Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
639/14.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
FORMA DE DECLARAÇÃO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO.
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 111º, Nº 1, E 114º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – O período esperimental nos contratos de trabalho corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a que ambas as partes possam, nos primeiros tempos de execução contratual, perceber se a vinculação lhes interessa, seja ao trabalhador perceber se gosta do trabalho, ..., seja ao empregador perceber se o trabalhador tem potencialmente as qualidades que lhe são exigidas ou pretendidas para a realização da actividade que lhe é incumbida, em vista da inserção deste no processo produtivo que o empregador organizou.

II - Nos termos do disposto no artº 114º, nº 1 do Código do Trabalho, qualquer das partes pode, no período experimental, denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

III – Durante o período experimental, o empregador poderá avaliar das qualidades e aptidões do trabalhador para a função que exerce, para a adequada integração na organização e para a prossecução dos seus fins; por sua vez, o trabalhador poderá avaliar do seu interesse na continuação da sua integração na estrutura organizativa do empregador.

IV – A declaração da cessação do contrato no período experimental não está sujeita a forma, podendo ter lugar por meio não escrito, nem está sujeita a qualquer procedimento prévio.

V – Traduz-se nums mera declaração de cessação do contrato, não tendo assim qualquer relevo modificativo da sua natureza quaisquer motivos invocados, formalismo adiptado ou qualificação técnica dada pata tal efeito extintivo.

VI – Mas embora possa a denúncia do contrato de trabalho ocorrer no período experimental sem apelo a uma causa/motivo, facto é que esse direito não poderá ser exercido arbitrária ou abusivamente, sob pena de ser ilegal essa denúncia.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo a acção seja julgada procedente e consequentemente “1. Declarar-se nulo e ilícito o despedimento com justa causa decretado pela R. e, em consequência, condenar esta a proceder à reintegração da A. no posto de trabalho em funções compatíveis com a sua categoria profissional; 2. Condenar o R. a pagar à A.: a) A quantia de € 2.746,24 referente ao crédito salarial vencido dos últimos 30 dias e respectivo subsídio de alimentação em vigor na função pública, referidos no artigo 58º deste articulado, e ainda em iguais créditos vincendos até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na presente acção; b) Uma indemnização, a título de danos não patrimoniais não inferior a € 5.000,00 (Cinco mil euros); c) No pagamento de uma sanção pecuniária à razão diária de € 500,00 (Quinhentos euros) por cada dia de atraso na reintegração do A. após a data em que a sentença seja exequível.

Alegou, para o efeito e muito em síntese, que celebrou com a ré um contrato de trabalho para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Médica Assistente Hospitalar de Pneumologia e que a relação laboral cessou devido à denúncia do contrato pela ré no período experimental, por razões de ordem político-ideológica, argumentando que foi alvo de discriminação, situação que lhe provocou abalo emocional.

A ré contestou, defendendo-se por excepção invocando a nulidade decorrente do erro na forma do processo, a caducidade do exercício do direito à declaração de ilicitude do despedimento, à reintegração e aos créditos salariais desta emergentes, bem como a prescrição dos direitos da autora. Defendeu-se ainda por impugnação, alegando, muito resumidamente, que as razões que motivaram a denúncia do contrato de trabalho se prenderam unicamente com o desempenho da autora no cumprimento das suas obrigações profissionais, referindo, a final, que “sem prejuízo do conhecimento das excepções invocadas, com as legais consequências, deve a final ser a Ré absolvida do pedido, por totalmente improcedente a acção”.

Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, tendo a autora apresentado petição inicial aperfeiçoada, após o que a ré se pronunciou quanto à mesma.

Após, foi elaborado despacho que se pronunciou quanto às excepções deduzidas pela ré, que foram julgadas improcedentes.

Concretamente, no que toca à excepção de prescrição, escreveu-se no mesmo despacho o seguinte:

«No caso concreto, temos que não é aplicável, por não estar em causa um despedimento propriamente dito comunicado por escrito à A. pelo R., por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação, nos termos do art.º 98.º- C, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (como resulta do já exposto supra), o prazo de caducidade previsto no art.º 387.º do Código do Trabalho, mas antes o prazo de prescrição de um ano referido no art.º 337.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.

O art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil dispõe que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo que, in casu, a citação da R. só ocorreu mais de um ano depois da cessação do contrato de trabalho da A..

Todavia, o n.º 2 deste normativo prevê que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.

No caso que nos ocupa, a acção considera-se proposta em 27.10.2014 (data em que a petição inicial foi remetida, através da plataforma informática, a esta Secção do Trabalho).

A A., na petição inicial, argumenta que a denúncia do contrato individual de trabalho lhe foi comunicada em 04.11.2013, juntando o documento que consta de fls. 35/36 (como documento n.º 9). Argumenta a R., todavia, que a relação laboral cessou em 1.11.2013 e junta um documento, que constitui fls. 105, que contém a menção, escrita à mão de “Tomei conhecimento” seguida de uma assinatura e data de “01/11/13”.

Ora, mesmo que se considere que a data da comunicação da denúncia ocorreu em 01.11.2013, e não em 04.11.2013 (iniciando-se o prazo de prescrição no dia seguinte – ou seja, em 02.11.2013) verifica-se que não ocorreu a prescrição a que alude o art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pois, com a instauração da acção, a prescrição interrompeu-se decorridos cinco dias.

