Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4316/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OPOSIÇÃO
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
SÓCIO
TESTEMUNHA
Data do Acordão: 03/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º 40.º E 490.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 75.º, 246.º, N.º 1, G), 251.º E 257.º N.º 5 DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS E ARTIGOS 259.º E 1178.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A lei processual civil não prevê, expressamente, a notificação ao requerente da providência cautelar do articulado da oposição do requerido, determinando, sem qualquer solução de continuidade, a realização da audiência final, como imperiosa necessidade da aceleração da marcha do processo, sem impedir o requerente de realizar a prova das contra-excepções não alegadas e de contraditar as excepções invocadas pelo requerido, na audiência final.
2. Tendo o acto jurídico da procuração sido praticado fora dos limites dos poderes que competiam ao sócio gerente, que não dispunha de poderes para obrigar a sociedade, está-se perante uma situação de representação sem poderes, sendo o mesmo ineficaz em relação aquela, salvo se pela mesma for ratificado.

3. Quando a deliberação dos sócios não deva anteceder, necessariamente, o acto da gerência, a sua realização posterior assume a natureza de ratificação deste, aprovando o negócio e tornando-o eficaz em relação à sociedade.

4. Não sendo o arresto um procedimento cautelar instrumental da acção de destituição de gerentes, mas antes a providência cautelar destinada a evitar a perda da garantia patrimonial do crédito, não tem cabimento legal a justificação da necessidade de o arresto ter de ser proposto por um dos sócios contra o outro, como acontece com aquela.

5. O sócio, por não ser representante legal da sociedade, não sofre do impedimento de depor como testemunha, por não poder depor como parte, produzindo todos os efeitos que lhe são próprios, sujeito, apenas, ao princípio da livre apreciação de prova.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A... e mulher, Maria de B..., interpuseram recurso de agravo da decisão que, nos autos de providência cautelar de arresto, em que foi requerente “C...”, todos bem identificados, julgou improcedente a arguida excepção da ilegitimidade activa da requerente e, igualmente, a oposição deduzida pelos requeridos, ora agravantes, mantendo o arresto decretado nos autos, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
1ª – A douta sentença deveria ter considerado procedentes as excepções aduzidas na oposição em clara e manifesta contradição com a lei – artigos 3º, nº 3 e 490º, do CPC.
2ª – Considerou sanada a insuficiência da mandato/falta e irregularidade de mandato, violando os artigos 75º, 246º, nº 1, g), 251º e 257º, nº 5, do CSC, 40º, do CPC e 259º, ex vi do 1178 do CC.
3ª – O Tribunal «a quo» valorou o depoimento como testemunha do agora sócio da agravada Marco Paulo, em nítida violação do artigo 553º, nº 3, do CPC.
4ª – Apesar de ter considerado provada a existência de créditos dos agravantes sobre a agravada, o Tribunal “a quo” não tirou as devidas consequências do facto, em nítida contradição com a prova produzida, e com o juízo de probabilidade exigido neste tipo de processos, não operando a compensação de créditos e em consequência considerando inexistente o crédito da agravada, violando assim os artigos 847º do CC, 210º, nº 4, c), do CSC, e 407º, do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Exª Juiz sustentou a decisão questionada, por entender que não foi causado qualquer agravo aos recorrentes.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão do não cumprimento do ónus de impugnação.
II – A questão da legalidade do mandato.
III – A questão da legitimidade da requerente.
IV – A questão do depoimento do sócio-gerente da requerente.
V – A questão da compensação de créditos.

