Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
835/15.0T8LRA.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DANOS DE SAÚDE CAUSADOS NO TRABALHO – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.
PRESCRIÇÃO – PRAZO
Data do Acordão: 06/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO (SECÇÃO SOCIAL)
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 19º, AL. C) DA LCT; 120º, ALS. G) E H) DO CT/2003; 309º C. CIVIL
Sumário:
I – Quer no domínio da LCT, quer no domínio do CT/2003 o empregador está obrigado a tomar medidas que visem prevenir riscos e doenças profissionais e a adoptar medidas que assegurem a aplicação das prescrições legais e convencionais sobre higiene, segurança e saúde no trabalho – artºs 19º, al. c) da LCT e 120º, als. g) e h) do CT/2003.
II – É na violação destas obrigações por parte do empregador, no incumprimento por parte deste na observância dos preceitos legais sobre higiene e saúde no trabalho que se pode alicerçar um pedido de indemnização por danos de saúde causados no trabalhador e resultantes dessa violação.
III – Estando em causa este tipo de responsabilidade, o prazo de prescrição é o prazo ordinário, de 20 anos – artº 309º C.Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A…, residente na Rua (…), propôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra B…., com sede em (…), pedindo a condenação da R. a pagar à A. a quantia global de € 75 101,40, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.
Alegou muito em síntese que a longa exposição directa às poeiras custou à Autora uma pneumoconiose por silicatos que se manifestou desde inícios de 2007.
Dirigiu-se, então, à R. a qual preencheu o requerimento de protecção na doença profissional e o remeteu para o Centro Nacional de Doenças Profissionais, em Junho de 2009.
A doença profissional só veio a ser identificada a 16 de Março de 2012, agravando-se em 2014 encontrando-se a receber uma pensão no valor mensal de €16,73.
A A. não consegue trabalho, em virtude da sua saúde.
Foi esta violação de regras de higiene que esteve directamente ligada com a verificação da doença, a qual causou danos de que a demandante pretende ser ressarcidos.
Deve, pois, a R. reparar a redução da capacidade laborativa sofrida, efectuando o pagamento de uma pensão mensal nunca inferior a 30%, até que a A. complete 65 anos de idade (idade média presumida), desde a data do evento pelo que só um capital de € 39 101,40 (€ 557,00 * 0,3 * 13m * 18a), a conceder à A., a título de lucros cessantes, é que lhe permite estabelecer um quantitativo de rendimentos que recolheria paulatinamente o resto da vida em que laboraria sem a actual incapacidade permanente.
Sofreu ainda danos não patrimoniais que pretende ver ressarcidos no valor de € 35.000,00 tendo gasto com saúde € 1.000
A indemnização fundada na responsabilidade civil sujeita-se a um prazo de prescrição de três anos, contados a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito, in casu, a partir de 19 de Março de 2012.
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Contestou a ré alegando, para além do mais que, como é alegado pela própria, depois de cessado o contrato de trabalho, a A. dirigiu-se à R. e esta em Junho de 2009 preencheu e remeteu o requerimento de protecção na doença e remeteu-o para o Centro Nacional de Doenças Profissionais.
Foi, no limite (senão em 2007 quando fez o raio x e o médico da R. alegadamente lhe deu esse diagnóstico) nesta data que a A. teve conhecimento de que seria portadora de uma doença profissional e que esse facto se devia, alegadamente e na sua opinião, a inobservância do cumprimento de regras de segurança e higiene no trabalho, tanto que foi a própria A. que se dirigiu à R. com o intuito desta dar início ao processo de doença profissional.
O que sucedeu em Junho de 2009.
Ora, sendo o prazo previsto no artigo 498º do Código Civil de 3 anos, a A. teria de avançar com a competente acção, no limite, até Junho de 2012!
O que, de facto não sucedeu, pelo que o prazo neste caso encontra-se ultrapassado em praticamente 3 anos.
O termo a quo da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização baseada em responsabilidade civil por factos ilícitos reside no conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, ou seja, no seu conhecimento de que tem um direito a ser indemnizado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos.
Ora, resulta daquela disposição legal (artigo 498º do CC) que a contagem do prazo de três anos se reporta à data em que o lesado concreto teve conhecimento do direito que lhe competia.
