Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1323/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: SEGURO CONTRA TODOS OS RISCOS
SEGURO FACULTATIVO
FURTO DE VEÍCULO
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 432.º, N.º 4 DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: 1. A seguradora apenas está obrigada, face ao tomador do seguro, nos precisos termos do contrato de seguro de dano próprio celebrado, não sendo devida indemnização por danos que não estejam cobertos;
2. Assim, se nos termos do contrato e no caso de furto, é estabelecido o valor máximo garantido do automóvel seguro, e prazo a partir do qual é devida a indemnização, o tomador do seguro não tem direito a ser indemnizado pelas despesas havidas com o aluguer de outras viaturas;

3. O seguro cobrindo o risco de coisas ou objectos apenas visa a garantia e conservação do património do segurado, ficando excluída a aquisição de lucro, a não ser que seja expressamente convencionada.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO

A... intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., pedindo a condenação da Ré ao pagamento da quantia de € 5.892,04, correspondente ao valor do veículo furtado, a quantia de € 13.023,14, a título de despesas feitas com o aluguer de outros veículos, a quantia de € 37,09, relativa a despesas com a obtenção de documentos exigidos pela Ré, e ainda a quantia que o Autor venha a despender com o aluguer de viaturas até que lhe seja paga a quantia pela qual estava seguro o veículo furtado, acrescida de juros moratórios a contar desde 05.07.2002. Mais pediu a condenação da Ré em juros moratórios desde a citação.

Para o efeito, o Autor alegou, em síntese, o seguinte:
-Foi-lhe furtada, na noite de 20 para 21.05.2002, uma viatura automóvel, estando tal risco coberto por seguro de danos próprios celebrado com a Ré;
-Na altura do furto a viatura valia € 5.892,04, e com a viatura foram também levados os respectivos documentos;
-Tendo logo solicitado à Ré o pagamento do valor da viatura, tal não foi satisfeito até ao dia de hoje, sendo o Autor obrigado a alugar uma viatura para as suas deslocações em trabalho;
-A Ré pretendeu, passado bastante tempo em inútil burocracia, indemnizar o Autor apenas pelo valor do veículo seguro, tendo o Autor recusado por pretender ser ressarcido pelos demais danos sofridos com a obtenção de documentos junto da GNR e Conservatória do Registo Automóvel, no montante de € 38,69, e com o aluguer de veículos automóveis;
-Já pagou a quantia de € 13.023,14 em despesas com o aluguer de viaturas, e continuará a suportar até que lhe seja pago o valor da viatura furtada, acrescido de juros de mora.

Regularmente citada, a Ré contestou, concluindo pela improcedência parcial da acção, alegando, em suma, que ao Autor apenas é devida indemnização pelo valor do veículo seguro na data do furto, e se não foi ressarcido atempadamente, nos termos contratados, tal lhe é imputável.

O Autor replicou, mantendo a posição assumida na petição, e ampliou o pedido, aditando as despesas, entretanto, suportadas com o aluguer de viaturas, no montante de € 1.434,66, após a propositura da acção.

Em 4 de Agosto de 2004, ampliou, de novo, o pedido, reclamando da Ré o pagamento da quantia de € 2 940,72, relativa às despesas com o aluguer de um veículo entre 13 de Fevereiro de 2004 e 12 de Junho de 2004.

Tendo o processo seguido a sua tramitação normal, foi, por fim, proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, sendo a Ré seguradora condenada a pagar ao Autor a quantia de € 5.742,40, correspondente ao valor do veículo seguro com dedução da franquia, acrescida tal quantia de juros de mora, à taxa legal, desde 22.07.2002 até efectivo pagamento.

