Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1172/06.6TTCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
FORO LABORAL
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
REINTEGRAÇÃO DE TRABALHADOR
CLÁUSULA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 07/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 32º DO C. P. TRABALHO; 24º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 384º, Nº 2, DO CPC; E 829º-A, Nº 1, C. CIV..
Sumário: I – O artº 32º, nº 1, do CPT, determina que, no foro laboral, aos procedimentos cautelares se aplica o regime estabelecido no CPC para o procedimento cautelar comum, com as especificidades que dele constam.

II – Por isso, uma vez transportados para esse tipo de procedimento a sua regulamentação obedecerá ao disposto nos artºs 381º a 392º do CPC, pelo que importa que o pedido de providência se baseie em fundado receio de que o direito já existente sofra lesão grave e de difícil reparação.

III – Não obstante poder considerar-se que a falta de pagamento de salários em atraso, sendo lesão já ocorrida na esfera do requerente, se pode reflectir num agravamento dos danos patrimoniais causados e, portanto, merecer a tutela cautelar, se não houver alegação desse agravamento e houver falta dessa evidência nos factos provados tal circunstância impede-nos de poder considerar que se trata de uma lesão actual (gravidade actualizada) e de difícil reparação.

IV – O artº 24ºdo Código do Trabalho procurou dar resposta às situações de “mobbing” em contexto laboral, isto é, a situações de condutas discriminatórias, com o objectivo ou o efeito de afectar-se a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

V – A suspensão do despedimento decretada judicialmente tem como efeito anular provisoriamente (até à decisão definitiva na acção declarativa respectiva) os efeitos do despedimento (que assim são suspensos).

VI – Por força de uma decisão judicial de suspensão de despedimento, o trabalhador em causa tem direito à ocupação efectiva do seu posto de trabalho, nos mesmos moldes em que o vinha antes fazendo, não podendo o chamado “jus variandi”servir de escudo para se incumprir a reintegração do trabalhador e desacatar a decisão judicial cautelar de suspensão do despedimento.

VII – Se assim suceder, verifica-se grave e actual lesão do direito à ocupação efectiva, lesão essa grave e dificilmente reparável (artº 381ºCPC), que justificam a providência conservatória para recolocação do trabalhador no posto de trabalho que tinha antes da suspensão e com condenação da entidade patronal no pagamento de uma cláusula compulsória por cada dia em que a legalidade esteja por repor (reintegração efectiva) – artºs 384º, nº 2, do CPC, e 829º-A, nº 1, C. Civ..

Decisão Texto Integral: Requerente: A...
Requerida: B...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A requerente instaurou procedimento cautelar não especificado contra a requerida, pedindo que se determine que: a) seja recolocada no posto de trabalho que tinha antes da suspensão de despedimento; b) a requerida se abstenha de exercer sobre a requerente coação moral, atendendo ao facto de lhe estar a causar lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, que se agravará ainda mais no futuro; c) a requerida seja obrigada a entregar à requerente os vencimentos em atraso, juntamente com os respectivos recibos de vencimento; d) a requerida seja obrigada a indemnizar a requerente, caso as folhas de vencimento não sejam entregues atempadamente e à sua filha não seja atribuída bolsa de estudo; e) a requerida seja obrigada ao pagamento de uma cláusula compulsória que atribua à requerente um montante de 250,00 euros por cada dia em que a legalidade não seja reposta e as atitudes de coação moral não deixem de ser efectuadas.
Alegou em resumo que tendo recebido decisão disciplinar da ré decretando o seu despedimento e não se conformando com a mesma, intentou providência cautelar de suspensão de tal despedimento que, após ter sido indeferida na 1ª instância, veio a obter deferimento na 2ª instância; após o seu regresso ao trabalho, em cumprimento do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a requerente tem vindo a ser vítima de assédio, ou seja, de tratamento discriminatório por parte do requerido, que a retirou da sua habitual secção de trabalho e das funções que anteriormente desempenhava, colocando-a num local de trabalho com condições insuportáveis e praticamente sem funções ou com funções desprestigiantes; tem-se a requerida recusado a pagar-lhe as importâncias a que a requerente tinha direito por todo o tempo em que esteve fora do seu local de trabalho, por decisão da entidade patronal; a requerida não tem também entregue os recibos de vencimento das retribuições que entretanto se venceram, o que levou, designadamente, a que uma sua filha não tenha direito a receber bolsa de estudo, por não apresentar os documentos exigidos; a requerida não recebeu ainda o subsídio de férias nem foi colocada no mapa de férias; dada a previsível demora da acção principal de impugnação judicial do despedimento, pretende a requerente acautelar os seus direitos através da presente providência.
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Citada, veio a requerida deduzir oposição, em que alegou, designadamente que as funções que foram atribuídas à requerente estão de acordo com o seu contrato; que é falso que a sala onde a requerente foi colocada não tenha boas condições de trabalho; que os salários correspondentes ao tempo em que a requerente esteve ausente não são devidos; que é falso que tenham sido recusados os recibos de vencimento; que não foi violado o direito a férias e ao subsídio de férias de que é titular a requerente.
Terminou pedindo a improcedência da providência e a condenação da requerente como litigante de má fé.
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Procedeu-se à audiência final e, no final, foi decidido absolver a requerida do pedido de indemnização formulado e, por outro lado, condená-la a:
a) a recolocar a requerente no posto de trabalho que tinha antes da suspensão;
b) a abster-se de exercer sobre a requerente coação moral;
c) a entregar à requerente os vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os respectivos recibos de vencimento;
e)ao pagamento de uma cláusula compulsória no montante de 25,00 euros por cada dia em que a legalidade não seja reposta quanto à recolocação da requerente no posto de trabalho que detinha antes da sua suspensão e despedimento”.

