Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
64/08.9TBSBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
REGISTO PREDIAL
USUCAPIÃO
COMPROPRIEDADE
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 668.º DO CPC E ARTIGOS 1294.º E SEGUINTES DO CC
Sumário: 1) Só se verifica a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se a sentença não incluir os factos ou o direito;

2) A alínea c), por seu lado, postula um vício real de raciocínio: a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou diferente;

3) A alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida;

4) A alínea e), finalmente, tem em vista a ultrapassagem do pedido, seja em quantidade, seja em qualidade;

5) Não é possível alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se a respectiva fundamentação respeitar as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental;

6) A presunção derivada do registo predial só abrange o prédio em si, que não a sua descrição, e não garante os elementos de identificação do prédio;

7) A utilização pacífica, pública e de boa fé, por várias pessoas, de uma faixa de terreno, como acesso às respectivas residências, exercida na convicção de se tratar de um espaço comum e de se não lesarem direitos de terceiro, mantida por mais de 15 anos, conduz à aquisição da compropriedade por usucapião.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

A... e mulher, B..., residentes em ...., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C... e mulher, D..., residentes na ...., alegando, em síntese, que:

São donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito no ...., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 601º e 602° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o n.º 2406.

Os Réus, por sua vez, são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com aquele, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527° e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394.

A entrada para o seu prédio é efectuada a partir da Rua Beco do Vale.

Os réus têm acesso directo ao respectivo prédio através da rua pública, mas a ele chegam, também, através de uma servidão de passagem implantada no logradouro do prédio dos autores, a cuja utilização estes nunca se opuseram.

Sucede, porém, que, há cerca de um ano a esta parte, os réus, de forma abusiva, têm vindo a comportar-se, não como titulares de um direito de servidão de passagem, mas como se fossem os verdadeiros donos do logradouro dos autores, designadamente, mantendo os portões abertos, contra a vontade destes, queimando, com herbicida, a vegetação aí existente e colocando uma campainha e uma caixa de correio no pilar de entrada, onde assentam os portões de entrada do prédio; estes factos foram praticados contra a sua vontade e sem o seu consentimento; antes do ano de 2007, os réus tinham a campainha e a caixa de correio na entrada principal da respectiva casa, sita na rua de cima da entrada da casa dos autores, que, aliás, utilizavam como principal acesso à sua propriedade; os autores entregaram uma chave dos portões de acesso à sua propriedade aos réus, para que estes por ali puderem entrar, mas com a condição de os fecharem de seguida.

Defendem os autores que, ainda que se entenda que os réus tenham adquirido o direito à servidão de passagem por usucapião, a verdade é que eles dispõem de acesso próprio para a habitação de que são donos a partir da via pública, o que torna desnecessária a utilização do logradouro dos autores para o mesmo fim.

Concluíram, pedindo se reconhecesse que são donos do prédio identificado, que aos réus não assiste o direito de por ele passar e que não têm necessidade de o fazer e se condenassem os mesmos a retirar a caixa de correio e a campainha que instalaram no pilar referido nos autos e a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. 

Os réus contestaram, de modo a impugnar a versão dos factos descrita pelos autores; alegaram, no essencial, que o espaço em causa foi reservado pelo proprietário inicial do terreno (que abarcava a área dos prédios que hoje são de autores e réus) como rua de acesso aos dois lotes, que em tempos vendeu a E... (um) e a F... (outro), destinando-o a possível entroncamento e ligação com a rua pública existente a poente; o referido E....vendeu o seu lote aos réus, onde estes construíram dois prédios – artigos urbanos 527 e 680 – e o mencionado F....vendeu o seu lote a G... , que construiu outros dois prédios – artigos urbanos 601 e 602; desde, pelo menos, 1968 que o terreno em questão é utilizado por si, tendo-o sido, antes, por E...., F..., G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a rua e acesso a todos os prédios urbanos construídos no terreno inicialmente vendido em lotes, à vista de toda a gente, mormente dos autores e seus antecessores, sem qualquer interrupção, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de se tratar de um espaço comum, de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros.

Terminaram pela improcedência da acção.

Deduziram, ainda, pedido reconvencional, com vista a obter o reconhecimento de que a parcela em litígio é um espaço comum, destinado a acesso às casas ali existentes, designadamente às suas.

Os autores responderam, de molde a reafirmar a versão já exposta na petição inicial.

No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.

A selecção da matéria de facto não sofreu reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada, sem objecções, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção (excepção feita ao segmento em que os autores pediam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as realidades prediais inscritas na matriz sob os artigos 601.º e 602.º e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2406) e procedente a reconvenção, com a declaração de que a faixa de terreno ora discutida era espaço comum destinado a rua, passagem e acesso para os prédios descritos na matriz urbana da freguesia da Malcata sob os artigos 601.º, 602.º, 527.º e 680.º.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação, a que foi fixado o efeito devolutivo, alegaram e formularam vinte conclusões, que se resumem, com toda a facilidade, a, apenas, seis:

A sentença é nula, por não especificar os fundamentos que justificam a decisão, por haver contradição entre os fundamentos e a decisão, por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento e por condenar para além do pedido;

b) Os artigos 8.º a 17.º da base instrutória deveriam ter sido considerados provados;

c) Os artigos 27.º a 33.º deveriam ter sido considerados não provados;

d) Alteradas, assim, as respostas, terá a acção de proceder na sua totalidade e a reconvenção de improceder;

e) De resto, a reconvenção não é admissível;

f) Foram violados os artigos 158.º, 274.º, n.º 2, alínea a), 653.º, 655.º, 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e) e 712, n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Civil, 350.º, n.º 2, 1271.º, 1274.º, 1278.º, 1291.º e 1403.º a 1413.º do Código Civil e 7.º do Código do Registo Predial.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção do julgado.

O ex.mo juiz indeferiu a arguição das nulidades invocadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

São questões a requerer resolução:

1) A nulidade da sentença;

2) A alteração da matéria de facto;

3) A admissibilidade da reconvenção;

4) A procedência dos pedidos formulados na acção e na reconvenção.

II. Na sentença apelada foram dados por assentes os seguintes factos:

A) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal, referente à freguesia da Malcata, sob o nº 2406/200070411, “o prédio urbano situado em: Beco do Vale, área total: 342 m2; área coberta: 161,48 m2; área descoberta: 162,52 m2; valor tributável: 39.700,00 euros; matriz nº 602; matriz nº 601; composição e confrontações: duas casas de rés-do-chão e 1º andar e dois logradouros – norte, caminho; sul, servidão; nascente, G.... e beco do vale; poente G.... e C....; resulta da anexação dos prédios nºs 1781 e 1782”, a favor do autor, casado com a autora no regime de comunhão geral, pela inscrição G-Ap. 11, de 2007.01.08.