Desta forma e não se vendo que seja imputável à A. a não citação da R. naquele lapso de tempo (a qual foi citada em 5.11.2014), por não estar dependente da mesma, deve considerar-se a prescrição interrompida antes do decurso do prazo de um ano previsto no art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, por força do disposto no art.º 323.º, n.º 2 do Código Civil, não se tendo extinguido os direitos da A., restando saber em que consistem em concreto.»

Mais, em consequência do decidido (improcedência das excepções), condenou a ré nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Inconformada com esta decisão, a ré interpôs apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

«1ª- O presente Recurso tem por objecto a decisão de mérito contida no d. Despacho Saneador de 28/04/2015 na parte em que julgou improcedente a invocada excepção de prescrição dos direitos invocados pela A. emergente do contrato de trabalho celebrado com o R., determinado o prosseguimento dos autos.

2ª- O contrato de trabalho em causa nos autos cessou em 01-Novembro-2013, conforme resulta plenamente provado pelo teor dos documentos nºs 1 e 7 juntos com a contestação do R., cuja assinatura não foi impugnada pela A..

3ª- Donde o prazo de prescrição de um ano estabelecido no art. 337º, nº 1 do C. Trabalho se completava no dia 02/11/2013, sendo transferido para o dia 03/11/2014, uma vez que o dia 02 foi um domingo (vide art. 279º, e) do C. Civil).

4ª- Por seu lado, o R. foi citado para os termos da acção em 05/11/2014, depois de terminado o referido prazo de um ano.

- Na decisão recorrida, considerou o Tribunal a quo que, pese embora a data da citação do R., a aludida prescrição se interrompeu nos termos do art. 323º, nº 2 do C. Civil, decorridos cinco dias a contar da instauração da acção, não tendo considerado imputável à A. a não citação naquele lapso de tempo.

6ª- Sucede que, ao contrário do que aqui vem considerado, a não citação do R. dentro do prazo regulamentar é efectivamente imputável à A..

7ª- Com efeito, a presente acção foi instaurada e distribuída em 27/10/2014, data em que a petição inicial foi remetida ao Tribunal através da plataforma informática Citius, mas com a petição inicial não foram juntos todos os documentos mencionados no articulado, bem como a procuração forense e o comprovativo de pagamento da taxa de justiça, que fazem parte integrante daquele articulado e que, nessa medida, devem ser entregues ao R. no acto da citação.

- Tais elementos em falta deveriam ser juntos pela A. até ao final do dia seguinte, isto é, até ao dia 28/10/2014, conforme determina o art. 10º, nº 4 da Portaria nº 280/2013, de 26.08, porém, a A. violou a referida disposição legal e apresentou os documentos em falta após o prazo legal previsto para o efeito.

9ª- Assim, a não citação do R. no prazo de cinco dias depois de instaurada a acção deve ser imputável à A. e à violação da norma supra citada, sendo que não existem outros indícios de que tal “atraso” na citação do R. se deva a qualquer limitação da orgânica judiciária ou ligada à organização e ao funcionamento dos serviços judiciais; situações para as quais foi consagrada a presunção do art. 323º, nº 2 do C. Civil.

10ª- Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter concluído que tendo a A. infringido objectivamente a Lei, violando a disposição do sobredito art. 10º, nº 4 da Portaria nº 280/2013, de 26.08, não pode deixar de lhe ser imputável a falta de citação do R. dentro do prazo de cinco dias após a interposição da acção, não podendo por isso beneficiar da interrupção da prescrição prevista no art. 323º, nº 2 do C. Civil, estando verificada a invocada excepção de prescrição.

11ª - Não tendo decidido dessa forma, o d. Despacho recorrido violou o disposto no art. 337º, nº 1 do C. Trabalho e art. 323º, nº 2 do Código Civil, pelo que ser revogado e substituído por outro que declare imputável à A. a falta de citação do R. dentro do prazo da prescrição, não podendo esta beneficiar do efeito interruptivo previsto no art. 323º, nº 2 do C. Civil; e, consequentemente, julgue procedente a invocada excepção de prescrição, absolvendo o R. dos pedidos.

12ª- Ainda que assim se não entenda, nos termos efeitos do disposto no art. 616º, nº 1 e 3, ex vi do art. 613º, nº 3 do CPC, o R. vem recorrer da decisão que, após julgar improcedentes as excepções invocadas na contestação do R., o condenou em custas fixando a taxa de justiça em 2 UC, nos termos do art. 527º do CPC, porquanto, não estando em causa uma decisão que ponha termo à acção nem um incidente processual para efeitos de tributação autónoma em sede de custas, não existe base legal para a aludida condenação em custas, devendo tal ser revogada.»

A autora não apresentou contra-alegações a este recurso.


*

Prosseguindo o processo, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformada com a sentença, a autora interpôs apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

[…]

A ré apresentou contra alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Apresentou as seguintes conclusões:

[…]

Pronunciou-se a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no sentido da confirmação da sentença, na improcedência da apelação da autora, bem como no sentido da procedência parcial da apelação da ré.


*

II- Os factos considerados provados pela 1.ª instância:

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*


III. Apreciação

As conclusões das alegações dos recurso delimitam o seu objecto, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar do seguinte modo:

A. Na apelação da ré:

- se, diversamente do decidido pela 1.ª instância, ocorreu a prescrição dos direitos reclamados pela autora:

- ainda que não tenha ocorrido a prescrição, se foi adequada a condenação da ré em custas.