É desta decisão que a requerida vem agora recorrer apresentando, depois das correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
A) A douta sentença padece de NULIDADE por força da ocorrência de variegados vícios, a saber:
B) Foi a recorrente condenado a entregar à recorrida os vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os respectivos recibos de vencimento;
C) A presente providência cautelar não constitui o meio adequado para que se possa obter o pagamento dos montantes peticionados, dado que, como prescreve o artigo 39º nº 2 do CPT, a decisão sobre a suspensão do despedimento tem força executiva relativamente aos salários em dívida;
D) Logo, deverá a então requerente lançar mão do correspondente e adequado meio processual (a execução baseada em sentença de condenação em quantia certa, prevista nos artigos 89° e seguintes do CPT);
E) Não sendo este o meio adequado para a obtenção do pagamento de tais quantias, não poderia o Mme. Juiz ter conhecido e decidido essa questão, afrontando assim o disposto no artigo 660° do CPC, pelo que a sentença padece de nulidade, nos termos do artigo 668° nº 1 al. d) do mesmo diploma.
F) Verifica-se uma inegável contradição entre os fundamentos em que se alicerçou a decisão e a própria decisão, porquanto o douto tribunal:
F.1) Se por um lado defende que "o pagamento das remunerações devidas desde o despedimento até à reintegração, embora exigível, é-o através de execução para pagamento de quantia certa", por outro condena a ora recorrente, em sede cautelar, a proceder ao pagamento dessas mesmas quantias:
F.2) Se a um passo afirma que quer "o direito de a requerente ser recolocada no posto de trabalho" quer "a pretensão de que o requerido se abstenha de exercer sobre a requerente coacção moral" constituem "meros corolários ou concretizações do direito à reintegração já declarado na anterior providência", um "um eco executivo daquela decisão já proferida", a outro condena a ora recorrente, em mera sede cautelar, no cumprimento das mesmas.
G) Deste modo, violando-se o artigo 659° do CPC, padece a sentença da nulidade prevista no artigo 668° nº 1 alínea c), também do CPC.
H) Por fim, foi a recorrente condenada a abster-se de exercer sobre a recorrida coacção moral. Porém,
H.I) Em lado algum da douta sentença se encontra uma referência a este conceito, não se explicitando o seu conteúdo, nem mencionando qualquer normativo legal que justifique a condenação nestes moldes:
H.2) Quer dos factos provados quer dos não provados (a contrario) não resulta a prática, pela entidade empregadora, dessa mesma coação:
I) Ainda que o douto tribunal a quo se pretenda referir ao mobbing (o que, por mera hipótese de estudo se pode admitir), não se logra alcançar como pôde o Mme. Juiz chegar a tal conclusão, porquanto:
I. 1) Inexiste o carácter repetitivo e perene exigível para que se consubstancie o aludido mobbing (o "cheiro difícil de suportar" foi eliminado passados os primeiros dias "até serem feitas as reparações que eliminaram os maus cheiros - cfr. 1.° ponto dos FACTOS NÃO PROVADOS"; não é exigível à entidade o atribuição à trabalhadora de todos os competências que detinha anteriormente);
J) Logo, não se especificam na douta sentença os fundamentos de facto e de direito que justificaram o decisão no sentido de condenar o recorrente o abster-se do prático de coacção moral, pelo que padece o sentença, também por esta via, de nulidade, nos termos do artigo 668.° nº 1 alínea b) do CPC, por violação do disposto no artigo 659° do mesmo diploma;
K) Considerou o douto tribunal o quo que o direito da requerente à ocupação efectiva decorre do deferimento do providência de suspensão do despedimento, tendo condenado o entidade empregadora nesse sentido.
L) Ora, para que se firme este direito à ocupação efectivo, revela-se imprescindível a cumulativa verificação; a) de uma probabilidade sério deste direito; b) do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do mesmo;
M) Porém, a procedência da providência de suspensão de despedimento não confere o pretendido direito à ocupação efectiva, dado que do artigo 39º nº 2 do CPT resulta que a decisão que decreto tal suspensão tem força executiva apenas relativamente aos salários em dívida.
N) Consequentemente, o decisão do providência de suspensão não confere à ora recorrida o probabilidade séria da existência do direito à ocupação efectivo, o que determina o inviabilidade do providência comum instaurada.
O) Assim, foram violados os artigos 381° nº 1 in fine e 387° nº 1, ambos do CPC, devendo o artigo 39° nº 2 do CPT ter sido interpretado no sentido de que o deferimento do providência de suspensão de despedimento apenas tem força executiva relativamente aos salários em dívida;
P) Não violou o recorrente o alegado “direito à ocupação efectiva”, dado que a recorrida se encontra o trabalhar regularmente, embora não exercendo plenamente os funções que detinha anteriormente ao despoletamento do processo disciplinar, procedimento este legítimo e não merecedor de censura;
Q) Se a entidade empregadora pode obstar justificadamente à prestação efectiva do trabalho, por maioria de razão não lhe está vedada a possibilidade de definir, em moldes diversos, as funções a desempenhar, desde que proceda de boa-fé (artigo 762,° nº 2 do Código Civil) e sejam legítimos os seus interesses;
R) Se o procedimento disciplinar se fundou na utilização abusiva de meios financeiros do Centro Social por parte da recorrida, afigura-se-nos lógico que não deva este mesmo Centro Social atribuir-lhe funções que impliquem o acesso directo e imediato a tais meios, (cfr. ponto 9. dos FACTOS PROVADOS);
S) Foram, deste modo, violados os artigos 381° nº 1 in fine e 387° nº 1, ambos do CPC, bem como o artigo 659° do mesmo diploma;
T) O pagamento da sanção pecuniária compulsória a que a recorrente foi condenada prende-se com a alegada não atribuição à trabalhadora das funções que exercia anteriormente à suspensão do despedimento;
U) Porém, da providência de suspensão de despedimento decorre apenas a obrigação de pagamento dos salários em dívida e não a obrigação de reintegrar (ainda que provisoriamente) a ora recorrida;
V) Logo, não se estando perante uma prestação de facto infungível, é inaplicável a sanção pecuniária prevista no nº 1) do artigo 829° - A do Código Civil, antes se devendo ter aplicado a prescrita no nº 4 do mesmo normativo.
X) Consequentemente, foi violado o artigo 659° nº 2 in fine do CPC, devendo ter sido aplicado o artigo 829.° - A nº 4 do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora posta em crise e substituindo-se por outra em conformidade com as pretensões da recorrente, assim se fazendo justiça”.

