Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1456/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: ALIMENTOS
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 06/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2020.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: A obrigação alimentar, decorrente da união de facto, consagrada no artigo 2.020.º do Código Civil, reporta-se tão somente ao estritamente necessário ao sustento, habitação e vestuário do alimentando. Só quando este não possa obter esses alimentos da herança do companheiro falecido é que podem estar reunidos os requisitos para lhe ser atribuída pensão a cargo da Caixa Geral de Aposentações.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... demandou, na comarca de Castelo Branco, a B... e C..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por morte de D..., pedindo que se lhe reconheça o direito a alimentos da herança, sendo considerada herdeira hábil, para efeitos de lhe ser atribuída a pensão de que era beneficiário o falecido D....
Alega, em síntese, que viveu em união de facto durante mais de 25 anos com o D..., que recebia uma pensão de 2.244,59 € da B... e faleceu no estado de divorciado.
Que além de estar a auferir rendimentos profissionais de cerca de 1.500,00 € mensais, precisa da pensão do ex-companheiro para poder manter o nível de vida que com ele mantinha, em vida, designadamente em comodidades a nível de vestuários e passeios, incluindo viagens ao estrangeiro. Que a sua família não a pode auxiliar e é até a autora quem ajuda alguns familiares seus.

2. Contestou a B..., opondo, também em síntese, o direito a pretensão da autora em relação à pensão que antes era paga ao falecido beneficiário depende, além de outros requisitos, da necessidade de alimentos na medida do disposto no artigo 2004.º, 1 e 2 do Código Civil, por remissão do artigo 2020.º do mesmo diploma. E dessa forma autora não carecia de alimentos, porquanto, tal como alega, até contribui para alimentos de familiares.

3. Houve réplica e, tendo a acção seguido para julgamento, veio a ser proferida sentença que a julgou improcedente, por se ter verificado que não carecia de alimentos, tal como os define o regime dos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil.
Inconformada a autora apela a esta Relação, concluindo assim as suas alegações:
1) O recorrente considera incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada constante dos n.º 4º, 5º, 15º, 16º, 17º.Tais quesitos devem ser dados como, integralmente, provados.
2) Os diplomas legais que o meritíssimo juiz “a quo” refere, na douta sentença, nos quais se baseia a pretensão da recorrente, não se aplicam à situação em concreto, pois o falecido era beneficiário da B... – servidores do estado- e não do regime geral da Segurança Social. Pelo que a legislação aplicável ao caso em apreço é o D.L. nº142/73 de 31/03; D.L. nº191-B/79 de 25/10; D.L. nº343/91 de 17/09.
3) Para que haja direito às prestações por morte do beneficiário pela pessoa que com ele vivia em situação de união de facto (a recorrente), são necessários os seguintes requisitos: que haja uma vivência de duas pessoas de sexo diferente em condições análogas às dos cônjuges a verificar-se na altura do falecimento do beneficiário e desde há mais de dois anos, ser essa pessoa casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; Não poder o sobrevivo obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendente, ascendente ou irmãos; que a herança do falecido não possa prestar alimentos a requerente, por falta ou insuficiência.
4) Verificam-se todos os requisitos, necessários, para que seja atribuída à recorrente a pensão de sobrevivência por óbito do D..., nomeadamente os factos constantes da matéria assente e os dos quesitos 1º; 10º; 11º; 13º; 14º; 15º; 16º e 17º, entre outros.
5) Quanto à necessidade da verificação do requisito carecer de alimentos, tal como é referido pelo meritíssimo juiz “a quo”. A recorrente não considera que tal seja requisito essencial para a atribuição de pensões por morte do beneficiário da recorrida. Pois, a legislação referida- D.L. nº142/73 de 31/03; D.L. nº191-B/79 de 25/10; D.L. nº343/91 de 17/09.- em momento algum faz referência a tal requisito. Caso se entenda a necessidade da verificação da carência de alimentos. Sempre se dirá, o seguinte: Tal carência tem de ser entendida de forma hábil. Verifica-se que o nível de vida da recorrente é de uma classe média alta. Padrão de vida que o falecido lhe podia proporcionar, em virtude do seu salário/pensão. A recorrente está habituada a este nível de vida, devido ao falecido, e esta prometeu ao seu companheiro que perpetuaria a sua imagem, viajando pelo mundo (cfr. Quesito 09º).
