Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1970/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
ALCANCE DO CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 497º E 673º DO CPC .
Sumário: I – A figura jurídica do caso julgado, para além de eventuais razões de defesa do prestígio dos tribunais, evitando a sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma situação concreta já validamente definida em sentido diferente, tem por objectivo assegurar a certeza e segurança jurídica, indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e até à estabilidade e paz social .
II – O alcance e autoridade do caso julgado não se pode limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e segs. do CPC para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica esteja notoriamente presente .

III – Tal como a sentença que reconhece no todo ou em parte o direito do autor faz precludir todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, também a sentença que julgue improcedente a acção preclude ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões ( argumentos ) de direito não produzidas nem consideradas oficiosamente no processo anterior .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A... e mulher B..., residentes na Rua Paulo VI, n° 37, 2400 Leiria, intentaram acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra C... e marido D..., residentes em Estrada dos Marinheiros, n° 62, Marrazes, 2400 Leiria, E..., casado, construtor civil, residente em Ponte Cavaleiro, Cortes, 2400 Leiria e F..., sociedade comercial por quotas com sede social também em Ponte Cavaleiro, Cortes, Leiria, pedindo que seja:
a) Declarada nula a escritura de justificação outorgada em 14/11/91, a fls. 87 e 88 respectivo livro de notas para escrituras diversas do Cartório Notarial de Ansião n° 356-A;
b) Declarada nula a escritura de permuta outorgada em 21/07/92 no 2° Cartório Notarial de Leiria, iniciada a fls. 63 do livro de notas 340-B.
c) Decretado o cancelamento dos registos correspondentes à descrição nº 1692/Pousos da Conservatória do Registo Predial de Leiria.
Para tanto, os AA. alegaram, em síntese, que, por os terem adquirido derivadamente (por sucessão, uma parte e por compra e venda, outra) e originariamente (por usucapião), são donos e legítimos possuidores de 2/18 indivisos de um terreno de cultura, vinha e pinhal, designado por Pinhal da Broa, sito na freguesia de Pousos, concelho de Leiria, com a área total de 5931 m2, a confrontar do norte com Herdeiros de Manuel António Gonçalves, sul e nascente com caminho público e do poente com Abílio Pereira Batista, inscrito na matriz predial rústica da respectiva freguesia sob o art.° 5008 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n° 508/Pousos; que os 1ºs RR. foram em tempos donos de 1/30 indivisos do mesmo prédio, fracção essa que, em conjunto com outros comproprietários, por escritura pública de 01/10/85, venderam a Silvino Mendes de Sousa; que, apesar da indivisão e da aludida venda da sua quota, os 1ºs RR., em 14/11/1991, outorgaram escritura pública de justificação notarial em que se disseram donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um lote de terreno destinado a construção urbana, com a área de novecentos e cinquenta metros quadrados, sito no Casal do Vale do Mocho, Arruamento Paulo VI, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, sul com caminho, nascente com Arruamento Paulo VI e poente com E..., tendo posteriormente efectuado na Conservatória do Registo Predial o registo a seu favor; que, em 21/07/1992, os 1ºs RR. e a 3ª R., representada pelo 2º R., seu sócio gerente e representante legal, que na justificação notarial foi testemunha, outorgaram escritura de permuta da respectiva parcela, recebendo em troca a quantia de esc. 10.000$00 e a fracção “B”, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão Dtº do prédio urbano em propriedade horizontal, sita em Vale do Mocho, freguesia de Pousos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n° 1180/Pousos; que o lote de terreno referido faz parte integrante do prédio de que os AA. são comproprietários, tendo os RR. actuado em execução de acordo prévio, concertadamente, na prossecução de interesses comuns e com vista a subtrair aquela parcela de terreno ao aludido prédio; e que já distribuíram e fizeram seguir em juízo acção declarativa, à qual correspondeu o nº 145/94, do 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria, pendente em recurso no Supremo Tribunal de Justiça, pedindo o reconhecimento do seu direito ao prédio em questão.
Os RR. C... e marido contestaram alegando que após a morte de Joaquim Antunes David, os herdeiros partilharam materialmente o prédio de que os AA. se dizem comproprietários, cada qual tendo passado a possuir a parcela que lhe coube e limitando-se o inventário a que mais tarde se procedeu a formalizar aquela partilha material; que a parcela que venderam tinha sido por si herdada e aquela cuja propriedade justificaram notarialmente e depois permutaram havia sido por si verbalmente comprada, em Setembro/Outubro de 1972, a Emília Antunes David e marido José Marques; e que, desde essa data, vêm possuindo como donos a indicada parcela, tendo-a adquirido por usucapião, como ficou provado na acção ordinária nº 145/94.