O Sr. Juiz do Tribunal recorrido, sustentou tabelarmente a sua decisão.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que deve ser mantida parcialmente a decisão recorrida.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que fixou a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1. A requerente recebeu do requerido, por carta datada de 8 de Junho de 2006, a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho com fundamento em despedimento por justa causa.
2. Não se conformando com a referida situação, a requerente intentou providência cautelar requerendo a suspensão do despedimento.
3. Tendo a mesma sido indeferida e não se conformando a requerente com tal decisão, recorreu da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra, que concedeu provimento ao agravo e decretou a suspensão do despedimento.
4. A requerente apresentou-se ao trabalho em 30/5/2007, tendo sido, nesse dia, dispensada do serviço, para tanto alegando a entidade aqui requerida que necessitava de reestruturar os serviços para que a requerente voltasse a exercer as suas funções.
5. No dia 4/6/2007, a requerente apresentou-se novamente ao serviço.
6. Nos primeiros dias, a requerente foi colocada numa sala onde se encontrava, designadamente, a fotocopiadora e não na sala onde funcionava a secção administrativa do requerido, onde, anteriormente, a requerente trabalhava.
7. Nessa altura, verificava-se a existência de um cheiro difícil de suportar, proveniente de um buraco no piso debaixo do qual passavam um cano de esgoto mal isolado.
8. Estabeleceram-lhe como horário de entrada ao serviço as 8h00, a fim de abrir a porta aos pais das crianças, ficando ainda responsável pelo registo de faltas, pelo atendimento dos telefones e pelo funcionamento da fotocopiadora.
9. À data da instauração do processo disciplinar, a requerente exercia as funções de chefe de serviço, sendo responsável pelo tratamento do expediente da secretaria, por receber e registar os valores de matrículas, de mensalidades e de outros quaisquer provenientes dos utentes ou associados, pela elaboração de folha de “caixa”, prestando contas, periodicamente, perante o tesoureiro ou outro elemento da direcção designado para o efeito.
10. O requerido recusou-se, até ao momento, a efectuar o pagamento das importâncias a que a requerente tem direito por todo o tempo em que esteve fora do seu local de trabalho por decisão da entidade patronal.
11. No início da sua reintegração, foram depositados na conta bancária da requerente dois vencimentos, não lhe tendo sido, então, entregue a respectiva folha de vencimento discriminativa dos valores.
12. Em 2006, a requerente recebia uma remuneração base de 762,25 euros mensais, tendo continuado, em Junho de 2007, a ser remunerada com o mesmo vencimento, apesar de os outros funcionários já terem os seus vencimentos actualizados em 2007, anomalia que veio, no entanto, a ser corrigida nos meses seguintes.
13. A ora requerente instaurou, em 25 de Outubro de 2006, contra o ora requerido, uma acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, para impugnação judicial do processo disciplinar e do despedimento aí decretado, a qual corre seus termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, sob o nº 1172/06.6TTCBR.
14. Até ao momento, o requerido ainda não colocou a requerente no seu antigo local de trabalho, nem a exercer funções que se coadunem com a sua categoria de chefe de serviços.
15. Na sequência da forma como todo o processo tem decorrido, a requerente encontra-se emocionalmente desgastada, o que prejudica seriamente a sua saúde.
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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que as questões que importam dilucidar e resolver, o objecto do recurso, são as de saber:
- se a sentença recorrida padece de nulidade por o Sr. Juiz ter conhecido de questões de que não poderia tomar conhecimento, nos termos do artigo 668° nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, ao condenar a recorrente a entregar à recorrida vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os recibos de vencimento;
- se a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 668° nº 1 al. c) do C.P. Civil, por contradição entre os fundamentos em que se alicerçou a decisão e a própria decisão, ao considerar, por um lado, que “o pagamento das remunerações devidas desde o despedimento até à reintegração, embora exigível, é-o através de execução para pagamento de quantia certa” e ao condenar ao mesmo tempo a recorrente a proceder ao pagamento dessas mesmas quantias; e ao afirmar, por outro lado, que quer “o direito de a requerente ser recolocada no posto de trabalho” quer “a pretensão de que o requerido se abstenha de exercer sobre a requerente coacção moral” constituem “meros corolários ou concretizações do direito à reintegração já declarado na anterior providência”, ao mesmo tempo que se condenou a recorrente no cumprimento das mesmas obrigações;
- se, em qualquer caso, se se justificava perante a matéria de facto estabelecida a condenação da recorrente a abster-se de exercer sobre a recorrida coacção moral, tendo ocorrido a nulidade prevista no artigo 668° nº 1 alínea b) do C. P. Civil, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito para tanto;
- se o tribunal a quo poderia ter considerado que ocorreu violação do direito da requerente à ocupação efectiva, uma vez que a suspensão cautelar do despedimento “não confere à ora recorrida a probabilidade séria da existência do direito à ocupação efectiva, o que determina a inviabilidade da providência comum instaurada”;
- se o pagamento da sanção pecuniária compulsória a que a recorrente foi condenada, considerando que da anterior providência de suspensão de despedimento decorre apenas a obrigação de pagamento dos salários em dívida e não a obrigação de reintegrar (ainda que provisoriamente) a ora recorrida, não poderia ter sido decidida, uma vez que não se estando perante uma prestação de facto infungível é inaplicável a sanção pecuniária prevista no nº 1 do artigo 829°-A do Código Civil, antes se devendo ter aplicado a prescrita no nº 4 do mesmo normativo.