6) Não aceita a recorrente o conceito restrito de alimentos apresentado pelo meritíssimo juiz “a quo” na douta sentença. No conceito de alimentos deve incluir-se tudo o indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado. Para tal basta dar à palavra sustento um significado lato, cfr. Art.2003º do C.C. (Ver Vaz Serra, RLJ, 102º, 262). A recorrente pretende continuar a participar nos eventos sociais da sociedade Albicastrense; efectuar viagens pelo mundo, tal como fazia; manter o mesmo nível de alimentação e de apresentação (vestuário); continuar a ter um lar seguro e confortável (não poupando em luz, gás, electricidade, entre outras. Todas estas necessidades de vida se incluem no vocábulo sustento do art.2003º do C.C.
7) Por outro lado, o legislador ao estender à união de facto alguns efeitos jurídicos no âmbito da assistência social, direito a alimentos (nosso caso concreto), entre outros. Quis reconhecer aos cidadãos o direito de constituírem família (art.36º nº1 da C.R.Portuguesa) independentemente do casamento atribuindo à união de facto alguns efeitos jurídicos idênticos aos do casamento, nomeadamente o direito a alimentos. A recorrente tem de ser considerada em pé de igualdade de circunstâncias às de um cônjuge sobrevivo, apenas, com a dificuldade de ter de intentar a presente acção para ser considerada herdeira hábil. Caso não fosse assim, o princípio constitucional da igualdade- art.13º da C.R.P. estaria a ser violado.
8) Deve reconhecer-se a autora como herdeira hábil e o seu direito a alimentos da herança do falecido.

4. Contra-alegou a B..., no sentido da confirmação do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir. Os factos que vêm provados da 1.ª instância são os seguintes:
1) No dia 19 de Março de 2003 faleceu o Sr.º Luiz Canas Ferreira, beneficiário da B....
2) Auferia, mensalmente, à data da sua morte a quantia de 2.244,59 € líquidos, a título de reforma.
3) Na data do seu óbito o referido Luiz Ferreira encontrava-se divorciado de Maria Cândida Moreira de Castro Canas Ferreira.
4) A Autora vivia com o falecido em comunhão de mesa, leito e tecto, há mais de 25 anos, na Quinta do Amieiro de Baixo, Lote-7, n.º 13, 3.º Esq., em Castelo Branco, partilhando entre si as despesas de alimentação, vestuário e de lazer.
5) A Autora aufere cerca de 1.500,00 € mês.
6) Gasta em alimentação por mês no mínimo 300,00 €.
7) Gasta em vestuário, em média, pelo menos 300,00 € mês.
8) Em água, luz, condomínio, telefone e despesas de manutenção com o lar gasta, quantia não apurada.
9) O falecido adorava viajar pelo mundo, tendo incutido esse gosto à Autora.
10) A Autora e o falecido participavam em eventos sociais da comarca.
11) A Autora e o falecido, todos os anos faziam, no mínimo três viagens ao estrangeiro, em turismo, aproveitando as alturas das férias da Autora de Verão, Páscoa e Natal.
12) A Autora pretende continuar a viajar, para superar a dor de ter perdido o seu ente querido e para de perpetuar a imagem deste no seu espírito, fazendo aquilo que o Sr.º D... mais gostava, tendo-a feito prometer que continuaria a viajar após a sua morte.
13) Por óbito de D... ficou pelo menos um veículo automóvel de marca Renault , modelo 19, de valor não apurado, o qual foi vendido.