I

DO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO

Entendem os requeridos que, não tendo a requerente deduzido qualquer oposição aos factos por si articulados, devido à falta de observância do correspondente ónus de impugnação, deveriam ter sido julgadas procedentes as respectivas excepções em que se consubstanciam.
Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência cautelar, é-lhe lícito, na sequência da notificação da decisão que a ordenou, deduzir oposição, procedendo-se, em seguida, quando necessário, à produção das provas requeridas ou, oficiosamente, determinadas pelo Juiz, em audiência final, em conformidade com o disposto pelos artigos 388º, nº 1, b) e 386º, nºs 1 e 2, ambos do CPC.
Com efeito, a lei processual civil não prevê, expressamente, a notificação ao requerente da providência cautelar do articulado da oposição do requerido, determinando, sem qualquer solução de continuidade, a realização da audiência final, ao contrário do que acontece, na hipótese de revelia absoluta e operante do requerido que haja sido citado, que produz os efeitos previstos no processo comum de declaração, ou seja, a confissão tácita dos factos articulados pelo requerente, atento o preceituado pelos artigos 385º, nº 5, 483º, 484º, nº 1 e 490º, nº 2, todos do CPC.
É que a natureza urgente dos procedimentos cautelares, consagrada pelo artigo 382º, nº 1, do CPC, justifica, perfeitamente, que, quer no caso de contraditório inicial, quer na hipótese de contraditório subsequente ou diferido, o articulado da oposição não dê lugar a resposta do requerente, como imperiosa necessidade de acelerar a marcha do processo, sem o impedir de realizar a prova, na audiência final, das contra-excepções não alegadas, e de contraditar as excepções invocadas pelo requerido na oposição.
Domina, assim, a ideia de que as partes deverão, logo nos respectivos articulados, deduzir, antecipadamente, as excepções e contra-excepções que tiverem, sob pena de verem precludido esse direito, mas sempre sem esquecer que a redução do número dos articulados nunca terá por função prejudicar o conhecimento de todos os factos que interessem à decisão da causa.
Aliás, por identidade de razão, não há lugar a contraresposta, nas acções com processo sumário, nem a resposta, nas acções com processo sumaríssimo, como bem resulta do estipulado nos artigos 786º, 787º, 794º e 795º, todos do CPC( Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, 1968, 147 e 150 e notas 1 e 2.).
Assim sendo, inexiste fundamento legal para, com base na falta de impugnação da requerente, em relação ao articulado de oposição dos requeridos, julgar procedentes as excepções invocadas por estes.