Vejamos, então:
Como enquadramento prévio, cumpre definir que, no caso, nos encontramos perante um procedimento cautelar comum, não especificado.
Pode colocar-se a questão de saber se o procedimento cautelar instaurado é o legalmente adequado para requerer as providências decididas pelo tribunal a quo.
O artº 32º nº 1 do Código de Processo do Trabalho determina que aos procedimentos cautelares se aplica o regime estabelecido no C.P.Civil para o procedimento cautelar comum, com especificidades que dele constam.
O regime processual consente, como não poderia deixar de ser (ante o princípio geral de garantia da tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 2º do C. P. Civil), a par dos meios cautelares específicos regulados no C. P. T., as providências cautelares não especificadas reguladas no C. P. C. (neste sentido, v. Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, IV Vol., 3ª ed., pag. 345).
As providências solicitadas pela recorrida não se encontram acauteladas em procedimento específico, pelo que o recurso ao procedimento cautelar comum se justificava, em princípio.
Por isso, transportados para esse tipo de procedimento, a sua regulamentação obedecerá ao disposto nos artigos 381º a 392º do C. P. Civil.
Por isso, nos termos do artº 381º do C.P.C., importa que o pedido de providência se baseie em fundado receio de que direito já existente sofra lesão grave e de difícil reparação.
No caso dos autos a requerente da providência baseia-se nos seguintes factos: foi determinada uma providência cautelar de suspensão do seu despedimento pela requerida; após o seu regresso ao trabalho, em cumprimento do decidido, a requerente tem vindo a ser vítima tratamento discriminatório por parte da requerida, que a retirou da sua habitual secção de trabalho e das funções que anteriormente desempenhava, colocando-a num local de trabalho com condições insuportáveis e praticamente sem funções ou com funções desprestigiantes; tem-se recusado a pagar-lhe as importâncias a que a requerente tinha direito por todo o tempo em que esteve fora do seu local de trabalho, por decisão da entidade patronal; a requerida não tem também entregue os recibos de vencimento das retribuições que entretanto se venceram, o que levou, designadamente, a que uma sua filha não tenha direito a receber bolsa de estudo, por não apresentar os documentos exigidos; a requerida não recebeu ainda o subsídio de férias nem foi colocada no mapa de férias; dada a previsível demora da acção principal de impugnação judicial do despedimento, pretende a requerente acautelar os seus direitos através da presente providência.
A sentença recorrida determinou apenas as seguintes providências, condenando a recorrente a: a) a recolocar a requerente no posto de trabalho que tinha antes da suspensão; b) a abster-se de exercer sobre a requerente coação moral; c) a entregar à requerente os vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os respectivos recibos de vencimento; e) ao pagamento de uma cláusula compulsória no montante de 25,00 euros por cada dia em que a legalidade não seja reposta quanto à recolocação da requerente no posto de trabalho que detinha antes da sua suspensão e despedimento.
É, pois, no âmbito destas providências decretadas, que nos temos que mover para apreciar as questões colocadas pela recorrente, as quais se equacionam nas nulidades arguidas, por um lado, e nos pressupostos e adequação das providências decretadas, por outro.