B) Os réus são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano que confronta com o prédio dos autores referido em A), inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Malcata sob o artigo 527 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o nº 2394, da mesma freguesia.

C) Os réus são possuidores de um outro prédio, do lado sul, descrito na matriz urbana da freguesia de Malcata sob o artigo 680º, constituído por casa de rés-do-chão e 1º andar para habitação (factualidade admitida por acordo e provada por documento – art. 659º do C.P.C.).

D) A entrada para o prédio referido em A) é efectuada a partir da Rua do Beco do Vale.

E) Os réus, além de acederem ao prédio referido em B) directamente, através da rua pública, acedem, também, através de uma faixa de terreno existente do lado sul do prédio referido em A).

F) Os autores nunca se opuseram a que os Réus usufruíssem da passagem pela faixa de terreno referida em E).

G) O réu queimou com herbicida a vegetação existente na faixa de terreno referida em E).

H) Os réus, há cerca de um ano a esta parte, colocaram uma campainha num pilar de entrada, onde assentam os portões que dão acesso à faixa de terreno referida em E).

I) Os réus, há cerca de 20 anos, colocaram uma caixa de correio no mesmo pilar.

J) A colocação da campainha foi efectuada contra a vontade e sem o consentimento dos autores.

L) O prédio referido em B) tem acesso fácil e directo à rua pública.

M) A sul do prédio referido em A), a poente do prédio referido em B) e a nascente da Rua do Vale existe um espaço com o comprimento de cerca de 20 metros e largura de cerca de 4 metros.

N) E.... transmitiu aos réus a posse do terreno onde estes construíram o prédio referido em B) e o prédio sob o artigo urbano 680 de Malcata.

O) F....transmitiu a posse do seu lote a G.... que construiu os prédios – artigos urbanos 601 e 602 de Malcata – referentes ao prédio identificado em A).

P) Desde, pelo menos, 1968 que o espaço referido em M) é utilizado pelos réus e, posteriormente, por G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a acesso a todos os prédios urbanos que aí foram sucessivamente construídos, e hoje, também pelos autores, como acesso ao prédio referido em A).

Q) Espaço pelo qual, desde aquela data, têm passado, para além das pessoas referidas em P), os seus familiares e amigos, para acederem às casas entretanto construídas.

R) Fazendo-o à vista de toda a gente e, também, dos autores e seus antecessores, sem qualquer interrupção, sem oposição de quem quer que seja e, também, dos autores.

S) Os réus fazem-no na convicção de que tal espaço é um espaço comum, de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros.

T) O espaço referido em M) é o único acesso para veículos, tractores e lenhas para as garagens e arrecadações dos Réus existentes no prédio descrito sob o artigo urbano 680 da Malcata.

U) E para o mesmo estão colocadas as fachadas e entrada principal das habitações.

V) Para a rua existente no lado norte os réus só possuem acesso a pé para o prédio descrito sob o artigo urbano 680 da Malcata e com alfaias e tractores para o quintal do prédio referido em B).

            III. O direito:

            a) A nulidade da sentença

           

            Segundo os recorrentes, a sentença é um mar de nulidades, preenchendo todo o catálogo legal, à excepção da prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (falta de assinatura), diploma de que serão todos os preceitos que vierem a ser citados sem indicação de origem.

            Complementarmente, falaram, ainda, a existência de lapso manifesto na prolação da sentença, nos termos do artigo 669.º, n.º 2, alínea b), por constarem do processo elementos que, só por si, implicam decisão diversa da proferida.

            Começando por este último aspecto, não se vê qual seja a pretensão dos recorrentes, visto que a reforma da sentença com base no lapso manifesto só tem lugar quando não caiba recurso da mesma.

            Como, no caso, o recurso é admissível e foi, efectivamente, interposto e admitido, a arguição não tem razão de ser.

            Quanto às nulidades, é pena que os recorrentes se tenham limitado, na prática, a transcrever as disposições atinentes à nulidade, sem explicar o substrato factual do seu entendimento.

            Assim foi no que tange à nulidade da alínea b) do n.º 1 do citado preceito, em que se quedaram pela afirmação, seca, de que não são correctamente especificados os fundamentos que justificam a decisão.

            Quanto à alínea c) foram um pouco mais além, referindo que “a sentença recorrida, ao considerar os mesmos factos, por um lado, para fundamentar a posse pacífica dos réus/reconvintes e, consequentemente, considerar preenchidos os requisitos da usucapião e, por outro lado, ao considerar que a oposição dos autores aos mesmos factos não são susceptíveis para afastar tal instituto jurídico, incorre em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, o que conduz à nulidade da sentença (cfr. pág. 19 e 20 da sentença recorrida)”.

            Os factos em questão são, se bem se consegue perceber o seu raciocínio, os que constam das alíneas G), H) e I) da matéria tida por provada.

            Em relação às alíneas d) e e), disseram que “a sentença, ao concluir pela compropriedade de uma rua com base na utilização conjunta, ultrapassa, por um lado, a própria pretensão dos réus/reconvintes e vai para além do que as virtualidades  que os direitos invocados comportam”.

            Aparentemente, os apelantes sentiram dificuldade em compreender o regime da nulidade de sentença; senão, vejamos:

            De acordo com o artigo 668.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e e), é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

            Para que se verifique a nulidade da alínea b) não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que não exista de todo, isto é, que não inclua os factos ou o direito, sendo certo, quanto a este, que não é indispensável a especificação das disposições legais, bastando a indicação da doutrina ou dos princípios jurídicos aplicáveis.

            A nulidade da alínea c) postula um vício real no raciocínio do julgador; a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. Esta nulidade nada tem a ver, seja com o erro material (contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra), seja com o erro de julgamento (decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei); o erro material e o erro de julgamento podem dar origem à rectificação (aquele) ou à eventual revogação da decisão em via de recurso (este), mas nunca à nulidade.

            A nulidade da alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida, consistindo o primeiro em o tribunal deixar de conhecer de questões que lhe foram expressamente colocadas e o segundo em apreciar questões que lhe não foram colocadas. A omissão de pronúncia está em correlação com a primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º (“o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”) e a pronúncia indevida com a segunda parte do mesmo número (“não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”).

            A nulidade da alínea e) é o corolário da inobservância do disposto no n.º 1 do artigo 661.º (“a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”).