O Autor não se conformou com tal decisão, dela apelando, e extraindo da sua alegação as seguintes conclusões, em resumo:
1ª- A sentença é nula, nos termos da alínea b) e 2ª parte da alínea d) do n.º1 do art. 668º do CPC, por ter procedido à dedução da franquia à indemnização pedida pelo valor do veículo seguro, sem especificar os fundamentos de facto e de direito;
2ª-Estando provada a necessidade de utilização de um veículo, o pagamento do valor pelo qual o veículo furtado estava seguro corresponde, para o tomador do seguro, ao montante que o mesmo necessita para substituir tal veículo por outro;
3ª Ao não pagar atempadamente e no prazo de 60 dias após a participação do furto às autoridades competentes, ocorrida em 21.05.2002, a indemnização contratualmente devida pelo furto da viatura, a seguradora incorre em mora a partir do dia 21.07.2002;
4ª-A seguradora mantém-se em mora enquanto não proceder ao pagamento do valor pelo qual o veículo estava seguro, de forma incondicional e sem exigir ao tomador do seguro renúncia a quaisquer outros direitos para além daquele que é satisfeito com tal pagamento;
5ª-Porque incorreu em mora, constitui-se, ainda, a seguradora na obrigação de indemnizar o dano autónomo resultante da privação de uso de veículo;
6ª-No caso, o dano resultante da privação de uso corresponde às provadas quantias pagas pelo Apelante com veículos de aluguer, desde a data em que a seguradora se constituiu em mora;
7ª-A seguradora incorre na obrigação de ressarcir o tomador dos seguro pelas despesas que este teve com a obtenção de documentos que aquela perdeu ou que, não sendo contratualmente exigíveis e ou não sendo desnecessários, tenham sido exigidos como condição de regularização do sinistro;
8ª-Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo interpretou e aplicou mal os arts. 806º, 562º, 563º, 564º e 566º do CC e violou a norma acima citada do CPC;
9ª-Assim deve ser alterada a sentença e a Apelada condenada a pagar ao Apelante:
- o valor do veículo seguro na data do furto, no montante de € 5.892,04, acrescido de juros de mora, à taxa legal, a partir de 21.07.2002 até integral pagamento;
-o valor provado dos alugueres de veículos suportados pelo Apelante, desde a data de 21.07.2002, até ao efectivo e integral pagamento da quantia do valor do veículo furtado, valor esse que se liquida no montante de € 13.023,14, relativo ao período de 21.07.2002 a 12.06.2004, mas subtraído tal valor da quantias de € 1.071,00 correspondente às despesas com aluguer durante os primeiros 60 dias de aluguer, isto é, entre 24.05.2002 e 23.07.2002;
-indemnização pela mora, à taxa legal, sobre as parcelas da quantia global anteriormente referida, devida pelos alugueres, desde a citação, notificação da réplica e posterior ampliação do pedido, e pelas demais quantias a liquidar em execução da sentença, desde o trânsito em julgado da sentença;
- a quantia de € 37,09 relativa às despesas com a obtenção de documentos pagas pelo Apelante, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS
Na sentença sob exame foi dada por assente a seguinte factualidade:
1-Por contrato de seguro titulado pela apólice de seguro automóvel n.º 200049072, o Autor transferiu para a Ré, com início de vigência em 13/09/2000, a responsabilidade, entre outros, pelo risco de danos próprios, por furto ou roubo, da viatura automóvel marca Volkswagen, modelo Transporter, com a matrícula 48-95-OC.
2-O valor seguro para a aludida viatura era, aquando do início da vigência do contrato, de Esc. 1 293 750$00, correspondentes a € 6 453,20.
3-Na noite de 20 para 21/05/2002, o OC foi furtado na cidade de Viana do Castelo, localidade onde, na altura, o Autor se encontrava transitoriamente a residir.
4-Nessa data, o OC estava seguro por danos próprios pelo valor de € 5 892,04.
5-Logo no dia 21/05/2002, o Autor apresentou queixa crime contra desconhecidos no posto da GNR de Viana do Castelo, queixa crime a que foi atribuído o NUIPC 345/02.5GCVCT.
6-Entretanto, nesse dia, o Autor participou o furto do OC junto do Sr. D..., o qual, na qualidade de mediador de seguros da Ré, foi o intermediário na contratação da apólice supra identificada e que fez chegar a participação do furto aos escritórios da B... em Viana do Castelo.
7-O Autor entregou nos escritórios da Ré os documentos juntos a fls. 11 e 12, onde se lê, além do mais, que «junto ao veículo foram furtados todos os documentos respeitantes ao veículo».
8-Por carta datada de 17/06/2002, a Ré reclamou ao Autor a apresentação dos documentos originais da viatura OC como condição para a regularização do sinistro.