Também os RR. E... e F... contestaram, sustentando que a parcela de terreno objecto das escrituras de justificação notarial e de permuta era efectivamente propriedade exclusiva dos RR. C... e marido que a adquiriram por usucapião, o que se provou na acção ordinária nº 47/94 que correu termos no “2º Juízo de Círculo deste Tribunal” (sic), e que o eventual direito dos AA. caducou.
Os AA. replicaram, ampliando a causa de pedir (embora dizendo estarem a ampliar o pedido) e defendendo a improcedência das excepções e concluindo como na petição inicial.
Os RR. treplicaram opondo-se à ampliação pretendida.
Saneada, condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 333 a 338, respondendo aos quesitos da base instrutória e, desse modo, decidindo a matéria de facto controvertida.
Foi depois proferida a sentença de fls. 340 a 361, julgando verificada a excepção dilatória de caso julgado, absolvendo os RR. da instância e condenando os AA. como litigantes de má fé.
Irresignados, os AA. recorreram, tendo o recurso sido admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Na alegação que apresentaram os recorrentes formularam as conclusões seguintes:
I – Salvo o devido respeito, in casu estão em confronto duas acções perfeitamente distintas quanto a partes, causas de pedir e pedidos.
II – A presente acção tem como réus, C..., D..., E... e CONSTRUÇÕES JAIME PEREIRA MARQUES LDA, enquanto na acção nº 145/94 que correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria apenas foi Ré a aqui terceira CONSTRUÇÕES JAIME PEREIRA MARQUES LDA.
III – A presente acção tem como causa de pedir a celebração de escrituras de “justificação notarial” e “permuta”, outorgadas pelos e entre os Réus, enquanto na identificada acção 145/94 o facto jurídico invocado se traduziu na aquisição de partes indivisas de determinado prédio rústico no âmbito de inventário obrigatório.
IV – Aqui pede-se:
a) Seja declarada nula a escritura de justificação outorgada em 14/11/91 a fls. 87 e 88 do respectivo livro de notas para escrituras diversas do Cartório Notarial de Ansião nº 356 – A;
b) Declarada nula a escritura de permuta outorgada em 21/07/92 no 2º Cartório Notarial de Leiria;
c) Decretado o cancelamento dos Registos correspondentes à descrição nº 1692/Pousos da Conservatória do Registo Predial.
V – Na acção 145/94 pedia-se que os AA. fossem reconhecidos enquanto donos, em determinada proporção, de prédio rústico.
VI – A acção nº 145/94 não cuidou sequer da bondade das escrituras de justificação e permuta ora em causa.
VII – Pelo que não se verifica a ocorrência de caso julgado.
VIII – A realidade factual dos autos não permite um juízo de censura e condenação à conduta dos autores nem estes litigaram sem a prudência normal, donde que, em caso algum deverão ser considerados e condenados como litigantes de má-fé.
IX – A sentença recorrida não se pronunciou sobre a invocada nulidade das escrituras de justificação e permuta, por violação de disposição legal de carácter imperativo o que, atendendo ao disposto no artigo 668º al. d) do C.P.C, é causa de nulidade da sentença, o que ora também se invoca.
X – Na verdade, se a procedência de nulidade com base nos artigos 280º e 281º do C. Civil depende da prova de factos subjacentes, a nulidade prevista no artigo 294º resulta claramente do texto dos documentos aqui em apreço — escrituras de Justificação e permuta — celebradas ao arrepio de disposições legais imperativas do Código do Notariado.
XI – Assim, apesar do lapso de tempo decorrido entre uma e outra, qualquer das escrituras ajuizadas foi celebrada sem que o seu objecto – parcela de terreno/prédio – possuísse inscrição matricial própria.
XII – É consabida a legal exigência de certidão de teor da correspondente inscrição matricial para instruir escrituras como estas.
XIII – Deste modo, não conhecendo nem se referindo a esta questão, a sentença recorrida padece também de nulidade por omissão de pronúncia.
XIV – O tribunal a quo, ao considerar provados os factos das alíneas w) a oo) da B.I. julgou incorrectamente, porquanto tal matéria é totalmente contraditória com os factos provados em f) e foi infirmada pelo depoimento das testemunha apresentadas pelos AA.