            Trata-se daquilo a que Alberto dos Reis chama os limites da condenação; o juiz não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes (para um maior desenvolvimento, cfr. o referido mestre, Código de Processo Civil Anotado, volume V, páginas 48 e seguintes, 130 e 141 e seguintes; Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 668 e seguintes, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, volume III, páginas 141 e seguintes).

            Da análise da sentença resulta claro que se não perfectibiliza qualquer uma das arguidas nulidades, tendo em conta, como é óbvio, a alegação dos apelantes e as considerações acabadas de explanar.

            Não se verifica a da alínea a), porque a sentença encerra os factos (reproduzidos, “ipsis verbis”, neste acórdão) e o direito julgado aplicável (num quadro que engloba as normas jurídicas, a doutrina e os princípios tidos por relevantes), interpretado, aliás, de forma que se pode considerar quase exaustiva.

            Não ocorre, igualmente, a da alínea c), porque o raciocínio do julgador não enferma de vício lógico; bem pelo contrário, a decisão seguiu exactamente o caminho apontado pela fundamentação.

            O litígio trazido aos autos entronca na dominialidade de uma faixa de terreno, que os recorrentes dizem pertencer-lhes, mas que os recorridos sustentam ser espaço comum, destinado a acesso aos prédios de ambos os litigantes.

            A lógica dos recorrentes é a seguinte: dos factos provados consta que os recorridos queimaram com herbicida a vegetação existente na faixa de terreno em análise e que, há cerca de um ano, colocaram, contra a vontade e sem o conhecimento dos recorrentes, uma campainha num pilar da entrada, onde se encontram os portões que dão acesso à faixa; a sentença considerou estes factos para enquadrar juridicamente a usucapião, em razão do que declarou os recorridos comproprietários da faixa, sem ter em conta que a oposição dos recorrentes afastava aquele instituto; os mesmos actos não podem, ao mesmo tempo, ser pacíficos e motivar oposição; logo, há contradição insanável entre os fundamentos e a decisão.

            Parece evidente que não leram a sentença com a devida atenção, porque não é exactamente isso que lá está.

Em breves termos, considerou-se na sentença que os recorridos adquiriram, juntamente com os recorrentes, compropriedade na faixa de terreno em causa, porque a utilizam desde 1968, por si e antecessores, como espaço destinado a acesso aos seus prédios, à vista de toda a gente, sem interrupção e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio e de não lesarem direitos de outrem.

            É verdade que se enquadrou na prática de actos materiais de posse susceptíveis de conduzir ao funcionamento da usucapião a queima de vegetação com herbicida pelos recorridos e a colocação, há cerca de um ano, de uma campainha no pilar de entrada, contra a vontade dos recorrentes; mas justificou-se a posição com o argumento de que a vontade contrária destes não configurava uma verdadeira oposição, na medida em que, depois disso, nunca impediram os recorridos de continuar a passar na faixa nem de deter a caixa de correio que haviam colocado no seu início.

            Acrescentou-se, não obstante, que, mesmo que a atitude dos recorrentes pudesse ser configurada como verdadeira oposição, tal era irrelevante para a sorte da acção, uma vez que os efeitos da usucapião já se tinham produzido quando tais actos forma praticados.

            Vista assim as coisas, é bem claro que não ocorre a pretendida oposição entre os fundamentos e a decisão.

            Mal ou bem, para o caso pouco importa, argumentou-se que os factos provados conduziam à aquisição da compropriedade por usucapião e, em consonância com isso, decidiu-se que o espaço questionado pertencia, também, aos recorridos, em regime de compropriedade.

            Raciocínio mais lógico não pode haver, visto que a decisão apanhou o trilho indicado pela fundamentação.

            A nulidade assacada à sentença não existe.

            No que respeita à nulidade da alínea d), não se descortina, sequer, onde é que os recorrentes a situam, porque não referiram quais as questões que o tribunal deixou de apreciar, nem aquelas de que tomou conhecimento sem o poder fazer.

            Nesta medida, não seriam necessários outros considerandos para declarar a improcedência da arguição; diga-se, de qualquer modo, que o tribunal apreciou todas as questões que lhe foram presentes (no que respeita aos recorrentes, a alegada propriedade sobre a faixa de terreno em análise, cuja improcedência arredou, por inúteis, as demais questões colocadas, porque dependiam inteiramente daquela, e, quanto aos recorridos, a invocada compropriedade sobre a mesma faixa) e não apreciou questões cujo conhecimento lhe estivesse vedado.  

            A nulidade não existe.

            E outro tanto se diga, por fim, da nulidade da alínea e), que os recorrentes fazem derivar de uma pretensa condenação para além do pedido reconvencional.

            Mais uma vez, terão lido a sentença de forma descuidada, porque os recorridos pediram se declarasse que o espaço discutido era um espaço comum, destinado a rua, passagem e acesso aos prédios 601, 602, 527 e 580 e a sentença declarou exactamente isso.

            Resumindo, não se verifica nenhuma das arguidas nulidades da sentença, pelo que o recurso não pode ter, nesta parte, procedência.     

            b) A alteração da matéria de facto

            De acordo com o disposto no artigo 712.º, n.º 1, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

            a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;

            b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

            c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

            Prescreve, por sua vez, o n.º 1 do artigo 685.º-B que, quando se impugne a decisão de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – alíneas a) e b) –, acrescentando o n.º 2 que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

            Do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão de facto (documentos e depoimentos prestados) e os recorrentes indicaram os pontos de facto que apodam de erradamente julgados e os meios de prova que, no seu entender, impunham decisão diversa, transcrevendo as passagens tidas por relevantes, pelo que a impugnação é admissível.

            Resta saber se é viável.

            Vejamos, em primeiro lugar, os pontos de facto questionados, por referência aos artigos da base instrutória, e as respostas que lhes foram dadas:

            8.º: Colocando uma caixa de correio no mesmo pilar?

            Resposta: provado que colocaram, há cerca de 20 anos, uma caixa de correio no mesmo pilar.

            9.º: Contra a vontade e sem o consentimento dos autores?

            Resposta: provado que a campainha foi colocada contra a vontade e sem o consentimento dos autores.

            10.º: Antes do ano de 2007 os réus tinham a sua campainha e caixa de correio na entrada principal da sua casa, na rua de cima, na entrada da mesma?

            Resposta: não provado

            11.º: E utilizavam como entrada principal de acesso ao prédio referido em B) essa entrada?

            Resposta: não provado.

            12.º: Os réus apenas passavam no logradouro do prédio identificado em A) por mera tolerância dos seus anteriores proprietários?

            Resposta: não provado.