9-O Autor recebeu uma notificação datada de 01/07/2002, no âmbito do processo de inquérito n.º 345/02.5GCVCT, que teve origem na queixa crime supra referida no anterior n.º5, e que correu termos na 4ª Secção do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, do arquivamento dos autos, nos termos do n.º 2 do art. 277º do Código de Processo Penal, por serem desconhecidos os autores do furto e não haver mais diligências de prova que pudessem conduzir à respectiva identificação.
10-O Autor apresentou os originais dessa notificação à Ré, que os guardou.
11-Lê-se nos n.ºs 4 e 5 do art. 21º das condições gerais da apólice, sob a epígrafe “Obrigações da Seguradora”, que «4. A indemnização deve ser paga logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento da responsabilidade do segurado e à fixação do montante dos danos; 5. Se decorridos 45 dias, a Seguradora, na posse de todos os elementos indispensáveis à reparação dos danos ou ao pagamento da indemnização acordada, não tiver realizado essa obrigação, por causa injustificada ou que lhe seja imputável, incorrerá em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor».
12-Em meados de Julho de 2002, o Autor é contactado pela Ré para providenciar pela obtenção de idêntica certidão à junta a fls. 12, porquanto esta tinha desaparecido.
13-Assim, em 13/07/2002, o Autor deslocou-se mais uma vez à GNR de Viana do Castelo para requerer nova certidão, sendo que esta só lhe veio a ser passada em 23/07/2002, altura em que foi entregue à Ré.
14-Com a aludida certidão, também entregou o Autor à Ré, devidamente preenchida e por si assinada, a declaração de venda mod.2 do OC.
15-Nessa ocasião, o Autor também entregou à Ré, em cumprimento do que por esta lhe era exigido, todas as chaves, em uso e de reserva, do OC.
16-A partir do final de Setembro de 2002, a Ré disse ao Autor que este, na falta dos documentos originais do OC, tinha de apresentar segunda via do título de registo de propriedade.
17-O Autor requereu a segunda via/guia de substituição do título de registo de propriedade na Conservatória de Viana do Castelo em 25/09/2002.
18-Lê-se no artigo 22° n°3 das Condições Gerais da Apólice, que «O Tomador do Seguro, sob pena de responder por perdas e danos, obriga-se a conceder a Seguradora o direito de orientar e resolver os processos resultantes de sinistros cobertos pela apólice, outorgando por procuração bastante os necessários poderes, bem como fornecendo e facilitando todos os documentos, testemunhas e outras provas e elementos ao seu alcance».
19-Lê-se no artigo 39° n.° 5 das Condições Gerais da Apólice, que «Ocorrendo furto, roubo ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do veículo e que se prolongue por mais de 60 dias contados desde a data da participação dessa ocorrência às autoridades competentes, a Seguradora obriga-se ao pagamento da indemnização devida, nos termos do presente contrato».
20-Em 15.10.2003, a Ré remeteu ao Autor o recibo de indemnização junto a fls. 34, no valor de € 5.892,04 como «indemnização pelos danos sofridos pelo veículo do signatário em sequência do acidente em referência, renunciando a qualquer outro direito com eles relacionado contra a B..., a qual confere plena e geral quitação e sub-roga em todos os direitos contra os responsáveis pelo acidente».
21-O Autor recusou assinar o recibo aludido na número anterior.
22-Aquando da ocorrência do facto relatado na alínea C) encontravam-se no interior do OC os respectivos documentos.
22-O Autor solicitou à Ré que lhe entregasse o valor do capital seguro .
23-O OC era o único meio de transporte do Autor.
24-Desde 24 de Maio de 2002, o Autor alugou à empresa de aluguer de automóveis C..., um veículo para as suas deslocações.
25-O Autor trabalha para uma empresa que tem sede em Lisboa e armazéns em Leiria e Avintes e faz frequentes viagens entre Leiria e Avintes .
26-A Ré disse ao Autor que este tinha que lhe apresentar a segunda via do livrete do OC.
27-O Autor requereu tal documento na delegação de Leiria da DGV em 11 de Outubro de 2002.
28-Desde 24 de Maio de 2002 a 13 de Fevereiro de 2004, o Autor pagou pelo aluguer de veículos para efectuar deslocações a quantia de 14 457,80 euros.
28-O Autor pagou 1,60 euros com a obtenção de documento junto da GNR e 37,09 euros com a obtenção de documentos junto da Conservatória do Registo Automóvel.
29-A Ré não indemnizou de imediato o Autor pelo valor estipulado para a cobertura de furto por ter exigido, para a regularização do sinistro, que o Autor lhe facultasse os documentos originais da viatura em causa e o autor não lhos facultou de imediato.
30-Entre 13 de Fevereiro de 2004 e 12 de Junho de 2004, o Autor pagou pelo aluguer de veículos para efectuar deslocações a quantia de 2 940,72 euros.