XV – Face à prova produzida, documental dos autos e depoimento das testemunhas Henrique Duarte Abrantes – cassete nº 1, Lado A 0000 a Lado A 438, Faustino Lopes Ferreira – cassete nº 1 Lado A 440 e cassete nº 2 Lado A 2028, Manuel Pereira Henriques – cassete nº 2 Lado A 2030 a Lado B 3025, Adriano Ferreira – cassete n°3 lado A 0000 a Lado A final e Jorge Ferreira – cassete nº 3 Lado B 3022 e cassete nº 4 Lado B 3471 aqueles factos – de w) a oo) – devem ser julgados como não provados e provados os factos dos quesitos 9º, 10º, 11º, 12º 13º e 14º da B.I.
XVI – A matéria de facto provada em f) da B.I. que passamos a citar:
- “Há mais de 20 anos que os autores, por si e antepossuidores de tal fracção daquele imóvel, que vêm possuindo e cuidando da mesma, à vista de toda a gente, de forma contínua, sem oposição de ninguém, na convicção que também é a das outras pessoas de que são seus comproprietários na mencionada proporção”- traduz uma situação de composse, afirmando-se um exercício da posse no seio de uma contitularidade.
XVII – Essa afirmação de composse é clara e plenamente confirmada pela própria Ré Celeste em documento junto à p.i. a fls. 30 e que consta da alínea s) dos factos assentes – vide fls. 293.
XVIII – A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos. 280º, 281º, 286º e 294º do C. Civil, artigos 92º nº 1 e 98 nº 1 al. b) do Código do Notariado e 456º, 497º, 498º e 668º do C.P.C.
Os RR. Celeste e marido responderam defendendo o não provimento do agravo.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes:
1) Caso julgado;
2) Omissão de pronúncia;
3) Contradição entre pontos determinados da matéria de facto;
4) Alteração da decisão de facto;
5) Má fé.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Na 1ª instância foi considerada provada a factualidade seguinte:
a) Inscrito sob o artº 5008º da matriz predial rústica da freguesia de Pousos existe um terreno de cultura, vinha e pinhal, designado por Pinhal da Broa, sito na freguesia de Pousos, concelho Leiria, com a área total de 5.931 m2, a confrontar do norte com Herdeiros de Manuel António Gonçalves, sul e nascente com caminho público e do poente com Abílio Pereira Batista.
b) Tal imóvel está descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 508/Pousos.
c) A favor dos autores encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Leiria pelas inscrições G-4 e G-6 a propriedade de 2/18 indivisos de tal imóvel.
d) Tal imóvel veio à posse e propriedade dos autores, na proporção de 1/18 indivisos, por partilha judicial efectuada no âmbito do processo de inventário obrigatório instaurado por óbito Joaquim Antunes David, falecido em 20.06.72, que correu termos com o nº 9/76 pela 2a Secção, 2º Juízo deste Tribunal Tribunal Judicial da comarca de Leiria. e onde foi descrito sob a verba n° 29.
e) Por escritura pública de 25.02.94, outorgada no 1º Cartório Notarial de Leiria os autores adquiriram ainda a Maria Luísa Ribeiro Antunes, António Pedro Antunes Nogueira e Maria Isabel Antunes Nogueira 1/18 indivisos do mesmo prédio.
f) Há mais de 20 anos que os autores, por si e antepossuidores, de tal fracção daquele imóvel, que vêm possuindo e cuidando da mesma, à vista de toda a gente, de forma contínua, sem oposição de ninguém, na convicção que também é a das outras pessoas de que são seus co-proprietários na mencionada proporção.
g) Aos 1ºs réus foram adjudicados no inventário a que se alude em d), 1/30 indivisos desse mesmo prédio.
h) Só no início da década de 80 é que se procedeu ao alcatroamento do caminho que fica contíguo a sul do imóvel a que se alude em a).
i) Por escritura pública de 1-10-85 outorgada na Secretaria Notarial de Leiria, os 1ºs réus e os irmãos da ré mulher venderam a Silvino Mendes de Sousa 5/30 indivisos do prédio a que se alude em a).
j) No dia 14-11-91 os 1ºs réus, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Ansião, justificaram uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 950 m2, sita no Casal do Vale do Mocho – Arruamento Paulo VI, freguesia de Pousos, concelho de Leiria que posteriormente registaram na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n° 1692/Pousos – docs. juntos a fls. 40-43 e 36-38.
