Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
122/07.7 TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 4º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO47º CP
Sumário: 1. O pagamento da pena de multa arbitrada em processo penal deve ser feito, como regra, imediatamente após a condenação, no prazo normal que a lei concede.
2. Apenas verificada uma impossibilidade absoluta ou relativa (justificada pela situação económica e financeira do condenado) pode ser feito apelo ao normativo indicado.
3. Para determinação das prestações não é estabelecido qualquer critério, além do limite temporal de dois anos subsequentes à data da condenação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na (4:ª) Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I – Relatório.

1.1. P..., com os demais sinais nos autos, foi condenado, ao que ora releva, por sentença neles proferida a 17 de Novembro de 2008, entretanto transitada em julgado, pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido através do artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja na multa global de € 720,00 (certificação de fls. 12).

Entretanto, por requerimento apresentado no dia 16 de Fevereiro do presente ano, alegando que os seus rendimentos e do respectivo agregado familiar não lhe possibilitavam proceder ao pagamento da multa arbitrada de uma só vez, solicitou que lhe fosse o mesmo facultado em prestações mensais de € 40,00 até 1 de Agosto de 2009, e, de € 200,00 a partir de então, até integral pagamento do devido.

Tudo, porquanto, vive em união de facto com M... e quatro menores (dois do arguido e de uma anterior relação e dois mais novos fruto daquela união); aufere, mensalmente, € 1.500,000 e sua companheira € 400,00, tendo como despesas globais fixas € 1.254,00 – 400 de renda de casa; 230, 364 e 260, com prestações de três empréstimos –; a elas acrescem as despesas comuns de alimentação, electricidade, água, gás, médicas, transportes, escolares, etc; e, em 1 de Agosto de 2009 termina a despesa com um daqueles créditos assumidos (fls. 16/7).

Com vista dos autos, o Ministério Público pronunciou-se favoravelmente ao deferimento do pretendido pagamento da pena de multa em prestações, embora, consignou, em não menos de cinco prestações mensais e sucessivas, de € 144,00 cada, isto no intuito de só assim se salvaguardar o carácter “penal” da sanção e acautelar a finalidade que lhe é inerente (fls. 20/1).

Ponderando a concreta pretensão do arguido, a M.ma Juiz a quo proferiu, então, o despacho constante de fls. 22, com o teor seguinte:

“Dada a situação económica do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, autorizo o pagamento da multa em 8 (oito) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 8 de Abril e as demais no mesmo dia dos meses subsequentes, com a cominação de que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas (n.º 5 do citado artigo).

Não se autoriza o pagamento em mais prestações para não desvirtuar o sentido da pena. Com efeito, autorizar o pagamento em mais prestações não fará o arguido sentir que se encontra a pagar uma multa criminal e, assim, só desta forma ficam acautelados os fins das penas.

Notifique.”

1.2. É na irresignação com o assim decidido que se mostra interposto o presente recurso, sendo que da motivação ofertada extraiu o Ministério Público as conclusões seguintes:

1.2.1. Atenta a situação económica do arguido e, sobretudo, a finalidade das penas, o arguido deveria suportar um encargo mensal superior ao decidido e que o fizesse sentir estar verdadeiramente a cumprir uma pena.

1.2.2. Com efeito, o pagamento da multa em prestações não pode significar uma despenalização nem mesmo o esvaziamento dos fins das penas. Mesmo estando a pagar a multa em prestações, a prestação não pode ser tão baixa que leve o arguido a deixar de sentir que está a cumprir uma pena.

1.2.3. A multa terá sempre que representar algum significado e sacrifício económico para o arguido, sob pena de, assim não sendo, se desprestigiar tal pena, que acabará por perder validade e deixará de assegurar a vigência da norma violada.

1.2.4. Sendo a multa uma pena, a faculdade de efectuar o seu pagamento em prestações não deve ser usada tão amplamente que a leve a perder esse seu carácter de verdadeira pena, devendo sempre implicar para o arguido alguma dose de sacrifício e não transformar-se num cómodo negócio de prestações.

1.2.5. Ora, em termos comparativos temos que as custas judiciais apenas podem ser pagas em prestações se estas forem de montante não inferior a 1 UC, ou seja, actualmente, € 96,00 (cfr. artigo 65.º, n.º 1, do CCJ).

1.2.6. Embora não exista no Código Penal qualquer disposição semelhante ao citado artigo 65.º, n.º 1, do CCJ, se quisermos fazer respeitar e dignificar as decisões penais, não poderemos, de modo algum, aceitar que o regime do pagamento fraccionado da multa penal possa ser menos exigente que o regime do pagamento das custas judiciais.