Não foi posta em causa a decisão sobre a matéria de facto, aceitado este Tribunal tal julgamento sem qualquer alteração.


III)- O DIREITO
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões da alegação (arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC). Tendo em apreço tal normatividade, e analisadas as conclusões, verifica-se que o Apelante submete a julgamento deste Tribunal as seguintes questões:
1ª-Saber se a sentença padece de nulidade;
2ª-Decidir se a Apelada/Ré estava adstrita à obrigação de indemnizar o Apelante/Autor pelas despesas havidas, e ainda a haver, com o aluguer de viaturas e pelas despesas tidas com a obtenção de documentos da viatura furtada.

III-1)- Vejamos a 1ª questão.
Alega o Autor/Apelante que a sentença é nula por falta de especificação de facto e de direito e, ainda, por excesso de pronúncia.
Concretizando, escreve o Apelante que na sentença, sem qualquer fundamentação, foi deduzida uma franquia ao valor do veículo seguro, quando nada consta da factualidade apurada, e tal dedução foi posta em causa nos articulados.

Será assim?
Na sentença recorrida explicita-se ter a Ré seguradora, conforme contrato de seguro de danos próprios celebrado com o Autor, assumido a obrigação de indemnizar em caso de furto ou roubo do veículo seguro. E tendo em conta o valor do veículo na data do furto, estimado na quantia de € 5.892,04, a Ré deveria pagar ao Autor esse valor, mas deduzida a franquia de € 149,64.

Tal como flui dos arts. 2º e 3º da contestação, a Ré aceita pagar ao Autor o dito valor do veículo, à data do furto, mas deduzida a franquia contratual estipulada. Na réplica, o Autor objectou, a esse respeito, ter a Ré já expressamente renunciado a essa dedução quando lhe enviou o recibo de indemnização no montante de € 5.892,04, recibo que o Autor recusou aceitar porque continha declaração de renúncia ao exercício de qualquer outro direito por virtude do sinistro.
Estando juntas aos autos as Condições Gerais e Particulares da Apólice, para que remeteu o Autor, e assente que a Ré remeteu ao Autor o recibo de indemnização, junto também aos autos, nada mais haveria a indagar, no plano factual, para resolver essa questão. A Ré aceitou, na contestação, ter outorgado contrato de seguro de automóvel com o Autor, nos termos da Apólice junta pelo Autor, onde se faz menção da franquia de Esc. 30.000$00. Ou seja, não sofrendo controvérsia a existência de uma franquia, conforme Condições Particulares contratualmente assumidas, o Autor apenas entende que tal valor não deve ser deduzido porque a Ré renunciou a tal dedução.
Pode afirmar-se que a sentença ao decidir pela dedução da franquia, não incorreu em excesso de pronúncia, porque tal questão foi colocada pela Ré na contestação. E, por outro lado, a decisão está fundamentada de facto e de direito, dado que a franquia está prevista nas Condições Particulares da Apólice junta pelo Autor, que este deu por inteiramente reproduzida e a sentença dá por assente. Ao decidir desse jeito, a 1ª instância, obviamente e de forma acertada, não vislumbrou qualquer renúncia por parte da Ré à dedução da franquia, apesar de ter ficado provado que a seguradora remeteu ao Autor o recibo de indemnização a que alude o n.º 20 da factualidade apurada e acima transcrita, coincidindo o valor da indemnização com o valor do veículo seguro, na data do furto. Definindo a Apólice que a franquia é o valor fixo que, em caso de sinistro, fica a cargo do tomador do seguro e se encontra estipulado nas Condições Particulares, não sendo, no entanto, oponível a terceiros. Isto é, o terceiro pode exigir da seguradora indemnização pela totalidade dos danos que sofreu, até ao limite das garantias da apólice.
Em suma, a sentença não está viciada de nulidade nesse pormenor, sendo certo que, mesmo a existir, este Tribunal não deixaria de conhecer do objecto do recurso (n.º1 do art. 715º do CPC) e, também concluir pela dedução da franquia no montante de € 149, 64, porque o texto do recibo de indemnização enviado ao Autor, para este assinar e receber a indemnização, não configura qualquer renúncia tácita por banda da Ré ao valor da franquia. Ao enviar o recibo, a Ré apenas propunha um acordo indemnizatório que o Autor não aceitou.