k) O 2º réu outorgou a supra referida escritura de justificação notarial, na qualidade de testemunha tendo confirmado as declarações prestadas pelos 1ºs réus, no sentido que eram eles os donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem de um lote de terreno destinado a construção urbana, com a área de 950 m2, sito no Casal do Vale do Mocho – Armamento Paulo VI, de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, sul com caminho, nascente com Arruamento Paulo VI e do poente com E....
l) O 2º réu é sócio gerente e legal representante da 3a ré, “F... “ – doc. junto a fls.44-46.
m) Por escritura pública outorgada no dia 21 de Julho de 1992, no 2º Cartório Notarial de Leiria, os 1ºs réus permutaram com a 3a ré, a parcela de terreno que haviam justificado, como se alude em j), recebendo em troca 10.000$00 e ainda a fracção “B”, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão Dtº do prédio urbano em propriedade horizontal, sita em Vale do Mocho, freguesia de Pousos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 1180/Pousos.
n) Em 10-12-93 os autores requereram embargo de obra nova reagindo contra uma construção iniciada pela 3a ré na parcela de terreno adquirida no âmbito da permuta acima referida.
o) Em 19-02-94 os autores distribuíram e fizeram seguir em juízo acção declarativa pedindo o reconhecimento do seu direito de compropriedade do prédio a que se alude em a). Tal acção, a que correspondeu o nº 145/94 do 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria, encontra-se pendente de recurso no Supremo Tribunal de Justiça Encontrava-se, à data da selecção dos factos assentes, mas já se não encontra..
p) Por escritura pública outorgada em 16-05-83 na Secretaria Notarial de Leiria (os RR. Celeste e marido) compraram aos herdeiros de Emília Antunes David e marido José Marques «3/18 avos indivisos de um terreno de cultura, vinha, pinhal e mato, no sítio do Vale do Mocho, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves, do nascente com caminho bem como do sul e do poente com Abílio Pereira Batista (....) inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artº 5008» – doc. fls. 89-93.
q) Por escritura publica outorgada em 15-06-1981 na Secretaria Notarial de Leiria, os 1ºs réus compraram a Faustino Lopes Ferreira e mulher, Rosa Ferreira Crespo “2/18 avos indivisos de terreno de cultura, vinha, pinhal e mato, no sítio do Vale do Mocho, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves, do nascente com caminho bem como do sul e do poente com Abílio Pereira Batista (....) inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artº 5008” – doc. fls. 95-98.
r) Por escritura pública outorgada em 28-10-1981 na Secretaria Notarial de Leiria, os 1ºs réus compraram a Graciete da Silva Antunes David e marido «1/18 avos indivisos de um terreno de cultura, vinha, pinhal e mato, no sítio do Vale do Mocho, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves, do nascente com caminho bem como do sul e do poente com Abílio Pereira Batista (....) inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artº 5008» - doc. fls. 99-103.
s) A ré Celeste David enviou ao autor Pedro David a carta junta aos autos a folhas 30, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo o registo de 21/09/99.
t) À data do inventário a que se alude em d), o Pinhal da Broa era servido por caminho de terra batida.
u) E, já em finais da década de 80, uma estrada camarária atravessou o prédio, do lado poente.
v) A mencionada parcela foi parte integrante do prédio a que se alude em a).
w) Algum tempo após a morte de Joaquim Antunes David (Setembro/Outubro de 1972) o prédio conhecido por Pinhal da Broa foi dividido em seis parcelas, adjudicando-se cada uma delas aos irmãos sobrevivos do falecido Joaquim Antunes David e aos herdeiros de cada um dos irmãos já falecidos, a saber Emília Antunes David, Pedro Antunes David, Luísa Antunes David, Vitorino Antunes David e Joaquina Antunes David.
x) Cada uma dessas seis parcelas foi nessa ocasião delimitada com marcos divisórios, com intervenção de todos.
y) A partir dessa data, cada uma dessas parcelas passou a ser fruída de forma autónoma por parte dos interessados a quem foram atribuídas.
z) Assim, cada um deles começou a cuidar da respectiva parcela como coisa sua, roçando o mato, zelando as árvores, colhendo os respectivos frutos e produtos, com respeito absoluto pelos limites definidos para cada uma delas, através dos marcos que tinham sido cravados com a intervenção de todos.