O que efectivamente aconteceu em Junho de 2009, quando foi a própria A. ciente de que se trataria de uma doença profissional, alegadamente contraída, nos moldes em que ela própria refere na sua petição inicial
Esse conhecimento por parte da A. enquanto lesada, não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado acto que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjectivo, pelo qual possa qualificar aquele acto como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu
O que vale por dizer que esse conhecimento do direito não terá de coincidir, nem exige, qualquer reconhecimento judicial ou por qualquer outra entidade pública dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
O momento inicial de contagem do prazo de prescrição de três anos, prazo regra, coincide com o momento do conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade pelo lesado concreto,
Ora, no caso concreto, e atendendo a A. pelo menos desde 2007 tem esse conhecimento empírico, conhecimento esse que se mostrou por demais flagrante em Junho de 2009, o seu alegado direito prescreveu.
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II – Em sede de despacho saneador, julgou-se procedente a excepção de prescrição invocada nos termos da decisão que a seguir se reproduz:
“Na contestação, a R., “B…” invocou a verificação da excepção peremptória de prescrição do direito da A., alegando, em síntese, que a A. depois de cessado o contrato, dirigiu-se à R., e esta, em Junho de 2009, preencheu e remeteu o requerimento e protecção na doença e remeteu-o ao Centro nacional de Doenças Profissionais e foi nesta data que a A. teve conhecimento de que seria portadora de uma doença profissional e que esse facto se devia à inobservância do cumprimento de regras de segurança e higiene no trabalho.
Assim, continua a R., a A. teria de avançar com a competente acção até Junho de 2012, nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 3, do Código Civil.
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A A. não respondeu à aludida excepção.
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Cumpre decidir, por este processo conter já todos os elementos necessários para o efeito, da prescrição dos direitos da A., invocada pela R. na sua contestação.
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Temos assente (de acordo com os elementos constantes no processo e no apenso de Doença Profissional com o n.º 2011-10526) que:
1 – A A. requereu ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional em 29.06.2009.
2 – A solicitação da A., a R. remeteu ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, um requerimento para fixação de uma pensão à A., datado de 15.06.2009.
3 – O Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais reconheceu à A. a incapacidade permanente parcial de 5%, a que corresponde a atribuição e uma pensão, com efeitos a partir de 20.02.2009, conforme comunicação que dirigiu à A. em 16.03.2012.
4 – A A. intentou a presente acção em 09.03.2015.
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A prescrição, dita extintiva ou negativa (para se distinguir da prescrição aquisitiva ou positiva, hoje, usucapião), é uma das formas de extinção de direitos pelo seu não exercício durante determinado período, estando prevista no art.º 298.º, n.º 1 do Código Civil.
Este instituto jurídico, para além de visar a segurança jurídica, é também uma sanção para a inércia do titular do direito, que não o exerce durante um período mais ou menos longo de tempo.
Como escreveu VAZ SERRA, «Prescrição e Caducidade» in BMJ n.º 105º, pág. 6, “Se é certo que pode acontecer consumar-se a prescrição sem o credor ter recebido satisfação, pode notar-se que este foi largamente negligente no exercício do seu direito, deixando-o sem exercício durante longo lapso de tempo, e que, acima do seu interesse pessoal, há a necessidade de pôr termo aos litígios”.
A prescrição não faz “desaparecer” propriamente o direito, torna-o apenas não exigível judicialmente, tendo o beneficiário da prescrição a “faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (art.º 304.º, n.º 1 do Código Civil). Também por isso, o cumprimento de uma obrigação prescrita não pode levar à repetição do prestado (art.º 304.º, n.º 2 do mesmo diploma legal), por se fundar numa obrigação natural, num “dever de justiça” (ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral I, 8ª Edição, Coimbra, 1994, p. 737), mesmo que não exigível juridicamente.
O tribunal não conhece ex officio da prescrição, pois esta necessita sempre de ser invocada (art.º 303º do Código Civil), como o fez a R. na sua contestação.
Finalmente, a prescrição constitui, a nível processual, uma excepção peremptória – um facto extintivo do direito do autor (a obrigação civil deixa de existir enquanto tal, passando a constituir uma obrigação natural – cfr. o já referido art.º 304º, n.º 2 do Código Civil.