II

DO MANDATO

Defendem os requeridos que não foram conferidos à requerente poderes bastantes para propor a presente providência cautelar, porquanto o requerido A..., também seu sócio gerente, não outorgou a respectiva procuração, mas, apenas, o sócio gerente, José Filipe Assis Rodrigues.
A sociedade por quotas é representada e administrada, por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade, que a vinculam para com terceiros, quando pratiquem actos, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, apesar das limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios, nos termos do preceituado pelos artigos 252º, nº 1 e 260º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Assim sendo, a gerência é um dos órgãos essenciais das sociedades por quotas, sendo certo que os efeitos jurídicos dos actos praticados pelos gerentes nascem, directamente, na esfera jurídica da sociedade, onde se projectam, e não na esfera pessoal dos gerentes( Raul Ventura, Sociedades por Quotas, III, 170.).
Porém, para que este efeito representativo, consubstanciado na gerência, possa funcionar, plenamente, importa que os actos dos gerentes sejam susceptíveis de vincular, validamente, a sociedade.
Por seu turno, dispõe o artigo 246º, nº 1, g), do CSC, que “dependem da deliberação dos sócios…, além de outros…a proposição de acções pela sociedade contra gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização…”, estatuindo o respectivo artigo 75º, nº 1, no sentido de que “a acção de responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da referida deliberação;…”.
A proposição de acções contra sócios ou gerentes é uma das situações em que a deliberação dos sócios antecede e condiciona o acto a praticar pela gerência, gozando de primazia em relação a este, que mais não é do que um acto executivo daquela( Raul Ventura, Sociedades por Quotas, II, 157 e 158.).
Efectivamente, resulta do teor da cláusula 5ª, § único, dos Estatutos da sociedade requerente que, “para obrigar a sociedade é necessária a assinatura conjunta dos dois sócios gerentes, bastando, contudo, a assinatura de qualquer deles, em actos de mero expediente.”
Por outro lado, a procuração junta aos autos, passada em nome da sociedade requerente, está, tão-só, outorgada por José Filipe Assis Rodrigues, invocando a sua qualidade de legal representante daquela.
Ora, pertencendo aos sócios a competência para formar a vontade da sociedade, que é expressa pelos gerentes, a quem compete o poder de a representar, estes não têm, nos casos de proposição de acções contra sócios ou gerentes, o poder de praticar o acto e, portanto, a possibilidade de vincular a sociedade pelo mesmo, atento o disposto pelo artigo 260º, nº 1, do CSC.
No caso em apreço, não se demonstrou ter existido qualquer prévia deliberação dos sócios, no sentido de viabilizar a propositura da providência cautelar, razão pela qual, não dispondo o sócio gerente, José Filipe Assis Rodrigues, de poderes para obrigar a sociedade requerente, está-se perante uma situação de representação sem poderes, contemplada pelos artigos 258º e 268º, do Código Civil (CC), sendo, consequentemente, o acto jurídico da procuração praticado fora dos limites dos poderes que ao referido sócio gerente competiam, ineficaz em relação aquela, salvo se pela mesma for ratificado( STJ, de 28-3-2000, BMJ nº 495, 283.).
Porém, não se tratando de uma hipótese em que resulte da lei que a deliberação dos sócios deva anteceder, necessariamente, o acto da gerência, a sua realização posterior assume a natureza de ratificação deste( Raul Ventura, Sociedades por Quotas, II, 158. ), que, assim, declara aprovar o negócio que, de outro modo, seria ineficaz em relação à requerente( Rui de Alarcão, Confirmação, I, 119.).
Efectivamente, da acção principal a que esta providência se encontra apensa, consta a acta nº 24 da sociedade requerente, relativa à deliberação da Assembleia Geral da mesma, tomada em 15 de Dezembro de 2003, segundo a qual foi decidido, por unanimidade dos presentes, “e para efeito do art.º 75º do Código das Sociedades Comerciais intentar acção de responsabilidade e indemnização contra o ex-sócio A... e Caixa Geral de Depósitos”.
Assim sendo, a falta da originária deliberação social deve considerar-se sanada pela deliberação superveniente, quer quanto à propositura da providência cautelar, quer quanto à representação sem poderes de que padecia a procuração, passada em favor do Exº mandatário judicial da sociedade requerente, Dr. Arnaldo Figueiredo, sem embargo de o texto da deliberação se referir, expressamente, à acção principal de responsabilização do sócio gerente, mas que, manifestamente, comporta, no seu espírito, a providência cautelar de arresto, dependente daquela, e que tem por fundamento o direito acautelado, nos termos do disposto pelo artigo 383º, nº 1, do CPC.
Sendo a assembleia geral de uma sociedade o órgão representativo de todos os sócios e o órgão máximo daquele ente jurídico, dotada de poderes soberanos, a quem pertence a competência para deliberar em matérias mais melindrosas, como decorre do estipulado pelo artigo 246º, do CSC, nada obsta, em princípio, a que, em matérias onde não se achou necessário semelhante exigência e se bastou com a actuação da gerência, também, aquela assembleia geral possa, como é óbvio, decidir, validamente.
E, tendo a sociedade feito reunir a assembleia geral, que supriu a falta dos seus órgãos, quer da própria assembleia geral, quer da gerência, pela forma referida, admitiu a propositura da acção e ratificou o processado, da autoria do Exº Advogado da requerente, a quem mandatou para propor a presente providência cautelar contra o requerido( RL, de 9-6-94, CJ, Ano XIX, T3, 106.).
Por outro lado, respeitando a acção a propor, de que o arresto é dependência, a um litígio sobre uma pretensão da sociedade contra o sócio, quer nesta qualidade, quer como gerente, verifica-se uma situação de conflito de interesses com a sociedade, que o impede de votar, em conformidade com o disposto pelo artigo 251º, nº 1, a) e b), do CSC.
A isto acresce que, sendo o arresto decretado, após exame das provas produzidas, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os respectivos requisitos legais, com base no estipulado pelo artigo 408º, nº 1, mal se compreenderia que uma deliberação superveniente dos sócios não pudesse sanar a propositura da respectiva providência cautelar, dirigida contra um dos sócios gerentes da sociedade, sob pena de se frustrar, totalmente, a finalidade da diligência, que se fundamenta, como decorre do estatuído pelo artigo 406º, nº 1, ambos do CPC, no justo receio para o credor da perda da garantia patrimonial do seu crédito.
Não procedem, pois, como foi decidido pelo Tribunal «a quo», as arguidas excepções de falta de poderes de representação e de falta de deliberação social.