B. Na apelação da autora:

- se a decisão relativa à matéria de facto merece alteração;

- se foi adequado o juízo expresso na sentença recorrida quanto à válida cessação do contrato de trabalho no decurso de período experimental e se, na resposta, negativa, procedem os pedidos formulados pela autora.

Vejamos:

A. Quanto à apelação da ré:

1. A questão da prescrição:

Estava em causa, tal como se concluiu na decisão recorrida, sem divergência da ré apelante, o decurso do prazo de prescrição previsto no art. 337.º n.º 1 do Código do Trabalho, o qual dispõe: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” (sublinhado nosso).

Sustenta a apelante que o contrato de trabalho cessou por denúncia em 01-11-2013. E, na verdade, conforme está provado (facto 24. acima transcrito) a denúncia foi comunicada à autora naquela data.

Segue-se que o prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho terminava em 03-11-2014.

A petição inicial deu entrada em 27-10-2014 e a citação da ré ocorreu em 05-11-2014, no segundo dia posterior ao do decurso da prescrição, tendo sido ordenada – como se observa dos autos – em 31-10-2014.

A decisão recorrida considerou que a prescrição não ocorreu, tendo-se por interrompida por aplicação do disposto no art. 323.º, n.º 2 do Código Civil o qual dispõe que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”. Assim, a interrupção teria decorrido em 01-11-2014, dentro do decurso do prazo de prescrição.

Sustenta, no entanto, a ré apelante que a sua não citação dentro do prazo de um ano em causa é imputável à autora, não se podendo assim considerar interrompida como concluiu a 1.ª instância, já que a acção foi “instaurada e distribuída em 27/10/2014, data em que a petição inicial foi remetida ao Tribunal através da plataforma informática Citius, mas com a petição inicial não foram juntos todos os documentos mencionados no articulado, bem como a procuração forense e o comprovativo de pagamento da taxa de justiça” sendo que tais “elementos em falta deveriam ser juntos pela A. até ao final do dia seguinte, isto é, até ao dia 28/10/2014, conforme determina o art. 10º, nº 4 da Portaria nº 280/2013, de 26.08” pelo que a autora “violou a referida disposição legal e apresentou os documentos em falta após o prazo legal previsto para o efeito”.

Podemos constatar dos autos que, como dissemos já, a acção deu entrada e foi distribuída em 27/10/2014, por meios electrónicos (plataforma Citius). E também que, contudo, com a petição inicial não foram logo juntos todos os documentos mencionados no articulado, bem como a procuração forense e o comprovativo de pagamento da taxa de justiça. Estes apenas deram entrada em 29/10/2014, com a invocação de não ter sido possível fazer a sua apresentação logo no início por falta de capacidade da plataforma (Citius), justificação que se observa e não é colocada em causa.

É certo que art. 10.º, n.º 4 da Portaria nº 280/2013, de 26.08, como refere a ré apelante, indica que nesses casos (excesso de capacidade da plataforma para a apresentação de documentos) “quando a peça em causa seja uma petição inicial ou outro acto processual sujeito a distribuição, a apresentação dos documentos prevista no número anterior deve ser efectuada até ao final do dia seguinte ao da distribuição”, pelo que seguindo essa directriz os documentos deveriam ter sido apresentados até 28/10/2014.

Contudo, não podemos considerar que o atraso na citação ocorreu verdadeiramente por motivo imputável à autora, em resultado desse facto.

Desde logo, poderíamos adiantar que a não entrega dos documentos logo com a petição se deveu a circunstâncias de funcionamento dos meios de suporte à actividade das partes, ou seja à falta de capacidade da plataforma Citius, portanto também imputável à organização dos tribunais, sendo que o atraso de apenas um dia na entrega completa dos documentos não traz evidências de ter causado atraso relevante na citação em termos de se poder concluir pela sua imputação à autora.

Em todo o caso e por outro lado, podemos verificar também que ainda que a data da entrada da petição fosse a de 29/10/2014 (data da entrega final dos documentos que excederam a capacidade da plataforma), ainda assim a prescrição se deveria ter por interrompida cinco dias depois, ou seja a 03/11/2014 e por aplicação do indicado art. 323.º, n.º 2, do Código Civil, afinal o último dia do prazo de um ano para a prescrição. E daí que, nessa perspectiva, a interrupção da prescrição se deveria considerar operante.

Deste modo, não podemos acolher a apelação da ré no que toca à verificação da prescrição, pelo que se impõe resta confirmar a decisão recorrida nesta parte.

2. A questão das custas:

Como acima se disse, a decisão de que a ré apelante recorre, condenou a ré em custas ao julgar improcedentes as excepções de caducidade e de prescrição por ela suscitadas.

A mesma decisão fundamentou a condenação em custas no disposto no art. 527.º do Código de Processo Civil.

Ora, o n.º 1 deste artigo estipula que “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento na acção, quem do processo tirou proveito”,

A ré apelante insurge-se quanto a essa condenação, sustentando que não está em causa uma decisão que ponha termo à acção, nem um incidente processual para efeitos de tributação autónoma em sede de custas, pelo que não existe base legal para a aludida condenação.

E, na verdade, tal como foi o parecer da Ex.ma PGA, nesta Relação, não podemos deixar de lhe reconhecer razão.