14) Não existem ascendentes, sobrevivos, do falecido, o qual teve um filho, C..., casado, residente em Rua João Roby, 53, R/ch, Porto, que exerce a profissão de professor Universitário.
15) O pai da Autora, único ascendente vivo, aufere uma pensão de reforma trabalhador rural.
16) A A. auxilia o mesmo.
17) A Autora tem seis irmãos, Alice Faim, Maria Antónia Figueiredo, Helena Silva, Francisco Manuel Silva, João Joaquim Silva e Rogério Silva, à excepção da Helena Silva e do Rogério Silva todos os outros trabalham por conta de outrem.
18) A Helena, irmã da A. não tem possibilidades de ajudar esta.
19) Por vezes a Autora ajuda a sua irmã Helena.

5. A censura feita à sentença recorrida centra-se em três questões: i) decisão de facto sobre os pontos 4º, 5º, 15º, 16º, 17º da base instrutória; ii) inexigência da necessidade de alimentos, desde que se verifiquem os restantes requisitos para atribuição da pensão recebida pelo falecido companheiro; iii) a entender-se exigível, então não deve o conceito de alimentos sofrer as restrições referidas nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil.

Sobre a pretensão de alteração da decisão de facto, diga-se desde já que tal não será de atender, não só porque não obedece ao disposto no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, como ainda seria irrelevante para a decisão fulcral da causa, que é a de saber se é ou não exigível o requisito da necessidade de alimentos, tal como emergem do disposto nos citados artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil.
Sobre a segunda questão também parece não restarem hoje dúvidas de que a lei exige a alegação e prova de que o sobrevivente da união de facto por mais de 2 anos, em condições análogas às dos cônjuges, com pessoa solteira, viúva, divorciada ou separada judicialmente de pessoas e bens, tem necessidade de alimentos e não os pode obter de cônjuge ou ex-cônjuge, descendente, ascendente ou irmão (artigos 2009.º, als. a) a d) e 2020.º, n.º 1 do Código Civil) e ainda de que também os não pode obter da herança, por falta ou insuficiência de bens desta.
É o que se colhe, desde logo, do disposto nos artigos 40.º e 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovados pelo Dec. Lei n.º 142/73, de 31/03, na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 191/-B/79, de 25 de Julho, na seguinte referência do n.º 3 do artigo 41: “aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos.
Mas donde se colhe o regime em toda a sua plenitude é nas disposições da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, diploma que adopta medidas de protecção das uniões de facto, designadamente em matéria de segurança social. É no seu artigo 3.º al. e) que se atribui protecção na eventualidade de morte do beneficiário que vivia em união de facto com o companheiro ou companheira sobrevivente, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei. E é no artigo 6.º que se define o regime de acesso a essas prestações. Dele consta expressamente que beneficia desses direitos “quem reunir as condições constantes do artigo 2020.º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis” (n.º1). Acção que deve ser proposta contra a instituição competente para a atribuição do direito às prestações, no caso de inexistência ou insuficiência dos bens da herança do falecido beneficiário, de quem o parceiro sobrevivente pode exigir alimentos nos termos do n.º 1 do artigo 2020.º (n.º 2).
Podemos assim afirmar, tal como já o fez recentemente esta Relação ( Acórdão de 15/06/2004, Processo n.º 1654/04, in www.dgsi.pt ) que são elementos constitutivos do direito da autora à obtenção de pensão de sobrevivência e que terá de alegar e provar: a) que vivia com o titular do direito à pensão há mais de dois anos, na altura da morte do mesmo, em condições análogas às dos cônjuges; b) que essa pessoa na altura não era casada ou, sendo-o, se encontrava então separada judicialmente de pessoas e bens; c) que carece de alimentos; d) e que não é possível obter tais alimentos de nenhuma das pessoas aludidas nas alíneas a) a d) do artº 2009.º do Código Civil e nem assim da herança do seu falecido companheiro (quer por não existirem bens, quer por os mesmos serem insuficientes).