1. Quanto à questão das nulidades:
O enfoque na ocorrência das nulidades da sentença poderá não ser suficiente para decidir o recurso, como se verá.
a) A primeira das nulidades arguidas prende-se com o facto, como se disse, do tribunal a quo ter condenado a recorrente a entregar à recorrida vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os recibos de vencimento. De acordo com a agravante, o Sr. Juiz teria conhecido de questões de que não poderia tomar conhecimento (nulidade do artigo 668° nº 1 al. d) do C.P.C.), uma vez que o meio processual adequado para tutelar o eventual direito ofendido seria o meio executivo e não o procedimento cautelar.
Ou seja, dispondo o artigo 39º nº 2 do C.P.T. que a decisão da suspensão de despedimento tem força executiva relativamente aos salários em dívida, tendo sido aquela decisão tomada, a requerente deveria ter optado por uma execução.
A questão colocada poderá ter fundamento na análise do mérito da decisão. Mas já não configura qualquer nulidade da sentença.
A pronúncia indevida, prevista no artigo 668º nº 1 al. d) do C. P. C., relaciona-se com a 2ª parte do nº 2 do artigo 660º, onde se proíbe ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado (v. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pag. 55).
Tendo sido pedido que o recorrente fosse obrigado a entregar-lhe os vencimentos em atraso juntamente com os respectivos recibos de vencimento, o juiz tinha de apreciar e decidir este pedido.
Ao fazê-lo não incorreu em excesso de pronúncia, pelo que se não verifica a nulidade arguida.
Outra questão é a de saber se a decisão que foi proferida é a que devia ter sido, questão que analisaremos mais à frente.