1.2.7. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida violou o estatuído no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal.

Terminou pedindo que no provimento da impugnação, seja o despacho recorrido revogado e substituído por outro que decida em conformidade com a posição que já antes assumira nos autos.

1.3. Notificado para tanto, nenhuma resposta apresentou o arguido.

Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente à reclamada alteração do decidido.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como o prosseguimento dos autos com submissão à presente conferência.

Cabe, então, ponderar e decidir.


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II – Fundamentação.

2.1. Sabe-se ser o âmbito dos recursos definidos através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do CPP).

In casu, vendo-se as deduzidas pelo recorrente, urge apreciar se o despacho recorrido incorreu em indevida consideração ao regime plasmado no artigo 47.º, n.º 3[1], citado.

2.2. O pagamento da pena de multa arbitrada em processo penal deve ser feito, como regra, imediatamente após a condenação, no prazo normal que a lei concede[2]. Apenas verificada uma impossibilidade absoluta ou relativa (justificada pela situação económica e financeira do condenado) pode ser feito apelo ao normativo indicado. Para determinação das prestações não é estabelecido qualquer critério, além do limite temporal de dois anos subsequentes à data da condenação. O que foi caso pensado do legislador que, assim, faculta maior maleabilidade ao julgador, perante cada caso concreto[3].

Por outro lado, ainda, cabe atentar-se no regime imposto pelo n.º 4 do mencionado artigo 47.º[4] ao facultar a alteração do regime fraccionado eventualmente permitido com base nessa hipótese.

No caso presente, vendo-se os elementos aduzidos pelo arguido aquando da apresentação do requerimento sobre que veio a recair o despacho recorrido, e, por outro lado, lendo-se o que consta da sentença recorrida, uma nota pode colher-se: o de que nada de superveniente sobreveio à sua situação económica entre tais hiatos temporais. Na verdade, vendo-se a factualidade acolhida sobre o item 8. dos factos provados, sobrepõe-se a mesma ao que agora veio ele alegar para fundamentar a pretensão deduzida.

Certo que o facto só por si nada obsta.

Em todo o caso, permite afirmar a sua conformação com a medida da pena arbitrada, sendo que foi nessa operação – e aqui permitindo-nos discordar de parte da alegação do recorrente –, que foi feita a devida consideração (concretamente ao arbitrar-se o quantitativo diário devido) sobre o carácter sancionatório que a pena de multa também deve comportar.

Ponto decisivo, contudo, o de ponderarmos se a situação económica e financeira do condenado justifica o pagamento fraccionado da pena imposta?

A resposta será, naturalmente, afirmativa (e nem isso é pomo de discórdia, sublinha-se).

Apenas de determinar o seu quantum e, decorrentemente, lapso temporal correspectivo.

Vendo-se os rendimentos e encargos normais do arguido, sem olvidarmos os que em ambas as facetas são também os do agregado familiar, é inequívoco que expurgados aos rendimento totais os encargos obrigatórios de renda e empréstimos o remanescente se queda em cerca de € 1.000,00 mensais. Esta a quantia que depois suportará todas as comuns despesas do agregado familiar composto por seis pessoas.

Na prudência legalmente consentida, e sendo certo que pelo tempo entretanto decorrido, o arguido passará a dispor dentro de 1/2 meses de mais cerca de € 200,00 mensais, entendemos agora como adequado facultar-lhe o pagamento da pena de multa arbitrada em seis prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 120,00 cada, com início no mês seguinte ao da data do trânsito do presente aresto e até ao dia 8 de cada um desses meses. Regime que, em concreto, melhor se coaduna com a relativa impossibilidade do arguido em proceder ao pagamento imediato e total da sanção cominada.


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III – Decisão.

São termos em que concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto, se revoga parcialmente o despacho recorrido, o qual vai substituído por outro que, deferindo ao pretendido pagamento fraccionado da pena de multa aplicada, autoriza que o mesmo se mostre efectuado em seis prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de € 120,00 cada, com início no mês seguinte ao da data do trânsito do presente aresto e até ao dia 8 de cada um desses meses.

Sem custas.

Notifique.


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Coimbra, 15 de Julho de 2009



[1] Cujo teor literal é, aliás, o seguinte: «Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.»
[2] Artigo 489.º, do CPP: «1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2. O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.»
[3] Cfr. Código Penal Português, Anotado e Comentado, 16.ª edição, Almedina, pág. 195, de Maia Gonçalves.
[4] «Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.»