A decisão que julgou improcedentes as excepções limitou-se a apreciar uma das vertentes da defesa da ré, inseridas na tramitação normal da lide, não configurando ela um incidente com autonomia para efeitos de tributação, nem a decisão em causa julgou verdadeiramente a acção com reflexo na procedência ou improcedência de algum dos pedidos nela formulados. Não há, assim motivos, para a tributação autónoma da apreciação da improcedência das assinaladas excepções (neste sentido, Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2009, pag. 193).

Procede, pois, a apelação nesta parte, devendo operar-se a revogação da assinalada condenação em custas.

B. Quanto à apelação da autora:

1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Na impugnação da decisão proferida pela matéria de facto, incumbe ao recorrente cumprir o ónus previsto no artigo 640.º do CPCivil, indicando quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizados, que impunham decisão diversa.

A autora apelante, nas suas conclusões do recurso, indica impugnar aquela decisão relativamente à matéria dos pontos 12., 18. e 21.  da matéria considerada como provada e acima descrita.

Cumpre referir desde já que, como tem entendido a nossa jurisprudência, maioritariamente, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

Vejamos então ponto por ponto:

a) Matéria do ponto 12. da matéria considerada como provada:

[…]

Por conseguinte, improcede na totalidade a impugnação dessa decisão.

2. A questão da cessação do contrato de trabalho no decurso de período experimental:

No caso, a sentença recorrida concluiu que a relação jurídica estabelecida entre autora e ré se reconduzia a um contrato individual de trabalho.

A este respeito escreveu-se na sentença o seguinte:

«No caso que nos ocupa, vimos que o R., através do aviso nº 3261/2013, publicado na II Série do DR. nº 46, de 6 de Março de 2013, abriu procedimento concursal para um médico pneumologista, sendo que na lista de classificação final do referido concurso, a A. ficou em primeiro lugar.

Assim, na sequência da ordenação da lista de classificação final, A. e R. celebraram, em 26.09.2013, um contrato individual de trabalho para aquela exercer funções correspondentes à categoria profissional de Médica Assistente Hospitalar de Pneumologia.

Esse contrato iniciou-se em 1 de Outubro de 2013.

De facto, a A. foi admitida ao serviço do R. para sob a direcção e fiscalização deste, exercer as suas funções, mediante uma retribuição, sendo que o R. é uma entidade pública empresarial, nos termos do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, que instituiu o Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado, estabelecendo as bases gerais do estatuto das empresas públicas, reconhecendo aquele diploma o direito privado como o ramo normativo por excelência aplicável à actividade empresarial.

O Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3.10, veio corresponder à necessidade de proceder a uma reestruturação do quadro normativo aplicável às empresas públicas, com vista a submeter a um mesmo regime as matérias nucleares referentes a todas as organizações empresariais directa ou indirectamente detidas por entidades públicas, de natureza administrativa ou empresarial, estabelecendo o seu art.º 14.º, sob a epígrafe “regime jurídico geral” que: “1. Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais e locais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que precedam a sua criação ou constituição e dos respectivos estatutos”, fixando o art.º 17.º, n.º 1, que “Aos trabalhadores das empresas públicas aplica-se o regime jurídico do contrato de trabalho individual de trabalho”.

Por sua vez temos que a A. celebrou com o R. um contrato de trabalho, sendo que a relação estabelecida entre as partes foi de um contrato individual de trabalho, regulado nos termos do Código do Trabalho.

A natureza desta relação é imposta não apenas pela lei reguladora do R. (Decreto-Lei nº 133/2013, de 3.10 e nos artigos 5.º e 14.º do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, alterado e republicado com o Decreto-Lei nº 244/2012, de 09.11), mas também pelo IRCT aplicável – o ACT celebrado entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E. e outros e a Federação Nacional de Médicos – FENAME e outro, publicado no BTE, nº 41, de 08.11.2009 – que na cláusula 1ª, n.º 2, prevê que “O ACT aplica-se a todos os trabalhadores médicos filiados nas associações sindicais outorgantes que, vinculados por contrato individual de trabalho (doravante, trabalhador médico), exercem funções nas entidades prestadoras de cuidados de saúde que revistam natureza empresarial, integradas no Serviço Nacional de Saúde que o subscrevem (doravante, entidade empregadora)”.

Estabelece a cláusula 18.ª deste ACT que: “1 – O recrutamento para os postos de trabalho no âmbito da carreira médica regulada pelo presente ACT, incluindo mudança de categoria, é feito mediante processo de selecção. 2 – O processo de selecção previsto no número anterior é da exclusiva competência do órgão de administração da entidade empregadora, com respeito pelas regras no presente ACT e nas demais normas legais aplicáveis, dos princípios da publicidade prévia, igualdade de oportunidades, imparcialidade, boa-fé e não discriminação”.

Que a relação estabelecida entre as partes foi de um contrato individual de trabalho, regulado nos termos do Código do Trabalho resulta também do aviso de abertura para o procedimento, que no seu ponto n.º 1 refere que “se encontra aberto procedimento concursal para a constituição de relação jurídica de emprego privado sem termo, cujo contrato será celebrado nos termos da legislação laboral privada aplicável…”».

Esta conclusão expressa na sentença não é colocada em causa pelas partes.