Na presente acção a A. alega que trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R., mediante retribuição, desde 12.06.1995 até 31.12.2008, e que a longa exposição directa às poeiras, no exercício da sua actividade profissional, originou que viesse a sofrer pneumoconiose por silicatos, que se manifestou desde o início de 2007, mas só veio a ser identificada como doença profissional em 16.03.2012. Mais refere que em razão dessa doença, tem sofrido e continua a sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais.
Conforme se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito destes autos, estamos perante uma responsabilização da R., ex-empregadora da A., fundamentada em responsabilidade civil subjectiva visto que a A. se arroga titular do direito a ser ressarcida pelos danos sofridos decorrentes da doença profissional ao abrigo da responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos prescritos pelo art.º 483.º do Código Civil.
Dispõe o n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil, que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Ou seja, o direito de indemnização prescreve a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. O sistema jurídico, quando impõe regras como as referentes ao prazo prescricional postula uma correcta e justa composição de interesses contrapostos, procurando satisfazer o direito de crédito do lesado e acautelar o agente relativamente a situações de arrastamento excessivo geradoras de insegurança ou do maior risco de decisões materialmente injustas provocadas pelo funcionamento dos mecanismos probatórios. Como é explicado por Vaz Serra, o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao factor da segurança jurídica (BMJ 87º, pág. 38). Também Menezes Cordeiro afirma que o prazo especialmente curto visa, por um lado, pôr rapidamente cobro a situações de insegurança que é representado pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos (Direito das Obrigações, vol. II, pág. 430). Assim, o início de contagem do prazo para o exercício do direito de acção apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ, de 27-11-73, BMJ 231º/162, e de 6-10-83, BMJ 330º/495). É assim que conclui Antunes Varela quando, em torno da desconsideração da delimitação e quantificação do dano, afirma que o prazo se inicia a partir da data em que o lesado, “conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”, reservando a dilação do início de contagem para situações em que ocorra um “qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos 3 anos anteriores” (Das Obrigações em Geral, 2ª ed., I vol., págs. 503 a 505, e CC anot., vol. I, pág. 438).
Numa abordagem que se reporta a todos os pressupostos do direito de indemnização, Rodrigues Bastos refere que o prazo de prescrição se inicia “com o conhecimento, por parte do lesado … da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir”, concluindo que “o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele” (Notas ao CC, vol. II, pág. 299). E nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for reconhecida jurídica ou judicialmente a existência da ilicitude da conduta do agente. No caso vertente, a A. alegou que no início de 2007, ao fazer um raio-x, o médico da empregadora comunicou-lhe a existência de uma mancha nos pulmões e que se devia à exposição das poeiras libertadas com a polição das peças (art.ºs 29.º e 30.º da petição inicial). Alegou também que cessou, por mútuo acordo, o contrato de trabalho que mantinha com a R. em 31 de Dezembro de 2008. Após ter visto a sua saúde deteriorar-se, dirigiu-se à R. que preencheu o requerimento para apresentar no Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, em Junho de 2009 (art.º 49.º da petição inicial).
Temos, assim, a nosso ver, que a A., logo em 2009, tomou conhecimento e deparou-se com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção ressarcitória e, certamente com base nesse conhecimento, solicitou à R. que remetesse ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais um requerimento para fixação de uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional. Podia, desde logo, a A., intentar a presente acção uma vez que já nessa altura podia configurar a existência do direito na conjugação dos diversos pressupostos (evento, ilicitude, culpa, danos e nexo de causalidade), não dependendo a eventual indemnização do prévio reconhecimento da existência de uma doença profissional. Tendo-se iniciado a contagem do prazo de prescrição, pelo menos quando, em 29.06.2009, requereu ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional, o seu termo ocorreu em 29.06.2012.
Na decorrência do exposto, entende-se que quando instaurou a acção, em 09.03.2015, já estava há muito prescrito o direito da A., por força do estatuído no n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil.
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Pelo exposto, decide-se julgar procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela R., B…., na sua contestação, absolvendo-a do pedido formulado pela A., A…”.