b) A segunda das nulidades arguidas situa-se no âmbito da previsão do artigo 668° nº 1 al. c) do C.P. Civil, por eventual contradição entre os fundamentos em que se alicerçou a decisão e a própria decisão.
Este vício da sentença reporta-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão (v. Amâncio Ferreira, ob. cit. pag. 53).
Ora, não encontramos essa contradição real, na simples circunstância do Sr. juiz referir, por um lado, que “o pagamento das remunerações devidas desde o despedimento até à reintegração, embora exigível, é-o através de execução para pagamento de quantia certa” e ao condenar ao mesmo tempo a recorrente a proceder ao pagamento dessas mesmas quantias. Nem ao afirmar, por outro lado, que quer “o direito de a requerente ser recolocada no posto de trabalho” quer “a pretensão de que o requerido se abstenha de exercer sobre a requerente coacção moral” constituem “meros corolários ou concretizações do direito à reintegração já declarado na anterior providência”, ao mesmo tempo que se condenou a recorrente no cumprimento das mesmas obrigações.
Numa e noutra das situações acentuou a força do direito preexistente para indicar que merecia tutela reforçada e inequívoca, concedendo essa tutela.
De novo, a discussão do meio adequado para forçar o cumprimento de uma decisão proferida em anterior procedimento da mesma natureza pode colocar-se. Mas o mérito da decisão sobre essa mesma questão é assunto diferente da coerência lógico--formal da decisão proferida.
Por isso, também aqui não acolhemos a ideia da nulidade arguida.

c) A terceira nulidade arguida prende-se com a ausência de fundamentação para condenar a recorrente a abster-se de exercer sobre a recorrida coacção moral - nulidade prevista no artigo 668° nº 1 alínea b) do C. P. Civil, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
O vício assinalado reporta-se à absoluta falta de fundamentação. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz a nulidade (v. Amâncio Ferreira, ob. cit. pag. 52)
Ora, na sentença recorrida, o Sr. juiz indicou, como fundamento para a sua decisão, o seguinte (ao que observamos): “por outro lado, a pretensão de que o requerido se abstenha de exercer sobre a requerente coação moral é ainda uma emanação do decretamento da suspensão do despedimento, com imediata reposição da situação laboral da requerente em termos semelhantes aos que vigoravam antes do despedimento”.
Poderá não ser suficiente, como veremos adiante, mas não se trata de absoluta falta de fundamentação.
Por isso, não verificamos ocorrer a nulidade arguida.