Apesar de haver quem defenda que se a acção for unicamente proposta contra a instituição social competente não tem a autora (ou autor) requerente de alegar e provar de que carece de alimentos e que não é possível obtê-los de nenhuma das pessoas aludidas nas alíneas a) a d) do artº 2009.º do Código Civil e nem assim da herança do seu falecido companheiro, mas que já se impõe tal alegação e prova no caso de a acção ter sido instaurada contra a herança e ou cumulativamente contra esta e contra a competente instituição social ( cfr. Acórdão da RC, de 16/11/2004, Processo n.º 1167/04, e da RL, de 4/11/2003, Poc n.º 7594/03, in www.dgsi.pt ), a generalidade da jurisprudência está na linha do que supra defendemos ( cfr, entre outros, Ac. RP de 10/3/2003, processo nº 0350400, nº convencional JTRP 00035284 in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac.RLx de 18/12/2002, processo nº 0081771, nº convencional JTRL 00046208 in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac. RP de 19/11/2001, processo nº 0151297, nº convencional JTRP 00033256 in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac. RP de 22/01/2002, processo nº 0121812, nº convencional JTRP00033429, in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac. RE de 14/11/2002, processo nº 1701/02 in (“www.dgsi.pt/jtre”); AC RP de 16/10/2001, processo nº 0121079, nº convencional JTRP00033084, in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac. RP 3/10/2002, processo 0231042, nº convencional JTRP00030368, in (“www.dgsi.pt/jtrp”); Ac. do STJ de 21/10/2003, relativo ao processo 2371/02, com o nº convencional JSTJ000 in “www.dgsi.pt/jstj”, Ac. Rc de 25/5/2004, apelação nº 275/04, da 3ª sec.. e Ac. do STJ de 9/2/99, in “CJ, Acs, STJ, ano VII, T1 – 89”.)

6. Parece, no entanto, que o cerne dos problemas que a apelação nos coloca tem a ver com a terceira questão acima enumerada: se deve o conceito de alimentos sofrer as restrições referidas nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil.
Como a acção é proposta até parece que esta é a única questão, uma vez que a petição inicial termina com o pedido de que se reconheça à autora o direito a alimentos da herança aberta por morte do D..., sendo considerada herdeira hábil, para efeitos de lhe ser atribuída a pensão de que o falecido era beneficiário. Ou seja, a acção parte do pressuposto de que tudo depende do direito a alimentos. Só agora, na apelação, é que vem defender a desnecessidade de provar esse requisito.
Isto posto, ou seja, tendo por assente que a autora tinha de alegar e provar o direito de haver alimentos da herança do seu falecido companheiro, nos termos do artigo 2020.º do Código Civil, a questão que se coloca é só a de saber se esses alimentos são os referidos nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil ou se são os alimentos a que se refere o artigo 1.675.º do Código Civil (direito a alimentos inserido no cumprimento do dever recíproco de assistência entre os cônjuges).
No primeiro caso a noção de alimentos deve restringir-se aos “meios de subsistência estritamente necessários para viver, e não para manter o padrão de vida que o requerente e o falecido mantiveram durante a união de facto, como se depreende, aliás, logo da simples localização sistemática da norma – colocada, não nas adjacências do direito matrimonial ou à sombra de recíproco dever de assistência conjugal, mas no coração do título do Código que trata dos alimentos, no sentido técnico-jurídico da expressão”. ( Cfr. P. Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. V (1995), págs. 620.)
Como diz o artigo 2003.º, n.º 1: por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário; e devem (os alimentos) ser proporcionados aos meios daqueles que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, diz o n.º 1 do artigo 2004.º, ambos inseridos no Título V (alimentos) do Livro IV do Código Civil.