III-2)- Atentemos, agora, na 2ª questão.
Discorda o Autor da tese perfilhada na sentença impugnada, na parte em que decidiu não estarem cobertas pelo contrato de seguro as despesas suportadas pelo Autor com o aluguer de outras viaturas em virtude de ter ficado privado do veículo seguro em consequência do furto. Na sua óptica, tendo a Ré incorrido em mora no pagamento do valor do veículo seguro, desde o dia 21.07.2002, constitui-se, desde essa data, na obrigação de indemnizar o dano autónomo resultante da privação do uso do veículo, correspondendo esse dano às quantias que pagou e continua a pagar com veículos de aluguer até ao efectivo pagamento do valor do veículo seguro, acrescido de juros de mora.
Mais alega que tem direito a ser indemnizado pelas despesas suportadas com a obtenção de documentos do veículo furtado.

A este respeito, ficou provado ter o Autor celebrado com a Ré, um contrato de seguro automóvel de danos próprios, contrato que, entre outras coberturas, incluía o furto do veículo. Trata-se de uma cobertura facultativa, porque excluída do âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel regulado pelo D.L. n.º 522/85, de 31.12, visando este garantir, até certo montante, o pagamento de indemnização a terceiros por danos causados por veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques. E denominando-se o contrato celebrado entre o Autor e Ré como seguro automóvel de danos próprios (Também impropriamente designado por seguro contra todos os riscos, porque nenhum contrato de seguro cobre todos os riscos.), porque abrangendo, além do risco do furto, outros riscos, entre eles, os danos próprios causados por incêndio, raio ou explosão, coberturas essas especificadas nas Condições Particulares.
Ora, nos termos do art. 35º da Apólice junta aos autos, o presente contrato garante as coberturas referidas no artigo anterior, que podem ser contratadas isolada ou conjuntamente, conforme estipulado nas Condições Especiais. Isto é, o contrato de seguro de danos próprios abrange os prejuízos sofridos pelo veículo seguro ainda que o condutor seja responsável pelo acidente, em conformidade com as coberturas contratadas. E decorre do art. 38º que os valores máximos garantidos pela Seguradora, bem como as franquias contratadas encontram-se expressas nas Condições Particulares. Resultando das Condições Particulares juntas aos autos, a fls. 10, a quantia de € 5.992,04, correspondente ao valor do veículo automóvel seguro, por aplicação das tabelas de desvalorização automática, e, ainda, constando uma franquia no valor de 30.000$00. Com efeito, o DL n.º 214/97, de 16.08, obriga as seguradoras a proceder à desvalorização automática do capital seguro de danos próprios, e ajustar o respectivo prémio, sem prejuízo de ser permitido às partes estipular, por acordo, outro valor segurável.
E de harmonia com o clausulado no n.º5 do art. 39º da Apólice, ocorrendo furto, roubo ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do veículo e que se prolongue por mais de 60 dias contados desde a data da participação dessa ocorrência às autoridades competentes, a Seguradora obriga-se ao pagamento da indemnização devida, nos termos do presente contrato. E a indemnização devida é a fixada no art. 38º, garantindo a seguradora, no máximo, o valor do seguro, sendo o prémio definido em função daquele valor. Consequentemente, a seguradora apenas é obrigada a pagar uma indemnização correspondente ao valor do automóvel seguro e se este não aparecer no prazo de 60 dias a contar da data da participação do furto às autoridades competentes.
As despesas que o Autor suportou e continua a suportar com o aluguer de veículos automóveis em virtude da privação forçada do uso do veículo seguro furtado, não estão, pois, abrangidas pelo contrato de seguro facultativo de danos próprios. A indemnização de tal dano emergente só era devida se contratada tal cobertura, e sempre seriam clausulados, nesse âmbito, o capital seguro e o período de indemnização.
Face ao teor do contrato de seguro celebrado entre o Autor e a Ré, o ressarcimento dos danos derivados do furto de veículo está, pois, limitado ao valor do veículo seguro. Assim acontece, de uma maneira geral, no tocante aos seguros de coisas, em que ficam excluídos da garantia os chamados “danos indirectos” derivados da privação do gozo ou uso do bem, em que a indemnização devida pelo segurador ao segurado não poderá exceder o valor da coisa segura ao tempo do sinistro (Cfr., a este respeito, os acórdãos do STJ, publicados na CJ 1999, 3º, p. 37 a 40, no BMJ n.º 121º, p. 340, da Relação de Lisboa, na JR, 10º, p.696 , da Relação do Porto, na JR, 15º, p. 617 e “O Contrato de Seguro”, p. 159, de Moitinho de Almeida). A indemnização devida pela seguradora é, assim, rigorosamente calculada em razão do valor do objecto ao tempo do sinistro, e não permitindo sequer o art. 435º do Código Comercial que o seguro exceda o valor do objecto. Os danos verificados terão de corresponder aos tipificados no contrato de seguro para que possam ser objecto de indemnização (Cfr. “Contrato de Seguro”, p. 257, de José Vasques.).
Porque tal tipo de contrato de seguro, cobrindo o risco de coisas ou objectos, apenas visa a garantia e conservação do património do segurado, excluída fica a aquisição de lucro, só sendo devida a indemnização por lucros cessantes se convencionada entre as partes, como flui do art. 432º, 4º, do Código Comercial. Aliás, emerge do art. 37º, n.º1, alínea m) da Apólice junta aos autos, e no âmbito do seguro facultativo, que “salvo convenção expressa em contrário, ficam também excluídos lucros cessantes ou perda de benefícios ou resultados advindos do Tomador do Seguro ou ao Segurado em virtude da privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo”. As provadas despesas com o aluguer de veículos mais não são que resultados advindos ao Autor em consequência da privação do uso do veículo furtado.
A determinação do montante indemnizatório no contrato em apreço, diverge, pois, da que ocorre no seguro de responsabilidade civil, como é caracterizado o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, porque os terceiros lesados não se encontram vinculados às regras estabelecidas nas apólices e demandam a seguradora com base em responsabilidade extracontratual. Aqui o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o terceiro lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º1 do art. 564º do Código Civil). A perfilhar-se a tese do Autor, e contra o convencionado entre as partes, estaria a Ré, afinal, a indemnizar por um valor superior ao máximo garantido no caso de furto do veículo, ou seja, € 5.892,04.