III

DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE

Entendem os requeridos que as regras instituídas pelo Código das Sociedades Comerciais se sobrepõem às regras gerais constantes do Código de Processo Civil, pelo que, em consequência, no caso de a sociedade ter apenas dois sócios, a destituição de gerentes só poderá ter lugar, em acção judicial intentada pelo outro sócio.
Porém, a situação contemplada pelo artigo 257º, nº 5, do CSC, reporta-se à acção de destituição de gerentes, e não à providência cautelar de arresto, a que respeitam os presentes autos, cuja legitimidade activa, atento o disposto pelo artigo 406º, nº 1, do CPC, pertence ao credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito que, no caso concreto, é a sociedade requerente, embora, também, o pudesse ter sido o outro sócio gerente( RP, de 6-3-95, BMJ nº 445, 620.), mas tal já foi decidido, em sentido contrário, com trânsito em julgado, pelo Tribunal recorrido.
E, não sendo o arresto um procedimento cautelar instrumental da acção de destituição de gerentes, mas antes uma providência cautelar destinada a evitar a perda da garantia patrimonial do crédito, não tem cabimento legal a justificação da necessidade de o arresto ter de ser proposto por um dos sócios contra o outro, como acontece com aquele.
A este propósito, importa realçar que, defendendo-se a transposição, pura e simples, das regras próprias da providência cautelar não especificada de destituição de sócio gerente da sociedade para o arresto, tratando-se de uma sociedade com dois sócios gerentes, como é a situação do caso concreto, a destituição de um deles, com fundamento em justa causa, só poderia ser decidida pelo Tribunal, em acção intentada pelo outro, em seu nome próprio e não em representação da sociedade, contra o sócio destituendo, e não em resultado de deliberação social, nos termos do preceituado pelo artigo 257º, nºs 4 e 5, do CPC( RC, de 18-3-2003, CJ, Ano XXVIII, T2, 21.), o que não sucede, na hipótese em apreço, em que é a própria sociedade quem propõe este procedimento contra o requerido, sócio gerente daquela, e sua esposa, que nada é na sociedade, além de mera associada ou agregada à quota( RP, de 27-9-90, CJ, Ano XV, T4, 220.), depois de ter sido julgado o requerente José Filipe Assis Rodrigues, o outro sócio gerente da sociedade, destituído de legitimidade activa para prosseguir os termos do arresto.

IV

DA VALIDADE DO DEPOIMENTO DE SÓCIO

Sustentam ainda os requeridos que o Tribunal «a quo» valorou, ilegalmente, em violação do disposto no artigo 553º, nº 3, do CPC, o depoimento da testemunha Marco Paulo, sócio da requerente, pois que, ao aceitar a ratificação da omissão verificada, não poderia considerar o seu depoimento, porquanto, como sócio, participou na deliberação ratificante.
Dispõe o artigo 617º, do CPC, que “estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes”.
Efectivamente, os representantes legais de uma sociedade, quando esta é parte numa causa, não podem intervir como testemunhas, mas, tão-só, como partes, em conformidade com o estipulado pelo artigo 553º, do CPC.
Porém, os sócios de uma sociedade por quotas, ao contrário do que acontece com os seus sócios-gerentes, não são representantes legais da mesma, conforme resulta do estipulado nos artigos 252º, nº 1 e 260º, nº 1, do CSC.
Assim sendo, o depoimento da testemunha Marco Paulo, sócio da requerente, não sofre de qualquer impedimento, designadamente, por ser representante legal de parte, para produzir todos os efeitos que lhe são próprios, sujeito apenas ao princípio da livre apreciação de prova, consagrado pelo artigo 655º, nº 1, do CPC.