aa) Tais actos foram, a partir dessa data, praticados pelos respectivos interessados, em relação à sua parcela, ininterruptamente, sem a oposição de ninguém e sempre no convencimento de não lesarem direitos de outrem.
bb) No inventário a que se alude em d), ao formalizarem a partilha, os interessados respeitaram a divisão efectuada em Setembro/Outubro de 1972 e cada um deles ou os seus herdeiros, uma vez que entretanto alguns faleceram, ficaram exactamente com a parcela de terreno que tinha sido atribuída naquela data.
cc) Por isso é que ficou consignado nesse inventário que à 1ª ré mulher, Celeste da Luz David e marido D... e seus quatro irmãos, seria adjudicado a cada um 1/30, no total de 5/30, ou seja 1/6 ou seja o equivalente à parcela que lhe fora atribuída por direito de representação do seu pai Vitorino Antunes David, já falecido.
dd) A parcela a que se alude em i) é a que a 1a ré-mulher e os seus quatro irmãos adquiriram por direito de representação de seu pai, Vitorino Antunes David.
ee) Tal comprador, Silvino Mendes de Sousa entrou na posse da referida parcela, que continuava perfeitamente demarcada das demais, e passou a cuidar da respectiva parcela como coisa sua, roçando o mato, zelando as árvores, colhendo os respectivos frutos e produtos, com respeito absoluto pelos limites definidos para cada uma delas, através dos marcos que tinham sido cravados.
ff) Tais actos foram, a partir dessa data, praticados pelo referido Silvino, em relação à sua parcela ininterruptamente, à vista de toda agente, sem a oposição de ninguém e sempre no convencimento de não lesar direitos de outrem.
fff) Aquando da divisão do prédio a que se alude em a) – Setembro/Outubro de 1972 – os 1ºs RR. compraram a Emília Antunes David e marido José Marques a parcela que a estes coube Certamente por lapso este facto não foi incluído na lista dos factos assentes feita na sentença, embora corresponda ao teor do quesito 31º da base instrutória, ao qual foi dada resposta “provado”..
gg) Contudo, não foi celebrada naquela altura qualquer escritura notarial de compra e venda, embora os 1ºs réus passassem a fruir da dita parcela, que continuava perfeitamente demarcada das demais, e passaram a cuidar da respectiva parcela como coisa sua, roçando o mato, zelando as árvores, colhendo os respectivos frutos e produtos, com respeito absoluto pelos limites definidos para cada uma delas, através dos marcos.
hh) Tais actos foram, a partir dessa data, praticados pelos 1ºs réus, em relação a tal parcela ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém e sempre no convencimento de não lesar direitos de outrem.
ii) A escritura a que se alude em p) foi a formalização da venda da supra referida parcela.
jj) As fracções a que se alude q) e r) correspondem à parcela que àqueles vendedores foi adjudicada por direito de representação de seu pai, José Antunes David (irmão de Joaquim Antunes David).
kk) As duas parcela aludidas em p) e q) e r) e nos factos anteriores foram separadas pela construção de uma rua pública no ano de 1983.
ll) E os 1ºs réus passaram a fruir da parcela a que se alude em q) e r), que continuava demarcada das demais, e passaram a cuidar da mesma como coisa sua, roçando o mato, zelando as árvores, colhendo os respectivos frutos e produtos, com respeito absoluto pelos limites definidos para cada uma delas, através dos marcos.
mm) Tais actos foram, a partir dessa data, praticados pelos 1ºs réus, em relação a tal parcela, ininterruptamente, à vista de toda agente, sem a oposição de ninguém e sempre no convencimento de não lesar direitos de outrem.
nn) Os 1ºs réus ainda adquiriram verbalmente a Maria Alice Monteiro, viúva de Armando Antunes David, parte da fracção do prédio a que se alude em a) que foi adjudicada no inventário que se alude em d) a herdeiros de Pedro Antunes David.
oo) Também como parcela autónoma do prédio a que se alude em a), por via da divisão operada em Setembro/Outubro de 1972, e da qual os autores são também comproprietários.
pp) O 2º réu levou aí a efeito uma construção de um bloco habitacional e comercial com vários pisos e posteriormente vendeu-o a vários condóminos.