            13.º: O que foi respeitado pelos autores após a aquisição do referido prédio?

            Resposta: não provado.

            14.º: Os réus retiraram a vedação que existia no início do logradouro e no fim da passagem?

            Resposta: não provado.

            15.º: Os autores entregaram aos réus uma chave dos portões de acesso ao prédio referido em A)?

            Resposta: não provado.

            16.º: No sentido de os réus ali poderem entrar?

            Resposta: não provado.

            17.º: Com a condição de os fecharem de seguida?

            Resposta: não provado.

            27.º: Desde pelo menos 1968 até hoje que o espaço referido em 21.º é utilizado pelos réus e antes por E...., F....e G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a rua e acesso a todos os prédios urbanos construídos no terreno inicialmente vendido em dois lotes aos referidos E.... e F...?

            Resposta: provado que desde, pelo menos, 1968 que o espaço referido em 21.º é utilizado pelos réus e, posteriormente, por G.... e respectivas famílias, como espaço destinado a acesso a todos os prédios urbanos que ali foram sucessivamente construídos e, hoje, também, pelos autores, como acesso ao prédio referido em A).

            28.º: Espaço pelo qual desde aquela data têm passado, para além das pessoas referidas em 27.º, os seus familiares e amigos, para acederem às casas entretanto construídas?

            Resposta: provado.

            29.º: Fazendo-o à vista de toda a gente e também dos autores e seus sucessores?

            Resposta: provado.

            30.º: Sem qualquer interrupção?

            Resposta: provado.

            31.º: Sem oposição de quem quer que seja e também dos autores?

            Resposta: provado.

            32.º: Na convicção de que tal espaço é um espaço comum de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionado como verdadeira rua e de que não prejudicam direitos de terceiros?

            Resposta: provado que os réus o fazem na convicção de que tal espaço é um espaço comum, de passagem e acesso às casas ali existentes, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros.

            33.º: O espaço referido em 21.º é o único acesso para veículos, tractores, lenhas e produtos para as garagens e arrecadações dos réus?

            Resposta: provado que o espaço referido em 21.º é o único acesso para veículos, tractores e lenhas para as garagens e arrecadações dos réus existentes no prédio descrito sob o artigo urbano 680 da Malcata.

            Pretendem os recorrentes, como já se disse, que os artigos 8.º a 17.º deveriam ter recebido resposta afirmativa e os artigos 27.º a 33.º resposta negativa.

            Antes de analisar essa pretensão, importará se precisem os contornos da acção, para uma melhor compreensão do que se discute.

            Recorrentes e recorridos são donos de prédios urbanos confinantes entre si, construídos em lotes de terreno destacados de um prédio mais vasto, que foi pertença de um terceiro.

            A sul do prédio dos recorrentes existe uma faixa de terreno, que estes dizem fazer parte integrante do seu prédio e que os recorridos utilizam, por mera tolerância, para acesso a duas casas de que são titulares (conquanto admitam que sobre a mesma se possa ter constituído uma servidão de passagem).  

            A tese dos recorridos é diametralmente oposta: a dita faixa é espaço comum de passagem para ambos, tendo, aliás, sido destinada para tal fim pelo primitivo proprietário do terreno; desde 1968 que eles e os seus familiares e amigos a utilizam (e o mesmo sucede com os recorrentes e seus antecessores), tanto a pé, como de carro, para aceder aos prédios de que são donos, o que sempre fizeram à vista de toda a gente, interrupção e sem oposição, na convicção de se tratar de um espaço comum de passagem e de não lesarem direitos de terceiros.

            No essencial, resultou provada a versão dos recorridos e não provada a dos recorrentes. No que tange à fundamentação, completíssima, como só muito raramente se vê, foram acolhidos, para além dos documentos juntos ao processo, o depoimento de parte dos recorridos, em conjugação com os depoimentos das testemunhas por eles arroladas, quanto aos artigos 8.º e 9.º, e, quanto aos artigos 27.º a 34.º, os depoimentos das mesmas testemunhas. As respostas negativas aos artigos 10.º a 17.º resultaram da circunstância de nenhuma prova segura ter sido feita sobre os mesmos, tendo-se entendido, nesse conspecto, que os depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorrentes não mereciam credibilidade, não só por se encontrarem emigradas em França há dezenas de anos, mas, também, por revelarem interesse no desfecho da lide, o que é indiciador de parcialidade.

            A ideia dos recorrentes é precisamente a contrária: as testemunhas que arrolaram é que são credíveis, enquanto que as indicadas pelos recorridos são parciais; e, como as suas testemunhas confirmaram a sua versão, devem ser alteradas as respostas pela forma que indicaram.

            Mas não parece que seja de aceitar a sua posição. Aos artigos 8.º a 17.º responderam os próprios réus, em depoimento de parte, as testemunhas dos recorrentes, H..., P.... e I... , e as testemunhas dos recorridos, J... e L... (estas duas, só aos artigos 10.º a 12.º); Aos artigos 27.º a 34.º responderam as testemunhas dos recorridos, M... , G... e N... , e a testemunha dos recorrentes, F....(só ao artigo 27.º); foi ouvida, ainda, a testemunha dos recorrentes, O... , que não respondeu a qualquer daqueles quesitos.

            Os seus depoimentos foram, no que para aqui interessa, assim:

            Réus – a caixa do correio foi colocada no pilar de entrada há mais de 20 anos e a campainha há um ano e tal; depois da colocação da campainha, os autores exigiram a retirada de ambas as coisas.

            H.... – reside em França há cerca de 40 anos, desde a idade de 15 anos e meio; só vem a Portugal pelo verão e pelo Natal; foi a sua família (ela própria, os irmãos e o pai) que vendeu a casa ao autor; ela viveu nela em pequena; a entrada principal das casas dos réus é pela rua de cima, mas o pai deixava-os entrar pelo terreno em discussão por gostar muito da ré; os pilares e os portões existentes no início da faixa foram colocados pelo seu marido e pelo seu cunhado há uns 15/16 anos; a caixa do correio foi posta depois de sua mãe falecer, o que sucedeu em Maio de 1997; questionada pelo ex.mo advogado dos recorridos sobre se a casa que hoje é dos recorrentes e as casas dos recorridos tinham, ou não, frontaria para o lado de baixo (o lado da dita faixa), fugiu à pergunta, respondendo que os réus tinham entrada pelo lado de cima; perante nova insistência, disse que não sabia o que era a frontaria; dada a explicação do que era a frontaria de um prédio, voltou a dizer que não percebia; ante nova explicação, disse que a parte da frente da casa dos réus era pelo outro lado; a perguntas da ex.ma juiz, começou por dizer que o réu passava de carro pela rua de cima, mas acabou por aceitar que, afinal, passava pela rua de baixo.