2. Chegados aqui vejamos as questões que se prendem mais concretamente com o mérito da decisão em recurso, ou seja quanto aos pressupostos das providências decretadas.
a) A primeira das questões colocadas pela agravante, prende-se com determinação para entrega à requerente dos vencimentos em atraso (desde o despedimento até à reintegração) juntamente com os respectivos recibos de vencimento.
Como já se disse, nos termos do artº 381º do C.P.C., importava que o pedido de providência se baseasse em fundado receio de que direito já existente sofra lesão grave e de difícil reparação.
Estamos na esfera dos contratos, do contrato de trabalho. Que direitos creditórios poderiam considerar-se lesados com a falta de pagamento dos salários entre aqueles dois momentos – a do despedimento e o da reintegração provisória e que justifiquem a adequação da providência pedida (esta tem de ser adequada, nos termos previstos no artigo 387 nº2 do C.P.C.)? Certamente, o direito à remuneração.
Mas aqui é necessário que essa lesão seja grave e dificilmente reparável (artigo 381º). O que, com os fundamentos tão só alegados pela recorrente, não é perceptível no caso, já que aquele não identificou de forma quantificada a sua situação económica de modo a visualizar a gravidade da violação do direito à remuneração.
Por outro lado, poderia dispor da tutela executiva do seu direito face ao disposto no artigo 39º nº 2 do C. P. T., situação que lhe asseguraria a reparação mais célere do seu direito, em lugar de optar por meio cautelar que, nos termos decididos pelo tribunal a quo, só lhe pode conceder mais um título executivo e, por isso, deveras inútil, convocando de novo aqui a questão do requisito da adequação da providência, já acima assinalado.
Por outro lado, a atendibilidade da providência em causa não pode dispensar a apreciação de ter de se tratar de uma lesão actual – a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado deve ser actual nos termos do disposto no artigo 381º nº 1 do C.P.C. (v. Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, III Vol., 3ª ed., pag. 105). Ora, não obstante poder considerar-se que a falta de pagamento, sendo lesão já ocorrida na esfera da requerente, se pode reflectir num agravamento de danos patrimoniais e, portanto, merecer tutela cautelar, o que é certo é que a falta de alegação daquele agravamento e sua falta de evidência nos factos provados não nos permite observar uma “gravidade actualizada” - também porque não vê que a lesão respectiva possa ser de difícil reparação (ante, por exemplo, a situação económica da trabalhadora), como não se vê que haja uma lesão ainda em curso que possa ser evitada com uma providência conservatória ou antecipatória, objectivo do procedimento cautelar comum.
Por esses motivos, não se encontram reunidos os pressupostos para decretar a providência concedida pela 1ª instância, havendo que revogar nessa parte a decisão recorrida.

b) Em segundo lugar, surge a questão da condenação da agravante “a abster-se de exercer sobre a requerente coação moral”.
A requerente da providência construiu o seu percurso argumentativo com base na alegada existência de uma situação de assédio, tal como este vem definido no artigo 24º do Código do Trabalho, o qual procurou dar resposta às situações de “mobbing” em contexto laboral (sobre esta figura v. Júlio Gomes, Direito do trabalho, vol. I, pags. 425 e segs.).
Em causa estaria uma conduta discriminatória “com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. Verificando-se esta conduta são violados direitos de personalidade do trabalhador, protegidos no artigo 15º do Código do Trabalho e no artigo 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito ao respeito pela dignidade moral (este também com expressão no 120º al. a) do Código do Trabalho), à não descriminação e ao desenvolvimento da personalidade nas relações de trabalho.
Trata-se, portanto, de situação diversa e bastante mais complexa do que o conceito de “coacção moral” que podemos encontrar no artigo 255º do Código Civil, como vício da declaração negocial.
A intimação decretada na decisão recorrida é, em si mesmo, vazia de concretização, para que obste a práticas (estas bem concretas) de descriminação. Convoca um conceito abstracto, sem densidade prática para o caso. O que coloca em causa a sua adequação ou eficácia.
Mas, por outro lado, a matéria de facto provada e, por outro, não permite visualizar actos de lesão de direitos de personalidade do trabalhador que se reconduzam com clareza à situação de assédio.
Provou-se, é certo que, após a reintegração, a requerente foi colocada numa sala onde se verificava a existência de um cheiro difícil de suportar, proveniente de um buraco no piso debaixo do qual passavam um cano de esgoto mal isolado. Mas não se provou que essa situação se mantenha (nos “factos não provados”, o Sr. juiz consignou mesmo que se não provou “que a sala onde a requerente foi colocada após a reintegração não tenha quaisquer condições de trabalho, excepto nos primeiros dias, até serem feitas as reparações que eliminaram os maus cheiros” – sublinhado nosso).
Também se provou que a requerente não foi reintegrada nas funções de chefia que antes tinha e que a requerida se recusou, até ao momento, a efectuar o pagamento das importâncias a que a requerente tem direito por todo o tempo em que esteve fora do seu local de trabalho por decisão da entidade patronal. Mas não se mostra existir um claro quadro doloso, por parte do empregador, para descriminar a requerente, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Sobretudo, porque se percebe que a requerida apresenta razões para proceder a tal conduta, fundadas na crise jurídica (na relação de trabalho) ainda não resolvida na acção declarativa competente e aberta com o despedimento.
Por isso, apesar do incumprimento ou deficiente cumprimento do decidido na anterior providência de suspensão do despedimento, não vislumbramos, na matéria provada factos que claramente indiciem que subsistem na actualidade condutas que consubstanciem verdadeiro assédio (no sentido na norma do artigo 24º do Código do Trabalho) sobre a recorrida.
Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos para decretar a providência (intimação) concedida pela 1ª instância, havendo que revogar também nessa parte a decisão recorrida.