qq) A sentença a que se alude em o) transitou em julgado por acórdão do STJ proferido em 31 de Maio de 2001. Na mesma os aqui autores pediram que sejam reconhecidos como donos de um prédio (o pinhal da Broa) rústico na proporção de 1/18, prédio que identificam, e a aqui 3a Ré condenada a reconhecê-lo e a restituir aos AA. a parcela em questão. Em reconvenção a aqui 3a ré pediu que os autores fossem condenados a reconhecerem a Ré como única dona e legítima possuidora do prédio mencionado no artº 2º da contestação (Por escritura de permuta lavrada no dia 12/07/92, no 2º Cartório Notarial de Leiria, Celeste Luz Antunes David e marido D... deram à sociedade Ré uma parcela de terreno para construção sita no casal do Vale do Mocho (Arruamento Paulo VI), na freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, sul com caminho, nascente com Arruamento Paulo VI e poente com E..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 1692/Pousos, aquisição inscrita a favor da Ré).
rr) Nessa mesma acção o pedido formulado pelos autores foi julgado improcedente e a reconvenção procedente, tendo os autores sido condenados a reconhecer a ré como dona e legítima possuidora do prédio em questão, prédio que não faz parte do referido pelos autores.
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3.2. De direito
3.2.1. Caso julgado
Através de escritura de justificação notarial outorgada em 14/11/1991 no Cartório Notarial de Ansião, D... e mulher C..., aqui apelados, declararam que, por o terem adquirido por usucapião, são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um lote de terreno destinado a construção, com a área de 950 m2, sito no Casal do Vale do Mocho, Arruamento Paulo VI, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, Sul com caminho, nascente com Arruamento Paulo VI, e do poente com E..., omisso na matriz respectiva, tendo sido apresentada no dia 04/07/1991 a declaração para a sua inscrição e omisso na Conservatória do Registo Predial de Leiria.
Essa parcela de terreno foi, entretanto, descrita na mencionada Conservatória sob o nº 01692/920219 e inscrita a favor dos justificantes.
Através de escritura de permuta celebrada no dia 21/07/1992 no 2º Cartório Notarial de Leiria, em que foram outorgantes aqueles D... e mulher C..., por um lado e F..., por outro, os primeiros declararam dar à segunda o imóvel atrás referido e, em troca, a segunda declarou dar aos primeiros esc. 10.000$00 em dinheiro e a fracção “B”, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão direito do prédio urbano em propriedade horizontal, sito em Vale do Mocho, freguesia de Pousos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 1180/Pousos.
A permutante F..., em Novembro de 1993, iniciou no lote de terreno trabalhos para a construção de um prédio.
A... e mulher B... embargaram a obra em 10/12/1993 e, em 19/11/1994, intentaram acção declarativa, com processo comum e forma sumária, contra F...., dizendo-se comproprietários de 1/18 indivisos do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, sob o artigo 5008 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 508/Pousos, do qual o lote de terreno onde a R. levava a efeito a construção faria parte integrante, pedindo que (1) se declarasse serem os AA. legítimos donos do prédio referido, na proporção alegada, e (2) que a parcela de terreno que a R. ocupa do lado poente e com cerca de 950 m2 faz parte integrante do aludido prédio, sendo a sua posse insubsistente, ilegal e de má fé e (3) se condenasse a R. a reconhecer aos AA. aquele direito de propriedade e a restituir-lhes a parcela de terreno em questão no mesmo estado em que se encontrava quando nela, abusivamente, entrou.
A F... contestou e deduziu reconvenção, pedindo (1) a condenação dos AA. a reconhecerem a R. como única dona e legítima possuidora do prédio mencionado no artigo 2º da contestação – adquirido a D... e mulher C..., por escritura de permuta outorgada em 21/07/1992 no 2º Cartório Notarial de Leiria, constituído por uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de 950 m2, sita no Casal do Vale do Mocho (Arruamento Paulo VI), na freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, do sul com caminho, do nascente com Arruamento Paulo VI e do poente com E....
Por sentença de 24/04/1995, do Tribunal de Círculo de Leiria, confirmada por acórdão de 06/10/1998, desta Relação, por sua vez confirmado por acórdão de 31/05/2001 do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, foi a acção julgada improcedente e a R. absolvida dos pedidos e a reconvenção julgada procedente e os AA. condenados a reconhecer a R. como dona e legítima possuidora do prédio em litígio – parcela de terreno para construção urbana, com a área de 950 m2, sita no Casal do Vale do Mocho (Arruamento Paulo VI), na freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a confrontar do norte com Manuel Gonçalves Cepa, do sul com caminho, do nascente com Arruamento Paulo VI e do poente com E... – o qual não faz parte do prédio de que os AA. se dizem comproprietários, inscrito na matriz rústica da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, sob o artigo 5008.