De seguida a mesma sentença recorrida analisou a cessação do contrato, por declaração unilateral da ré, enfrentando a questão suscitada pela autora de que se tratou de despedimento ilícito e concluiu que o contrato cessou validamente no período experimental, sendo lícita a declaração da ré que determinou essa cessação.

A este respeito, escreveu-se na sentença o seguinte:

«A relação entre as partes ficou, assim, sujeita a um período experimental, quer por força do estabelecido nos artigos 111º e segs. do Código do Trabalho, quer por via do estabelecido na cláusula 21.ª do ACT acima mencionado.

Estabelece o art.º 111.º, n.º 1, do Código do Trabalho que “o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.”.

Prescreve ainda a cláusula 21.ª que “1 – O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato e destina-se a comprovar se o trabalhador médico possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar”, sendo que de acordo com o que dispõe o n.º 4 desta cláusula, “Nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias”.

O período experimental destina-se a que ambas as partes possam, nos primeiros tempos de execução contratual, perceber se a vinculação lhes interessa, seja ao trabalhador perceber se gosta do trabalho, se gosta do ambiente e da organização em que se insere e se gosta do empregador, seja ao empregador perceber se o trabalhador tem potencialmente as qualidades que lhe são exigidas ou pretendidas para a realização da actividade que lhe é incumbida, em vista da inserção deste no processo produtivo que o empregador organizou.

Quanto à denúncia do contrato no período experimental, estabelece o artigo 114.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que “(…) qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa (…)”. De igual modo, prevê a cláusula 21.ª, n.º 7 do referido ACT que: “Durante o período experimental, qualquer das partes pode, por qualquer forma, denunciar o contrato de trabalho sem aviso prévio nem necessidade de invocação de causa (…)”. E o n.º 8 determina que: “Em caso de denúncia do contrato no período experimental, presume-se apenas que a parte denunciante perdeu o interesse na manutenção do contrato em resultado da experiência”.

Temos, pois, que na relação em apreço, e durante o período experimental, o empregador tinha o direito de denunciar o contrato de trabalho sem necessidade da invocação de qualquer causa, declarando meramente a denúncia do mesmo, não se afigurando, salvo melhor entendimento, que seja possível convocar outra norma ou princípio reguladores da denúncia do contrato individual de trabalho em apreço durante o período experimental, designadamente de direito administrativo, não sendo relevante para o caso a circunstância de o início da relação laboral ter sido antecedido de um procedimento concursal, com a selecção e avaliação dos candidatos.

Mas, podendo embora a denúncia do contrato de trabalho ocorrer no período experimental, sem apelo a uma causa/motivo, facto é que esse direito não poderá ser exercido arbitrária ou abusivamente. Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5.ª ed., Almedina, p. 203, «o facto desta denúncia ser incondicionada não significa, no entanto, que seja insindicável e que possa ser exercida em moldes abusivos, ou seja, que contrariem a função para que foi instituído o próprio período experimental.»

Assim sendo, durante o período experimental, em princípio, o empregador, tem a faculdade de despedir o trabalhador sem aviso prévio e sem invocação de justa causa e sem que este tenha direito a indemnização. No entanto, se é certo que o empregador está isento de invocar a justa causa para a denúncia, esta não deve obedecer a meros caprichos do mesmo, antes corresponder a uma realidade objectiva. E assim, se o trabalhador demonstrar que a cessação do seu contrato durante o período experimental não se fundou em razões do foro laboral, como a aptidão e o desempenho das suas funções, poderá o empregador incorrer em denúncia abusiva, não sendo de excluir as consequências laborais da ilicitude do despedimento.

A A. sustenta que o R. a despediu ilicitamente dado que para além de ter prestado trabalho durante apenas 30 dias, o que não permitiu ao R. avaliar o seu desempenho e as suas competências, o R. a despediu no período experimental sobretudo por razões de ordem político-ideológica, tendo sido alvo de discriminação pelo facto de a A. ser dirigente sindical.

Ora, a diferença política, justamente por força do princípio constitucional da igualdade contido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, não pode constituir motivo válido para a cessação do contrato de trabalho, seja no período experimental seja fora dele. A denúncia devida a motivos de ordem ideológica, ou de natureza sindical corresponde ao aproveitamento de uma faculdade legal, mais concretamente dum direito de resolução sem justificação durante o período inicial do contrato, exercido manifestamente fora dos limites determinados pelo seu fim económico, e portanto em abuso de direito – art.º 334.º do Código Civil.

Nesta linha, e parafraseando o Acórdão do TRP de 4.2.2013 (proc.º 247/10.1TTVRL.P1), «se é certo que o período experimental se destina a permitir um estudo mútuo dos contraentes, com ele também se possibilita uma avaliação das condições de execução do contrato de modo a que cada um deles julgue da conveniência de continuarem ou não uma relação estável - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 15.06.1994, CJ, 1994,Vol. III, pág. 177. Como quer que seja, o período experimental corresponde a um período de fragilidade de um contrato, por regra estável, em que as normas de ordem pública que o dominam, limitam a sua ruptura pelo empregador. Assim, se durante entre esse período as partes são livres de pôr fim ao contrato, essa liberdade não é absoluta (pode esconder, por exemplo, práticas discriminatórias), podendo ser aferida à luz da teoria do abuso do direito».

