - rés-do-chão - artigo 12° p.i. 190,11€; Arrendamento - cave - artigo 12° p.i. 104,89 € [al. P) dos factos assentes após os articulados].

16) Em finais do ano de 2003, a R. encerrou o balcão que funcionava na actualmente designada Praça do Vidreiro (antiga Praceta Victor Gallo) [al. Q) dos factos assentes após os articulados].

17) Nessa mesma altura a R. informou os seus clientes que os serviços prestados pela agência da Praça do Vidreiro passavam a ser efectuados na agência 0441, ou seja, na agência em frente aos bombeiros [al. R) dos factos assentes após os articulados].

18) Os serviços da R. fizeram afixar no interior do estabelecimento em causa, na porta da entrada por forma a ser visível do exterior, um aviso contendo a informação referida em R) [al. S) dos factos assentes após os articulados].

19) Nesse aviso refere-se a data em que os serviços do balcão da Praça do Vidreiro passaram a ser prestados no outro balcão, ou seja, a partir de 15-12-2003 [al. T) dos factos assentes após os articulados].

20) Naquele local a R. mantém em funcionamento uma “Caixa de Multibanco” [al. U) dos factos assentes após os articulados].

21) Desde 2003 que o balcão que funcionava na Praça do Vidreiro deixou de estar aberto ao público (resposta ao quesito 2º da Base Instrutória).

22) A ré tapou por completo os vidros no interior, permanecendo assim desde 2003 (resposta ao quesito 3º da Base Instrutória).

23) No interior do balcão entram funcionários de empresa contratada pela R. para proceder ao abastecimento e manutenção da “Caixa de Multibanco” referida supra (resposta ao quesito 4º da Base Instrutória).

24) Entram funcionários da R. que ali procedem ao arquivo de documentos e outros serviços internos (resposta ao quesito 5º da Base Instrutória).

25) Alguns clientes que ali têm cofres de aluguer ainda se deslocam àquelas instalações, acompanhados de funcionários da R. (resposta ao quesito 6º da Base Instrutória).

26) Naquela que foi durante largos anos a entrada da agência da R. da Praça do Vidreiro era visível, em determinadas alturas, a acumulação de lixo e pó (resposta ao quesito 8º da Base Instrutória).


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         2.2. De direito

         2.2.1. (In)existência de fundamento de resolução dos contratos de arrendamento

         É consensual nos autos – com o que também se concorda – que ao litígio que constitui objecto dos mesmos é aplicável o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)[2] e não o Regime do Arrendamento Urbano (RAU)[3] e [4].

         No domínio do RAU os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio estavam taxativamente previstos nas diversas alíneas do nº 1 do artº 64º, entre eles se encontrando o da alínea h) – conservar encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, salvo caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos[5].

         Como ensinava o Conselheiro Aragão Seia[6], a previsão desta alínea tinha por finalidade evitar a desvalorização do arrendado, pela consequente degradação motivada pelo encerramento do local, e lançar no mercado locativo todos os espaços susceptíveis de ocupação por terceiros[7].

         Contudo, para se concluir pelo encerramento havia que atender, na lição do mesmo Mestre[8], a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a natureza do local arrendado, o fim do arrendamento, o grau de redução da actividade, as suas causas e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo. Assim, e em geral, não seria de falar em encerramento do prédio no caso de simples diminuição, mesmo acentuada, das operações próprias do arrendamento e nele anteriormente exercidas, em particular quando isso estivesse justificado, a não ser que essa redução fosse de tal ordem que se devesse, razoavelmente, equiparar a efectiva paralisação. Mas a utilização esporádica já caracterizava a situação de encerramento do estabelecimento.

         Acerca do conceito de encerramento escreve Pinto Furtado[9]: “Fechado continuadamente a qualquer actividade ou, se se preferir, inactivado – eis a essência do conceito de encerramento a que a norma constante desta alínea se reconduz”.

         “Não relevam, como muito bem se tem julgado, continua o mesmo autor, meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de inactividade em que o prédio é essencialmente mantido”[10].