            G.... – é irmão da anterior testemunha, encontrando-se emigrado em França há 40 anos; foram ele e os irmãos que venderam a casa ao autor; o acesso à casa dos réus era pela rua de cima, tendo lá uma porta e um portão de garagem, por onde não há dificuldade alguma em entrar; os pais fizeram uns pilares e colocaram um portão para aí há uns 15 anos; posteriormente, disse que foi há uma média de 20 anos e, finalmente, esclareceu já não se recordar bem; só viu a caixa do correio depois da morte da mãe, o que ocorreu há doze anos; a primeira pessoa a construir no local foi o réu, sendo que os materiais passaram pela rua de cima; nunca entrou na casa do réu; inquirido acerca da razão por que afirmava que a entrada era por cima, se nunca entrou na casa, respondeu: “porque sei”; a frontaria da casa do autor é por baixo e a da casa do réu por cima; sendo-lhe perguntado se viu entrar carros na casa dos réus pela rua de cima, disse: “tantos que se lá montam”.

            I... – é cunhado das anteriores testemunhas; em Portugal tem residência na Meda, mas está emigrado em França há 37 anos; conhece a Malcata, por vir todos os anos a casa da sogra, enquanto esta foi viva; não conhece a casa dos réus, mas sabe que eles entravam por cima; nunca os viu entrar por baixo; por cima entrava-se muito bem, “assim se entrasse no céu”; os pilares e o portão foram feitos há 13/14 anos; nunca lá viu a caixa do correio, nem a campainha; o sogro deu uma chave do portão ao réu por amizade; os réus têm duas casas, ambas com portas para a rua; não sabe como é que eles entram de carro para a casa onde vivem; desconhece se a casa tem garagem; nunca viu que o réu passasse de carro pelo lado de baixo; sendo-lhe dito que devia conhecer aquilo muito mal, disse que não conhecia muito bem, admitindo que só ia ao local no mês de Agosto, umas vezes durante dois dias e outras vezes só para se despedir;

            O... – é irmã das duas primeiras testemunhas; está emigrada em França desde 1967, mas ia todos os anos ver os pais; o acesso dos réus era por trás, nunca foi pela frente; a faixa em causa era terreno dos pais, o réu não tinha lá nada; os pilares e o portão foram colocados pelo marido e pelo cunhado; os pais disseram que tinham o direito de os colocar; o réu foi o primeiro a construir; os materiais “levá-los-ia pela rua”; mas não viu construir a casa do réu, nem sabe quando isso aconteceu; quando o réu fez a casa, passava lá por trás; nunca viu que o réu passasse de carro pela faixa, só a pé; “eu só sei dizer que, bom, que aquilo era dos meus pais, mais nada; o senhor M... era lá por trás, pronto”; a mãe deu uma chave, porque gostava da ré.

            F....– é pai da autora; esteve em França desde 1958 até 1983 ou 1984; vendeu, juntamente com uma irmã, o terreno a G..., pai e sogro das anteriores testemunhas; o terreno onde foram construídas as casas dos réus era de um seu irmão, mas não sabe qual; quando fez as partilhas com os irmãos, acordaram que o acesso ao terreno onde estão os prédios dos réus seria feito pela rua de cima (mas não conseguiu explicar como e entre quem foi feito o acordo), que já existia na altura; cá por baixo, era só ele e a irmã; não sabe quando é que o réu construiu a casa, como não sabe quem construiu primeiro; vendeu o terreno, fizeram a obra e ele nunca mais ligou àquilo; o réu “nunca pôs os pés no tal terreno”; sendo-lhe perguntado como é que o réu passava, respondeu: “a passagem é lá por cima, não é cá por baixo”.

            M... – não é familiar dos autores nem dos réus; viveu sempre na Malcata, residindo na Rua do Beco, atrás do autor, desde 1972; os terrenos onde estão as casas de autores e réus eram da mesma família; foi E...., cuja mulher era filha do primitivo proprietário e irmã da anterior testemunha, quem vendeu o terreno aos réus; a primeira pessoa a construir casa no local foi o réu, em 1965/1966; a segunda, onde actualmente reside, foi edificada por alturas de 1978/1979; os camiões com os materiais e a “retro” passaram pela dita faixa, por cima não podiam; quando a primeira casa do réu foi feita, não havia rua alguma por cima, a qual só surgiu há cerca de 28/30 anos, depois de aí serem construídas mais três casas; desconhece se o proprietário inicial dos terrenos reservou a referida faixa para passagem; sabe é que sempre se lá passou; ele mesmo o fez, durante vários anos, para ir arejar as casas dos réus, que estavam emigrados; aliás, a partir de 1980, passou a guardar um seu veículo automóvel na garagem dos réus e utilizava a faixa para nela transitar; na altura, falava-se, até, que a Junta iria construir uma rua, aproveitando a falada parcela, mas tal não chegou a acontecer; o espaço foi sempre utilizado como caminho, por onde passavam os donos das casas, os familiares, os amigos, todos quantos iam a casa dos réus; toda a gente via e ninguém proibia, até porque havia a convicção generalizada de que se tratava de uma passagem, sendo, de resto, a única maneira de aceder à garagem da 2.ª casa dos réus (aquela onde vivem); o pilar e o portão existem vai para 22/23 ou, até, 25 anos, tendo sido colocados por causa dos ciganos; a caixa do correio, que estava na primeira casa dos réus, foi instalada no pilar desde que o portão foi feito, uma vez que, por causa deste, o carteiro não podia passar; a primeira casa dos réus tinha um portão largo, mas que dava para o terreno e não para a rua, porque nenhuma havia; a perspectiva terá sido a de que a rua viria a existir; a casa que hoje é dos autores foi construída por G.... por volta de 1975/1976.

         P ...– vive na Malcata desde 1961, em casa sita a cerca de 50 metros do local em questão, que construiu em 1961; esteve emigrado em França desde 1965 até 1995, mas passava dois meses por ano em Portugal; quando o réu construiu a primeira casa, a rua de cima ainda não existia, tendo sido aberta depois da edificação de outras casas; o espaço em litígio foi deixado para passagem; sempre se passou por lá e a qualquer hora; as pessoas pensam que é “uma rua dos dois” (referindo-se a autores e réus); o próprio depoente por lá passa quando vai a casa dos réus; de resto, esta não tem outro acesso possível para viaturas; por cima, pode passar-se de pé, mas não de carro, porque o terreno é muito alto; as entradas principais das casas são pelo sul.