No caso vertente ficou provado, além de mais que a A. iniciou as suas funções para o R. em 1.10.2013 sendo que em reunião do Conselho de Administração do R. de 31.10.2013, foi, por unanimidade, deliberado denunciar, no respectivo período experimental, o contrato de trabalho que o vinculava, desde 1 de Outubro de 2013, à A..

Tal deliberação expressou nos seus fundamentos, que:

2. A integração da Drª A.... na organização do CHLP, designadamente na estrutura funcional e hierárquica dos seus serviços, não teve êxito.

3- Designadamente, suscitando desacordos incontornáveis quanto ao modo de prestação do seu trabalho no quadro do serviço onde se integra e desatendendo as determinações da hierarquia relativas à organização da sua prestação de trabalho.

4- Não se afigura, pois, favorável ao cumprimento da missão de prestação de cuidados de saúde à população cometida a este Centro-Hospitalar, a manutenção da relação laboral em apreço.

5- Só a partir da sua admissão, em 1 de Outubro, é que o CHLP iniciou a sua experiência profissional com a referida Médica, pois que esta realizou a sua formação em internato médico, noutra entidade.”.

Esta denúncia foi comunicada à A. em 1.11.2013.

Ficou provado que aquando da assinatura do contrato de trabalho, a A. deu conhecimento ao Dr. B... de que era dirigente sindical no Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC), tendo o Sindicato chegado a remeter ao Conselho de Administração do R. uma comunicação datada de 1.10.2013 dando conta que “a Dr.ª A... dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro, previsivelmente não comparecerá ao serviço nos dias 3 e 4 de Outubro de 2013 (…)”.

Provou-se ainda que o R. integra como seus trabalhadores 16 representantes e dirigentes sindicais e que nos últimos cinco anos, o R. promoveu a denúncia de contratos de trabalho no período experimental, relativamente a sete trabalhadores, dos quais duas médicas, uma delas a A., única que conhece como sendo dirigente sindical.

Como vimos a A. sustenta que a razão fundamental da denúncia do contrato no período experimental se deveu ao facto de ser dirigente sindical. Ora, percorrendo a matéria de facto provada, não discorremos como possa esse facto ter sido a razão dessa denúncia, inexistindo o mínimo indício de que essa sua ligação ao Sindicato possa ter contribuído para a decisão tomada pelo Conselho de Administração do R. que ostenta, como se viu, vários dirigentes sindicais, à semelhança, crê-se, da maioria das unidades de saúde deste País.

Ao longo do processo procurou-se indagar sobre as razões da falta de êxito da A. na estrutura organizativa do R. e questionou-se acerca dos desacordos incontornáveis quanto ao modo de prestação do seu trabalho no quadro do serviço onde se integrava a A. e procurou-se ainda saber a que determinações da hierarquia relativas à organização da sua prestação de trabalho é que a A. havia desatendido. E nesse conspecto, foram sobressaindo alguns que poderão justificar a tomada de decisão do R. que, a nosso ver e salvo sempre melhor opinião, afastam a possibilidade avançada pela A. de ter sido discriminada pelo R. por razões ideológicas, de natureza política (ou outras), como sejam a não realização do exame que lhe havia sido solicitado, a debatida/disputada direcção do serviço de pneumologia, nomeadamente em (tensa) reunião, e a carta dirigida pela A. ao Director Clínico e ao Presidente do Conselho de Administração, cujos termos «não terão caído bem» junto da Administração.

Assim, e à míngua de prova pela A. dos factos que alegou, a factualidade apurada não permite extrair a conclusão de que a denúncia do contrato no período experimental foi exercida de má-fé, visou disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato, ou mesmo, que teve um intuito sancionatório sobre a A.. Não poderá afirmar-se, por outro lado, que o período de execução do contrato foi tão reduzido que à A. não foi dada a oportunidade de mostrar as suas aptidões e competências profissionais, tanto mais que lhe foi solicitada a realização de um exame, que não fez com a invocação da falta de horário definido (dado que a falta de critério clínico apenas em audiência de julgamento foi suscitada, não se tendo provado que tivesse sido debatida e comunicada essa questão nomeadamente ao director clínico quando este solicitou à A. a realização do exame) e também chegou a executar outras funções (v.g. consultas) nesse período de um mês. Crê-se, por outra banda, que o empregador, para além da competência profissional do trabalhador, pode também procurar encontrar outras características no trabalhador, não constituindo excepção o caso do médico ou de outro profissional especializado, sendo certo que a ausência destas, a ineptidão, a incompatibilidade ou a frustração de expectativas, poderá desencadear a denúncia do contrato no período experimental – que não se poderá considerar ilícita, a menos, como se frisou, que disfarce uma motivação ilícita para a cessação do contrato, o que no caso vertente não ficou demonstrado, não tendo ficado provado que a decisão do R. se ficou a dever a juízos que não fossem essencialmente laborais.

Em suma, e atentos os fundamentos expostos, a presente acção terá de improceder.»