        

         Já no domínio do NRAU, preceitua o artº 1072º do Cód. Civil que o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano (nº 1), só sendo lícito o não uso nos casos previstos no nº 2[11].

         E, no que concerne à resolução do contrato de arrendamento, estipula a nova lei, no artº 1083º do Cód. Civil:

         1 – Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

         2 – É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:

         a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;

         b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;

         c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;

         d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.° 2 do artigo 1072º;

         e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.

         3 – É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.

         4 – É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado. 

         Agora, ao contrário do regime anterior, “a lei prevê um conceito genérico e indeterminado de incumprimento como fundamento da resolução do contrato tanto pelo arrendatário como pelo senhorio, fazendo a enumeração meramente exemplificativa, nos nºs 2 e 3, dos fundamentos de resolução pelo senhorio e a indicação, também a título exemplificativo, no nº 4, de uma específica situação fundamento de resolução pelo arrendatário”.

         “Caberá, portanto, aos Tribunais, com o contributo da jurisprudência e doutrina, determinar perante cada caso, não apenas se ocorre a situação de incumprimento contratual invocada, mas também se esta, pela sua gravidade ou consequências, torna inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”[12].

         As situações enunciadas no nº 2 do artigo 1083º do Código Civil não constituem fundamento de resolução, mas meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da cláusula geral de inexigibilidade constante do seu proémio[13].

         O conceito de não uso, previsto na al. d) do nº 2 do artº 1083º, engloba, com a sua formulação genérica, não apenas o conceito de encerramento, utilizado no artº 64º, nº 1, al. h) do RAU, como também o de desabitação constante da al. i) da mesma disposição legal.

         Trata-se de um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação, bem como o seu carácter temporário ou definitivo[14].

         A utilização da expressão não uso substitui com vantagem o termo encerramento ou a expressão conservar encerrado dos diplomas anteriores. Efectivamente, o encerramento, como de resto a cessação da actividade, eram meros índices ostensivos ou factos reveladores do que, no fundo, se traduzia no não uso do espaço arrendado – e é este não uso que, na sua essência, torna inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio, e justifica a ruptura contratual, pois a não utilização sujeita o prédio a desgaste e deterioração que causa dano digno de tutela[15].

         O não uso não se interrompe por simples usos intercalares, igualmente não relevando meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de desocupação em que é essencialmente mantido o espaço arrendado com o seu não uso[16].

         No caso dos autos há que começar por apurar se a situação provada preenche ou não o conceito de não uso do locado por mais de um ano.

         Releva para esse efeito toda a factualidade apurada, com realce para a seguinte:

- O F...., a quem a A.... sucedeu, tomou de arrendamento os espaços identificados sob D), E), F) e G), primeiro para instalação de dependência ou de quaisquer outros serviços do banco e, depois, quanto aos demais contratos, para ampliação desses mesmos serviços.

- Hoje, todos os espaços arrendados em momentos diferentes configuram um único espaço perfeitamente autonomizado dos restantes que integram os prédios, e que foi sendo utilizado como dependência do F.... e, a partir da data da fusão, pela B.....

- Tal dependência tem entrada pelo nº 10 da Praça do Vidreiro (antiga Praceta Victor Gallo) e situa-se ao nível do rés-do-chão e cave.

- Mercê das sucessivas actualizações legais as rendas actualmente em vigor são do montante global de €: 551,84;

- Em finais do ano de 2003, a R. encerrou o balcão que funcionava na actualmente designada Praça do Vidreiro (antiga Praceta Victor Gallo).

- Nessa mesma altura a R. informou os seus clientes que os serviços prestados pela agência da Praça do Vidreiro passavam a ser efectuados na agência 0441, ou seja, na agência em frente aos bombeiros.

- Os serviços da R. fizeram afixar no interior do estabelecimento em causa, na porta da entrada por forma a ser visível do exterior, um aviso contendo a informação referida em R).

- Nesse aviso refere-se a data em que os serviços do balcão da Praça do Vidreiro passaram a ser prestados no outro balcão, ou seja, a partir de 15-12-2003.