            J... – vive na Malcata desde 1961, próximo do local dos factos, sendo que, de há 15 anos para cá, reside na rua de cima, em frente da casa dos réus; quando o réu fez a primeira casa, aí por alturas de 1963 ou 1964, não existia a rua de cima, que foi aberta, somente, há 30, 35 ou 36 anos; os réus sempre passaram pelo caminho em frente da casa que agora é dos autores, tendo sido por aí que foram transportados os materiais de construção; na parte de cima nunca existiu campainha nem caixa de correio; a rua de cima permite o acesso à casa dos réus, a pé, mas não de carro; os réus entram habitualmente pelo caminho de baixo; pelo de cima, só esporadicamente; anteriormente, o depoente entrava, também, pelo lado de baixo; mas, desde que mora na rua de cima, entra por aí, por lhe ficar mais perto; no seu entender, o espaço não é do autor nem do réu, é um caminho; não tem conhecimento de que os réus fossem, alguma vez, impedidos de entrar por aí; eles não passam por favor, o caminho é deles; o carteiro também vai por baixo; as pessoas que se dirigiam a casa dos réus usavam sempre entrar por baixo, mas, desde que lá colocaram o portão, passaram a ir por cima, uma vez que não o podem abrir.

            L... – nasceu em 1935 em Malcata e sempre lá morou, embora tenha estado em França até há 10/11 anos; de qualquer modo, vinha todos os anos à terra; vive por detrás da casa dos réus, mas não na rua de cima; desde sempre (desde que os réus fizeram a primeira casa) se lembra de aqueles e demais pessoas que iam a casa deles passarem pela rua de baixo; por cima era impossível aceder com carros à casa; no lado de cima não havia caixa de correio nem campainha; nunca se verificou oposição de quem quer que fosse à passagem por baixo; a entrada principal para a casa dos réus era por aí e é nesse espaço que estão instalados os respectivos esgotos; o entendimento que existe é que a passagem é para todos e que os réus passam na convicção de terem o direito de o fazer.

            N... – nasceu em 1931 e vive na zona, embora tenha estado em França durante 36 anos, de onde regressou definitivamente há 17 anos; nesse período, no entanto, vinha passar férias todos os anos à terra; sempre conheceu assim o espaço em litígio, ou seja, como acesso às casas de autores e réus; aliás, as pessoas chamam-lhe caminho; é lá que estão os esgotos, cuja instalação presenciou; as portas das casas de ambos estão viradas para lá; a Junta de Freguesia queria abrir ali uma rua, mas não a chegou a concretizar; a primeira casa dos réus foi construída em 1966/1967 e a segunda cerca de dez anos depois; toda a vida ali passou gente; ele próprio lá passou, muitas vezes, com o tractor, quando encarregado pelo anterior proprietário da casa que hoje é dos autores de tratar do terreno adjacente à casa pelo lado norte; os réus e os seus familiares e amigos passavam à vista de toda a gente, sem que alguém se opusesse, na convicção de se tratar de um acesso comum para eles e para os autores e seus antecessores; por cima, os réus não tinham acesso de carro; não assistiu à colocação dos portões, tendo-os visto, já aplicados, quando veio de férias, há perto de 30 anos; ouviu dizer, nessa altura, que tinham sido lá postos por causa dos ciganos.

            Posto isto, e visto que, no fundamental, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores confirmam a sua versão, ou seja, o teor dos artigos 8.º a 17.º, e os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus vão em sentido oposto, que é como quem diz, no de dar guarida à matéria dos artigos 27.º a 33.º, é óbvio que a decisão da questão de facto depende do crédito que se der a umas e a outras.

            E, neste particular aspecto, não há dúvida alguma de que a 1.ª instância agiu muito criteriosamente, tendo sabido separar na perfeição o trigo do joio.

            As testemunhas arroladas pelos autores, para além de não poderem conhecer a situação com o mínimo de certeza, dada a circunstância de estarem emigradas em França há cerca de 4 dezenas de anos (desde o tempo, portanto, em que os réus construíram a sua primeira casa), mostraram, pela forma como depuseram, um comprometimento com os autores e um interesse no desfecho do litígio, que lhes retira a necessária credibilidade.

Basta que se repare, quanto à testemunha H...., na fuga a uma questão tão simples como a da posição da frontaria das casas dos réus, respondendo que eles entravam por cima, e na insistência em afirmar que passavam, de carro, pela rua de cima, para aceitar, afinal, quando questionada pela ex.ma juiz, que a passagem com veículos era feita por baixo.

E na resposta “porque sei”, da testemunha G...., quando instada para esclarecer por que razão dizia que a entrada era por cima, se nunca fora às casas dos réus, ou na asserção de que os materiais para a construção destas haviam passado pelo lado de cima, quanto todos os residentes no local foram unânimes em dizer que foi por baixo.

E no tom peremptório da testemunha Tabosa Moreira em asseverar que os réus passavam por cima, quando, reconhecidamente (por ele próprio), mal conhecia o local.

E na fixação da testemunha O...: “o senhor M... era lá por trás, pronto!”.

E na exaltação da testemunha F..., vertida no tom de voz e na afirmação de que os réus nunca puseram os pés no terreno, quando, dito por ele mesmo, vendeu o terreno e nunca mais ligou àquilo.

E nas declarações, comuns a todas, de que a rua de cima já existia aquando da construção da primeira casa dos réus e que a caixa do correio foi colocada depois de 1997, quando as testemunhas com ligação efectiva ao local dos factos (em especial as testemunhas M... e J..., que sempre ali residiram) não deixaram dúvidas de que a rua de cima é de construção posterior e de que a caixa do correio foi instalada muito antes.

            Já as testemunhas dos réus, que, como se disse, confirmaram a versão trazida por estes aos autos, revelaram um conhecimento dos factos (derivado da respectiva inserção na comunidade local) e uma postura (de verticalidade, de colaboração e de racionalidade) que as torna plenamente credíveis.

            Será de registar aqui, por contraponto ao que sucedeu com as testemunhas dos autores, que mesmo as testemunhas dos réus que estiveram emigradas, que as houve, também, só se pronunciaram sobre aquilo de que tinham conhecimento, recusando entrar em especulações a favor de um ou de outro dos contendores.

Daí que não haja hesitações em dar prevalência aos seus depoimentos, como se fez, e bem, na sentença recorrida.    

Que, de resto, se conciliam de forma absolutamente lógica com as provas documentais e com o resultado da inspecção judicial efectuada ao local.