Nessa acção provou-se factualidade susceptível de conduzir à conclusão de que “tendo a Celeste David e marido, bem como os restantes herdeiros de Joaquim Antunes David, dividido o prédio rústico descrito na alínea A) Rústico inscrito na matriz da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, sob o artigo 5008., em Setembro/Outubro de 1972, em 6 (seis) parcelas distintas, passando cada uma a ser fruída, autonomamente, agindo aqueles como donos, à vista de todos, sem oposição ou interrupção, ao fim de 15 anos consumou-se a usucapião.
Conforme alegaram os réus, o prédio descrito em A), enquanto tal, deixou de existir.
Em Julho de 1992, a Celeste David e marido, ao celebrarem o contrato de permuta com a ré, não estavam a transaccionar coisa alheia, mas sim um terreno de que já eram proprietários”.
Entretanto, em 07/12/2000, A... e mulher B... intentaram a acção que está na base do presente recurso, contra C... e marido D..., E... e F..., dizendo-se donos e legítimos possuidores de 2/18 indivisos do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, sob o artigo 5008 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 508/Pousos, do qual faria parte integrante a parcela de terreno de que os RR. Celeste da Luz e marido, através da escritura de justificação notarial outorgada em 14/11/1991, se declararam donos e legítimos possuidores e, através da escritura de permuta outorgada em 21/07/1992, permutaram com a R. F..., pedindo para serem (1) declaradas nulas as escrituras de justificação e de permuta e (2) decretado o cancelamento dos registos correspondentes à descrição nº 1692/Pousos da Conservatória do Registo Predial de Leiria.
O Tribunal “a quo”, distinguindo entre autoridade de caso julgado e excepção de caso julgado e sustentando que são efeitos diversos da mesma realidade jurídica, não sendo, para a verificação da primeira, necessária a coexistência de identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, indispensável para a existência da segunda, entendeu haver caso julgado e absolveu os RR. da instância.
Os AA./agravantes discordam.
Quid juris?
Nos termos do artº 671º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa”.
E, de acordo com o artº 673º do mesmo diploma legal, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
A questão da extensão, alcance e limites do caso julgado é complexa.
É, contudo, “communis opinio” que a figura jurídica do caso julgado, para além de eventuais razões de defesa do prestígio dos tribunais, evitando a sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma situação concreta já validamente definida em sentido diferente Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pág. 384, não reconhece a esta razão qualquer valor., tem por objectivo assegurar a certeza e segurança jurídica, indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e até à estabilidade e paz social.
O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente.

Como ensina o Prof. Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 324/325., tal como a sentença que reconhece no todo ou em parte o direito do autor faz precludir todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, também a sentença que julgue improcedente a acção preclude ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos) de direito não produzidas nem consideradas oficiosamente no processo anterior.
Na acção nº 145/94 os aqui agravantes, na qualidade de autores, não lograram obter a declaração de serem comproprietários do rústico inscrito na matriz da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, sob o artigo 5008, nem de que a parcela de terreno ocupada pela ali R., F..., era parte integrante desse prédio.
E, na qualidade de reconvindos, foram condenados a reconhecer a R. como dona e legítima possuidora da dita parcela de terreno, que não faz parte do aludido rústico.
Naquela primeira qualidade ficaram inibidos de, neste ou em outro processo, invocar factos instrumentais ou razões de direito não produzidas ou consideradas oficiosamente naquele, com vista à demonstração da sua pretensa compropriedade e à inclusão da parcela de terreno ocupada pela R. no prédio respectivo. E, na segunda qualidade – reconvindos – ficou-lhes vedada a possibilidade de esgrimir outros meios de defesa, destinados a contrariar a já reconhecida propriedade da R. F... e a autonomia e independência do prédio permutado entre esta e os RR. Celeste David e marido.
Aliás, alicerçando-se a propriedade da R. F... em aquisição derivada (permuta) a alienantes cuja aquisição originária (usucapião) se provou, está implicitamente garantida a validade da escritura de justificação (também baseada na mesmíssima usucapião) e, por arrastamento, igualmente a da escritura de permuta (o direito transferido integrava efectivamente a esfera jurídica patrimonial dos alienantes).

Ou seja, para os agravantes A... e esposa a sentença proferida na acção nº 145/94 faz inquestionavelmente caso julgado, estando-lhes vedado discutir, nomeadamente (mas não só) com a F..., o direito de propriedade sobre o lote de terreno que, naquela acção, a esta foi reconhecido.