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III – Não se conformando com esta decisão dela a autora apelou, alegando e concluindo:
(…)
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser proferido Acórdão que julgue procedente o pedido formulado pela A. dele, sendo a Douta Sentença revogada.
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Contra alegou a ré rematado as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
(…)
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente Recurso de Apelação, confirmando o Tribunal ad quem, in totum, a Douta Sentença recorrida.
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O Exmº PGA, em fundamentado parecer lendo-se do mesmo o seguinte “A questão colocada no recurso consiste, assim, em determinar se ocorreu a invocada prescrição do direito.
Está em causa uma doença profissional contraída no âmbito/execução dum contrato de trabalho, pelo que, atenta a data dos factos se aplica o regime jurídico decorrente da Lei n.º 100/97, de 13/09 e DL nº 2 143/99, de 30/04, na parte pertinente, atenta a especificidade da presente acção. E dispõe o artº 29º, da Lei n.º 100/97, que “a avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas a partir da entrada em vigor do presente diploma é da exclusiva responsabilidade de Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais”.
Temos, assim, que o procedimento, de natureza administrativa, para o reconhecimento e concretização das prestações derivadas de doença profissional, corre perante o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, ou seja, ao contrário do que ocorre nos acidentes de trabalho, não existe, para as doenças profissionais, uma fase conciliatória, a tramitar no Tribunal, onde possa ser chamada a entidade empregadora, quando o doente profissional entenda que o aparecimento da doença profissional se ficou a dever a conduta culposa do empregador (por ex., por violação das condições de saúde que deveriam ter sido implementadas no local de trabalho). Por outro lado, nas doenças profissionais, a fase judicial (impugnação contenciosa) só surge se, após o percurso da fase administrativa, o doente profissional não se conformar com a decisão do CNPRP (vd, art.º 155.º, do CPT). Por outro lado, compete ao CNPRP o reconhecimento da doença profissional, sendo que, para aferição da existência ou não de doença profissional, é obrigatório percorrer a tramitação própria perante o CNPRP.
Donde, em nosso entender, só após a comunicação da decisão do CNPRP sobre a decisão de existência ou não de doença profissional (e respectivo grau de incapacidade fixado e pensão atribuída) pode o doente profissional instaurar a acção judicial (vd. art.º 155º, do CPT), quer contra o CNPRP, quer contra o empregador, como fez a A. no presente processo judicial em relação à entidade empregadora.
Do exposto decorre que o prazo de prescrição se iniciou na data em que o CNPRP comunicou à A. a decisão sobre o reconhecimento da doença profissional, ou seja, em 16/03/2012 (vd. ponto nº 3, da matéria de facto assente - fls, 479 v.º). Logo, dado que a presente acção foi instaurada em 09/03/2015, tendo em conta o prazo de três anos (artº 498.º, nº 1, do C. Civil), não ocorreu a prescrição do direito invocado pela Autora”.
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V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir reside em saber se prescreveu o direito da autora em ser indemnizada pela ré.
Esta questão foi abordada por ambas as partes na perspectiva de, no caso, se estar perante uma situação de responsabilidade civil extra contratual ou aquiliana pelo que lhe é aplicável, no que à prescrição concerne, o disposto no artº 498º do CC que prevê um prazo de 3 anos para se poder exercer o direito à indemnização.
Pode dar-se como certo que o citado normativo vale apenas para a responsabilidade extracontratual. Além de nenhuma disposição o considerar aplicável à responsabilidade contratual, não faria sentido que uma das obrigações simples emergentes da relação obrigacional prescrevesse no prazo de três anos e as restantes derivadas da mesma relação, prescrevessem só ao cabo de vinte anos (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 3ª edição, p. 520).
Nos termos do preceituado no artigo 483º do Código Civil “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Ali se estabelece pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.
Para que desse facto surja a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.
A ilicitude visa a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito. A culpa olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.
A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado, não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.
Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).
A responsabilidade civil pode verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes e, como um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual Ao contrário do que acontece na responsabilidade extracontratual onde cabe ao lesado provara a culpa do lesante – artº 487º nº 1 do CC..