V

DA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS

Finalmente, os requeridos defendem que, em nítida contradição com a prova produzida, e com o juízo de probabilidade exigido para este tipo de processos, a decisão recorrida não operou a compensação de créditos e, em consequência, não declarou a inexistência do crédito da agravada.
Com efeito, o Tribunal «a quo», neste particular, considerou que, sendo “certo que os requeridos lograram provar que o requerido marido também fez depósitos nas contas da requerente,…desconhecendo-se a proveniência de tais verbas, e a que título foram feitos tais depósitos, não é possível creditar tais importâncias a favor do requerido, …pelo que não ficou abalado o juízo de probabilidade séria de existência do crédito da requerente, salvo quanto ao valor das transferências referidas…, enquanto que, quanto ao “periculum in mora”, também não foi feita prova capaz de abalar o justo receio de perda de garantia patrimonial da requerente, tendo em conta o valor elevado do crédito desta, e considerando o resultado do arresto ordenado, que ficou muito aquém do valor do crédito a garantir”.
De todo o modo, entendendo os requeridos que a prova produzida permitiria suportar outra conclusão jurídica, enquanto que a decisão considera que tal não foi possível, por insuficiência de prova, acabam por trazer à colação a questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Porém, e, desde logo, os requeridos limitam-se a invocar a discordância entre a prova que ficou consagrada e aquela que foi produzida em audiência, sem indicar, explicitamente, quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram, incorrectamente, julgados, qual o preciso sentido de orientação que os mesmos deveriam ter conhecido, e quais os meios probatórios constantes de eventual gravação, isto é, os depoimentos em que se funda e que imporiam, na sua óptica, decisão diversa da recorrida, nos termos do estipulado pelo artigo 690º-A, nºs 1, a) e b) e 2, do CPC.
Assim sendo, atendendo ao teor do normativo legal acabado de mencionar, inexiste fundamento legal para determinar a pretendida alteração sobre a decisão da matéria de facto que, consequentemente, se manterá.
Por seu turno, não tendo os requeridos suscitado o reexame da questão jurídica, com base na factualidade que ficou consagrada, a qual, por sua vez, não consta destes autos de recurso de agravo em separado, atinentes, tão-só, à matéria da oposição, não se altera a decisão que decretou o arresto.

CONCLUSÕES:
I - A lei processual civil não prevê, expressamente, a notificação ao requerente da providência cautelar do articulado da oposição do requerido, determinando, sem qualquer solução de continuidade, a realização da audiência final, como imperiosa necessidade da aceleração da marcha do processo, sem impedir o requerente de realizar a prova das contra-excepções não alegadas e de contraditar as excepções invocadas pelo requerido, na audiência final.
II - Tendo o acto jurídico da procuração sido praticado fora dos limites dos poderes que competiam ao sócio gerente, que não dispunha de poderes para obrigar a sociedade, está-se perante uma situação de representação sem poderes, sendo o mesmo ineficaz em relação aquela, salvo se pela mesma for ratificado.
III - Quando a deliberação dos sócios não deva anteceder, necessariamente, o acto da gerência, a sua realização posterior assume a natureza de ratificação deste, aprovando o negócio e tornando-o eficaz em relação à sociedade.
IV - Não sendo o arresto um procedimento cautelar instrumental da acção de destituição de gerentes, mas antes a providência cautelar destinada a evitar a perda da garantia patrimonial do crédito, não tem cabimento legal a justificação da necessidade de o arresto ter de ser proposto por um dos sócios contra o outro, como acontece com aquela.
V - O sócio, por não ser representante legal da sociedade, não sofre do impedimento de depor como testemunha, por não poder depor como parte, produzindo todos os efeitos que lhe são próprios, sujeito, apenas, ao princípio da livre apreciação de prova.


DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.

Custas, a cargo dos agravantes.
Notifique.