- Naquele local a R. mantém em funcionamento uma “Caixa de Multibanco”.

- Desde 2003 que o balcão que funcionava na Praça do Vidreiro deixou de estar aberto ao público.

- A ré tapou por completo os vidros no interior, permanecendo assim desde 2003.

- No interior do balcão entram funcionários de empresa contratada pela R. para proceder ao abastecimento e manutenção da “Caixa de Multibanco” referida supra.

- Entram funcionários da R. que ali procedem ao arquivo de documentos e outros serviços internos.

- Alguns clientes que ali têm cofres de aluguer ainda se deslocam àquelas instalações, acompanhados de funcionários da R.

- Naquela que foi durante largos anos a entrada da agência da R. da Praça do Vidreiro era visível, em determinadas alturas, a acumulação de lixo e pó.

         Na sentença recorrida entendeu-se que tal factualidade era insuficiente para caracterizar o não uso por mais de um ano e, consequentemente, para, conjugada com a lei, fundamentar a resolução do contrato de arrendamento.

         Os recorrentes defendem o entendimento oposto.

         “Quid juris?”

         É seguro que a R., a partir de 15/12/2003 – portanto, há mais de um ano quando a acção, em 18/09/2006, foi instaurada –, encerrou o balcão que funcionava na dependência instalada no locado, colocou na porta de entrada, do lado interior mas por forma a ser visto do exterior, um aviso informando os clientes de que os serviços ali prestados passavam a sê-lo na agência 0441, em frente aos bombeiros e tapou por completo os vidros no interior.

         Esta situação aponta claramente para o não uso.

         Mas a R. mantém no local, em funcionamento, uma “Caixa Multibanco”, sendo que os funcionários da empresa para o efeito contratada, para procederem ao seu abastecimento e manutenção, entram no interior do balcão, ali entrando também os funcionários da R. que procedem ao arquivo de documentos e outros serviços internos, bem como alguns clientes que ali têm cofres de aluguer.

         Apesar dessa «actividade», era visível, em determinadas alturas, a acumulação de lixo e pó, o que indicia serem irregulares e esporádicas as idas ao interior do locado.

         Tendo presente que a finalidade dos contratos de arrendamento em causa era para instalação de dependência bancária ou de quaisquer outros serviços do banco, revestirá a actividade residual da R. no locado, após o fecho da dependência, relevância suficiente para se concluir que ali funcionam “outros serviços do banco” e que o arrendado continua a ser usado para o fim contratado?

         Vejamos.

         Trata-se de um espaço único, autonomizado, resultante da junção de duas lojas ao nível do rés-do-chão, uma com 207 m2 e outra com 168 m2, e dos espaços correspondentes ao nível da cave (207 m2 + 168 m2), ou seja, com uma área total de 750 m2.

         A actividade residual provada, sem prejuízo de se integrar no fim do contrato, pela sua irregularidade e pouca expressão, sobretudo se comparada com as dimensões do locado, não é de molde a afastar o não uso como causa de resolução do contrato.

         E, em termos de razoabilidade, senso comum e experiência da vida, não é fácil dissociar a manutenção daquela actividade residual e consequente tentativa de preservar os contratos de arrendamento da exiguidade da renda global paga pela R. (€ 551,84).

         O diminuto uso do arrendado, com claríssimo subaproveitamento do mesmo[17], consubstancia uma situação integrável num conceito não meramente literal de não uso e justifica a resolução dos contratos de arrendamento, já que frustra o interesse do senhorio em evitar a desvalorização do prédio, frustrando igualmente o interesse geral em que entre no mercado locativo um espaço disponível de grandes dimensões e bem localizado.

         Apesar do provado uso residual do arrendado por parte da R., estamos em crer que esta não está a cumprir pontualmente os contratos de arrendamento e que esse incumprimento, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível aos AA. a manutenção dos ditos contratos, conferindo-lhes o direito de os resolverem.

         Logram êxito, pois, as conclusões da alegação dos recorrentes, o que conduz à procedência da apelação, à revogação da sentença recorrida e ao sucesso da acção, com a consequente resolução dos contratos de arrendamento e entrega dos arrendados pela R. aos AA., livres e devolutos de pessoas e bens, pagando as quantias correspondentes às rendas até à entrega efectiva.