No âmbito da responsabilidade contratual, exige-se para que haja direito à indemnização: (i) o facto voluntário (acção ou omissão); (ii) violação cometida na relação obrigacional e dentro dos deveres compreendidos na relação de prestação; (iii) relação entre o facto voluntário e a violação de um dever compreendido na relação de prestação.
A responsabilidade extracontratual ou aquiliana resulta da prática de factos ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, causadores de prejuízos a outrem; como resulta dos seus próprios termos, esta responsabilidade gera-se fora do círculo de uma relação obrigacional entre as partes.
Voltando ao caso que nos ocupa alega a autora que “a causa de pedir que a A. formulou na acção abrange o desenvolvimento ou a execução de uma relação jurídica laboral e a doença alegada por ela dita resultante dessa execução.
Todavia, a A. articulou factos integrantes da omissão ilícita e negligente dos representantes da recorrida causal da doença decorrente daquela execução.
É, com efeito, com base nesse circunstancialismo de facto, que qualifica de responsabilidade civil extracontratual, que a recorrente formula o pedido de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais.
O núcleo essencial da causa de pedir em causa não envolve a relação jurídica laboral ou da sua execução causal de uma doença profissional.
A causa de pedir relevante envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual”(artºs 136º a 140º da petição inicial).
Mas será assim?
Para além da materialidade dada como provada na decisão recorrida podemos ainda dar por assente, por acordo das partes, que a autora esteve vinculada através de um contrato de trabalho subordinado desde 12/06/1995 a 31/12/2008.
Segundo a autora foi durante este período de execução do contrato de trabalho que ocorreram os factos Alegou a autora da p.i “9º em finais de 2006, passou a trabalhar com uma máquina polidora.10º E, foi então, que foi colocada uma cabine, fechada dos lados, com um extractor para sugar a poeira libertada pela polição.11ºNo entanto, o extractor nunca funcionou correctamente, não puxando o ar devidamente.12ºIsto porque o extractor não era o adequado para aquele tipo de poeiras. Tanto que,13ºa A. mal conseguia ver o que fazia, apalpando com a mão para ver se a peça tinha defeitos.14ºHavia alturas em que o extractor nem sequer funcionava.15ºIsto, não obstante ter a A. comunicado à Ré e a R. ter conhecimento, independemente, diversas vezes, o não regular funcionamento do extractor.16º Por sua vez, não era feita a verificação periódica exigida por lei, sendo que só quando deixava de funcionar é que chamavam os electricistas-. 17º De facto, o sistema de extracção não tinha de força de sucação para o tipo de máquina utilizada para polir.18ºOra, a A. tinha de ficar, necessariamente, “em cima” da peça, para a trabalhar, e o extractor, por sua vez, encontrava-se mais à frente quantos metros.19º Ora, “o equipamento de trabalho que provoque riscos devido (…) a emissão de poeiras deve dispor de dispositivos de retenção ou extracção eficazes instalados na proximidade da respectiva fonte (art. 15º DL 50/2005, de 25/02). 20º O que significava, em concreto, que o pó tinha sempre de passar pela A.. 21º
Sendo que, ninguém conseguia ver a A. no meio daquela poeira.22º Tanto que quanto havia visitas inspectivas da ACT, o Engenheiro mandava não utilizar a máquina polidora e fazerem o polimento todo à mão como antigamente. 23º E, apesar, de usar sempre a máscara fornecida pela R., acabava sempre por inalar as poeiras”. que deram origem ao deterioração da sua saúde ou à sua doença.
Ou seja, alega que ao longo da sua prestação laboral a ré empregadora (agindo obviamente através dos seus representantes) não lhe assegurou ou proporcionou as condições de higiene e de salubridade a que estava obrigada por força do contrato de trabalho.
Na verdade, quer no domínio da LCT quer do CT/03 o empregador está obrigado a tomar medidas que visem prevenir riscos e doenças profissionais e adoptar medidas que segurem a aplicação das prescrições legais e convencionais sobre higiene, segurança e saúde no trabalho – artºs 19º al. c) da LCT e 120º als g) e h) do CT/03
E é na violação destas obrigações por parte do empregador, no incumprimento por parte deste na observância dos preceitos legais sobre higiene e saúde no trabalho, que a autora alicerça o seu pedido de indemnização quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais.