É desta avaliação de que a autora discorda e, ao que se percebe das conclusões do recurso, pelos seguintes motivos:

- das situações que eventualmente podem ter conduzido à denúncia do contrato de trabalho, não se descortina qualquer razão para que a ré tenha vindo invocar para a denúncia no período experimental o facto de a recorrente não se ter integrado na estrutura funcional e hierárquica dos serviços;

- dado o enquadramento legal do regime concursal nas EPE´s e, por outro, o do regime do período experimental no domínio da actividade privada, os dois regimes devem ser analisados de forma global e coerente de forma a que não sejam postos em causa os princípios que lhes estão subjacentes quer a um quer a outro, pelo que sempre que haja previamente lugar a procedimentos concursais públicos aos quais estão subjacentes os princípios da objectividade, imparcialidade e justiça, a liberdade de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, por parte das EPE´s, terá de ficar necessariamente mais limitada, devendo esta explicitar as razões para essa denúncia a fim de poderem ser sindicadas;

- nada impedindo o recorrido de utilizar a figura da denúncia do contrato no período experimental, ao fazê-lo tinha que respeitar os princípios gerais da actividade administrativa que devem pautar a sua actuação, o que manifestamente não aconteceu no caso presente, violando designadamente o princípio da imparcialidade;

- a questão sindical está implícita no próprio perfil da recorrente, situação que não pode ter deixado de pesar no desfecho verificado, pelo que a ré teve um comportamento que só na aparência corresponde ao exercício do direito de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, servindo-se desse instituto para prosseguir fins não lícitos, ou seja, discriminando a recorrente por razões de ordem político-ideológicas e que ofendem a sensibilidade jurídica socialmente dominante, razão pela qual ocorre manifesto abuso de direito;

- constitui ainda abuso de direito quando utilizou a figura da denúncia no período experimental quando sem qualquer razão justificativa para tal – não há qualquer prova nesse sentido – em clara violação dos princípios gerais da actividade administrativa que está obrigada a obedecer na sua actuação, mesmo no domínio da gestão privada.

Vejamos:

Ao caso, como se referiu na sentença, com os fundamentos que merecem o nosso acordo e sem registo de divergência das partes, aplica-se o regime do Código do Trabalho.

Nos termos do disposto no art. 119.º do Código do Trabalho qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

Também a cláusula 21.ª, n.º 7 do ACT aplicável, como se refere na sentença, dispõe que: “Durante o período experimental, qualquer das partes pode, por qualquer forma, denunciar o contrato de trabalho sem aviso prévio nem necessidade de invocação de causa (…)”. E o n.º 8 determina que: “Em caso de denúncia do contrato no período experimental, presume-se apenas que a parte denunciante perdeu o interesse na manutenção do contrato em resultado da experiência”.

Como se tem entendido o período experimental corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a permitir às partes uma avaliação recíproca do interesse das mesmas na manutenção desse contrato, permitindo-lhes, dentro do mencionado período, a possibilidade de a ele porem termo sem os condicionalismos legais previstos para a resolução do contrato de trabalho seja por parte do trabalhador, seja por parte do empregador. Assim, e durante esse período, o empregador poderá avaliar das qualidades e aptidões do trabalhador para a função que exerce, para a adequada integração na organização e para a prossecução dos seus fins; por sua vez, o trabalhador poderá avaliar do seu interesse na continuação da sua integração na estrutura organizativa do empregador. O período experimental assume, contudo e naturalmente, maior relevância para o empregador na medida em que, sendo para este muito mais exigente o condicionalismo legal para a cessação do contrato de trabalho, lhe permite resolvê-lo sem necessidade de invocação de justa causa ou de qualquer outro motivo legalmente previsto para a cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa. Como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag, 489) “no período experimental tanto poderão ser testadas as competências profissionais e técnicas do trabalhador, como aspectos mais pessoais que a prestação de trabalho co-envolve. Na realidade, a inserção do trabalhador numa determinada estrutura organizativa, uma vez que a pessoa do trabalhador será chamada a interagir com uma multiplicidade de outros sujeitos (colegas, superiores hierárquicos, fornecedores, clientes), justifica que certos aspectos da personalidade do trabalhador possam ser também relevantes para que o empregador tome uma decisão definitiva quanto à conveniência em contratá-lo, pelo que tais facetas da sua personalidade poderão também ser avaliadas durante o período experimental”.

Por outro lado, face ao regime do Código do Trabalho e do ACT aplicável, a declaração da cessação do contrato no período experimental não está sujeita a forma, podendo ter lugar por meio não escrito, nem está sujeita a qualquer procedimento prévio. Traduz-se numa mera declaração de cessação do contrato, não tendo assim qualquer relevo modificativo da sua natureza quaisquer motivos invocados, formalismo adoptado ou qualificação técnica dada para tal efeito extintivo.

Daí que, neste seguimento teríamos que entender, que a declaração da ré de cessação do contrato, ainda que invoque os motivos da decisão e ainda que estes possam reconduzir-se a uma justa causa disciplinar ou objectiva, não pode ser qualificada como despedimento, mas antes como denúncia no período experimental.

Na verdade, se a denúncia pode ocorrer sem necessidade de invocação de justa causa, no caso em que esta seja, apesar disso, invocada não afecta a qualificação como denúncia, pois o empregador não está inibido de indicar os motivos pelos quais procede à denúncia. A liberdade de denúncia na dimensão que se traduza num direito ao silêncio sobre os motivos (como refere Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag, 492) não impede, naturalmente, que o empregador os declare, como ocorreu no caso (factos 22. e 23.).

Contudo, a autora sustenta que o enquadramento legal do regime concursal nas EPE´s obrigaria a que havendo previamente lugar a procedimentos concursais públicos, aos quais estão subjacentes os princípios da objectividade, imparcialidade e justiça, a liberdade de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, por parte das EPE´s, como é o caso da ré, terá de ficar necessariamente mais limitada, devendo esta explicitar as razões para essa denúncia a fim de poderem ser sindicadas.