Reparar-se-á, em conformidade com o teor da inspecção judicial, que as casas de autores e réus se encontram construídas com as fachadas viradas para o espaço questionado, que os muros e vedações têm aspecto muito antigo, que a casa dos réus primeiramente construída tem uma porta com menos de um metro de largura (portita, como chegou a ser referida) virada para a rua de cima, ficando a porta principal do lado de baixo e que a respectiva garagem só permite o acesso pela faixa em causa e, segundo os elementos da matriz e do registo predial, que a confrontação sul do prédio dos autores é com uma servidão, o que, seguramente, não sucederia se a parcela litigada fizesse parte integrante do seu prédio.

Perante tanta e tão qualificada prova, não há como aceitar que os réus passassem na faixa por mera tolerância dos autores, afigurando-se muito mais consistente a tese de que o faziam no exercício de um direito plenamente reconhecido, pelo que não existe a menor possibilidade de a matéria de facto ser alterada pela forma pretendida.

Conclusão que, aliás, sempre derivaria da circunstância de no nosso regime processual vigorar o princípio da livre apreciação da prova (artigo 655.º, n.º 1) e o julgador ter fundamentado a decisão de facto de acordo com as mais elementares regras da experiência e segundo as leis que regulam a actividade mental (Alberto dos reis, Código de Processo Civil Anotado volume III, página 245).

            Indemonstrada a desconformidade flagrante entre os elementos de prova e o julgamento de facto, é absolutamente impossível a esta Relação alterar a decisão de facto, como pretendem os autores/recorrentes.

            Nesta parte, improcederá, portanto, o recurso.

            c) A admissibilidade da reconvenção

            Segundo os recorrentes, a reconvenção não é admissível, por se não enquadrar na previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º, ou seja, por não emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.

            Visão totalmente incorrecta, quando o que está em causa é a propriedade de uma parcela de terreno, sobre a qual qualquer dos litigantes diz exercer actos de posse com as características necessárias para conduzir à aquisição da propriedade por usucapião (propriedade plena, no caso dos recorrentes, e propriedade em comunhão, no caso dos recorridos).

            Se os recorrentes pretendem (e pedem) que os recorridos deixem de poder utilizar a parcela em seu benefício e estes desejam (e, assim, o requerem) continuar a utilizá-la, sob a invocação de factos conducentes à aquisição de um direito, é evidente que o pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, sendo, nessa medida, admissível.

            A discussão não tem, no entanto, o menor interesse, uma vez que a reconvenção foi admitida no despacho saneador e o pertinente despacho transitou em julgado. Formado o caso julgado formal, não é possível reabrir o debate em torno da questão, que terá, naturalmente, de improceder.

            d) A procedência dos pedidos formulados na acção e na reconvenção

           

            Tanto quanto se consegue perceber das alegações de recurso dos apelantes, mal organizadas e pouco explícitas, a sorte da acção depende por inteiro da questão de facto. Por outras palavras, não atacam a questão de direito enquanto baseada nos factos dados por provados; entendem é que se teria provado matéria de facto que levaria a diferente solução do pleito.

            Nesta perspectiva, é claro que a improcedência da questão de facto resolve em definitivo o litígio.

            De todo o modo, e para que dúvidas se não suscitem:

            Sintetizando, para um melhor esclarecimento, o que já antes foi dito, está em discussão a propriedade de uma faixa de terreno, que os autores dizem ser seu, mas que os réus alegam ser propriedade comum de ambos.

            Na tese daqueles, a faixa em causa, que faria parte integrante de um seu prédio urbano, tem vindo a ser utilizada pelos réus para acesso a suas casas, mas por mera tolerância, apenas, porque lhes não assiste o direito de passar; mas, admitindo que se tenha constituído uma servidão de passagem a onerar o seu prédio e a beneficiar o dos réus, a servidão é desnecessária, dada a circunstância de os prédios destes terem acesso directo à via pública.

            A tese dos réus é a de que a faixa foi adquirida em compropriedade por ambas as partes, por via da utilização comum, como acesso aos prédios de que são donos, pelo tempo necessário à verificação da usucapião.

            A prova de um direito cabe a quem o invoca (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que, de futuro, se designará, abreviadamente, por CC).

            Da matéria de facto assente resulta bem visível que os autores não conseguiram fazer a prova da aquisição de domínio por um dos modos previstos na lei (artigo 316.º do CC); contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão ou outro modo aquisitivo que seja, nada há nos autos que o demonstre.

            Talvez por isso, e em desespero de causa, se tenham agarrado à presunção de propriedade derivada do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial), afirmando que a descrição predial da sua unidade engloba a parcela litigada.

            Mas laboram em erro crasso, porque, de facto, tal não sucede. Do registo predial extrai-se que há duas casas de rés-do-chão e dois logradouros registados a favor dos autores, mas nada mais do que isso.

            Ou seja, vistos os factos registados e a presunção antes referida (que sendo “juris tantum”, apenas, não foi ilidida), o que se pode concluir é que os autores são donos de duas casas; já não que sejam donos da parcela questionada, uma vez que a presunção abrange, somente, o direito inscrito, que não a descrição, e não garante os elementos de identificação dos prédios descritos (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.01.93 e de 11.11.93, CJ/STJ, Ano I, tomo I, página 100, e tomo II, página 95).

            Mas, ainda que o registo abrangesse os elementos de identificação, a verdade é que do mesmo se não retira que a parcela integre o prédio descrito; nem a descrição (duas casas de rés-do-chão e 1.º andar e dois logradouros), nem a área (342 m2, sendo 161,48 m2 de área coberta e 162, 52 m2 de área descoberta), nem as confrontações (norte, caminho, sul, servidão, nascente, G.... e beco do vale e poente, G.... e C....), dizem o que quer que seja acerca do terreno disputado.

            Evidentemente que a exclusão de domínio sobre a faixa em apreço arreda, só por si, as demais pretensões dos recorrentes, mormente a declaração de extinção da alegada servidão de passagem.

            É que, dada a noção de servidão predial constante do artigo 1543.º do CC (encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro), se a parcela não faz parte integrante do seu prédio, este não pode este estar onerado com uma servidão de passagem em benefício dos prédios dos réus.

            E, não havendo servidão, é apodíctico que não pode ser declarada a sua extinção; só se extingue o que tem existência.

            Em resumo, os recorrentes não provaram o direito cuja titularidade invocaram.

            Os réus/recorridos sustentaram ser comproprietários da mesma faixa, alegando como fonte de aquisição a usucapião.