Assim, salvo melhor opinião, entendemos que a responsabilidade imputada à ré se verifica no âmbito da execução de um contrato, que foi incumprido por uma das partes, querendo com isto dizer que tal responsabilidade não se gerou fora do círculo contratual que uniu as partes.
É verdade que autora enquadrou ou caracterizou a responsabilidade da ré situando-a, como acima ficou dito, na responsabilidade aquiliana.
Não obstante, em primeiro lugar, o tribunal não se encontra vinculado às interpretações e qualificações jurídicas feitas pelas partes.
Em segundo lugar, na sua envolvência, a causa de pedir Título gerador do direito invocado que tem de se distinguir, em termos dogmáticos, quer dos factos materiais alegados, quer das razões jurídicas invocadas, devendo ser definida em função da qualificação jurídica dos factos necessários à determinação do direito
A causa de pedir é envolvida, além do mais, pelas características da facticidade e da concretização, estruturando-se na envolvência dos factos concretos correspondentes à previsão das normas substantivas concedentes da situação jurídica alegada pelas partes, independentemente da respectiva valoração jurídica”., assim como os pedidos formulados não obstam a que do ponto de vista da qualificação jurídica se enquadre a situação na responsabilidade contratual nos termos sobreditos.
E estando em causa este tipo de responsabilidade, o prazo de prescrição é o ordinário, ou seja, 20 anos de acordo com o disposto no artº 309º do CC.
E sendo este o prazo de prescrição, é óbvio não ter ocorrido a prescrição do direito à indemnização peticionada.
Sem prescindir, ainda que se entenda que a responsabilidade civil é a extracontratual, sempre o direito à peticionada indemnização não terá também prescrito.
Neste tipo de responsabilidade há que, no que à apreciação da prescrição concerne, chamar à colação o disposto no art. 498º, n.º 1 do CC segundo o qual “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (…).”.
Nesta parte do aresto acompanhamos de perto a dissertação de Paulo Lacão “A prescrição da obrigação de indemnizar. Noatas sobre o artº 498º do CC” Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa in https://run.unl.pt/bitstream/10362/35347/1/Lacao_2018.pdfSobre o significado da expressão «conhecimento do direito», podem apresentar-se duas concepções:uma dita normativista segundo a qual a expressão «conhecimento do direito» compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados; outra, de sentido diverso, que se pode designar realista (predominantemente seguida), segundo o qual «conhecimento do direito» significa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, ou seja, por outras palavras, o conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende.
A prescrição inicia-se, assim segundo a concepção dominante, quando o lesado tenha obtido o conhecimento dos factos constitutivos do direito, ou seja, dos factos cuja alegação e prova lhe incumbe fazer, nos termos do art. 342º, n.º 1, para que, em abstracto, possa obter o vencimento da causa.
Deste modo, pode dar-se por certo que o início da prescrição requer o conhecimento da existência de dano, apenas não da sua extensão integral.
Contudo, afigura-se-nos não ser a melhor leitura do art. 498º, n.º 1 considerar que o conhecimento do dano, em si mesmo, determina o início da prescrição
Ao referir-se ao «conhecimento do direito», o art. 498º, n.º 1, requer não só o conhecimento de que o dano foi causado por um terceiro, como ainda, na qualidade de facto constitutivo, o conhecimento do concreto facto causador do dano.
O objecto do conhecimento relevante para efeitos prescricionais integra o conhecimento não apenas do dano, mas, também, do facto que o causou. A prescrição inicia-se, então, quando o lesado tenha obtido um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil, revelando-se o conhecimento parcial insuficiente para que o prazo de prescrição se inicie. Se o conhecimento do direito sobrevier segmentado em distintos momentos temporais, apenas o momento em que o mesmo se encontre completo pode determinar o início da prescrição.
Ao estabelecer-se que a prescrição se inicia com o conhecimento do direito pelo lesado, deve entender-se que a prescrição se inicia não apenas com o conhecimento efectivo, mas ainda com o conhecimento exigível. A prescrição deve iniciar-se, quando o lesado tenha obtido o conhecimento do seu direito ou quando, em face das circunstâncias do caso, não seja razoável que o ignore.