A sua perspectiva equivaleria assim a introduzir um regime especial de denúncia equivalente ao despedimento com justa causa, objectiva ou subjectiva, obrigando à indicação dos motivos e à sua possibilidade de controlo (sindicância), o que contraria absolutamente quer o regime do Código do Trabalho, quer o do ACT aplicável.

É certo que o art. 14.º n.º 4 do DL n.º 233/2005, de 29.12 (alterado e republicado com o Decreto-Lei nº 244/2012, de 09.11), mas também pelo IRCT aplicável, impõem que os processos de recrutamento da ré devem assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa fé e da não discriminação, bem como da publicidade.

O que significa a obrigação de procedimento concursório que respeite esses princípios.

Mas uma coisa é o processo de selecção, outra a execução do contrato e o regime da sua cessação. Concluído o procedimento de selecção e iniciado o contrato, o regime daquele não condiciona este, a nosso ver, não havendo quaisquer motivos para fazer a ligação proposta pela autora apelante.

Iniciado o contrato, este rege-se pelas normas do Código do Trabalho como resulta bem claro do n.º 1 do referido art. 14.º n.º 4 do DL n.º 233/2005, o que significa que o regime relativo ao período experimental é o dele constante, sem quaisquer limitações a não ser as que decorram do acordo das partes ou de IRCT aplicável nos limites por aquele permitidos. Ou seja, tal como se disse na sentença recorrida, não é possível convocar outras normas reguladoras da denúncia do contrato durante o período experimental, designadamente de direito administrativo.

Quer isto dizer, que a denúncia operada pela ré no período experimental não tinha que ser justificada, podia ser livremente declarada, não havendo lugar ao controlo dos motivos que a originaram, mediante a sua demonstração a cargo da mesma ré.

Outra questão, contudo, é a de se concluir que ocorreu abuso de direito na denúncia, por o exercício do respectivo direito ter excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo fim social ou económico do mesmo direito (art. 334.º do Código Civil).

Esta demonstração de manifesto “desvio” cabe ao trabalhador, como decorre do disposto no art. 342.º do Código Civil, já que no âmbito dos factos constitutivos dos direitos que invoca emergentes da ilicitude da denúncia e, nesse plano, é admissível o controlo judicial.

Contudo, no caso, não encontramos evidências de ter ocorrido abuso de direito, tal como sublinhou a sentença recorrida, com a qual concordamos.

A apelante invoca a violação do princípio da imparcialidade, mas no âmbito da relação jurídico-privada estabelecida esse princípio apenas poderia ter consequências quanto à observância da obrigação de não-descriminação resultante em termos gerais do disposto no art. 25.º do Código do Trabalho.

Ora, neste particular, a apelante apenas sustenta que a denúncia foi motivada por razões ligadas à sua actividade sindical, segundo a mesma “implícita no próprio perfil” da mesma.

Mas a este respeito provou-se apenas (factos 27. e 28.) que aquando da assinatura do contrato de trabalho, a autora deu conhecimento ao Dr. B... de que era dirigente sindical no Sindicato dos Médicos da Zona Centro e que este Sindicato remeteu ao Conselho de Administração do R. uma comunicação datada de 1.10.2013 dando conta que “a Dr.ª A... dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro, previsivelmente não comparecerá ao serviço nos dias 3 e 4 de Outubro de 2013 (…)”.

Nenhuma relação vem provada entre a denúncia e actividade sindical da autora, nomeadamente através de comportamentos da ré que a evidenciem.

Não se provou qualquer atitude de perseguição a activistas sindicais, sendo que se provou mesmo que (factos 30. e 31.) a ré integra como seus trabalhadores 16 representantes e dirigentes sindicais e que nos últimos cinco anos, a ré promoveu a denúncia de contratos de trabalho no período experimental, relativamente a sete trabalhadores, dos quais duas médicas, uma delas a autora, única que conhece como sendo dirigente sindical. O que quer dizer que nenhum indício de descriminação em razão da actividade sindical se pode encontrar na actuação da ré.

Por outro lado, ponto debatido pela autora no recurso, também não existem evidências de ter ocorrido “desvio” abusivo do fim do direito em razão de motivos relacionados com a vontade de alteração dos resultados do procedimento concursório que conduziu ao contrato com a autora. Veja-se até que, se acordo com o facto 2., na lista de classificação final do referido concurso apenas constava a autora como única classificada.

Não é assim possível concluir, como sustenta a autora, que a ré teve um comportamento que só na aparência corresponde ao exercício do direito de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, servindo-se desse instituto para prosseguir fins não lícitos, razão pela qual ocorreria manifesto abuso de direito.

Por isso, não julgamos procedentes os argumentos do recurso.

A sentença da 1ª instância merece, assim, o nosso acordo. E por essa razão, nada havendo a censurar na sentença da 1ª instância, improcederá na totalidade o recurso.


*

IV- DECISÃO

Termos em que se delibera:

a) julgar a apelação da ré apenas parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão que a condenou em custas, tomada em sede do despacho sanador.

b) julgar a apelação da autora improcedente.

 Custas na apelação da ré a cargo desta e na apelação da autora a cargo da mesma.


*

  

(Luís Azevedo Mendes)

(Felizardo Paiva)

(Paula do Paço)