            A usucapião é, na realidade, um modo inteiramente legítimo de adquirir, não só o direito de propriedade, mas os outros direitos reais de gozo (artigos 1316.º e 1287.º do CC).

            Consiste, como reza este último normativo, na manutenção da posse do direito por um determinado lapso de tempo, que é mais ou menos longo, consoante a existência, ou não, de título e seu registo e os caracteres da posse (artigos 1294.º e seguintes do CC).

            São dois, portanto, os elementos da usucapião: a posse e o decurso do tempo.

            A posse, por sua vez, é, como deflui do disposto no artigo 1251.º do CC, o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

            São dois, também, os elementos que a constituem, na esteira da adopção da concepção subjectiva da posse: o “corpus” e o “animus”, consistindo aquele na actuação de facto correspondente ao exercício do direito (prática dos actos materiais que é habitual serem praticados por quem é titular do direito) e este na intenção de agir como verdadeiro senhor do direito e não como simples detentor.

            Em caso de dúvida, no entanto, presume-se a posse em quem exerce o poder de facto (n.º 2 do artigo 1252.º do CC), o que significa que o elemento subjectivo até pode ser dispensável, bastando, para tanto, que a presunção não seja ilidida.

            Nessa conformidade, firmou o nosso mais alto Tribunal jurisprudência uniformizadora (Assento de 15.05.1996, BMJ 457, página 55), no sentido de que “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

              O tempo necessário à aquisição por usucapião depende, como se referiu, da existência de título e seu registo e dos caracteres da posse, podendo variar, no que concerne aos imóveis, entre dez e vinte anos (artigos 1294.º a 1296.º do CC); sendo constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.

            Ora, o que é que, nesta sede, se provou?

            Que a sul do prédio dos autores existe um espaço com cerca de 20 metros de comprimento e 4 metros de largura, que é utilizado, desde 1968, pelos réus, mais tarde, pelos antecessores do prédio dos autores e, actualmente, por estes, como acesso aos prédios urbanos de que foram ou são donos; que, desde então, tanto aqueles, como os seus familiares e amigos, por ali têm passado para chegar às respectivas casas, o que fazem e fizeram à vista de toda a gente, sem interrupção e sem oposição de quem quer que seja; que os réus agiram na convicção de que o mencionado espaço é um espaço comum, destinado a passagem e acesso às suas casas, funcionando como verdadeira rua, e de que não prejudicam direitos de terceiros; que não existe outro acesso às garagens e arrecadações das casas dos réus para veículos, tractores e lenhas; que os réus, há cerca de 20 anos, colocaram uma caixa de correio num pilar de entrada onde assenta um portão que dá acesso ao espaço e, há cerca de uma ano, instalaram uma campainha naquele mesmo pilar, sem o consentimento e contra a vontade dos autores; que o réu queimou com herbicida a vegetação existente em tal espaço.

            Que mais seria preciso para que os réus adquirissem compropriedade na parcela? Nada, seguramente.

            A posse está perfeitamente configurada, uma vez que, e por um lado, os réus (mas, também, os autores, por si e antecessores) têm vindo a exercer sobre a mesma os actos materiais que é normal serem praticados por um proprietário (atento o fim a que a coisa se destina, como é óbvio), no caso, a passagem para acesso às casas onde moram, e, por outro lado, o fizeram e fazem com a intenção clara de exercer um direito que julgam assistir-lhes: o de serem comproprietários do espaço, juntamente com os donos do prédio urbano que hoje é dos autores.

            O decurso do tempo também não levanta problemas, visto que a descrita situação se verifica há bem mais de 30 anos e que a posse, apesar de não titulada, se reveste de boa fé (estado psicológico, consistente na ignorância de se lesarem direitos de outrem, como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, em comentário ao artigo 1260.º) e é pacífica e pública (artigos 1261.º e 1262.º do CC, respectivamente).

            Neste condicionalismo, bastariam uns meros 15 anos para que a usucapião operasse (artigo 1296.º do CC), o que, relativamente aos réus, sucedeu mais de 20 anos antes da propositura da acção.

            A aquisição por estes do direito de compropriedade sobre o espaço em apreço não sofre, por conseguinte, a menor dúvida, aquisição que, aliás, aproveita aos autores, por via do preceituado no artigo 1291.º do CC.

            Refira-se, ainda, retomando questão abordada a propósito da arguida nulidade da sentença, que a eventual oposição dos autores à colocação de uma campainha no pilar existente à entrada do espaço é destituída de importância jurídica, pois que, nessa altura, já a aquisição por usucapião se consumara há muito.

            Uma nota final para procurar dissipar o que parece ser uma dúvida existencial dos autores: se já se viu uma rua pertencente a dois proprietários tapada por portões colocados por um só deles.

            As questões jurídicas não se resolvem em função da maior ou menor estranheza que possam suscitar, mas, sim, à luz do binómio factos/direito aplicável.

            O insólito da situação (suposto que o seja) não reúne virtualidades para forçar os tribunais a decidir em contrário da prova produzida e da interpretação das normas legais.

            A 1.ª instância decidiu em conformidade com a matéria de facto provada e com o enquadramento jurídico que julgou correcto.

            Evidentemente que esta Relação não pode deixar de fazer o mesmo.

            Em conclusão, os recorrentes não provaram ser donos, com exclusão de outrem, da questionada faixa de terreno, ao passo que os recorridos provaram ser comproprietários da mesma; logo, a acção teria de improceder e a reconvenção de proceder, nos exactos termos em que o fez a sentença recorrida.

            Sem mais considerandos, o recurso improcede na sua totalidade.

           

            IV. Sumariando:

            1) Só se verifica a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se a sentença não incluir os factos ou o direito;

            2) A alínea c), por seu lado, postula um vício real de raciocínio: a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou diferente;

            3) A alínea d) abrange os casos de omissão de pronúncia e de pronúncia indevida;

            4) A alínea e), finalmente, tem em vista a ultrapassagem do pedido, seja em quantidade, seja em qualidade;

            5) Não é possível alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância, se a respectiva fundamentação respeitar as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental;

            6) A presunção derivada do registo predial só abrange o prédio em si, que não a sua descrição, e não garante os elementos de identificação do prédio;

            7) A utilização pacífica, pública e de boa fé, por várias pessoas, de uma faixa de terreno, como acesso às respectivas residências, exercida na convicção de se tratar de um espaço comum e de se não lesarem direitos de terceiro, mantida por mais de 15 anos, conduz à aquisição da compropriedade por usucapião.

            V. Decisão:

            Em face do exposto, decide -s e julgar a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

            Custas pelos recorrentes.