c) Em terceiro lugar, temos as questões que se reportam à condenação da requerida a recolocar a requerente no posto de trabalho que tinha antes da suspensão e ao pagamento de uma cláusula compulsória no montante de 25,00 euros por cada dia em que a legalidade não seja reposta quanto à recolocação da requerente no posto de trabalho que detinha antes da sua suspensão e despedimento.
Mostra-se lesado o direito à ocupação efectiva enquanto corolário do direito ao exercício da categoria-função (122 als. b) e d) do Código do Trabalho).
A suspensão do despedimento decretada judicialmente tem, justamente, como efeito anular provisoriamente (até decisão definitiva na acção declarativa respectiva) os efeitos de despedimento. Esses efeitos do despedimento (que, assim, são suspensos) são, no essencial, os da cessação da prestação de trabalho e a cessação da contraprestação remuneratória.
Ou seja, por força da decisão judicial de suspensão de despedimento a requerida estava obrigada a aceitar a anterior prestação da trabalhadora, nos mesmos moldes em que o vinha fazendo. Assim, o direito à ocupação efectiva existe desde que exista o direito a ser integrada no posto de trabalho. Neste caso, o exercício do '"jus variandi" não pode claramente servir de escudo para incumprir à reintegração do trabalhador e desacatar a decisão proferida em sede de providência cautelar de suspensão do despedimento. A requerida não pode escudar-se no argumento que não podem ser atribuídas à recorrida as funções que exercia porque nelas foi revelada ilícito disciplinar (que determinou o despedimento), pois a mesma decisão cautelar já avaliou, ainda que de uma forma provisória, a inconsistência do despedimento disciplinar.
Neste caso, verifica-se grave e actual lesão do direito à ocupação efectiva, lesão essa grave e dificilmente reparável (artigo 381º), com consequências (provadas) até para a saúde da trabalhadora, que justificam a providência conservatória decidida pela 1ª instância, clarificando as obrigações concretas da empregadora e cominando o incumprimento com uma sanção pecuniária compulsória.
Especificamente, quanto à sanção pecuniária compulsória esta mostra-se adequada a prevenir o não acatamento da providência de reintegração efectiva. É consentida directamente pelo artigo 384º nº 2 do C. P. C., verificada a situação do artigo 829-A nº 1 do Código Civil.
O cumprimento da obrigação de reintegração efectiva é uma obrigação infungível e portanto podia ter sido decidida, como o foi.
Por tudo isto, nesta parte improcede o recurso, sendo de manter o decidido pela 1ª instância.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar apenas parcialmente procedente o agravo e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, mantendo-a apenas no que toca à condenação da requerida a recolocar a requerente no posto de trabalho que tinha antes da suspensão e ao pagamento de uma cláusula compulsória no montante de 25,00 euros por cada dia em que a legalidade não seja reposta quanto à recolocação da requerente no posto de trabalho que detinha antes da sua suspensão e despedimento.
Custas em ambas as instâncias na proporção de 2/5 para a requerente e de 3/5 para a requerida.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)