Entre as circunstâncias que podem ser convocadas para valorar o padrão de diligência exigível ao lesado quanto à verificação da sua pessoa e património, ou quanto à promoção de diligências destinadas a apurar a realidade dos factos, deve, sim, figurar o conhecimento efectivo que o lesado eventualmente já tenha sobre algum ou alguns dos factos constitutivos do seu direito, seja o conhecimento do facto, seja o conhecimento do dano.
Deve ainda ser ponderada a consagração de deveres legais de informação ao lesado a cargo de terceiros.
Importa, por fim, destacar que o critério estabelecido é o do conhecimento e não, o da mera cognoscibilidade do direito.
Neste quadro, vejamos a partir de que momento começou a correr o prazo de prescrição de três anos.
É um facto que em 15/06/09 e em 29.06.09 (datas em que, respectivamente a R., a solicitação da A., remeteu ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, um requerimento para fixação de uma pensão e a autora requereu ao Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional) a autora tinha conhecimento de que padecia de lesões provocadas pela exposição às poeiras resultantes do trabalho que executava.
Só este conhecimento justifica o requerido ao CNPRP.
Contudo, já não concordamos com a afirmação de que a autora logo em 2009, tomou conhecimento e deparou-se com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção ressarcitória”.
No caso, é aplicável o regime legal decorrente da Lei 100/97 de 13/09 que preceituava que “ a avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas a partir da data de entrada em vigor do presente diploma é da exclusiva responsabilidade do CNPRP”
Ora este normativo prevê “um procedimento obrigatório, prévio à propositura da acção judicial para reconhecimento dos direitos emergentes de doença profissional, como resulta do já referido art. 29º da LAT e do art. 155 nº 1 do C.P. Trabalho que estabelece que o processo para efectivação de direitos resultantes de doença profissional tem lugar quando “o doente discorde da decisão do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais”.
Sem a mesma (decisão do CNPRP) o processo judicial não pode ter seguimento, sendo a sua ocorrência um verdadeiro pressuposto processual, como decidido no Ac. da Relação do Porto de 3-11-2000, in www.dgsi.pt, proc. 0110441 (um pouco à semelhança da falta da tentativa de conciliação presidida pelo MºPº no processo dos acidentes de trabalho - v. Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, pag. 315). Ou seja, o autor não poderia propor a acção, na parte em que pede o reconhecimento e reparação de doença profissional relacionada com a tiróide, sem prévia decisão sobre tanto do CNPRP”acórdão desta Secção Social de 25.09.2008, procº 305/05.4TTCTB.C1 in www.dgsi.pt/jtrc.
Queremos com isto dizer que a só com a notificação do CNPRP a autora ficou na posse de todos os elementos necessários para poder demandar a ré, designadamente, a concreta doença de que padecia e o nexo de causalidade entre essa concreta doença e as condições de trabalho em que laborava.
A autora só obteve um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade da ré com a referida comunicação do CNPRP pois, até essa data, apenas tinha um conhecimento parcial que, como ficou dito, se revela insuficiente para que o prazo de prescrição se inicie.
Consideramos, pois, que o prazo prescricional previsto no artº 498º do CC se iniciou em 16.03.2012 com a comunicação à autora da decisão do CNPRP, porquanto só nesta data se pode afirmar que autora teve conhecimento dos factos constitutivos do seu direito, prazo aquele que se consumou passados três anos, ou seja, em 16.03.015.
A presente acção deu entrada em juízo em 09.03.2015 e a citação da ré – facto interruptivo da prescrição – ocorreu em 20.03.2015 (cfr. a/r de fls. 67), ou seja para além do fim do prazo de três anos.
Todavia, o prazo prescricional dever-se-á ter por interrompido em 14.06.2015 (sexto dia após ter sido requerida a citação [decorridos 5 dias após ter sido requerida]) nos termos do disposto no artº 323º nº 5 do CC.
Assim, seja qual for o tipo de responsabilidade (contratual ou extra contratual) a conclusão é de que o direito da autora não prescreveu.
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IV - Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente procedente em função do que, na revogação da decisão impugnada, se decide ordenar o prosseguimento dos autos.
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Custas a cargo da apelada.
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Coimbra, 15 de Junho de 2018
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(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)