O segundo caso tem a ver com o dever de assistência conjugal referido no artigo 1.675.º do Código Civil, cujo n.º 1 diz assim: o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar. Não se faz, nem neste nem noutros preceitos do instituto, qualquer referência às linhas redutoras do direito a alimentos referido a propósito dos artigos 2.003.º e 2.004.º, tendo-se entendido que na expressão alimentos cabe tudo quanto seja necessário, não apenas ao sustento, habitação e vestuário do titular do direito, como consta do artigo 2.003.º, n.º 1, mas tudo o que a plena comunhão de vida que o casamento cria entre os cônjuges, concretamente, a igualação do seu trem de vida económica e social, para citar as palavras dos Profs. P. Lima e A. Varela, em anotação artigo 1.675.º do seu Código Civil anotado, 2.ª edição (1992), págs. 265.
É este conceito de alimentos que a apelante defende, para chegar à conclusão de que só os seus rendimentos não chegam para manter o padrão de vida a que estava habituada ao lado do seu companheiro; e defende, na consequência, que sendo esse o seu direito, deve-lhe ser atribuída a pensão que em vida recebia, da B..., o seu falecido companheiro.
Mas não tem razão, com o devido respeito. É que esta obrigação alimentar referida no artigo 1.675.º do Código Civil constitui uma relação jurídica familiar que tem como fonte o casamento, enquanto a obrigação alimentar referida no artigo 2.020.º do mesmo diploma tem como fonte a lei, na medida em que tutela certos aspectos da união de facto e esta não constitui uma relação jurídica familiar. São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e adopção, diz o artigo 1.576.º do Código Civil.
Logo a união de facto não é, (ou não é ainda) no nosso ordenamento jurídico, uma relação jurídica familiar e por isso não decorrem destas os direitos que a lei reconhece a quem vive e por que vive em união de facto. Como é sabido, não há ainda uma equiparação dos direitos e deveres no âmbito da união de facto aos derivados do casamento. É esta a realidade. O que se regista é que a partir do Dec. Lei n.º 496/77, de 25/11 (que introduziu no Código Civil a actual redacção do artigo 2.020.º) se abordou pela 1.ª vez de forma expressa e frontal algumas questões da união de facto, passando-se depois pelo Dec. Lei n.º 322/90, de 18/10, e decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18/01, onde se fez o enquadramento na segurança social, que veio evoluindo com a Lei n.º 135/99, de 28/08 e finalmente com a Lei n.º 7/2001, de 11/05.
Com estes diplomas procurou-se, por imperativo de justiça social, acautelar alguns direitos fundamentais à custa do sistema ou sistemas de segurança social que dependem da contribuição dos cidadãos neles enquadrados. Daí que o que for atribuído ao companheiro sobrevivente de uma união de facto é pago pelos contribuintes da segurança social; serão então alguns a receber do que é produto do sacrifício de todos. E só isto (parece) bastaria para perceber que não é justo que o sacrifício de uns seja canalizado indiscretamente, não para sobrevivência digna, mas para comodidade de outros.
Num momento histórico da sociedade portuguesa, em que se impõem restrições que se antevêem duras à generalidade dos cidadãos em nome da segurança social, não seria seguramente justo que dos seus cofres saísse dinheiro para alguém que dele diz carecer, não para o que é necessário ao seu sustento, habitação e vestuário, mas para fazer viagens ao estrangeiro, como fazia em vida de um falecido companheiro pensionista. Certamente que não é este o espírito do legislador que adoptou as medidas de protecção das uniões de facto constantes da lei n. 7/2001, de 11 de Maio.
Concluímos, então, como fez o STJ ( Acórdão de 23/09/1999; CJ/STJ, 1998, 3.º- 13) que a obrigação alimentar, decorrente da união de facto, consagrada no artigo 2.020.º do Código Civil, reporta-se tão somente ao estritamente necessário ao sustento, habitação e vestuário do alimentando. Só quando este não possa obter esses alimentos da herança do companheiro falecido é que podem estar reunidos os requisitos para lhe ser atribuída pensão a cargo da B....
Não procedem, pois, as conclusões da alegação da recorrente, por não resultarem violados os comandos legais nelas citados, ou outros.

7. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em consequência do que confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Coimbra,
Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Custódio Costa e Ferreira de Barros