Repetindo, a Ré apenas está obrigada face ao Autor, tomador do seguro, nos precisos termos do contrato celebrado, donde ressalta o valor máximo garantido a favor do Autor no caso de furto, ou seja, o valor do veículo sujeito a desvalorização automática com o decorrer do tempo, incorrendo em mora decorrido o prazo de 60 dias a contar da data da participação do furto às autoridades competentes. A presente acção visa apenas obrigar a Ré a realizar a prestação indemnizatória ou o cumprimento de um contrato em que se define o valor seguro ou os valores máximos garantidos, uma vez verificado o risco.

Igual argumentação vale para as despesas havidas pelo Autor com a obtenção de documentos exigidos pela Ré para a regularização do sinistro.

Sendo assim, decidiu correctamente a 1ª instância, ao votar ao inêxito a pretensão do Autor no tocante à peticionada indemnização pelas despesas havidas, e ainda a haver, com aluguer de viaturas e, também, pelas despesas suportadas com a obtenção de documentos junto da GNR e Conservatória do Registo Automóvel. O contrato celebrado entre ambos apenas vinculava a Ré ao pagamento de uma indemnização nos termos do contrato (parte final do n.º 5 do art. 39º da Apólice), não vindo a propósito a invocação dos arts. 806º, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, que o Autor considera violados e chama em abono da sua tese.

Diga-se, por fim, que a Ré deveria pagar a indemnização devida no prazo aludido no n.º5 do art. 39º da Apólice. Ou seja, tendo o Autor efectuado a participação do furto no dia 21.05.2002, a indemnização deveria ser paga pela Ré decorrido o prazo de 60 dias a partir daquela data. O prazo de pagamento ocorreu no dia 21.07.2002, incorrendo a Ré em mora a partir dessa data, isto é, desde o dia 22.07.2005, e não desde o dia 21.07.2002, como defende o Autor. Tratando-se de uma obrigação pecuniária, e porque se trata de responsabilidade contratual, a indemnização pela mora corresponde aos juros legais, salvo convenção em contrário (art.806º do Código Civil). Diversamente da opinião do Autor, em caso de mora da Ré na realização da prestação indemnizatória, não há lugar a qualquer obrigação de indemnizar o dano autónomo da privação do uso do veículo.

Conclui-se, deste jeito, que as razões alinhadas pelo Autor, salvo sempre o devido respeito, não merecem acolhimento, estando isenta de censura a decisão que julgou em parte procedente a demanda.

IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao recurso.
2-Confirmar a sentença impugnada.
3-Condenar o Apelante nas custas do recurso.
COIMBRA,

Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj. Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Vítor)