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         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em:

a) Julgar a apelação procedente;

b) Revogar a sentença recorrida;

c) Julgar procedente a acção e, consequentemente, condenar a R. a despejar os locais arrendados, entregando-os aos AA. livres e devolutos de pessoas e bens e a pagar-lhes as quantias correspondentes às rendas que se vencerem até à entrega efectiva.

As custas, quer da acção, quer da apelação, são a cargo da R.


[1] Diploma a que pertencem as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/05, que iniciou a sua vigência em 28/06/2006, tendo a acção sido intentada em 18/09/2006.
[3] Aprovado pelo Decreto-lei nº 321-B/90, de 15/10.
[4] Cfr. Acórdãos da Rel. Lisboa de 23/06/2009 (Proc. 104/2008-7, relatado pela Des. Maria do Rosário Morgado) e da Rel. Porto de 08/09/2009 (Proc. 239/07.8TBVLC.P1, relatado pelo Des. Vieira e Cunha), ambos in www.dgsi.pt.
[5] De acordo com o Acórdão da Rel. de Lisboa de 24/02/2005 (Proc. 10083, relatado pelo Des. Salazar Casanova), em www.dgsi.pt, este fundamento de resolução do contrato de arrendamento constitui expressão sancionatória da não utilização do local arrendado para o fim a que se destina.
[6] Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 4ª edição, pág.353.
[7] Cfr. tb. Acórdãos da Rel. Porto de 9/5/2007 (Proc. 0630323, relatado pela Des. Ana Paula Lobo) e de 23/09/2008 (Proc. 0823625, relatado pelo Des. Carlos Moreira) e os Acórdãos da Rel. Coimbra de 12/04/2005 (Proc. 354/05, relatado pelo Des. Rui Barreiros) e de 18/09/2007 (Proc. 324/2001.C1, relatado pelo Des. Isaías Pádua), todos em www.dgsi.pt.
[8] Obra citada, pág. 354.
[9] Manual do Arrendamento Urbano, 2ª edição revista e actualizada, pág. 795.
[10] Cfr. Acórdãos da Rel. Porto de 25/06/2001 (Proc. 0150467, relatado pela Des. Amélia Ribeiro) e de 21/12/2004 (Proc. 0426863, relatado pelo Des. Emídio Costa), ambos em www.dgsi.pt.
[11] O nº 2 do artº 1072º estabelece que o não uso pelo arrendatário é lícito: a) Em caso de força maior ou de doença; b) se a ausência, não perdurando há mais de dois anos, for devida ao cumprimento de deveres militares ou profissionais do próprio, do cônjuge ou de quem viva com o arrendatário em união de facto; c) Se a utilização for mantida por quem, tendo direito a usar o locado, o fizesse há mais de um ano.
[12] Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, pág. 167.
[13] Acórdão da Rel. Lisboa de 09/12/2008 (Proc. 8726/2008-6, relatado pela Des. Márcia Portela), in www.dgsi.pt.
[14]  Citado Acórdão da Rel. Lisboa de 09/12/2008.
[15] Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, vol. II, 4ª edição actualizada, pág. 1064.
[16] Obra citada, pág. 1066. Cfr. tb. David Magalhães, A Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, 2009, pág. 267, onde se afirma: “Além disso, as condições da concreta finalidade convencionada podem exigir que uma acentuada redução de actividade seja equiparada ao encerramento, sob pena de desvio ao pretendido pela norma: a manutenção de um estabelecimento, durante um ano, com uma «intensidade de operações» comparável ao encerramento é um sinal claro de que, na prática, ali não se desenvolve actividade relevante, mantendo-se a porta aberta somente para contornar as consequências legais do não uso”.
  Ver ainda o Ac. Rel. Porto de 08/09/2009 (Proc. 239/07.8TBVLC.P1, relatado pelo Des. Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt.
[17] Ac. STJ de 19/09/1989, in BMJ, nº 389, pág. 537.