Embora nesta acção os agravantes dirijam o seu ataque às escrituras de justificação notarial e de permuta, o efeito útil por eles visado é, sem dúvida, pôr em causa a propriedade do lote de terreno. A qual, para eles, foi definitivamente fixada e assente na acção nº 145/94, cuja decisão, em boa verdade, confirmou o teor substancial da escritura de justificação, ao considerar que a Celeste David e o marido haviam adquirido a propriedade da parcela de terreno, depois transmitida através da permuta, por usucapião.
Se aos agravantes fosse permitido, após a sentença que reconheceu à F... a propriedade da parcela de terreno em litígio, ir sucessivamente recuando no tempo e questionando os negócios que tiveram tal parcela de terreno como objecto, mal ficaria, por um lado, o prestígio dos tribunais, colocados perante a hipótese de retirar os alicerces a uma decisão judicial transitada e, ainda que indirectamente, definir de forma diferente uma situação concreta já judicialmente definida; e, por outro, mal ficaria também a certeza e segurança jurídica – grande parte da razão de ser da actividade dos tribunais – já que deixaria de haver quem, definitivamente, dissesse o direito.

Em suma, concorda-se com a 1ª instância e entende-se que a autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na acção nº 145/94 se estende à presente acção, já que vincula os AA./agravantes e os inibe de continuarem a insistir, ainda que em acção aparentemente distinta, numa tese já judicialmente rebatida e afastada.

Tal como sucedeu na sentença recorrida relativamente às demais questões suscitadas Razão pela qual não ocorre omissão de pronúncia., também aqui a solução dada à questão do caso julgado prejudica o conhecimento das outras questões levantadas pelos agravantes (artºs 713º, nº 2 e 660º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), com excepção da questão da má fé, em cuja apreciação entraremos de seguida.
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3.2.2. Má fé
O instituto da má fé processual tem assento legal nos artºs 456º a 459º do Cód. Proc. Civil e visa sancionar a parte ou, se esta for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, o respectivo representante legal, que preencha com a sua actuação processual a respectiva previsão.
Segundo o nº 2 do artº 456º, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, actualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser necessariamente dolosas, já que o instituto passou a abranger também a negligência grave.
O Prof. Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual, quatro tipos de lide: a lide cautelosa, em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição); a lide simplesmente imprudente, em que a parte comete imprudência leve ou levíssima; a lide temerária, em que a parte está convencida que tem razão mas incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão; e a lide dolosa, em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada.
Ao sancionar, actualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro.

Na sentença recorrida foram os AA. condenados como litigantes de má fé na quantia de 15 Ucs a favor do Estado, nos termos do artº 456º, nº 1 do Cód. Proc. Civil e artº 102º, al. a) do Cód. Custas Judiciais.
Justificou-se essa condenação do modo seguinte:
“Ora, no caso os Autores agiram com manifesta má-fé.
Na verdade, vieram deduzir e intentar uma acção com fundamentos que sabiam não serem verdadeiros; negaram factos que não podiam negar, por serem pessoais e nos mesmos terem dado o seu consentimento.
Esta acção só se compreende por razões de valorização da parcela de terreno há muito dividida.
Deduziram uma acção e uma oposição cujo fundamento sabia não corresponder à verdade.
Agiram com dolo.”
Tendo em conta que quando os agravantes propuseram a presente acção (07/12/2000), embora na acção nº 145/94 já tivesse sido proferida a sentença da 1ª instância, não tinha a mesma ainda transitado em julgado (os acórdãos desta Relação e do Supremo Tribunal de Justiça são datados de 12/12/2000 e 31/05/2001, respectivamente), afigura-se-nos possível que aqueles não tivessem consciência da falta de fundamento da pretensão deduzida.
Não se encontra, por isso, fundamento para acompanhar as afirmações da 1ª instância no tocante à invocada actuação dolosa – ou, sequer, com negligência grave – dos AA..
Por esse motivo, entende-se inexistirem motivos para a proferida condenação dos AA. como litigantes de má fé.
Nessa parte reconhece-se razão aos agravantes.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo apenas no tocante à condenação dos AA. como litigantes de má fé e, em consequência, em revogar, nessa parte, a decisão recorrida, mantendo-a em tudo o mais.
As custas são a cargo de agravantes e agravados, na proporção de 4/5 para os primeiros e 1/5 para os segundos.
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Coimbra,